Poder das Runas

Capítulo 59

Poder das Runas

Ash observava o sangue cair.

Uma única gota de carmesim escorregou de seu dedo e pousou na bainha branca e polida da espada, um leve estalido silencioso perdido na atmosfera calma de seu quarto.

Ele prendeu a respiração, esperando por algo—qualquer coisa. Um pulsar de mana, um lampejo de luz, um tremor, um eco em sua mente.

Mas o sangue não desapareceu. Não foi absorvido. Deslizou pela superfície lisa e branca da espada como água no vidro… e caiu no tapete com um som abafado de estalido.

Nada aconteceu.

Ele piscou.

Não me diga…

Um mau pressentimento surgiu em seu coração; ele pegou outra gota de sangue e deixou cair. De novo. E de novo. O desespero se apegou aos seus movimentos como uma sombra.

Mesmo assim, a espada permaneceu imóvel—bonita e inerte.

Incomovente.

Sem sensação.

"VAI CARALHO!!!"

Seu grito explodiu no quarto como um relâmpago rasgando o céu—mas o ar o engoliu. As paredes à prova de som do dormitório da turma 1S não ecoaram de volta. Era como se sua voz morresse na hora em que saísse de sua garganta.

O quarto estava tenuemente iluminado por um único cristal de mana, lançando uma luz suave pelo chão pálido e pelas paredes. Ela se refletia na borda prateada da espada, dando-lhe um aspecto quase celestial.

"Se o que eu estou sentindo não é emoção?!" ele gritou novamente, a voz vacilando sob o peso de sua fúria. "Então por que diabos ela não está se conectando comigo?!"

Ele caiu de joelhos, na posição de sentado.

Com as mãos apoiadas no chão. A cabeça baixa.

Exausto.

Tão fodidamente cansado.

Desde o momento em que acordou neste mundo, foi uma luta constante de resistência—tentando alcançar, fingindo, sobrevivendo. Conseguiu as runas, é claro. Mas cada uma delas deixou cicatrizes.

Quando adquiriu a Runa da Estabilidade, foi humilhado por Melissia, descartado como lixo. Engoliu o orgulho, pensando que podia ignorar aquilo. Deixou pra lá, acreditando—está bem, ninguém está olhando. Só uma pequena ferida no ego. Ia aguentar isso.

Quando ganhou a Runa da Vida, pagou com dor, apanhado até ficar com a visão turva, ossos estalando sob os punhos de Ethan.

A Runa do Conhecimento? Precisei gritar na frente de todo mundo pra impedir que Ray entrasse na biblioteca, fazer cena, suportar as respostas silenciosas de uma classe de elite que nunca deixava de zombar dele às escondidas.

Ele suportou tudo. Não porque fosse fraco—mas porque acreditava que valia a pena.

Achava que, se ficasse na turma mais baixa, ninguém daria atenção a ele. Mas—de novo—estava enganado.

O zombavam por ser o de menor classificação. Por ainda estar na Classe 1S.

Ele deixou. Aceitou. Ser o último—isso fazia parte do plano.

Mas isso? Isso não.

Ele nunca deveria ter acabado na 1S.

Ele escolheu ser subestimado.

Ou assim achava.

Então veio a Runa do Equilíbrio, nascida de sangue e batalha. Enfrentou um demônio, não uma metáfora—com presas, garras e trevas. E mesmo assim, venceu. Sobreviveu por sorte, por raiva, por instinto.

Tudo porque se fez passar pelo Sussurrador, agitador das águas tranquilas, manipulou as coisas por trás das cortinas. Achava que era inteligente.

Porém, tudo o que tocava se voltava contra ele.

Tudo o que fazia trabalhava contra si.

Mas cada passo adiante deixava mais pedaços dele para trás.

Cada vitória tinha gosto de cinzas.

Ele estava cansado.

Tão fodidamente cansado.

Ele mordeu o lábio—bastante forte para sangrar. Uma linha escarlate escorreu pelo queixo lentamente, só para ser curada em um instante pela Runa da Vida.

Fiz tudo certo.

Soube suportar tudo.

Então por que—por que diabos—está parecendo que estou sendo castigado?!

O pior não era a dor. Nem a humilhação.

Era isto.

O apagamento lento.

Antes, ele sentia coisas.

Raiva.

Alegria.

Vergonha.

Empolgação.

Agora, seu coração ainda reagia, mas seu rosto nunca acompanhava.

Seus gestos tinham parado de acompanhar seus pensamentos.

Quando sorria—era só na cabeça.

Quando chorava—era só no peito.

Fazia meses que não chorava.

Não sorria com significado.

De verdade.

Nem uma vez.

Sua imagem refletida o encarava com olhos vazios, não importa o que ele sentisse por trás deles.

E agora, até uma espada ligada à sua alma se recusava a enxergá-lo.

Não percebeu quando tudo piorou assim. Talvez depois de voltar de Ferrolho de Ferro. Talvez depois de tantas sacrifícios e poucos triunfos.

Nunca tinha olhado tanto para espelhos antes; sabia que não era bonito assim. Mas, ultimamente, jogava um olhar de relance—e, toda vez, a imagem refletida parecia… errada.

Olhos que não piscam.

Boca que permanece imóvel mesmo quando ele grita por dentro.

A pele, pálida e impecável após duas reconstruções, parecia a de uma boneca.

E mesmo agora, ajoelhado, com os dentes cerrados, a raiva explodindo por cada nervo—seu rosto não se movia.

Sem franzir a testa.

Sem sorriso de escárnio.

Sem lágrima.

Parecia uma estátua.

Um fantasma gritando em silêncio.

"POR QUE—!!!"

Ele manipulou as coisas. Teve planos. Correu riscos. Dançou na beirada do desastre.

Mas isto?

Isto era diferente.

A espada não só rejeitava seu sangue. Ela o rejeitava a ele.

Ele colou a testa na bainha gelada, agarrando a lâmina com as duas mãos, como se tentasse forçar a entender.

"Ditei tudo," sussurrou.

"Lutei. Mentí. Sofri. E não reclamei."

"Sei pelo que estou lutando…"

As palavras ficaram presas na garganta.

"Só quero… força suficiente para proteger uma pessoa."

Era só isso.

Não pedi nada demais.

Nunca quis ser herói.

Só queria força suficiente para proteger alguém…

Para impedir que este mundo levasse a pessoa que mais importa para mim.

Então por quê—por que ela não me dá nem isso?

Parecia alguém gritando em um sonho—lábios separados, voz desaparecendo, alma se desmanchando em uma sala fechada de tudo. Seu corpo tremia, os dedos cerrados contra o chão, e ainda assim… nenhuma lágrima ousou cair.

Seu rosto permanecia imóvel. Uma máscara, perfeita e silenciosa.

Ash chorou naquele dia—mas não do jeito que as pessoas costumam chorar. Sua tristeza não transbordou em soluços ou lágrimas. Ela cresceu por dentro, pesada e silenciosa, como um oceano escondido atrás de vidro.

Estava exausto. Mais que isso. Uma cansaço que não vinha só do corpo—estava na respiração, nos ossos, no ritmo silencioso do coração que se sentia mais mecânico do que vivo.

Tudo parecia demasiado pesado agora.

As expectativas.

As mentiras.

O papel que se forçou a desempenhar.

Sempre dizia a si mesmo que podia aguentar tudo—que, enquanto mantivesse o foco, enquanto resistisse, tudo se encaixaria. Que havia um propósito na dor. Que ela tinha um significado.

Mas hoje… era demais.

Um pensamento insistente entrou em sua cabeça, selvagem e desesperado.

Por que não simplesmente parar de fingir?

Por que não revelar tudo?

Tomar a mão de Elysia, contar a verdade, fugir deste mundo cruel e caótico que nunca o deixava descansar. Só… desaparecer.

Ele poderia. Não poderia?

Mas mesmo enquanto o sonho começava a florir, ele murchou. Não conseguiu sustentá-lo por muito tempo.

Porque, no fundo, ainda acreditava que ficar longe dela era a melhor escolha.

Não porque não quisesse vê-la.

Mas porque não queria manchá-la.

Ele tinha medo.

Terrivelmente assustado com o que poderia acontecer se confrontasse seu passado.

Medo da culpa que ainda fervia por baixo, um peso invisível que ninguém via—but que ele carregava a cada instante, como um fardo em sua alma.

Às vezes, imaginava. O confronto. Pedir desculpas. Contar a verdade. Cair de joelhos, a voz trêmula.

E via ela sorrir, suave e triste, ao dizer:

"Não foi sua culpa, Ash. Foi minha escolha. Eu quis te proteger, sozinha. Não se culpe."

Mas essas palavras só o destruiriam ainda mais.

Porque ele não acreditava nelas.

Porque sempre se culpou.

Sempre se culpou.

Agora, com as emoções sumindo como os últimos ecos de uma canção, o medo devorava a única esperança que sobrara.

Quem poderia amar alguém como eu… se eu não consigo mais sentir?

Se eu não posso chorar… como ela vai perceber que estou machucado?

Se eu não posso sorrir… como ela vai saber que estou feliz em vê-la?

Se eu não posso mostrar… como posso mostrar meu amor?

Ele enterrou o rosto nas mãos, com as palmas frias pressionando os olhos que se recusavam a derramar lágrimas.

A espada jazia ao lado dele no chão. Sua bainha branca e imaculada refletia o brilho tênue da luz de mana pendurada no teto. Parecia uma relíquia. Algo sagrado.

Mas ela o rejeitara.

Assim como tudo mais.

Na sua bainha polida, via os mesmos olhos vazios encarando de volta.

Aash encolheu-se, os músculos tensos e doloridos, a mente girando por tudo que havia perdido, tudo que tentou manter junto. Ficou assim por minutos.

Talvez horas.

O quarto ficou em silêncio.

Não sobraram palavras.

Ninguém para ouvir.

E, eventualmente, exausto por uma dor que não podia gritar, e um luto sem voz, Ash caiu no sono.

O sono não veio como consolo.

Veio como rendição.

E a última coisa que viu antes de sua mente se apagar foi o brilho pálido da espada refletido em seus olhos vazios.