Poder das Runas

Capítulo 38

Poder das Runas

A respiração de Ray ficou mais curta ao ver os dedos da mulher pairando sobre a interface holográfica, sua próxima ação clara.

Sua mente gritou para que ele agisse rápido.

"- E-Espera um pouco—" ele gaguejou, sua voz saindo mais rápida do que seus pensamentos.

A mulher parou no meio do movimento, seus olhos cinza frios piscando para ele, observando a forma como ele se tensionava, a leve ponta de pânico em seu tom.

Ela não disse nada de primeira, apenas observou. Depois, lentamente, levantou uma sobrancelha.

"O que foi?" perguntou ela, com voz neutra.

Ray engoliu em seco e disse, "Deixe-me fazer uma ligação primeiro."

Ela não reagiu imediatamente, mas dava pra perceber que ela estava avaliando suas palavras, ponderando se valia a pena atender ao seu pedido.

Finalmente, depois de um longo momento, ela exalou pelo nariz e abaixou um pouco a pulsação.

"Você tem trinta segundos," ela disse com tom plano.

Ray não perdeu tempo.

Seus dedos se moveram rapidamente enquanto fazia uma chamada pelo smartphone.

Seus pensamentos aceleraram enquanto o toque de discagem soava em seus ouvidos.

Preciso pedir ajuda ao Mestre.

Espero que ele ajude.

Depois de alguns toques, a ligação se conectou com um clique suave, seguido por uma voz baixa e áspera do outro lado.

"- O que foi?"

Ao ouvir aquela voz familiar, Ray sentiu uma onda de alívio tecer-se por ele, a tensão nos ombros aliviando um pouco.

"Mestre, preciso da sua ajuda."

Por um tempo, não veio nenhum som do outro lado,

Depois, Saint Nichole falou, com o tom carregado de algo entre irritação leve e curiosidade.

"...Vai em frente."

Ray não perdeu tempo.

Ele explicou tudo—sua chegada em Ironhold, a masmorra, a mulher na sua frente tentando impedir sua entrada e, o mais importante, a advertência especial que proibia ele de deixar a academia sozinho.

Nichole ouviu em silêncio, mas Ray podia praticamente sentir a frustração crescendo do outro lado.

"Então," finalmente Nichole falou, puxando a palavra, "você está me dizendo… que deixou a academia."

"Sim."

"Pra entrar numa masmorra."

"Sim."

"Que fica duas categorias acima da sua."

Ray hesitou. "…Sim."

"E," Nichole continuou, com a voz ainda mais seca, "essa masmorra justamente contém um tesouro antigo?"

Ray engoliu. "De acordo com os rumores."

Um longo suspiro passou pelo relógio inteligente. Um suspiro que dizia muito.

Nichole não respondeu de imediato. O silêncio se prolongou, e Ray quase podia ouvir o peso da frustração do seu mestre através da ligação.

Então, finalmente—

"Seu idiota."

Ray fez uma careta. "Mestre, eu—"

"Não, cale a boca." O tom de Nichole foi plano, sem impressionar, com um leve ar de resignação. "Acabei de acordar e meu discípulo de doze anos me diz que está tentando se jogar numa armadilha mortal."

Ray abriu a boca, depois a fechou.

Um suspiro agudo saiu na ligação. Não exatamente um suspiro—mais uma tentativa deliberada de segurar a irritação.

A enforcement que estava na sua frente se moveu um pouco, cruzando os braços. Seus olhos cinza-tempestade continuavam fixos nele, mas agora, havia algo mais no olhar dela.

Interesse.

Ela estava ouvindo a conversa.

"O que diabos você estava pensando?" Nichole murmurou, com algo entre cansaço e incredulidade na voz. "Você entende mesmo o que está entrando?"

Ray sentiu o olhar da enforcement se aguçar.

Ela interpretava as entrelinhas.

Ray forçou sua voz a permanecer firme. "...Sei que é perigoso. Mas não posso voltar atrás agora."

Pela primeira vez, a sobrancelha da enforcement se ergueu. Foi um movimento pequeno, quase imperceptível, mas aconteceu.

Nichole soltou uma respiração lentamente, mas a irritação ainda não tinha desaparecido. "E o que exatamente te fez pensar que sair escondido sozinho era uma boa ideia?"

Ray se moveu ligeiramente de peso.

"Eu tinha minhas razões," disse ele simplesmente.

A lábia da enforcement se abriu parcialmente, mas ela não disse nada. Claramente, resistia ao impulso de comentar.

Um riso seco passou pela ligação, mas sem nenhuma diversão.

"Você parece um garoto fugido. 'Tinha minhas razões'," Nichole zombou. Depois, seu tom caiu. "Ray. Seja sincero comigo."

Ray sentiu o maxilar ficar tenso.

"Preciso estar aqui," afirmou.

Nichole soltou uma respiração aguda. "Tch. Bricão teimoso." Um som de movimentação foi ouvido, como se ele estivesse se levantando ou pegando alguma coisa. Depois, sua voz voltou, mais firme.

"Deixe-me falar com a enforcement."

Ray piscou. "Hã?"

O sobrancelha da enforcement se franziu ligeiramente.

Ela não esperava por isso.

"Vou falar com ela," disse Nichole com tom neutro. "Deixa comigo."

Ray hesitou por um segundo antes de olhar para a mulher.

Ela o encarou, os olhos levemente estreitados.

Então, após uma breve pausa, estendeu a mão.

Ray colocou o telefone na palma dela, e ela o levou ao ouvido.

***

Os olhos de Liera Vasquez tremeram com uma tensão contida enquanto segurava o telefone com mais força.

"Aqui é a capitã Liera Vasquez," ela disse, com tom frio e profissional. "Quem está falando?"

Houve silêncio do outro lado,

Depois, uma voz soou na linha—calma, lenta, mas carregada de um peso capaz de esmagar montanhas.

"Saint Nichole Schneiders."

A mudança na postura de Liera foi imediata.

Seus dedos endureceram ao redor do telefone, seus ombros ficando rígidos.

Ray não deixou de notar o tremor de surpresa que cruzou seu rosto, normalmente impassível.

O nome de Saint Nichole não era só conhecido, era lendário.

Ela exalou fortemente pelo nariz, rapidamente recuperando a compostura. "Saint Nichole," ela reconheceu, dessa vez com um pouco mais de formalidade.

Nichole soltou um suspiro cansado. "Pois é, pois é, formalidades depois. Qual é o problema?"

Liera se endireitou. "Seu discípulo tentou entrar numa masmorra de alto risco sozinho. Dado o rank dele, sua trajetória e seu status especial, eu quase ia contatar a academia para relatar a violação das regras de segurança."

Um sorriso amargo passou pela linha. "Violação de regras de segurança? Tch."

Ray quase pôde imaginar o mestre esfregando a testa, exasperado.

"Escuta aqui, Capitã," Nichole continuou, com a voz ficando mais firme. "Se fosse qualquer outra criança, eu diria pra você puxá-lo de volta pela gola. Mas Ray não é qualquer um, ele é meu discípulo."

A mandíbula de Liera se apertou. "Isso não o isenta de—"

Nichole interrompeu ela. "Não, não isenta. E é exatamente por isso que não posso deixar passar assim, sem mais."

A temperatura da conversa mudou.

O peito de Ray se apertou um pouco. Ele reconhecia aquele tom.

A voz de alguém que viu demais, que já perdeu demais.

"Guerreiros não são feitos pra ficar em uma jaula de flores," murmurou Nichole, como se estivesse falando mais pra si do que pra alguém. "Não posso mimá-lo. Se fizer isso, ele nunca vai se tornar aquilo que deveria."

Os dedos de Liera se cerraram em um punho, mas ela permaneceu em silêncio.

Ray conteve a respiração.

Depois, o tom de seu mestre se tornou mais severo.

"Mas isso também não quer dizer que vou deixar ele se enfiar em uma fornalha de carne, também."

A barriga de Ray afundou.

"Você não entra sozinho, garoto," disse Nichole com tom plano. "Se quiser entrar, vai como carregador, sem combate direto."

Ray tremeu os dedos. "Mestre, eu—"

"Sem negociações." O tom de Nichole foi absoluto. "Você vai com uma equipe experiente—a melhor de todas. Assim, mesmo que você faça uma besteira, alguém vai estar lá pra limpar a bagunça."

Finalmente, Liera falou, com a voz cuidadosamente ponderada. "Saint Nichole, eu não posso—"

"Você pode," cortou ela, de modo fluido. "E vai. Vou falar com o chefe da cidade pessoalmente. Você vai obter a aprovação que precisa."

Um breve silêncio se estendeu antes que Nichole perguntasse: "E quanto ao conteúdo rumoroso da masmorra?"

Olhos de Liera se estreitaram ao ouvir a pergunta.

Liera então respirou fundo, escolhendo bem as palavras a seguir. "Havia informações de que poderia ser 'Aquilo'."

Ray franziu a testa. 'Aquilo'?

Nichole não respondeu imediatamente. Então, suspirou—uma respiração profunda, carregada de compreensão tácita.

"Entendi," murmurou. "Avançar com o procedimento. Falar com o chefe de Ironhold."

"...Combinado," ela respondeu.

Ray respirou fundo, relaxando os ombros, uma parte da tensão desaparecendo.

A voz de Nichole voltou, desta vez voltada pra ele. "Não me façam arrepender, garoto."

Ray sorriu levemente. "Não iria sonhar com isso."

A ligação se desconectou com um som suave de clique.

Liera devolveu o telefone a Ray, com expressão difícil de ler.

"Sua aprovação virá em breve," ela afirmou. "Espere aqui."

Ela virou sobre os calcanhares, passos rápidos desaparecendo na murmuração crescente dos caçadores e enforcement reunidos.

Ray ficou parado por alguns segundos, observando ela desaparecer.

Seus dedos se fecharam levemente, a tensão se acumulando em suas mãos enquanto um pensamento não dito surgia—um que ele não se permitira admitir há muito tempo.

A compreensão pesou em sua mente, silenciosa, mas inquestionável.

Ter um sobrenome é realmente bom.

Aquele pensamento isolado carregava mais peso do que devia. Era uma sensação estranha, saber que alguém o observava, que tinha a proteção de um nome além de sua própria força.

Mas, por mais conforto que aquilo pudesse trazer, só lhe lembrava de algo que tinha perdido.

Por um instante fugaz, sua mente divagou, sua atenção escorregando do dungeon, da enforcement.


[Flashback]

O cheiro de madeira queimada preenchia o ar. Uma fumaça espessa serpenteava pelas ruas, obscurecendo o céu com nuvens negras, bloqueando as estrelas.

O ar estava pesado com o aroma metálico de sangue, o odor forte da magia queimada na própria brisa.

Os pequenos dedos de Ray cavaram na parede de pedra áspera, suas falanges brancas de tensão. Sua respiração vinha curta, ofegante, o peito arfando, cada músculo do corpo tremendo de um medo que mal conseguia conter.

Suas pernas doíam de tanto correr, de tropeçar pelas ruas cheias de detritos, de evitar os corpos que uma vez foram seus vizinhos.

Agora, eram apenas cascas vazias.

Os gritos tinham começado há muito tempo.

E não pararam desde então.

Eles ecoavam entre os prédios, ricocheteando nas paredes quebradas, se sobrepondo num coro doentio. O som das pessoas—seus próprios povo—implorando, chorando, gritando por misericórdia que nunca chegaria.

E sob tudo isso, os rosnados profundos e gutturais dos monstros.

Ele os tinha visto.

Películas de fumaça que se moviam por entre as caixas onde se escondia agora, figuras sombrias, grotescas, seus corpos fora do natural e curvados.

Alguns rastejavam em muitas mãos, suas garras arranhando as ruas de pedra, suas mandíbulas alongadas abrindo para lançar gritos inumanos.

Outros se erguiam, humanoides de modo grotesco, mas errados—muito errados—com olhos oco brilhando com uma diversão cruel na caça.

Demônios.

Se moviam como ceifadores pela vila, deixando trilhas de carmesim no caminho, corpos de homens e mulheres cortados como trigo na colheita com a foice.

O cheiro de morte era sufocante.

Ray pressionou as mãos trêmulas sobre a boca, mordendo o tecido da manga para não deixar escapar o som da respiração.

Se ele fizer até o menor barulho, se se mover de repente, eles o ouvirão.

E ele morreria.

Seu corpo estava rígido, preso por um medo tão forte que o paralisava. Mas ele não podia se mover—não ainda.

Não quando eles ainda estavam lá fora.

Não quando seus pais ainda estavam lá fora.

Um suspiro trêmulo rasgou sua garganta enquanto ele forçava-se a fingir que olhava pelas brechas mais uma vez, procurando, esperando—rezando.

Pai, mãe… onde estão vocês?

Então, ele os viu.

Não longe de onde se escondia, perto da praça da vila. Duas figuras familiares, costas coladas uma na outra, respirando com esforço.

O cabelo escuro de sua mãe tinha marcas de sangue, fios grudando no rosto, as roupas antes limpas rasgadas e queimadas.

Seu pai estava ao lado dela, segurando firmemente a espada, o peito subindo e descendo com movimentos agitados e cansados.

Mas estavam vivos.

O peito de Ray apertou.

Eles ainda estavam lutando.

Tenho que ir até eles—tenho que ajudar—

Seus dedos tremeram contra a pedra, seu corpo quase se movendo por impulso, antes de uma risada baixa mandar formedos roer seus ossos.

Uma figura saiu das sombras.

A pele era de um cinza pálido, esticada demais sobre uma estrutura muscular, com dedos alongados que terminavam em garras curvas pretas.

O rosto distorcido em algo que quase parecia um sorriso, com olhos vazios e sem pupilas brilhando com uma diversão sinistra.

Um demônio de alto escalão.

Ray sabia, mesmo antes do monstro falar, que seus pais não sobreviveriam.

Que eles não venceriam.

Mas ele não conseguia desviar o olhar.

Ele só pôde assistir enquanto seu pai levantava a espada, enquanto sua mãe dava um passo à frente, as mãos se fechando com as últimas reservas de magia.

"Fique atrás de mim," murmurou seu pai.

Sua mãe não escutou.

"Que diabos," ela sussurrou por baixo.

O demônio inclinou a cabeça, observando-os com algo que poderia ser curiosidade. Então, levantou a mão—e estalou os dedos.

O ar tremeu.

A terra se partiu.

E de repente, seu pai simplesmente desapareceu.

Num instante, ele estava de pé, espada levantada.

No próximo—sumiu.

Sem resistência, apenas desaparecido.

A respiração de Ray ficou presa na garganta, o mundo pareceu inclinar-se ao seu redor.

A mãe gritou.

Mas ela não recuou.

Avançou, magia explodindo de suas mãos, energia crua cintilando no ar como uma tempestade violenta.

O demônio apenas riu.

Depois, levantou uma mão.

E tudo ficou silencioso.

O vento cessou.

O crepitar das chamas silenciou.

Até os gritos ao fundo desapareceram em silêncio.

O demônio fechou o punho.

E a mãe de Ray desabou.

Assim, de repente.

Seu corpo caiu no chão numa pilha sem vida, os olhos arregalados, presos num olhar de incredulidade.

O coração de Ray bateu forte contra as costelas, o fôlego roubado dos pulmões.

Suas mãos cavaram na pedra até as unhas racharem.

Não.

Não, não, não—

Isto não era real.

Isto não era real.

Sua mãe—seu pai—eles eram só—

Era só conversa naquela manhã.

Só sorrindo pra ele.

Sua mãe beijou sua testa.

Seu pai bagunçou seu cabelo, mandando ele parar de se encurvar.

Eles não eram—

Não podiam—

O demônio deu um passo devagar para frente, seus olhos vazios vasculhando a área como se procurasse algo.

Ray fechou os olhos com força.

Seu corpo pequeno se encolheu ainda mais nas sombras.

Ele não se moveu.

Ele não respirou.

Se fizer isso—

Sera o próximo.

E ele não poderia se mover.

Nem quando o olhar do demônio passou por ele.

Nem quando o silêncio finalmente foi rompido pelo som de passos se afastando.

Nem quando o cheiro de sangue ficou mais forte no ar.

Ele ficou ali.

Mesmo sabendo que eles se foram.

Mesmo quando os monstros partiram.

Mesmo quando não havia mais ninguém para salvar.

Ele não se moveu.

Permaneceu ali, encolhido na destruição de uma casa que não existia mais, com a respiração superficial, o corpo tenso.

E naquele momento, ele entendeu.

O poder não importava.

A coragem não importava.

Nada importava.

Porque diante de monstros verdadeiros, humanos eram nada.

Ele era nada.

E essa impotência—o peso dessa sensação de desamparo—fixou-se nos seus ossos, frio e implacável.

Nessa noite, o menino chamado Ray Dawson morreu.

E, em seu lugar, nasceu uma versão diferente dele.

Uma que jamais, nunca mais, permitiria ser tão fraca assim.

Uma que caçaria esses monstros.

Que buscaria vingança.

***

Ray exalou profundamente, passando a mão pelos cabelos enquanto tentava colocar a memória de lado.

Ele cerrava a mandíbula e mexia os ombros, sacudindo a tensão residual. Sua mão no peito de camisa afrouxou, os dedos se movendo antes de forçá-los ao lado do corpo.

Os aventureiros ao redor murmuravam entre si, agitados, enquanto os guardas permaneciam impassíveis.

Ray respirou novamente, mais lentamente desta vez.

Agora, só precisava focar no que viria a seguir.