
Capítulo 42
Poder das Runas
Ele não precisou esperar muito até que alguém aparecesse. Afinal, já tinha espalhado anotações para duas organizações poderosas, alertando-as sobre o antigo tesouro enterrado no fundo do dungeon.
Foi rápido, pensou Ash, ao se encostar nas sombras de uma coluna decadente, com os olhos afiados enquanto duas equipes rivais invadiam a entrada do calabouço.
Parece que chegaram a um acordo... ou talvez uma trégua temporária.
Ele sorriu de leve, ciente de que seu plano estava funcionando.
Era simples—fazer com que eles enfrentassem o chefe por ele. Mas agora, parece que vão precisar limpar todo o caminho também.
Só espero que tenham trazido o que mandei, murmurou Ash internamente, sentindo a urgência se aproximando.
Suas mãos tocaram subconscientemente o Manto das Sombras e o Anel de Cura.
Esse manto só pode me levar até um certo ponto.
Com a possibilidade de uma luta se aproximando, preciso mais do que nunca dessas relíquias.
Então, como se sentisse a nova vida no calabouço, os soldados de pedra começaram a se mexer.
O som de pedra rangendo espalhou ondas pelo ar, e antes que as pessoas pudessem reagir, o calabouço os engoliu.
Era carnificina.
Um homem tentou gritar ordens, mas uma lança de pedra atravessou sua garganta no meio do comando, deixando-o ofegante silenciosamente enquanto o sangue jorrava pelo peito.
Outro caçador lançou uma chuva de flechas encantadas, mas elas ricochetearam inutilmente contra as armaduras densas dos golems.
Aash, escondido atrás da coluna decadente, de braços cruzados, observava tudo em silêncio.
A câmara foi preenchida por uma sinfonia brutal—ossos estalando, carne rasgada, gritos de agonia reverberando nas paredes frias. Feitiços de fogo e raios explodiam no ar, mas os soldados avançavam implacáveis.
E, mesmo assim, o coração de Ash permanecia imóvel.
Sem pena. Sem vontade de intervir. Apenas... silêncio.
Eles lutavam como animais encurralados, pensou, enquanto vislumbrava uma guerreira—com o rosto contorcido pelo terror—desesperadamente lançando um feitiço de barreira ao seu redor.
Um soldado o quebrou com um golpe só, esmagando seu crânio.
A mandíbula de Ash travou, mas seus olhos estavam frios.
Porém, um pensamento insistia nele.
Por que... não sinto nada?
Ele sabia como era o medo, como o desespero tinha cheiro. Podia sentir o gosto de cobre no ar enquanto o sangue espalhava-se ao redor dos guardiões de pedra.
Uma das equipes tentou recuar, mas o portal atrás deles havia se fechado, aprisionando-os como ratos.
O pânico deles se espalhou como fogo na floresta.
Outro guerreiro tentou rasgar a parede invisível onde o portal existia, só para ser atravessado por uma lâmina serrilhada. Seus dedos tremeram contra o mármore ensanguentado enquanto a vida drenava de seus olhos.
Aash ficou ali, sem piscar.
Será que Garry tinha razão?
Um vislumbre de desconforto o consumia. Ele podia sentir, enterrado sob a indiferença. Uma lasca de algo. Mas estava embotada, distante.
Será que esse é o efeito colateral do Pensamento Onipresente?
Seus olhos se voltaram para a carnificina, a loucura desenrolando-se como uma cena de um livro. Quanto mais observava, mais percebia quão insensível tinha ficado.
São pessoas. Eram pessoas.
Mas para ele... eram apenas peças que estavam sendo removidas do tabuleiro.
O que acontecerá quando criar mais habilidades?
Ele engoliu em seco, mas sua expressão permaneceu inalterada. Apenas uma lenta, sufocante constatação se instalando como uma névoa.
Vou acabar apagando o pouco de humanidade que me resta? Espero não me tornar um monstro.
O corredor ficou mais silencioso.
Os soldados de pedra terminaram seu trabalho sombrio, com as lâminas brilhando de sangue, e o hall entrou em um silêncio terrível, quebrado apenas pelo som de gotas de sangue escorrendo sob os membros separados.
Aash saiu de trás da coluna.
Seu coração pulsava calmamente no peito.
Seus olhos percorreram os corpos destruídos—Rostos congelados de terror, braços estendidos em meio ao grito, sangue pintando o mármore rachado em marcas irregulares.
E, mesmo assim… ele sentia.
Sentia alguma coisa.
Curiosidade? Leve irritação? Uma consciência distanciada, como se estivesse observando tudo de trás de uma janela. Ele não estava insensível, não—isso seria mais fácil.
Não sou vazio... ainda sinto coisas, percebeu.
Mas, ao invés de horror, havia apenas uma tênue ondulação de decepção... tédio, até.
Como um homem suspirando diante de uma pintura destruída, em vez de lamentar o artista.
Deveria estar chocado, disse a si mesmo, sentindo a leve puxada de desconforto sob as costelas.
Mas o próprio desconforto? Era cansado, passageiro.
"Ainda sinto..." sussurrou para o salão vazio, o olhar vacilando para os rostos sem features dos soldados de pedra, parados como estátuas no meio da carnificina.
"Mas o que exatamente estou sentindo?"
Seria empatia? Arrependimento?
Não, era... diversão. Um sorriso seco e amargo surgiu nos lábios ao imaginar a absurdidade.
Estou assistindo a uma tragédia ou a uma peça?
E então, algo lhe ocorreu.
Como uma sombra lenta e rastejante deslizando sobre ele.
Talvez seja assim que começa. A ideia enraizada, gelada e afiada.
Primeiro, você sente coisas que não combinam com o momento.
Depois, para de sentir completamente.
O olhar dele voltou para os soldados.
Será que um dia vou ficar como eles? Observando, mas vazio?
Um frio percorreu sua coluna ao olhar seu reflexo em uma poça de sangue.
Ele devolveu o olhar—Expressão calma, olhos distantes—e, ainda assim… dentro dele, brasas permaneciam incandescentes.
Devo lamentá-los? Sentir pena? Ou invejá-los?
Ele fechou os olhos por um momento, ouvindo o silêncio.
E quando abriu novamente, havia clareza—mas também medo, enterrado sob camadas de cálculo.
"Suspiro... vamos ver se eles têm o que pedi," murmurou, a voz firme, como se a cena diante dele fosse apenas um pequeno contratempo.
Porém, dentro dele, surgiu uma dúvida:
Quando foi que parei de ver os humanos como humanos?
***
Antes, pouco tempo atrás…
Os meninos corriam pelas vielas iluminadas por néon de Ferro, esquivando-se de anúncios piscantes e drones encantados que zumbiam acima. Circuitos mágicos pulsavam fracos sob as ruas rachadas, lançando luzes opacas sob seus passos apressados.
Um deles desviou-se para o oeste, segurando a carta como se ela fosse queimar seus dedos se segurasse por muito tempo. Ele finalmente parou diante de uma torre de vigia que parecia um fóssil perto do Portão Oeste.
O guarda no portão, o Sargento Harland, encostado na parede de pedra, com postura relaxada, mas olhos atentos. O olhar do sargento se estreitou ao notar a urgência nos movimentos do menino.
"Qual é a pressa, jovem?" Sua voz era rude, cheia de curiosidade.
A respiração do garoto estava acelerada. Ele empurrou a carta para frente. "Mensagem," sussurrou, tremendo.
O olhar de Harland caiu sobre o selo de cera. Uma serpente enrolada ao redor de um único olho.
Seu coração afundou.
O Sussurrador.
O ar parecia ficar mais pesado. "De onde você—"
Mas o garoto já tinha ido embora.
O estômago de Harland se fechou. Ele virou nos calcanhares e entrou na torre de vigia, os passos ressoando no piso de obsidiana.
"Chame o Comandante—!" gritou.
Mas ela já estava lá.
Liera saiu do outro lado da sala, com uniforme impecável, detalhes prateados que marcavam seu posto. Sua mão com luva se estendeu, firme.
"Eu levo," ela falou calmamente.
Ele endureceu antes de passar silenciosamente a carta lacrada.
O olhar dela recaiu sobre o selo. Por um instante, sua compostura vacilou—uma leve tensão na mandíbula.
Ela desapareceu da sala como fumaça, a urgência transparecendo nela.
Liera se moveu mais rápido do que o protocolo permitia, cortando os corredores do Palácio até o escritório de Aldric. Sua mente formigava sob seu exterior calmo.
O Sussurrador… após todos esses anos?
**
As pesadas portas de aço do escritório de Aldric se abriram de repente.
Aldric estava sentado atrás da mesa, olhando o Ferro de Carga de Ferro através de janelas reforçadas. Suas sobrancelhas estavam franzidas. Ele nunca tinha visto Liera assim.
"O que aconteceu?" Sua voz era tensa, percebendo que algo estava errado.
Liera não falou—apenas entregou a carta.
O olhar dele caiu sobre o selo.
Sua respiração ficou presa.
"O Sussurrador..." Sua voz baixou a um sussurro.
O peso da história se instaurou entre eles.
A sala ficou fria.
Ele quebrou o selo e abriu a carta.
["No coração da Gruta das Presas de Gelo, jaz uma runa, antiga e não tocada. Seu encanto chama aqueles que têm coragem de buscá-la—mas cuidado, pois nas suas profundezas geladas, o perigo espera nas sombras, ansioso para atacar."]
Ele franziu o cenho ao notar uma segunda nota escondida atrás dela.
["Para apaziguar a ira do guardião, traga um galho ou folha da Árvore do Mundo ao entrar."]
Aldric exalou lentamente.
"Uma runa?"
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Em outro lugar—
Na cidade, sob as favelas, outro menino entrou por uma entrada escondida, desviando de grades metálicas e sigilos enferrujados que pulsavam com magia de proteção.
Ele se moveu com propósito, descendo até a Taverna do Corvo—o refúgio preferido do Mercado Negro.
Dentro, fumaça se enrolava preguiçosa sob o teto baixo. Figuras encapuzadas consumiam bebidas em mesas sombrias, falando em tons baixos enquanto brazeiros encantados lançavam luz azul intermitente nas paredes de pedra.
O menino se aproximou do balcão, com a cabeça abaixada. "Cerveja da meia-noite," murmurou, deslizando a bolsa de couro pelo balcão.
O barman parou na metade de polir um copo, com olhos estreitos. Olhou por baixo do balcão—e congelou.
Aquele selo.
Sua garganta se moveu, mas nenhuma palavra saiu.
Sem dizer uma palavra, ele assentiu uma vez e desapareceu por uma porta escondida.
Bem mais abaixo, na parte mais profunda do Mercado, Mors, chefe da filial do Mercado Negro, descansava numa câmara iluminada por lanternas de cristal. Ele folheava um livro de registros com ar de tédio—até que um subordinado entrou, respirando pesado.
A carta foi entregue, as mãos tremendo.
Sulco no rosto de Mors desapareceu ao olhar fixamente para o selo.
Ele se levantou lentamente.
"O Sussurrador..." murmurou.
Abriu a carta.
["No coração da Gruta das Presas de Gelo, jaz uma runa, antiga e não tocada. Seu encanto chama aqueles que têm coragem de buscá-la—mas cuidado, pois nas suas profundezas geladas, o perigo espera nas sombras, ansioso para atacar."]
Depois, percebeu uma segunda nota, separada da primeira.
["Para acalmar a ira do guardião, traga essência de uma criatura das Sombras ao entrar."]
Mors deu uma risada sombria.
"Parece que vamos caçar."
***
Aldric quebrou o silêncio, a voz cortando a tensão como uma lâmina. "Então... O Sussurrador se move."
Mors sorriu com uma expressão fria. "Depois de um século de silêncio."
Ambas as salas, a quilômetros de distância, compartilhavam a mesma atmosfera carregada—o peso da história pressionando cada respiração.
Um ajudante ousou falar em ambos os locais: "Senhor… há a chance de que isso seja—"
"Falso?" Aldric soltou uma risada curta e sem humor.
Mors sorriu na mesma linha de raciocínio. "Houve um tolo que forjou o selo do Sussurrador," disse, inclinando-se para a frente. "Uma organização inteira... foi dizimada em uma semana."
Os dedos de Aldric traçaram o selo de cera. "E isso faz cem anos."
Os olhares de ambos ficaram firmes.
"Desde então," disseram em uníssono, "ninguém se atreveu a tentar."
Então, ambos os lugares explodiram em ação.
"Mobilizem as forças da lei," ordenou Aldric com frieza.
"Reúnam os caçadores," gritou Mors.
Um silêncio de tambor de guerra pulsava sob a cidade. Dois titãs, de repente, ligados por um único sussurro.