Poder das Runas

Capítulo 188

Poder das Runas

Onde a luz do luar parecia iluminar a noite, e o vento frio soprava suavemente pelo céu aberto, a floresta abaixo reluzia sob uma tênue luz prateada. Era uma cena bela e tranquila — uma que pertencia à cidade dos Elfos à distância.

Embora as luzes da cidade élfica cintilassem suavemente como estrelas no chão, Ash e Elysia estavam bastante longe dela, sentados em silêncio na borda de um penhasco que tinha uma vista privilegiada da copa das árvores.

Os dois estavam ali, lado a lado, mas sem dizer uma palavra.

Havia silêncio entre eles, e já haviam se passado cinco minutos inteiros. Ainda assim, nenhum tinha falado algo.

Ambos estavam perdidos em seus pensamentos, com os corações estranhamente tensos, pensando exatamente a mesma coisa.

_Por que ele não está dizendo nada...?_
_Por que ela não está dizendo nada...?_
E então, quase como se seus corações estivessem ligados por um ponto invisível, ambos falaram ao mesmo tempo.

"Ash."

"Nancy."

No momento em que suas vozes se sobrepuseram, uma risadinha suave escapou de ambos. A tensão que vinha se acumulando começou a diminuir, relaxando um pouco, permitindo que o ar entre eles pudesse respirar novamente.

_Não há como ela ter mudado,_ pensou Ash silenciosamente. O jeito que ela falou, a forma como ela riu sem hesitar... era exatamente como antes.

A pessoa que estava ao seu lado ainda era ela. Ela não tinha mudado. Ele estava simplesmente pensando demais. Era paranoia demais.

Era tudo que ele tinha consciência.

Desta vez, foi Elysia quem quebrou o silêncio.

"Você deve estar morrendo de curiosidade para saber como eu acabei nesse mundo, né?" ela perguntou, com a voz calma e natural, mas com um leve brilho nos olhos que mostrava que ela já sabia a resposta.

Ash assentiu com a cabeça. "Sim."

Elysia sorriu suavemente. O olhar dela se voltou para a paisagem vasta e aberta à sua frente. A luz do luar refletia nas copas das árvores, e, com aquela vista serena ao fundo, ela começou a falar.

"Não sei exatamente como aconteceu. Mas depois que morri, na próxima vez que abri os olhos, já estava dentro deste corpo. Na época, eu estava deitada em um orfanato. Ainda lembro de como estava confusa, perdida. Mas, pelo menos, fiquei grata por ter acesso às memórias deste corpo. Isso facilitou as coisas... de aceitar."

Ela fez uma pequena pausa, sua voz suavizando.

" ‘Elysia’ era apenas uma criança quando perdeu os pais num ataque de demônios. Depois disso, passou a vida sozinho, carregando só a tristeza no coração. Decidiu dedicar sua vida inteiramente a matar demônios. Esse virou seu único objetivo."

"Embora, como você sabe, também não tínhamos pais na nossa vida passada. Então, pra mim, era difícil entender completamente o tipo de ódio que ela carregava. Eu não podia sentir de verdade a dor daquela perda, mas pensei... talvez, se eu tivesse poder, e encontrasse um demônio, eu o mataria. Mesmo não podendo sentir as emoções dela do mesmo jeito, era a menor ação que podia fazer."

"Aquela decisão... talvez fosse uma forma de agradecimento. Ou talvez fosse o último resquício de consciência que eu tinha após tomar conta do corpo dela. Não que eu tivesse vontade de tomar o corpo dela desde o começo. Foi só... aconteceu."

Ash escutou de silêncio às palavras dela, sem interromper, nem uma vez. Ele já conhecia a verdadeira história de Elysia — ou, pelo menos, o que tinha sido escrito sobre ela no Romance.

Mas ouvi-la assim, falando com a voz de Nancy, dava a tudo um peso completamente diferente.

Elysia continuou.

"A vida que eu tinha no orfanato era bastante normal. Não diferia muito de como costumávamos viver. Era simples. Era tranquila. Só... você não estava lá. Essa era a única coisa que faltava."

Ela fechou os olhos por um momento, sua voz carregada de uma doçura amarga.

"Eu pensava em você o tempo todo. Fiquei imaginando o que você fazia, como vivia sua vida lá na Terra. Se estava seguro, ou se ainda era aquele idiota que agia sem pensar."

"Foi difícil pra mim me ajustar à nova vida. Muito mais difícil do que eu esperava. Apesar de tudo estar calmo, de as pessoas serem gentis, ainda assim parecia incompleto sem você."

"O tempo passou... mas a dor de estar separada de você nunca desapareceu. Ficou como uma ferida que se recusava a cicatrizar. Continuei me amaldiçoando por ter deixado você fazer aquela jogada suicida. Pensei que não deveria ter pedido para você olhar aquela garotinha. Deveria ter deixado a menina morrer ao invés."

Sua voz vacilou um pouco, não por fraqueza, mas por emoções que ela vinha escondendo profundamente.

"Mas talvez... só talvez... por causa dessa escolha, acabei neste corpo. Ou talvez, você também tenha acabado assim."

Ela segurou com força as mãos de Ash, como se nunca quisesse soltá-las. O aperto dela era quente, trêmulo, por todo o turbilhão de emoções que ela carregava escondido.

Mas, após se acalmar um pouco, ela voltou a falar.

"Ah, e... eu transmigrar quando tinha doze anos," ela começou, com a voz suave e pensativa. "E, depois de dois anos, acordei. Lembro de ter ficado feliz naquela época, sabe? Pelo menos, me deu algo — um objetivo, algum propósito pelo qual lutar. Algo que me distraísse de... você."

As palavras dela ficaram no ar, por um instante, carregadas pelo vento frio.

"Naquela época, também tinha esperança," ela continuou, os olhos se voltando para as estrelas. "Esperança de que talvez eu recebesse algum sistema. Sabe, aquelas bruxarias mágicas ou ajudas especiais. Mas nada assim aconteceu. Em vez disso... acordei com duas características."

Isso chamou a atenção de Ash.

Ele pisqueou. Pelo que se lembrava no romance, a Elysia daquele mundo tinha apenas uma característica conhecida — ‘Benção da Lua’. Nunca foi mencionado uma segunda característica.

"Mas minhas duas características... eram como pedras," disse Elysia, o tom uma mistura de amargura e resignação.

"Não importava o que eu fizesse, o quanto tentasse, elas nunca reagiam. Ainda assim, fiquei feliz por pelo menos minha mana estar fluindo. Consegui transformá-la em água, e isso já era suficiente para começar alguma coisa."

Depois de sua fase de despertar, a atitude do orfanato em relação a ela mudou um pouco. Não era nada de extraordinário, mas ela ganhou um pouco mais de liberdade, alguns privilégios extras.

Começou a aprender a manejar espadas de acordo com sua classe, devagar e desajeitada no começo, mas com determinação obstinada.

Quase todo o seu tempo era dedicado ao treinamento. Cada hora livre, ela investia em treinar.

Não porque queria ficar mais forte a qualquer custo, mas porque era a única coisa que a impedia de pensar em Ash.

Ela nunca contou sobre suas características a ninguém. Como elas nunca reagiam ou ativavam, como provar que eram reais? Ela sabia o que as pessoas diriam:

Que ela estava mentindo, que buscava atenção, que fingia.

Então, ela manteve tudo em segredo.

Só quando a academia testou suas afinidades é que algo finalmente mudou.

Com os recursos e ajuda deles, conseguiu desbloquear sua característica ‘Benção da Lua’. E, junto disso, passou a ter acesso à sua segunda característica, que permanecia dormente.

A expressão de Ash mudou ao ouvir isso. Ao escutar a descrição, uma estranha e silenciosa inquietação tomou seu peito. Uma parte dele não conseguiu se livrar disso.

_Quando transmigrei, também ganhei uma característica. E agora descubro que Elysia, que transmitiu antes de mim, também recebeu uma... Por que isso parece mais do que uma simples coincidência...?_

Uma pressão estranha ficava na parte de trás da sua mente, como se algo tentasse emergir, tentar conectar os pontos. Então, de repente, uma memória iluminou sua cabeça.

O Homem Misterioso.

Aquele que o salvou naquele dia.

Mas, antes que pudesse aprofundar aquela lembrança, a voz de Elysia o puxou de volta ao presente.

"Você sabe, já suspeitava que você fosse ‘meu’ Ash," ela disse, inclinando a cabeça e sorrindo. "Por isso, usei aquela característica para criar uma habilidade de leitura de mente. Foi assim que descobri a verdade. Embora... não possa ler seus pensamentos diretamente por causa da sua barreira mental. Só facilite dizer se você está mentindo ou não."

Ela fez uma carinha de boba enquanto falava, os olhos cheios de uma brincadeira que parecia afeto. E quando Ash a olhou, não pôde deixar de sorrir um pouco.

Havia algo de adorável nela naquele momento. A expressão suave, o orgulho na voz, a maneira como ela agia como se fosse totalmente normal criar uma habilidade de ler mentes só para descobrir se ele era seu Ash.

Quem conseguiria não gostar de uma garota tão doce e ousada?

A explicação dela também esclareceu a dúvida que ainda pairava em seu coração. Então foi assim que ela descobriu quem ele era.

Agora tudo fazia sentido.

"Então, agora," ela disse, inclinando-se um pouco mais perto, com um brilho nos olhos, "E você? Conte seu lado."

Ash hesitou.

Aquele questionamento abalou as defesas que ele tinha construído dentro de si. Embora estivesse protegido de alguém ler seu destino, ele já tinha aprendido uma verdade dolorosa.

Se alguém próximo a ele soubesse demais... se alguém descobrisse os segredos sobre ele... esses segredos ainda poderiam ser descobertos.

O Sussurrador era prova disso.

Ele já tinha ficado sabendo de ambos os transmigrações. E se isso aconteceu uma vez, poderia acontecer de novo.

_O que devo fazer? Devo contar? Devo mentir?_

Seus pensamentos se agitavam com preocupação.

_Mas se ela souber demais, e alguém investigar seu destino de novo, e se usarem ela como refém...? E se eu não puder protegê-la a tempo? Ficarei impotente..._

Pensamentos negativos se acumulavam, como uma onda silenciosa que o dominava. Sua visão ficou turva. Ele estava entrando em espiral.

Foi então que Elysia se aproximou e passou a mão lentamente diante do rosto dele, seus dedos passando bem na sua frente.

"Alô? Terra chamando Ash? Você travou," ela disse com um sorriso preocupado.

Sua voz o trouxe de volta à realidade, ancorando-o novamente.

Ele olhou nos olhos vermelhos como sangue dela, que brilhavam suavemente sob o luar, e depois para seus cabelos prateados que fluíam suavemente na brisa noturna.

Por um momento, a expressão de Ash ficou um pouco mais complexa, uma mistura de pensamentos surgindo por trás de sua calma, mas ainda assim, ele abriu a boca e falou.

"Assim como você, também transmigrei," começou, a voz suave mas clara. "Mas, para mim, foi só alguns meses antes de entrar na academia. Quando percebi que este era um mundo de magia, procurei uma forma de entrar na Academia Estrela. Foi aí que te conheci, e tudo começou a se desenvolver como você já sabe."

Tudo o que ele disse era verdade.

Apesar de ter deixado de fora muitas coisas perigosas que passou, não havia mentira em suas palavras. Como o que disse era honesto, a habilidade de Elysia não podia detectar nada errado. Ela não tinha como saber quanto ele havia escolhido não revelar.

_Essa é a melhor forma que tenho de lidar com isso agora,_ pensou Ash silenciosamente, olhando para ela com carinho nos olhos.

_Desculpe, Elysia. Mas não posso te colocar em perigo por conta dos fardos que carrego. Um dia, vou te contar tudo, assim que encontrar uma maneira de mudar seu destino também._

"Entendi."

Elysia respondeu, de forma tranquila, sua expressão calma e impossível de prever. Mas seu silêncio persistiu por mais um pouco, como se seu coração estivesse esperando algo mais.

Então, após uma pausa, ela perguntou suavemente: "O que aconteceu depois que perdi a consciência?"

Ash respondeu sem hesitar. Seu tom era casual, mas suas palavras cuidadosamente escolhidas.

"Nada tão complicado. Matei o demônio que nos atacou, embora um deles tenha conseguido escapar. Depois disso, você estava descansando, então saí para procurar um remédio. Tive a sorte de descobrir que a Árvore do Mundo estava em perigo. Ajudei a salvá-la, e, em troca, pedi para que ela te curasse."

Sua explicação foi simples, firme, sem deixar pistas de que algo ficara de fora. Seu rosto permaneceu relaxado, e sua voz sem vestígios de ansiedade.

_Mesmo que o que ele disse pareça certo... por que ainda sinto que algo está sendo escondido de mim...?_

Essa dúvida ecoou silenciosamente na mente de Elysia.

Talvez fosse uma intuição feminina. Ou talvez fosse algo ainda mais simples — um sentimento nascido do amor.

Ela não tinha como explicar, mas seu coração sussurrava que ele não estava dizendo tudo. E, por algum motivo, aquilo lhe provocava dor no peito.

Mas ela não pressionou. Conhecia Ash bem. Se ele estivesse optando por não dizer, então a verdade devia ser algo doloroso.

Algo que ela ainda não poderia suportar. Apenas imaginar o que poderia ser fez sua garganta se apertar levemente, os olhos ficarem marejados, e o coração bater mais forte, mais rápido.

Mas ela tentou resistir a tudo isso.

Ela suportou com a mesma força de vontade que a levou até aqui.

Com uma respiração profunda, perguntou calmamente: "E aquela ‘purificação’ que a Árvore do Mundo mencionou antes?"

Ash assentiu, depois respondeu de maneira relaxada: "Ah, aquilo. Não é nada de mais. Apenas aprendi algumas coisas com a Árvore do Mundo, e planejo testar algumas delas amanhã. É mais um experimento do que algo sério."

"Entendi."

"Sim."

Depois disso, o peso no ar começou a desaparecer lentamente. A tensão entre eles se dissolveu em um silêncio confortável.

Passaram o resto do tempo conversando sobre coisas simples — a academia, os estudantes, as aulas e os pequenos momentos estranhos de suas experiências desde que chegaram neste mundo. Tudo parecia pacífico.

O tempo passou devagar, envolto na quietude da noite, enquanto o luar continuava a brilhar acima da floresta. O penhasco onde estavam parecia um mundo próprio, separado de tudo o mais.

A noite era longa, e eles tinham mais do que suficiente para conversar.