
Capítulo 996
Terramar: O Mar Encoberto
Ao perceber o sorriso de Lily combinado com o silêncio dela, Maya soltou uma suspiro carregado de saudade. "Não sei qual tipo de rapaz você gosta, mas tenho certeza de uma coisa: ele com certeza é um sortudo."
Seus olhos então se fixaram na pequena garrafa marrom pendurada no pescoço de Lily. "Você está sempre usando isso. É um presente de alguém especial?"
As dedos pálidos de Lily se fecharam ao redor do frasco, segurando-o com força junto ao peito. Com um olhar cheio de saudade, ela respondeu: "Não, é um presente de uma amiga."
A garrafa tinha sido um presente de despedida de Linda. Ela dizia que continha uma poção que Lily podia usar sempre que sentisse saudades delas. Mas, agora, já não havia muito dentro do frasco.
"Uma amiga mulher?" Maya repetiu. Sua voz elevou um pouco e chamou a atenção de alguns clientes próximos. "Então você é tipo a governadora Elizabeth? Você também gosta de mulher?!"
"Que absurdo é esse que você está dizendo! Eu não vou te aturar se continuar nessa discussão," retrucou Lily. Suas bochechas ficaram com um tom rosado suave enquanto ela abaixava a cabeça e se concentrava em terminar a comida no prato.
"Tudo bem, tudo bem. Eu paro. Quer assistir a um filme comigo hoje à noite? Ouvi dizer que o Teatro Baleia Azul está com uma novidade."
Lily pensou por um instante antes de balançar a cabeça. "Melhor não. Minha mãe vai se preocupar se eu chegar muito tarde. Por que você não vai com seu namorado?"
Pegando o guardanapo branco, Maya limpou a boca com uma ponta antes de responder: "Ele que está atrás de mim, então não vejo motivo para gastar dinheiro pra manter nosso namoro. Se você não vai, também vou pra casa estudar. Já está na hora de me formar de qualquer jeito."
Depois de terminar as sobremesas servidas pelo garçom, as duas garotas saíram do Restaurante Garrinha Vermelha. Em uma interseção circular, despediram-se e seguiram seus caminhos separados.
De pé em uma esquina movimentada, Lily entrelaçou os dedos das mãos e esticou os braços acima da cabeça. Então, caminhou lentamente pela rua, apreciando silenciosamente as vistas em constante transformação da Ilha da Esperança.
Ao passear, ela acabou chegando a um beco bastante movimentado. Ambos os lados da rua eram forrados por barracas improvisadas, com objetos estranhos espalhados pelo chão em uma exposição eclética.
O trecho estreito do meio estava lotado de pessoas ansiosas, bisbilhotando e negociando mercadorias, deixando quase nenhum espaço livre para passar.
Este era o Beco do Chifre Preto, o maior mercado de pulgas da Ilha da Esperança.
No começo, era apenas um mercado pequeno, onde os moradores da ilha se reuniam para vender itens de segunda mão que não queriam mais. Com o tempo, cresceu e virou um bazar caótico cheio de todo tipo de mercadoria estranha e inusitada.
Havia muitas histórias sobre esse lugar, incluindo uma em que um comprador encontrou um tesouro inestimável e ficou rico da noite para o dia.
Porém, quem tinha um olho treinado sabia que a maior parte das coisas era só porcaria falsificada, feita especialmente para pegar sonhadores e tolos. Isso até fomentou uma indústria inteira — que criava esses produtos falsificados nos bastidores.
"Procurando uma relíquia? Relíquias vivas, autenticidade garantida! Diretamente da Fortaleza Fenda Colossal!"
"Essa arma foi usada pelo Governador da Ilha da Esperança! Senhor, se não comprar agora, vai se arrepender pra sempre!"
"Não, R$4.000 é muito pouco! Isso é um mapa do Tesouro Subaquático da Associação dos Exploradores. Hoje em dia, nem há mais exploradores, por isso esses itens só vão valorizar. É um investimento, senhor. É tão bom quanto ganhar mais dinheiro todos os dias se você trouxer pra casa!"
Apesar do barulho ao redor, Lily não se incomodava muito. Sempre que entrava no Beco do Chifre Preto, ela sentia uma paz profunda se instalar dentro de si.
Era exatamente o mesmo lugar onde Charles a levara antes de morrer. O lugar onde tiveram seu primeiro encontro.
Com as mãos entre as costas, Lily caminhava lentamente, aproveitando silenciosamente a tarde que parecia quase refletir aquela de anos atrás.
A cada passo, lembranças vinham à sua mente. Caminhar por essas ruas familiares sempre despertava um desejo estranho em seu coração.
Que incrível seria se ela pudesse voltar àquele dia especial? Mesmo sabendo que morreria no dia seguinte.
Apesar de seu ritmo lento, ela se aproximava da parede velha ao longe. Finalmente, chegou à parede que marcava o fim do caminho.
Reunindo suas emoções, Lily rapidamente se virou, dando a volta em seus próprios pés. Seus passos ficaram mais leves enquanto ela caminhava apressada para casa.
"Mamãe, já voltei!" anunciou Lily ao abrir a porta.
"Bem-vinda de volta, querida," Olivia sorriu ao se aproximar da filha para um breve gesto de carinho na bochecha.
A irmã mais nova de Lily a cumprimentou abraçando sua perna. Lily a pegou no colo com facilidade e fez uma volta alegre com ela, antes de colocá-la no chão. Depois, correu escada acima até o seu quarto.
O quarto de Lily tinha uma decoração aconchegante, que transmitia uma atmosfera acolhedora. Sentada na mesa, ela levantou a mão direita e esticou delicadamente o dedo indicador.
Debaixo da unha, emergiu um pequeno sol radiante. Com sua luz, Lily começou a revisar o conhecimento que aprendera na escola mais cedo.
Para falar a verdade, Lily não era particularmente talentosa nos estudos. Mas, anos de exploração perigosa lhe deram algo que compensava essa deficiência: uma determinação firme.
Se ela não entendia algo na primeira tentativa, tentava outra vez. Se ainda não entendia, na segunda, tentava uma terceira. Ela acreditava que, com perseverança, conseguiria entender no final.
Os exames finais estavam chegando e Lily tinha confiança de que teria um excelente resultado.
O solzinho brilhava forte até tarde da noite, antes de finalmente se apagar.
No dia seguinte, Lily desceu a escada de madeira de monzóile, de pijama, para tomar café da manhã com a família.
O café da manhã de hoje tinha torradas com bacon crocante e as bananas típicas da Ilha da Esperança. Os quatro se reuniram para comer enquanto conversavam sobre as últimas novidades da ilha.
Além dos feriados, a rotina matinal dessas era uma das poucas ocasiões em que Lily tinha para compartilhar momentos com a família. Depois de já ter perdido esses momentos antes, ela agora os valorizava ainda mais.
O Dr. Oliver pegou sua xícara de café recém-passado, deu um gole e, então, virou-se para a filha mais velha. "Lily, ouvi dizer que a cerimônia de formatura da academia já está chegando."
"Sim," confirmou Lily com um aceno de cabeça. Pausou para engolir um pedaço da comida e continuou: "Faltam duas semanas. Depois das provas, vamos nos formar oficialmente."
"Ainda vai ter provas? Mas o conhecimento que vocês estão estudando não é coisa que alguém já tenha ensinado antes, né? Quem está elaborando as perguntas?"
"Eles estão dividindo a turma em dois grupos, e vamos fazer as perguntas do exame um para o outro."
O Dr. Oliver assentiu compreendendo. "O tempo voa, hein? Uma piscada e já estão quase formando. O que você aprendeu durante tanto tempo de estudo?"
"Ah, aprendi tantas coisas! De várias áreas diferentes! Talvez por minha experiência anterior com cálculo de trajetórias, acabei gostando muito de matemática. Pai, você nem vai acreditar, mas tudo no mundo pode ser representado por matemática!"
"E, apesar de tudo, o que mais me marcou foi aprender a me relacionar com pessoas da minha idade. Isso me ajudou a normalizar meu jeito de pensar. Acho que essa é minha maior conquista."
O Dr. Oliver trocou olhares com a esposa antes de fazer outra pergunta. "Lily, já pensou no que quer fazer no futuro?"
As forças e a animação de Lily pareceram se apagar instantaneamente, ela congelou no lugar. Piscou várias vezes, visivelmente sem saber como responder.
Sentada ao lado dela, Olivia estendeu a mão com delicadeza e segurou a da filha. Com um olhar carinhoso, ela disse: "Tome seu tempo, querida. O caminho que você escolher, nós apoiaremos sua decisão."