
Capítulo 88
Poder das Runas
Em um pequeno apartamento grande o suficiente para duas pessoas viverem confortavelmente, uma tempestade estava se formando.
Nesta manhã, uma guerra parecia inevitável.
Não uma guerra real, claro.
Nancy estava perto da pia, com os braços cruzados firmemente contra o peito, sua expressão afiada e séria enquanto encarava o tubo de pasta de dentes com uma inocência que parecia uma afronta pessoal.
"Você fez de novo," ela disse com uma voz que misturava acusação e decepção.
Ash estava escovando os dentes, meio sono e totalmente sem perceber. Ele virou a cabeça devagar, com um olhar vazio nos olhos, e respondeu, "Hã?"
Ela levantou a mão e apontou diretamente para a pasta de dentes, seu tom mais ríspido agora.
"A pasta de dentes. Você apertou ela pelo meio de novo."
Ash tirou a escova da boca, com espuma grudada nos lábios, e deu-lhe uma sobrancelha cansada.
"É só pasta de dentes, amor. Qual é o problema?"
Seus olhos estreitaram enquanto ela respondia, "Não. É uma bagunça. Eu não gosto disso, e você sabe disso. Mas você fez mesmo assim."
Ash deu uma respiração curta, com um sorriso travesso surgindo nos lábios enquanto dizia, com a boca cheia de espuma, "Eu sou o caos."
Ela virou os olhos e respondeu, "Você é uma bandeira vermelha ambulante. Com um rosto bonito, infelizmente."
Ash sorriu, claramente satisfeito. "Então você admite que tenho um rosto bonito."
Sem perder o ritmo, ela pegou uma toalha e jogou nele.
Ele se abaixou rapidamente, evitando, e disse dramaticamente, "Você vai sentir minha falta quando eu for."
Nancy levantou uma sobrancelha. "Você mora aqui. Não vai para lugar nenhum. Exceto, talvez, para o sofá se continuar falando assim."
Ash suspirou, colocando a mão no peito em uma expressão de falsa traição.
"Minha própria namorada me exilando do meu quarto?"
Eles se olharam, a tensão quase se dissipando instantaneamente.
Então, em perfeita sintonia, os dois explodiram em risadas, o argumento esquecido tão rápido quanto tinha começado.
Ainda rindo, Nancy foi até ele, pegou o tubo de pasta de dentes amassado e começou a ajustá-lo corretamente.
Enquanto alisava, murmurou, em um tom baixo suficiente para si mesma ouvir, "Viver com você é uma chatice... mas na verdade, eu não odeio."
Sua voz suavizou na parte final, carregando um significado mais profundo do que ela deixou transparecer.
E justo quando ela ainda estava focada no tubo, Ash se inclinou para frente e deu um beijo rápido na bochecha dela — ainda com espuma nos lábios.
Ela recuou instantaneamente e gritou, "Eca!"
Ele se afastou, completamente indiferente, e sorriu com a reação dela.
"De nada."
"Para onde você vai?" Ash perguntou, franzindo a testa levemente ao ver Nancy caminhando em direção à porta, já arrumada e prendendo o cabelo com jeito experiente.
"Te falei ontem, não foi?" ela respondeu enquanto calçava os sapatos. "Tenho uma entrevista de emprego hoje. É meio importante."
Ao ouvir isso, Ash murmurou em voz baixa o suficiente para si: "Seria melhor se a gente abrisse uma loja juntos e administremos lado a lado..."
Claro, Nancy não percebeu essa parte.
Ele deu um passo à frente, sua voz mais suave agora.
"Você realmente precisa sair hoje? Não sei por quê, mas não estou querendo deixar você ir."
Nancy hesitou por um segundo, depois se virou para olhá-lo com um sorriso que aqueceu algo no seu peito.
"Vem aqui," ela disse suavemente.
Sem hesitar, ele se aproximou.
Ela se inclinou e lhe deu um beijo lento e carinhoso nos lábios, que ficou um pouco mais do que um instante, fazendo a sala parecer mais silenciosa.
Mesmo após o beijo terminar, Ash envolveu-a com os braços e murmurou, "Ainda não quero que você vá, de jeito nenhum."
"Sei," ela disse suavemente, com os olhos agora fechados enquanto retribuía o abraço. "Mas eu tenho que ir."
Ash ficou quieto por um momento, até que de repente animou-se, uma ideia surgindo em sua mente.
"Que tal assim—vou contigo. Enquanto você faz a entrevista, posso esperar lá fora. Assim, ainda vamos juntos."
Nancy piscou, surpresa.
"Mas você não precisa ir—"
Ele a interrompeu, sem deixar ela terminar.
"Não importa. Não sei por quê, mas hoje eu simplesmente não quero ficar longe de você."
Essa resposta fez ela corar levemente, com um rubor suave e rosado nas bochechas.
Ela olhou para ele por um segundo a mais, então finalmente assentiu.
"Tudo bem."
"Então, como foi?" Ash perguntou assim que viu Nancy saindo do prédio, com expressão calma, mas impenetrável.
"Tudo bem," ela disse, caminhando direto para os braços dele.
Ele a abraçou forte, como se esse gesto simples pudesse tornar o dia melhor para ambos.
Partiram de volta para casa, passos relaxados e lentos sob o brilho dourado da tarde.
"Vamos comer algo fora hoje," Ash sugeriu casualmente, lançando a ela um sorriso cheio de esperança.
"Hum… não sei…" ela murmurou, com uma voz indecisa.
Percebendo sua hesitação, ele riu baixinho e segurou sua mão.
"Não se preocupe com o dinheiro. Hoje eu recebi o pagamento do trabalho de meio período que fiz semana passada."
Nancy fez bico, inflando um pouco as bochechas.
"Mas a gente não deveria economizar para o casamento? Você foi quem disse que temos que ter cuidado com o dinheiro."
Que coisa mais fofa… sério, isso é de um nível de fofura até ilegal.
Sem conseguir se conter, Ash chegou perto e pinicou delicadamente as bochechas dela.
"Ei! Não faz isso em público!" ela rebateu, com o rosto ficando rosado.
"Haha, desculpa! Mas como resistir? Você é demais de fofura."
"Hmph!" ela bufou e virou o rosto de lado.
"E essa carinha birrenta que você está fazendo agora? Ainda mais fofa."
"Cale a boca, idiota!"
Conversaram o caminho todo, risadas leves e brincalhonas, até chegar a um pequeno restaurante escondido numa esquina da rua.
Comeram uma refeição simples, mas gostosa, cheios de sorrisos e olhares tímidos.
Ao saírem, com os estômagos cheios e as mãos ainda entrelaçadas, Nancy apontou para o outro lado da rua, quase com pavor.
"Olha só."
Ash seguiu na direção que ela indicava e parou imóvel.
Uma menina tinha escapado da mão da mãe e corria direto para a rua—em direção ao trânsito—enquanto o semáforo de pedestres ainda estava vermelho.
Sem pensar duas vezes, Ash saiu correndo.
Seu corpo se moveu mais rápido do que sua mente poderia acompanhar. Ele pegou a criança a tempo, envolvendo seus braços nela assim que ela alcançou o meio da rua.
Mas então—
Um som cortou o ar.
Raspagem de pneus.
Lá, uma buzina estridente.
E então—
O caminhão.
Vindo direto na direção dele.
Q–o…?
O tempo pareceu desacelerar por um momento.
Justo quando ele achou que seria atingido, algo puxou-o para frente—brusco e abrupto.
BAAAM!
O caminhão bateu em alguma coisa.
Não—Alguém.
Ash se recompôs de imediato, adrenalina correndo, a visão turva. Ele virou a cabeça.
E tudo dentro dele congelou.
Apenas alguns metros à frente, um corpo jazia estendido contra o concreto, amassado como uma boneca descartada.
Uma poça vermelha lentamente se espalhava debaixo dela, manchando o chão, a roupa, tudo ao redor.
Seu coração caiu.
Suas pernas recusaram-se a mover-se.
"N-Nancy…?" ele sussurrou, com a voz tremendo.
O mundo ao seu redor desapareceu—os carros buzinando, os gritos dos espectadores, a criança chorando em seus braços—tudo silenciou.
Apenas ela permanecia à sua vista.
O corpo de Ash se moveu antes que sua mente pudesse acompanhar. Ele empurrou a menina para os braços de um espectador sem dizer uma palavra e saiu correndo.
"Nancy… Nancy—não, não, não…"
Ele caiu de joelhos ao lado dela, as mãos tremendo enquanto levantava a parte superior do corpo dela em seus braços.
As roupas dela estavam encharcadas—vermelho escuro se espalhando como tinta na água. A respiração dela era superficial, quase inexistente, como um sussurro que se apagava a cada segundo.
"Por favor," ele sussurrou, a voz quebrada. "Nancy, me desculpa. Eu devia ter— eu não queria que isso acontecesse—por favor, fica comigo."
Ela sorriu.
Mesmo agora, em dor, seus lábios se curvavam suavemente. Aquele sorriso—gentil e quente—feriu mais do que qualquer faca.
"Não… não é sua culpa," ela disse, com a voz quase um sussurro, frágil como vidro prestes a quebrar. "Você… a salvou… certo?"
Lágrimas rolaram pelo rosto de Ash. Ele não conseguiu pará-las. Não conseguia nem pensar direito. Apertou-a mais forte, sangue manchando seus braços, mas não ligou.
"Não—não não não— por favor," sua voz quebrou como vidro sob um salto. "Você está bem. Vai ficar. Vou chamar ajuda—vou te carregar sozinho—só não me abandone, por favor."
Ela tossiu suavemente, com sangue tingindo o canto dos lábios, mas ainda sorriu através disso.
Um sorriso que o destruiu por dentro.
"Ash… estou tão cansada…"
"Não. Não diga isso," ele implorou, pressionando a testa à dela. "Desculpa. Eu devia ter corrido mais rápido—eu devia ter visto o caminhão—eu devia ter—"
Os dedos dela tocaram seus lábios, fracos e trêmulos.
"Pare… por favor…"
Ele engasgou com um soluço.
"Isso não é justo," ele sussurrou, com a voz rouca. "Íamos casar… abrir aquela loja boba que eu sempre falei… discutir sobre pasta de dente e comer comida de rua todo final de semana. Você disse que ia escolher as cortinas…"
Nancy soltou um suspiro que parecia mais uma frase de adeus do que uma respiração de vida. "Eu lembro…"
"Então por quê?" Sua voz aumentou, cheia de dor. "Por que agora? Justo hoje?! Você ia só para uma entrevista! Eu estava brincando com você! Isso não era para acontecer—!"
Ela colocou a mão no rosto dele, limpando suavemente as lágrimas que desciam como uma tempestade.
"Fico feliz… por ter te visto sorrir… uma última vez."
"Não… Por favor, não…"
"Preciso que me prometa uma coisa…" ela sussurrou.
Ash assentiu, desesperado. "Qualquer coisa. Qualquer coisa que você queira. Só não durma, tá?"
"Não carregue essa culpa," ela falou suavemente. "Não se culpe pelo que aconteceu. VIVA… por nós dois, tá? Continue andando para frente. Mesmo que eu não esteja mais aqui… viva como se eu ainda estivesse."
Seus braços apertaram mais ela enquanto ele chorava. "Eu não quero um mundo sem você."
A voz de Nancy ficou mais fraca. "Consegue… me beijar… uma última vez…"
"Não—por favor—não torne esta a última, porra—!" ele se desfez, com a voz rouca. "Não me deixe…"
Seus olhos, que piscavam como a última centelha de uma vela, fixaram-se nos dela.
"Por favor…"
Ash abaixou-se, pressionando seus lábios contra os dela—suaves, demorados, cheios de tudo o que queria dizer, mas não conseguia.
Desespero, desculpa, luto, amor. Mil emoções transbordaram naquele beijo único.
E então—
Ela deixou de respirar.
Sua mão caiu do rosto dele.
E o silêncio… engoliu o mundo inteiro.
"NANNYYYYYYYYYYYYYY!!!"
Seu grito ecoou pela rua, cru e desesperado, cheio de incredulidade e do sentimento de partir os ossos do luto.
E o céu acima, tão azul há um momento, parecia impossivelmente distante.