
Capítulo 1056
Terramar: O Mar Encoberto
Como artilheira do Narwhale, Lily tinha anos de experiência em expedições. Já navegara ao lado de Charles, enfrentara muitas aventuras, visitara vários lugares, enfrentara perigos incontáveis e lutara contra diversos tipos de monstros.
Porém, por mais perigosas ou aterrorizantes que tivessem sido aquelas jornadas no passado, ela jamais se sentira tão desamparada quanto agora.
Ela preferiria encarar uma dessas Divindades no Mar Subterrâneo. Pelo menos, teria uma chance mínima de escapar. Se o pior acontecesse, ao menos poderia morrer ou simplesmente enlouquecer de vez.
Tudo isso era melhor do que sua situação atual—presa em um ciclo infinito de repetição temporal, lidando com esses monstros imortais e retorcidos, vestidos com pele humana.
A tripulação avançou furiosamente contra Lily numa loucura desenfreada.
Uma luz dourada irrompeu de Lily e erradicou todos eles.
Então, o tempo foi reiniciado.
E tudo começou de novo…
A tripulação não eram criaturas sem raciocínio. A cada reinício do ciclo temporal, eles começavam a se adaptar ao padrão de ataque de Lily e ficavam mais coordenados na abordagem.
Se não fosse pelo desequilíbrio avassalador de poder, já teriam derrubado Lily até agora.
A tripulação, que havia jogado toda a humanidade ao vento, era vil e horrenda, mas eles não eram a verdadeira ameaça. Lily enfrentava uma crise diferente.
O ciclo amaldiçoado não estava mudando apenas a tripulação. Também estava corrompendo a mente de Lily.
Ela não fazia ideia de quantos resets ainda aconteceriam. E, aqui estava ela, completamente cercada por antigos companheiros transformados em criaturas repugnantes, presa neste mar escuro e opressor.
Forçada a reviver o mesmo terror repetidas vezes, toda aquela carga pesava sobre Lily, impulsionando nela um forte desejo de se machucar.
A tripulação já havia tentado o suicídio, mas nada resolveu.
Os mortos seriam revividos no próximo ciclo.
Sentir tal impulso destrutivo sem ter uma saída fazia a ferida dentro de Lily apodrecer lentamente. A decadência corroía sua alma, desafiando suas crenças e valores.
Pensamentos sombrios que Lily nunca havia considerado começaram a enraizar na sua mente. O medo a dominava de dentro para fora, fazendo-a estremecer involuntariamente.
"AAHHHHH!!!"
De repente, Lily gritou com toda a força que tinha. Uma luz radiante a envolveu enquanto ela se lançava ao céu e se dirigia na direção da escuridão.
O arrependimento tomou conta do seu coração.
Ela queria sua mãe e seu pai…
Queria voltar ao calor de casa…
Sua fuga deixou um raio de luz cruzando o céu escuro e profundo. Mas tudo foi inútil.
Quarenta minutos depois, Lily estava de volta ao convés.
Mais uma vez, ela tinha que enfrentar os monstros humanos.
Todos esses anos, Lily sempre foi animada e alegre, como se nada pudesse abalá-la. Mas agora, a luz tinha desaparecido de seus olhos. Seu olhar era vazio, como água parada.
"Ela está quebrando! Não aguenta mais! HAHAHA!"
O capitão Klaus foi o primeiro a rir com uma gargalhada franca. Seu coração estava cheio de uma excitação perversa enquanto olhava para Lily, à beira de um colapso emocional.
Tomada pelo medo, Lily se encolheu e se escondeu. Um brilho suave a cercava, formando um casulo de luz.
A tripulação se aproximou do casulo dourado. Elas pressionaram seus corpos contra a casca luminosa, lamberam-na de maneira frenética enquanto zombavam e despejavam palavras odiosas na garota ali dentro.
Enquanto isso, Lily não sabia por quanto tempo ainda conseguiria resistir antes de se tornar exatamente como eles. Um ano? Ou talvez dois? Ou poderia ser dez.
Mas não importava. Seu destino já estava selado.
Será… que realmente não há saída?
Lily tremia descontroladamente. Seus traços se torciam como se estivesse chorando, mas não havia lágrimas. Os incontáveis ciclos tinham arrancado até mesmo sua última esperança de expressar seus sentimentos.
Os ciclos continuaram…
De novo…
E de novo…
A cada início de ciclo, Lily se recolhia ao seu casulo dourado.
Porém, a casca luminosa ao seu redor ficava mais fina a cada ciclo.
"Senhor Charles!" Com sua última fagulha de esperança e desespero, Lily chamou de dentro de sua prisão luminosa.
Com o passar do tempo, ela percebeu que seu desejo por Charles—sua ânsia pela presença dele—estava lentamente se transformando em outra coisa. Ela estava, aos poucos, se tornando alguém diferente—uma Lily que era igual a eles.
Será que acabou? A ideia passou pela cabeça de Lily. Se o senhor Charles estivesse aqui, o que faria? Usaria qualquer recurso disponível para resolver isso. Mas o que eu posso usar? O que ainda me resta ao meu alcance? Como posso resistir a essa mudança?
Dentro do casulo dourado, Lily se sentou. Pela última vez, reuniu suas últimas forças de vontade para tentar mais uma vez.
Ela cuidadosamente revisou a bolsa na cintura, mas não conseguiu encontrar nada que pudesse salvar sua situação. Recusando-se a desistir, procurou de novo, de novo, até que seus movimentos se tornaram mecânicos.
Justamente quando o desespero ameaçava dominá-la novamente, uma pequena garrafa de arestas arredondadas escorregou do colar de sua camisa e balançou suavemente contra seu peito.
Ela se lembrou dessa garrafa. Quando saiu daquele plano, Linda, a médica do navio, havia dado isso a ela. Linda disse que, se ela começasse a sentir saudades, poderia tomar um gole, e isso traria boas lembranças.
Quase toda a poção havia acabado. Quando voltou para seu lugar, ela não se controlou e bebeu um pouco demais.
Ela desenroscou a tampa, virou a cabeça para trás e colocou o restante na boca. A última gota do elixir grudou no vidro liso antes de escorrer para dentro dela.
Assim que provou a poção na língua, memórias inundaram sua mente. Os sentimentos, que ela achava que havia sido corroídos pelos ciclos infinitos, voltaram intensamente.
Ela se lembrou dos dias de aventuras com a tripulação do Narwhale e de todos os sentimentos que experimentou na época. E, exatamente assim, o vazio dentro dela se quebrou. As crenças corrompidas que ameaçavam devorá-la desmoronaram.
Sua desesperança desapareceu; o vazio frio e sufocante se desfez. Seu coração voltou a pulsar com força.
No entanto, esse sentimento foi de curta duração, pois um novo ciclo começou.
Mais uma vez, a tripulação cercou-a com olhares lascivos.
Contudo, Lily não se importou. Suas mãos tremiam de excitação enquanto cavava freneticamente suas roupas. Ela encontrou a pequena garrafa de arestas arredondadas, ainda quente pelo calor do corpo.
Ela observou as últimas gotas de líquido balançarem na garrafa. O que havia consumido no ciclo anterior tinha sido reabastecido.
Pela primeira vez desde essa loucura de ciclo temporal, os cantos dos lábios de Lily se ergueram numa curva. Era um sorriso verdadeiro, radiante e brilhante. Ela finalmente tinha encontrado o caminho para sair daquele ciclo torturante.
A poção que Linda lhe dera como presente de despedida era a chave. Com ela, jamais se rebaixaria ao nível daqueles monstros que a cercavam.
Sem hesitar, Lily inclinou a cabeça para trás e bebeu cada gota. Mais uma vez, aquela sensação estranha de calor a invadiu. Ela sentiu como se os tripulantes do Narwhale estivessem ao seu lado.
A cada início de ciclo, a primeira coisa que Lily fazia era beber a poção.
Os efeitos pareciam se acumular a cada ciclo e reforçavam suas crenças. Ela sentia que estava voltando a ser ela mesma.
Eu consigo suportar! Eu consigo!
Os ciclos continuaram—novamente e novamente. Mas ninguém mais se importava. Se passaram dez anos ou vinte, não fazia mais diferença. A tripulação já não se importava mais com ela.
Quando perceberam que Lily, à beira do colapso, tinha voltado ao normal, uma fúria ardente os consumiu.
Seus gritos de raiva se dirigiram a Lily, soltando maldições e palavras odiosas. Finalmente encontraram uma maneira de acabar com o tédio, e agora isso se dissipou num instante.
Porém, a raiva e a frustração logo se esvaíram com o passar do tempo.
Ao ver que Lily não se tornou uma delas, a tripulação, lentamente, perdeu o interesse por ela. Um a um, foram embora, procurando algo mais para passar o tempo.
Após um tempo indeterminado, de repente, o ciclo foi interrompido.
No instante em que Lily percebeu que tinham saído de sua prisão, ela ficou sem saber como reagir. Seus sentimentos eram complexos demais. Ela não sabia o que fazer. Tão tempo presa em um ciclo infinito, que a própria realidade parecia estranha para ela.
E então, também perceberam os outros.
Os rostos deles se iluminaram com uma alegria selvagem.
"Estamos fora! Finalmente fora! Corram! Agora!"
Na sua velocidade máxima, todos pegaram suas armas, apontaram para a cabeça e puxaram o gatilho.