Verme (Parahumanos #1)

Capítulo 33

Verme (Parahumanos #1)

Alec, surpreendentemente, foi quem quebrou o silêncio tenso. “Vamos colocar de outra forma. Quando você ganhou seus poderes, estava tendo um dia bom?”

Não precisei pensar muito. “Não.”

“Seria muita ideia minha se eu arriscasse dizer que você estava tendo o pior dia da sua vida quando conseguiu seus poderes?”

“Segundo pior,” respondi em voz baixa, “É assim com todo mundo?”

“Quase isso. Os únicos que têm uma vida mais tranquila são os segundos gerações de heróis, os filhos de quem já tem poderes.”

Lisa se inclinou para frente, apoiando os cotovelos na mesa: “Então, se você precisava de mais um motivo para achar que a Glory Girl é uma intensa privilegiada, aí está.”

“Por quê?” perguntei, “Por que passamos por isso?”

“Chama-se evento gatilho,” explicou Lisa, “Pesquisadores teorizam que, para cada pessoa com poderes por aí, há de uma a cinco com o potencial de ter poderes, que ainda não atingiram as condições necessárias para um evento gatilho. É preciso ser levado ao limite. Respostas de luta ou fuga levadas ao extremo, ultrapassando até seus limites. Então, seus poderes começam a se manifestar.”

“Basicamente,” disse Alec, “Para seus poderes aparecerem, você precisa passar por uma situação bem ruim.”

“Pode explicar por que os vilões superam os heróis numa proporção de dois para um,” apontou Lisa, “Ou por que os países do terceiro mundo têm a maior concentração de pessoas com poderes. Não heróis, mas muita gente com poderes.”

“Mas e quem tem pais com poderes?”

“Eles não precisam de um evento tão intenso para que seus poderes se manifestem. A Glory Girl conseguiu os dela após ser derrubada enquanto jogava basquete na aula de educação física. Ela mencionou isso em algumas entrevistas que deu.”

“Então, basicamente, vocês querem que a gente compartilhe os piores momentos das nossas vidas,” disse Alec, antes de dar mais uma mordida no hambúrguer.

“Desculpa,” respondi.

“Não tem problema,” tranquilizou-me Brian, “É uma daquelas coisas que só a gente, heróis, costuma falar. Talvez você ouvisse mais sobre eventos gatilho em uma aula de estudos sobre parahumanos na faculdade, mas duvido que teria a compreensão completa. Acho que é algo que a gente precisa passar pra entender de verdade.”

Lisa puxou meu cabelo de leve, bagunçando-o. “Não se preocupa.”

Por que eu tinha mencionado as origens? Chegaria a minha vez, inevitavelmente, e teria que compartilhar minha história.

Talvez eu quisesse isso também.

“A Lisa falou que vocês estavam falando de mim, especulando sobre como eu tava passando por momentos difíceis, tentando adivinhar o que tinha acontecido,” consegui dizer, “Não sei, acho que uma parte de mim quer falar sobre isso pra vocês não chegarem a conclusões erradas. Sobre como consegui meus poderes. Mas não sei se consigo falar sem mudar o clima da conversa.”

“Você já estragou o clima, otário.” Disse Alec, com tom brincalhão.

Brian deu um soco no braço dele, que fez Alec dar um yelp. Cerrando os olhos para a expressão dele, Alec resmungou, de má vontade: “Quer dizer que não tem motivo pra não falar, né?”

“Pode falar,” incentivou Lisa.

“Não é uma história incrível,” comecei, “Mas tenho que dizer uma coisa antes. Já falei pra Lisa, e é importante que vocês saibam... Os caras que eu estou falando… Não quero que vocês virem justiceiros por minha causa, ou algo assim. Preciso ter certeza de que vocês não vão fazer isso.”

“Quer se vingar você mesmo?” perguntou Alec.

Fiquei sem palavras por um instante. Não conseguia explicar direito por que não queria que eles interferissem: “Não sei. Acho que... acho que se vocês fossem lá, batendo, humilhando ou fazendo eles chorarem de tanta vergonha, eu sentiria que não resolvi as coisas do meu jeito. Ficaria sem conclusão.”

“Então, qualquer coisa que ouvirmos, a gente não faz nada com isso,” esclareceu Brian.

“Por favor.”

“É sua decisão,” ele disse, pegando uma abobrinha frita do prato da Lisa e mordendo ao meio. Ela empurrou o prato dele para perto.

“Tanto faz,” completou Alec.

Respirei fundo, dei uma trincada na mordida do meu cheeseburguer com bacon e organizei meus pensamentos antes de começar.

“Tem três meninas na minha escola que fizeram minha vida um inferno. Faziam praticamente tudo que podiam pra diminuir minha autoestima, humilhar, machucar. Cada uma tinha seu jeito de fazer isso, e por um tempo, parecia que estavam competindo pra ver quem era mais criativa ou cruel.”

Meu coração acelerava enquanto olhava de relance para as expressões dos outros. É quem eu sou, pensei. É de onde vim. Quando eles soubessem quem eu realmente sou, sem os rótulos ou ideias que criaram sobre mim, como iriam reagir?

“Esse jogo durou quase um ano e meio até as coisas esfriarem. No final do ano, lá por novembro, elas… não sei. Acho que ficaram entediadas. As brincadeiras ficaram mais leves, depois pararam completamente. As provocações, a maioria das mensagens de ódio, pararam também. Elas me ignoraram, me deixaram em paz.”

“Fiquei esperando o outro golpe. Mas fiz uma amizade, uma das garotas que às vezes participava das provocações veio falar comigo e pediu para sair junto. Não era uma das maiores valentonas, era mais como uma amiga de uma amiga delas, talvez. Ela me perguntou se eu queria sair. Eu tava com medo, recusei, mas passou a conversar comigo antes e depois das aulas, e a almoçar comigo. Ela se aproximou e virou minha amiga, e isso foi uma das grandes razões pra eu achar que o assédio tava acabando. Nunca relaxei de verdade ao redor dela, mas ela foi bem compreensiva.”

“E praticamente todo novembro e as duas semanas antes do recesso de Natal, nada. Elas me deixaram em paz. Eu consegui relaxar.”

Suspirei, “Só que tudo mudou no dia em que voltei das férias. Eu sabia, instintivamente, que elas estavam me usando, esperando antes de aprontar de novo, pra ter mais impacto. Não achei que fossem tão pacientes. Fui até meu armário, e elas tinham invadido a mochila das meninas do banheiro, jogando absorventes e tampões usados, quase preenchendo tudo.”

“Eca,” entrou Alec, largando a comida dele, “Tava comendo aqui.”

“Desculpa,” olhei para o meu prato, mexendo numa fatia de bacon, “Posso parar, de boa.”

“Termina logo,” ordenou Brian, se é que dá pra dizer que ele ordenou de forma suave. Ele olhou feio pra Alec.

Engoli em seco, sentindo o rosto ficar ruborizado. “Era bem óbvio que elas tinham feito isso antes do Natal, só pelo cheiro. Fiquei tonto e vomitei ali mesmo, no corredor cheio de gente assistindo. Antes de conseguir recuperar, alguém puxou meus cabelos com força, doendo, e me empurrou contra o armário.” Era quase certeza que havia sido Sophia. Ela era a mais agressiva das três. Mas esses caras não precisavam saber o nome dela.

Por que tinha falado disso? Já tava me arrependendo. Olhei para os outros, mas não consegui decifrar suas expressões.

Não podia deixar a história incompleta, depois de chegar até aqui, por mais que eu quisesse muito. “Eles fecharam meu armário e colocaram o cadeado. Fiquei preso lá dentro, com aquele cheiro forte e vômito, mal conseguia me mexer, tava tão cheio. Só pensava que alguém tinha se disposto a sujar as mãos pra me zoar, mas de todos os estudantes que tinham visto eu ser empurrado, ninguém chamava o zelador ou um professor pra me tirar.”

“Eca,” Alec interrompeu, largando a comida, “Tava comendo, hein?”

“Desculpa,” baixei o olhar para o prato, cutucando um pedaço de bacon, “Posso parar, tranquilo.”

“Termina logo,” ordenou Brian, se é que se pode chamar de ordem de forma gentil. Ele lançou um olhar sério para Alec.

Puxei o ar, sentindo a testa e as bochechas ficando quentes. “Era bem claro que eles tinham feito isso antes do Natal, só pelo cheiro. Fiquei tonto e vomitei ali mesmo, no corredor, com todo mundo olhando. Antes de conseguir parar, alguém puxou meus cabelos com força, doendo, e me empurrou contra o armário.” Era quase certeza que era Sophia. Ela era a mais agressiva das três. Mas esses caras não precisavam saber o nome dela.

Por que tinha falado disso? Já tava me arrependendo. Olhei para os outros, mas não consegui ler suas expressões.

Não podia deixar a história incompleta, depois de chegar até aqui, por mais que eu quisesse muito. “Eles trancaram meu armário e colocaram a trava. Fiquei preso lá dentro, com aquele cheiro horrível e vômito, mal conseguia me mexer, tava tão cheio. Só conseguia pensar que alguém tinha se disposto a sujar as mãos pra me zoar, mas de todos que tinham visto, ninguém chamou alguém pra abrir o armário.”

“Eca,” Alec falou, largando a comida, “Tava comendo aqui, hein?”

“Desculpa,” encolhi os ombros, mexendo numa fatia de bacon, “Posso parar, de boa.”

“Termina logo,” ordenou Brian, se é que dá pra chamar de ordem, dando uma olhada firme em Alec.

Engoli em seco, sentindo o rosto ficar quente. “Era bem evidente que tinham feito isso antes do Natal, só pelo cheiro. Fiquei tonto e vomitei ali mesmo, no corredor, com todo mundo assistindo. Antes de me recuperar, alguém puxou meus cabelos com força, doendo, e me empurrou contra o armário.”

Era quase certeza de que tinha sido Sophia. Ela era a mais agressiva, mas esses caras não precisavam saber o nome dela.

Por que tinha falado disso? Já tava me arrependendo. Olhei para os outros, mas não consegui entender suas expressões.