
Capítulo 64
Poder das Runas
Enquanto isso, Ash…
Ash esgueirou-se atrás do café, por uma passagem silenciosa no jardim onde roseiras tocavam arcos de pedra pálida. O barulho da academia desaparecia ao seu redor, e o ar aqui parecia diferente. Mais suave. Como se o mundo soubesse que ele precisava de uma pausa.
Suas mãos tremiam.
Ele as cerrava. Soltava. De novo. E de novo. Um reflexo repetido—como se seu corpo estivesse preso em um cache de uma sensação que não conseguia nomear.
À sua direita, a superfície da pequena fonte ondulava, distorcendo a imagem do garoto refletido—rosto neutro, olhos cansados.
Ele desviou o olhar.
Ele odiava se ver daquele jeito.
Por que isso parece tão errado…?
Sua mão se levantou sobre o peito. Não havia dor. Mas sentia-se pesado, como se algo estivesse ali sentado, pressionando.
Era o peso de manter silêncio. De ir embora quando tudo nele desejava ficar.
Como ela questionou… não era só suspeita—parecia que ela buscava respostas.
E é isso que o assustava mais do que a bofetada ou o confronto.
Ela descobriu algo?
Ele tinha sido cuidadoso. Nunca fez nada que entregasse sua identidade perto dela. Com suas emoções seladas, até seu aura deveria estar ilegível.
Não há como ela ligar minha pessoa à… a minha versão do passado. Certo?
Mas, apesar disso, as palavras dela o abalaram. O jeito que ela insistia, parecia que suas mentiras não estavam funcionando.
Por que parecia que eu ainda estava dando respostas, mesmo negando tudo?
Não fazia sentido.
Ele tinha confiança que sua resistência mental era alta e seus escudos protegidos pela Runa do Conhecimento e pela Runa do Encobrimento, respectivamente; ele deveria estar fora do alcance de qualquer detecção.
E ainda assim... aquela sensação de desconforto persistia.
Porém, Elysia não era o problema.
Os demônios eram.
Já interferi demais. Não dá pra saber se o futuro seguirá o enredo do romance.
Ash não sabia se os mesmos demônios atacariam a academia, ou ainda mais fortes. A linha do tempo poderia ter mudado—quem viveu, quem morreu, até quando tudo aconteceu, talvez seja diferente agora.
Preciso me preparar. Tomar precauções. Garantir que ninguém se machuque. Principalmente Elysia.
Seus passos desaceleraram ao atravessar uma rua silenciosa.
Mesmo assim… Espero que Ray consiga lidar com o que vem por aí. Igualzinho no romance.
A ideia permaneceu por mais tempo do que deveria.
E eu preciso de uma espada.
O tempo escorreu por ele como areia entre os dedos.
Os dias se confundiam, cada um mais pesado que o anterior.
E então—e assim, um semana passou.
Até que, finalmente, chegou.
O dia em que os demônios atacaram a academia. Pela primeira vez.
[22 de abril, Ano 5031]
"Hoje é o dia," murmurou Ash, de pé na varanda com uma xícara de chá na mão.
Vestia apenas um short, o torso nu, músculos definidos sob a luz da manhã.
A brisa fresca tocando sua pele parecia tranquilizadora—como se o vento tivesse silenciosamente levado embora parte da tensão no seu peito.
O primeiro ataque dos demônios começa hoje. A partir de agora, a vida só vai ficar mais confusa... até o Rei Demônio estar morto.
Aqui começou a história principal—o verdadeiro começo de tudo. E, daqui pra frente, os ataques só ficariam mais frequentes.
Haveria lacunas, claro, mas elas não significariam paz.
Somente momentos para respirar.
O que mais o incomodava não era o perigo vindo, mas ele mesmo.
Mesmo após uma semana de treinamento intenso, apenas dois pontos de suas estatísticas aumentaram. Aquele progresso lento deixava um gosto amargo na boca.
"E ainda não sei como treinar com minha Afinidade de Vida..."
Esse era o verdadeiro problema.
Vida de Afinidade não é algo que os humanos possuem. É algo só dos elfos. Nem Ray tinha—ele só tinha Afinidade de Luz.
Não sei se foi porque ele não adquiriu pelo sistema ou se o sistema simplesmente não oferecia isso na época...
De qualquer forma, deixou Ash em um lugar estranho. Ele tinha algo que ninguém mais na história do romance tinha, e não fazia ideia de como usar.
E não importa o quanto tente controlar, não responde. Não se move. Apenas permanece parado, diferente de relâmpagos.
É frustrante.
Parece que vou precisar visitar os elfos no futuro.
Mas isso é um problema para depois. Agora, preciso agir.
Hoje não era só sobre o ataque dos demônios—também era o dia em que os alunos do segundo ano voltaram da Avaliação Anual.
A Academia Estrelas Brilhantes tinha um curso de quatro anos. O primeiro focava no básico e missões menores. O segundo e terceiro anos envolviam treinamento prático e habilidades avançadas.
No quarto ano, os estudantes formavam times de 4 a 5 membros e atuavam fora da academia em tempo integral—limpeza de calabouços, batalhas em campo, tudo sob orientação de mentores designados.
O romance nunca explicou exatamente qual era o teste do segundo ano. Mas certamente devia estar divulgado em algum lugar.
Foi assim que o demônio entrou. Ele assumiu o lugar de um estudante e entrou na academia.
Agora, o mundo não sabia que os demônios já haviam começado a invadir pelos portais. Só as altas patentes e quem trabalhava secretamente sabiam da verdade.
E os demônios ainda não buscavam guerra.
Estavam infiltrando organizações, se escondendo à vista de todos, esperando o momento perfeito para atacar na surdina.
E também desejavam caos e medo. E qual seria o melhor lugar para gerar confusão e sabotagem no futuro da humanidade ao mesmo tempo?
Academia.
Ash encarou sua xícara, depois virou-se para entrar.
Vamos torcer para que nada dê errado.
"Huh... ele está tão atraente," murmurou Elysia, espiando pela janela como uma total stalker.
Pedi a ele para treinar na nossa vida passada, mas ele era tão preguiçoso... agora olha pra ele. Músculos? Abs? De onde saiu isso?!
Ela suspirou dramaticamente, apoiando a bochecha na janela.
Na última semana, ela revisitou a conversa deles umas cem vezes e, finalmente, chegou a uma conclusão.
Ele ainda me ama.
Ele só está me evitando por alguma razão misteriosa e dramática.
Que eu vou descobrir... eventualmente.
Além disso—se minha habilidade funcionasse nele...
Só de imaginar, ela arrepios e um calafrio completo.
Seria taaanto mais fácil.
Seu olhar se fechou, tentando decifrar o que Ash murmurava na varanda. Infelizmente, ela estava longe demais.
Mesmo com o Dormitório Classe S, um enorme edifício em forma de crescente—com meninos à direita e meninas à esquerda—seu quarto tinha uma visão clara da varanda dele.
Então, embora ela pudesse vê-lo nitidamente, não ouvia uma palavra sequer.
Então ele virou-se e voltou para dentro.
Espera—ESPERA—pra onde você vai?! Volta!
Desde que confirmou que ele realmente era seu Ash, ela meio que… virou uma stalker. Não o tipo assustador—mas a paixonite desesperada, obsessiva, completamente apaixonada.
Embora ela tenha chorado muito, de coração partido por saber que, mesmo com a verdade, ele não se aproximou dela—
Ela não era do tipo que desaba por besteira dessas.
Ela o conhece há bastante tempo.
E ela confia nele.
Se ele está se afastando, deve haver uma razão.
Aliás, quando perguntou se ele ainda a amava…
Sua habilidade detectou a mentira quando ele respondeu, "Não".
Então, por mais distante que ele parecesse agir,
ela sabia—
que ele ainda a amava.
Mas ela ainda não tinha chegado até ele.
Principalmente porque ele nunca parava de treinar.
Depois da aula, ia direto pra biblioteca ou passava horas na sala de treinamento praticando feitiços, ou ficava em silêncio, meditando como se estivesse perseguindo algo que ninguém mais via.
Não tinha tempo livre.
Serio, quando raios vou encaixar minha rotina na dele, se ele fica treinando como se fosse o apocalipse?!
"Não, isso não vai funcionar," ela resmungou, dando leves BATS na bochecha.
"Elysia, tá na hora de evoluir sua abordagem."
Ela assentiu consigo mesma, toda animada e empolgada.
Porém, além dela, havia outro par de olhos vermelhos assistindo Ash pela janela, embora as sombras da cortina dificultassem identificar a origem.
Enquanto isso, na mesma época…
Será que foi… um pesadelo? Amelia pensou, a respiração presa.
"Tantos monstros assustadores… saindo daquele portal… e aquela energia estranha, sufocante…" ela sussurrou, abraçando os joelhos, o corpo tremendo como uma folha ao vento.
Ela não conseguia parar de tremer.
Nunca tinha visto tanta sangue antes. Nem em livros. Nem em histórias.
Estudantes… professores… todos simplesmente deitados ali. Sem se mover. Como bonecos.
O peito dela apertou, olhos arregalados na escuridão do quarto.
Por que eu sonhei com algo assim…
Ela mordeu os lábios até sangrar.
"Isso não pode ser real… certo?" ela sussurrou de novo, mais suave dessa vez, como tentando convencer a si mesma.
Mas ela se lembrava de tudo com detalhes—o ar frio na garganta, o peso do medo esmagando o peito, e aqueles olhos a observando na escuridão.
Parecia que era real. Como se tivesse acontecido… ou fosse acontecer.
E então havia Ray.
Ele também estava lá— lutando, bleeding, gritando.
"Não…" ela ofegou, o pânico invadindo o peito.
Amelia agarrou o pingente no pescoço, presente do avô.
"…Vovô," gemeu, encolhendo-se enquanto lágrimas silenciosas se misturavam ao cobertor.
Amelia não sabia que o sonho não era só um aviso. Era um chamamento. O primeiro eco de seu nome nos corredores do destino.