
Capítulo 60
Rainbow City
“Cadê o médico?” Kwak Soohwan perguntou novamente. O velho carregava um recipiente de aço inox sob o braço e segurava uma seringa e uma embalagem vazia na outra mão. “Você acha que isso aqui é cidade? Aqui não tem médico, além disso, droga, eu sou meio médico também.” O sotaque do velhoto misturava um pouco de russo, deixando sua fala meio dialetal. “O Dr. Seok injetou alguma coisa estranha nele?” Kwak Soohwan sabia que Seokhwa muitas vezes se experimentava, mas desde que o conheceu, ele evitava procedimentos perigosos. Então, se não era o caso… “Fui eu, seu doido velho? Você fez alguma coisa com ele?” O velho quis dar uma bofetada no Kwak Soohwan, que tinha uma língua insolente. Sabendo o quanto Kwak Soohwan vivia observando Seokhwa com olhos vorazes, ele deixou um suspiro. Apesar de serem os únicos que vieram da cidade, a obsessão de Kwak Soohwan era extrema demais para quem visse de fora. Ele não permitia que Seokhwa desse um passo fora do laboratório sozinho e ficava de guarda com os braços cruzados sempre que os locais vinham trocar comida e remédios. Com Seokhwa agora inconsciente, não era de se espantar que Kwak Soohwan estivesse agindo assim. Como o velho era bem mais velho, decidiu suportar e se aproximou de Seokhwa. “É porque ele está com falta de sangue.” “Sangue?” Observando o rosto pálido de Seokhwa, parecia um vampiro, embora provavelmente não tivesse força para morder ninguém com esses dentes. “Na cidade, ele teria uma alimentação balanceada. Apesar da condição, conseguia levar uma vida mais ou menos normal porque era pesquisador-chefe na cidade que você tanto despreza. Se ele tivesse nascido assim aqui, não teria sobrevivido nem aos cinco anos.” As palavras diretas do velho deixaram Kwak Soohwan sem fala. Por mais que cuidasse de Seokhwa, não se comparava a viver confortavelmente na cidade. Então, Seokhwa tinha colapsado por estar à beira de se segurar. “Vou fazer uma transfusão de sangue nele.” “Pode ser?” “Qual o problema se não puder?” O velho estreitou os olhos. “Vocês dois têm o mesmo tipo de sangue, então qual é o problema? Ou você quer deixá-lo assim? Então ele vai se recuperar sozinho ou vai enfraquecer ainda mais e desmaiar.” Kwak Soohwan rapidamente estendeu o braço. O velho, colocando as luvas, começou a tirar sangue do vigoroso Kwak Soohwan. Parecia alguém que ainda poderia voar mesmo após doar 2 litros, mas o velho tinha uma aura que parecia capaz de arrancar a cabeça de Kwak Soohwan da corrente, se tentasse alguma gracinha. “Falta de comida causa deficiência de sangue?” Kwak Soohwan não entendia o que causava anemia ou como era a sensação. “Achava que o médico era um hamster comendo amendoim ou amêndoas da Federação? Ele come o que consegue pra sobreviver porque está com deficiência de ferro. Pode não parecer, mas dois séculos atrás, as pessoas geralmente não passavam dos cinquenta ou sessenta anos. Os fracos nascidos ali morriam jovens. Agora, a humanidade está regredindo pra esse estado. É como uma retribuição divina.” “Velho, posso apresentar você ao Éden? Você parece encaixar direitinho, falando de retribuição divina.” A mão do velho tremeu ao tirar a agulha da veia de Kwak Soohwan. Kwak Soohwan achou que o velho devia beber menos, pois seus tremores eram visíveis. Ele pressionou um torpedo estéril contra o braço sangrando e jogou no chão. Puxou uma cadeira dobrável perto da cama de Seokhwa e se sentou, com os braços cruzados. “Por que você traiu a cidade?” “Nunca fui leal, então como poderia trair?” “Se é assim, por que se preocupar em voltar? Por que desenvolver uma vacina pra retornar?” Ver o sangue de Seokhwa sendo transferido lhe dava uma sensação estranha de alegria. Era como se ele estivesse nutrindo uma criança com seu próprio sangue. Isso tornava Seokhwa e ele quase uma família. “Kwak, agora que a vacina tá quase ficando pronta, por que você não fica aqui e faz algum bem pras pessoas?” Ao contrário de Seokhwa, que responderia prontamente às perguntas, Kwak Soohwan raramente falava de si mesmo. “Não me importaria, mas o Dr. Seok não quer isso. Ele quer viver mais livremente.” Diferente do amargurado Kwak Soohwan, o velho parecia entender melhor os sentimentos de Seokhwa. Kwak Soohwan era do tipo que sobreviveria até numa ilha deserta, mas o médico morreria sem alguém cuidar dele. De repente, o velho olhou de relance para Kwak Soohwan, que estava sentado de braços cruzados. “Como vocês dois acabaram juntos?” Chamavam um de Dr. Seok e o outro de Major, indicando que um era médico e o outro, soldado. Era curioso que duas pessoas com profissões tão diferentes tivessem saído da cidade juntas. “O Dr. Seok se apaixonou por mim e ficou me seguindo pedindo meu esperma, então acabei me deixando levar,” Kwak Soohwan disse. Quem ouvisse isso pensaria que Seokhwa tinha estado perseguindo Kwak Soohwan com paixão, mas parecia que o durão Major simplesmente tinha seguido o médico elegante, como um bicho de egg, sem pensar muito. Na verdade, Kwak Soohwan não tinha conflitos com os locais aqui. Ele saía secretamente pra fumar ou beber e sempre buscava oportunidades pra ficar perto de Seokhwa. Nesses dias, o Seokhwa fantasmagórico ficava ainda mais retraído, descendo até o laboratório. Para o velho, Kwak Soohwan parecia um punguista, enquanto Seokhwa trabalhava sério na vacina. Ele, só um preguiçoso que gostava mesmo era do médico inteligente e se voluntariava como guarda-costas. O velho muitas vezes resmungava preocupado por Seokhwa, se perguntando por que ele ficava com um encrenqueiro desses. Mas então pensava em como eles haviam viajado da cidade até Vladivostok desarmados. Devem ter enfrentado batedores e predadores ferozes no caminho, e ainda assim, continuaram inteiros. “Se vocês vieram da cidade, devem ter seguido o trilho do trem. Ursos aparecem bastante por lá, especialmente aqueles que desenvolveram gosto por carne humana.” “Nunca vi nenhum.” “Bichos famintos são tão assustadores quanto os Adams. E você nunca viu?” “Provavelmente éramos sortudos.” “Sortudos o suficiente pra evitar os batedores também?” Kwak Soohwan, que estava focado em Seokhwa, virou a cabeça para o velho. Seus olhos ficaram bravos, como se estivesse mandando o velho não fuçar. Naquele momento, um som fraco veio da cama silenciosa. “…Major.” Kwak Soohwan pulou e correu até Seokhwa. O Seokhwa, que antes não se mexia, finalmente deu um gemido. “Tô aqui. Tudo bem. Pode dormir mais um pouco.” O rosto de Seokhwa, que estava pálido como um fantasma, começou a ganhar cor. Quando Kwak Soohwan tocou sua mão, sentiu o calor voltando. Aliviado, Kwak Soohwan passou a mão na testa de Seokhwa. “Foi logo antes de vocês aparecerem que o número dos invasores diminuiu repentinamente. Não importa o quão inúteis eles fossem, tinham uma lealdade forte. Se um morresse, cem iriam em cima pra se vingar. Então, quando o número caiu, a galera comemorou achando que tinha sido pelos animais. Mas, com todas as armas que tinham, como eles poderiam ter sido mortos por animais?” Kwak Soohwan verificou se Seokhwa tinha voltado a dormir e colocou o ouvido perto do rosto dele para garantir que respirava bem. “Foram com certeza mortos por uma pessoa. E só uma.” Kwak Soohwan ajeitou Seokhwa na cama, olhou para o velho, que era mais baixo do que ele em duas cabeças. “E então?” Seus olhos estavam ameaçadores, como se estivesse avisando o velho para não abrir a boca sobre o Dr. Seok. O velho percebeu que sua suspeita estava certa. “Kwak, você também é um mutante.” Não era o resultado daqueles experimentos dos urbanitas? O velho, por dentro, ria amargamente ao ver a combinação de um mutante vivo e de um médico frágil. Mas tentou se convencer de que não importava, que tava se preocupando demais. Vendo Seokhwa receber a transfusão sem problemas, achou que era só uma preocupação desnecessária. Ainda assim, se sentia estranho, então coletou o sangue restante junto com o algodão que Kwak Soohwan tinha jogado fora. No dia em que a vacina ficou pronta, Seokhwa e Kwak Soohwan partiram de repente, deixando só o método de produção. A descoberta de anomalias no sangue de Kwak Soohwan após a transfusão explicou por que nenhuma outra vacina tinha funcionado. Droga, Rainbow City tinha sido mesmo bem-sucedida. Kwak Soohwan não era qualquer mutante. Felizmente, Seokhwa, que recebeu seu sangue, parecia bem até a saída. Mas se aquilo era só o começo, pelo menos ele ficava aliviado. O problema era a vacina que Seokhwa criou e as características dos mutants. Levou três meses pra desvendar toda a verdade, mas ainda era só uma hipótese. Mesmo assim, foi suficiente pra mexer com o velho. *** Seokhwa engoliu em secos. O Adam na sua frente tinha dito certeza “Eva”, igual aos do zoológico. Adam rosnou e correu para a direção dos soldados na saída de emergência oposta, desviando de Seokhwa. Mas um Adam com um braço faltando não desviou e atacou direto. “Ah!” Com um rugido, o Adam, todo fendido, tentou morder seu rosto. Seokhwa gritou silenciosamente: “Não, não!” Empurrou a mandíbula do Adam com a palma da mão, pra impedir que abrisse a boca. Ainda sangrava pelo nariz. Com os dentes cerrados, Seokhwa empurrou com força o Adam pra longe e se arrastou pra frente. Tapa! Tapa! Sangue escorria pelo chão enquanto o Adam rastejava atrás dele, arrastando-se com um braço, deixando um rastro de sangue que se misturava ao de Seokhwa. Ele deveria correr até a saída de emergência do outro lado? Se até os soldados não infectados fossem infectados por causa dele… Seokhwa conseguiu se levantar de relance e se encostou na janela transparente. “Hurk. Huurrk.” De repente, o Adam puxou a garganta como se fosse um animal com um osso preso nele. Quando ouviu um engasgo, uma enxurrada de sangue espirrou no chão. Seokhwa começou a correr na direção oposta, para fugir do sangue que se espalhava. Seokhwa! Naquele momento, achou que ouviu a voz de Kwak Soohwan distante, como se fosse impossível. Deve ser alucinação auditiva, não podia parar de correr. “Ugh.” Balanceando a cabeça, continuou até a sala de emergência anterior. O coração batia forte enquanto empurrava a porta entreaberta. E se Yoo Jungkyung ainda estivesse vivo? E se estivesse com uma faca ou uma arma para atacá-lo? Medo, fechou a porta de casa com força. Dentro do plástico transparente, o cadáver ainda estava espalhado. Era estranho. Se o novo vírus Adam estivesse no corpo dele, aquilo poderia ter se transformado em Adam, mas Yoo Jungkyung e o Adam de antes sangram excessivamente e depois não se mexeram. Seokhwa tentou não olhar para o corpo de Yoo Jungkyung enquanto puxava a maca de descanso. Ficou ao lado da pia, deixando o sangue escorrer do nariz incessantemente. Aperta a ponte do nariz pra parar o sangramento e abafou o choro. Vai ficar tudo bem. Assim que o sangramento parou, Seokhwa limpou cuidadosamente qualquer vestígio de sangue. As mãos tremiam tanto que deixou o sabonete cair. Ele escorregou pelo chão, por falta de atrito. Estava deitado no chão, tentando pegar o sabonete, quando—“!” Parecia um pesadelo acordado. O cadáver que estava dentro do plástico desapareceu. Quando Seokhwa se levantou de pressa, algo frio tocou suas costas. Ele parou na hora. Um som áspero saiu bem perto do seu ouvido. Seokhwa se virou, com o corpo enrijecido de medo. Yoo Jungkyung, coberto de sangue, ficou ali, de boca aberta, babando sangue grosso como um bicho esfomeado. “Major Yoo…?” Seus olhos estavam nublados, igual aos outros Adams. Olhou pra chamá-lo, mas também não se moveu. Bang! Bang! O som dos tiros veio de fora, assustando Seokhwa, e Yoo Jungkyung começou a correr na direção da porta. Transformado em Adams, sem pensar, chocou seu corpo contra ela. Por que ele não está me atacando…?