
Capítulo 1052
Terramar: O Mar Encoberto
Os membros da tripulação próximos achavam graça do que Wrench fazia, e só Lily percebeu que havia algo errado com ele.
A expressão de Wrench estava apática, enquanto ele se recostava no chão. Seus olhos vazios faziam parecer que ele era uma casca vazia.
Lily se aproximou, preocupada, e perguntou: "Você está bem?"
Depois de um tempo, Wrench finalmente voltou a si. Sentou-se, olhando de relance para os membros da tripulação e para Lily, completamente zonzo. Então, sua expressão rígida se quebrou, e uma mistura de irritação e uma alegria selvagem explodiu de dentro dele.
Sua boca se abriu de par em par enquanto ele soltava um uivo angustiante. Coriza, lágrimas e saliva saíam de suas orifícios. "Ahhhh!!!"
A maior parte da tripulação se calou diante da cena. Retraíram-se rapidamente, com uma garrafa de álcool na mão e a outra segurando a arma na cintura.
"Eu tô querendo lhe dizer, Wrench, você está indo longe demais. Não esqueça que ainda estamos no mar. Ei, pessoal! Avisem o capitão e o médico para virem aqui."
Klaus estava ocupado escrevendo nos registros do navio em seus aposentos, mas parou o que estava fazendo e correu até o convés. O médico do navio também chegou rapidamente.
Assim que o médico foi examinar Wrench, Klaus levantou a mão e falou: "Espera."
Após ouvir Lily contar o que tinha acontecido, Klaus virou-se para Wrench, que estava em completo estado de pânico, e perguntou: "Wrench! Você consegue me ouvir?"
Wrench tremeu violentamente. Virou-se para Klaus, mas seus olhos estavam vazios.
Parecia que ele não reconhecia Klaus de jeito nenhum.
"Jogue aquelas duas relíquias na sua cintura e entregue essa arma também."
Pela segurança do restante da tripulação e de seu empregador, Klaus queria que Wrench entregasse suas armas. Seu comportamento tinha ficado tão errático que não podia mais ter acesso a qualquer armamento.
Além disso, tudo podia acontecer naquele mar estranho. Talvez Wrench tivesse sido substituído por algum monstro desconhecido assim que tocou naquele iceberg.
"Capitão? É você mesmo, capitão? Capitão! Aquele iceberg!! Não toque nele, não importa o que aconteça!" Wrench rugiu, usando toda sua força para avisar seu comandante.
"Que papo mais absurdo é esse?" dizia um marinheiro ao lado de Klaus. "Além de você, quem mais teria coragem de tocar num iceberg?"
Embora fosse um pouco impróprio, alguns membros da tripulação não conseguiram evitar rir do comentário. A aparência séria deles foi destruída pelo riso.
Justo naquele momento, flocos de neve começaram a cair do céu, pousando em todos.
Chuva era rara no Mar Subterrâneo, e além de Lily, que tinha ouvido a palavra "neve" de Charles, ninguém mais tinha ideia do que estava caindo do céu.
No entanto, Wrench parecia especialmente assustado com os flocos de neve. Ele gritou desesperado, tentando se desviar, mas a neve caía rápido demais para que alguém pudesse escapar.
Wrench desabou no convés, chorando de desespero enquanto a neve cobria seus cabelos.
"Todo mundo, recuem para dentro da cabine! Tirem a poeira branca de vocês!" exclamou Klaus, dando a ordem mais sensata contra uma ameaça desconhecida.
Todos sacudiram a neve de si, nervosos, esperando que algo acontecesse. Mas nada mudou, mesmo após algum tempo. Nenhuma pessoa morreu, e nenhum deles se transformou em um monstro horrendo.
O médico do navio se aproximou e examinou Wrench, mas não encontrou nenhuma anormalidade.
"Ei, vocês estão levando essa brincadeira longe demais?" perguntou o Primeiro-oficial. Furioso e sentindo-se enganado, ele chutou Wrench, que estava no chão. Assim que sua perna tocou Wrench, os olhos dele ficaram vazios mais uma vez, assustando o Primeiro-oficial.
Momentos depois, o Primeiro-oficial se recuperou e se sentiu envergonhado por ter se assustado com uma mudança tão pequena na expressão de alguém.
Ele tinha navegado muito tempo pelo mar, era considerado um marinheiro experiente e velho. Ficou especialmente constrangido por ter se assustado na frente de seu empregador.
Klaus estendeu a mão, puxou Wrench do chão e falou: "Fala. O que exatamente há de errado com você? Se continuar assim, não me culpe se eu jogar você no mar."
A atenção voltou ao olhar de Wrench, e um sorriso amargurado, cheio de incredulidade, surgiu em seus lábios. "Estamos perdidos. Todos nós, estamos perdidos. Começou de novo!"
Um punho pesado atingiu o estômago de Wrench. Ele se encolheu e vomitou toda a bebida que tinha no estômago. O cheiro de álcool se espalhou rapidamente pela cabine.
"Não tenho tempo pra brincadeira! Fala! O que está acontecendo?!" exclamou Klaus, irritado. Ele não tinha problemas em enfrentar inimigos ou monstros no mar, mas o inexplicável era diferente. Ele estava apavorado de encarar algo que ia além da compreensão humana.
Afinal, esses problemas nunca poderiam ser resolvidos apenas com força. Embora nada tivesse acontecido até ali, Klaus sentia uma inquietação crescente desde que o comportamento de Wrench mudara drasticamente.
Engolindo uma bocada do próprio vômito, Wrench virou-se para o relógio na parede e disse: "Você vai descobrir agora. Olhe para esse relógio. Cinco, quatro, três, dois, um."
Assim que as palavras de Wrench caíram, eles de repente se viraram para o convés. Mais precisamente, voltaram ao momento em que os flocos de neve tinham acabado de pousar neles.
"Voltem! Todos, voltem para dentro da cabine!" gritou Klaus, liderando os tripulantes de volta ao interior.
"Sobrecarreguem os motores! Vamos sair daqui, essa maldita terra!" gritou Klaus, nervoso, pelo pipe de comunicação. No entanto, a velocidade do navio continuava lenta, mesmo com seus comandos.
Klaus deu mais algumas ordens, sem obter resposta. Por fim, enviou alguém verificar.
Pouco depois, uma voz ecoou pelo pipe de comunicação: "Capitão! O Engenheiro-Chefe e o Engenheiro-Adjunto estão congelados! Estão parados como estátuas!"
"Droga!" reclamou Klaus. Sua expressão ficou sombria enquanto olhava os iceberges sob a luz do holofote.
"Primeiro-oficial e segundo-oficial, vocês dois vão lá embaixo e assumam o comando das máquinas. Vamos sair logo daqui antes que aconteça qualquer coisa."
O Primeiro-oficial e o Segundo-oficial saíram imediatamente para cumprir a ordem. A 'Paixão da Donzela', que ia sendo lentamente engolida pela neve, virou-se rapidamente e fugiu desesperadamente daquela região estranha e desconhecida.
Lily olhava ansiosa para o relógio na parede. A ansiedade crescia a cada minuto.
Quando o ponteiro das horas e o dos minutos se sobrepuseram, a cena ao redor deles piscou, e eles voltaram ao convés mais uma vez. A posição, postura e expressão de todos estavam exatamente iguais ao momento em que os flocos de neve tinham acabado de pousar.
Wrench caiu no chão, olhou para seu capitão e disse: "Viu? Eu já passei por isso várias vezes antes. Estamos presos aqui, vivendo os mesmos quarenta minutos repetidamente."
No entanto, Klaus não tinha tempo para se preocupar com ele. Jogou Wrench no chão da cabine e correu para a ponte com os demais membros da tripulação.
Estavam presos numa situação bizarra, e só conseguiam ver, do lado de fora, a mesma imensidão branca. Como capitão, Klaus precisava encontrar uma maneira de escapar dessa situação.
Infelizmente, encontrar uma solução não era tão fácil assim.
A cada quarenta minutos, eles se viam de volta ao convés. Conforme o ciclo se repetia, a tripulação acabou deixando de se esconder e passou a ficar na neve, bebendo um pouco de álcool.
Logo, um novo ciclo começou, e uma ideia surgiu na cabeça de Lily num estouro de inspiração. Ela virou-se para Wrench, que estava tão enterrado na neve que parecia um boneco de neve no chão.
"Ainda não perca a esperança. Existe uma saída, e você é a chave. Então me diga, como você saiu da última vez?"
O coração de todos se acendeu com esperança ao ouvir isso.
Se Wrench conseguisse sair, isso significava que eles também conseguiriam.
"Haha. Claro que dá pra sair fazendo o que eu fiz. É só esperar. Mas vocês sabem quanto tempo eu fiquei preso nesse ciclo de quarenta minutos? Dez anos! Um decênio inteiro!!"