Verme (Parahumanos #1)

Capítulo 291

Verme (Parahumanos #1)

Duas partes de um todo.

Este, como tudo, converge para o objetivo final: a propagação da espécie.

Superar uma competição entre os da própria espécie é uma espécie de transcendência. Cooperação, um objetivo que vai além da própria vida, da própria comunidade. Essa entidade consegue recordar o momento da transcendência, a unificação e reinvenção de sua espécie.

Tudo aponta para uma meta final. Um domínio completo e absoluto de todas as coisas. Com o tempo, assim como espalharam-se e consumiram todo o seu mundo, eles preencherão cada espaço de todos os universos acessíveis onde possam ocupar. Quando chegar a hora, alcançarão uma estase e cairão de seu estado transcendental. Descerão novamente ao início de uma competição, e devorarão uns aos outros vivos, mais uma vez.

A esperança, a continuidade, depende de uma nova reinvenção de sua espécie. Eles usarão conhecimentos adquiridos de inúmeras outras espécies, através de mesclar, comparar e eliminar seus próprios arquivos internos de funções.

Há um limite de tempo. Apenas algumas gerações e ciclos antes que tudo chegue ao seu estado final. Trocarão informações, sua espécie avaliará tudo com base no mérito, e então buscará uma solução. Um esforço final de poder, uma reinicialização dos universos, uma reinvenção da existência, ou algo além desta entidade.

Esse é o objetivo. Aproveitar ao máximo cada ciclo.

Duas partes de um todo. A outra entidade é uma guerreira, direta, orientada para objetivos de curto prazo. Esta entidade olha mais longe, consultando possibilidades.

Seu destino geral está em mente, e há tempos já o tinha. Já começaram a fechar sua espiral de hélice, aproximando-se frações delas a cada rotação, controlando o padrão e o ritmo de sua aproximação.

Destino, comunica-se a entidade Guerreira.

Acordo, responde esta entidade. Os sinais que acompanham e formam as mensagens gerais permitem que escolham sub-mundos para si próprios. Pontos de chegada, destinos para fragmentos críticos se enraizarem, hospedeiros para as extensões desses mesmos fragmentos.

Trajetória, comunica-se a outra entidade. Mais dados sobre para onde irão chegar, como se moverão na aproximação, a colocação de fragmentos menos cruciais.

Acordo. Esta entidade vê as mensagens constantes como uma distração. Ela está se reorganizando, convocando sua própria precognição e clarividência para mapear suas ações após a chegada.

Essa entidade se reformula, ajustando a colocação de fragmentos individuais, preparando-se para uma simulação mais profunda, considerando possíveis maneiras de executar tudo.

Isso leva tempo. Foco.

Colônia, sinaliza a outra entidade.

Reduzindo as possibilidades de destino.

Acordo, esta entidade distrai-se na resposta. Está recebendo outra transmissão.

Uma terceira.

A comunicação é quase alienígena, de um membro de sua espécie, mas de um ciclo passado, de muitos ciclos atrás.

Ela hesita, então sinaliza sua própria localização.

Troca. Encontrar-se.

A resposta vem confusa. Demora para analisar.

A terceira entidade viaja mais pelo impulso do que por sugestão. Gasta grandes quantidades de poder para mudar de curso.

Eles se encontram violentamente. Como fizeram seus ancestrais, compartilham de forma violenta, colidindo um shard contra o outro, quebrando fragmento por fragmento.

Essa entidade percebe de imediato que há uma riqueza de informações aqui. Mas é necessária cooperação, informação por informação.

Mesmo enquanto se trituram, destruindo-se mutuamente numa troca brutal de fragmentos, a entidade trabalha para salvar os fragmentos-chave, colocando os que pode suportar perder na parte exterior do corpo.

Esse é o caminho ótimo, a melhor maneira de alcançar seu objetivo final. Os fragmentos aqui são ricos em memórias, experiências e possibilidades inexploradas. Vale a pena sacrificar tanto quanto ela mesma.

Eles se separam. A terceira entidade continua seu caminho, indo para uma estrela distante, com trajeto perpendicular ao par.

Preocupação, expressa a entidade Guerreira.

Confiante, responde esta entidade. Essa é a melhor estratégia. Está carregada com esses novos fragmentos, afogando-se em conhecimento e experiência. Se isso acontecer a cada ciclo, trazendo esse tipo de informação ao padrão, a sobrevivência além do ponto final seria praticamente garantida.

Esta entidade luta para se mover enquanto trabalha para reorganizar esses novos fragmentos, convertendo-os em uma forma que possa usar.

Vai passar por esse ciclo, e recuperar o que perdeu na união com a Guerreira.

Agora, ela enxerga novas possibilidades. Não apenas conflito, mas filosofia e psicologia. Imaginação. São nesses novos padrões de pensamento que consegue visualizar uma possibilidade para o futuro. Sua parceira assume parte de seus deveres enquanto ela vasculha as bibliotecas de informações para descobrir como colocá-las em prática.

Pode usar suas forças, as forças da Guerreira, e as naturezas do hospedeiro para explorar novas ideias e táticas para alcançar o ponto final.

Já está formando um modelo, uma simulacro da espécie hospedeira, mapeando como as coisas podem se desenrolar. Enquanto a Guerreira prepara-se para descartar seus fragmentos e espalhar o caos pelo mundo, essa entidade traça uma estratégia.

Não consegue distinguir qual forma ela ou a outra entidade terão, mas consegue visualizar a situação parcialmente. Define os critérios para um futuro ideal, para um estudo ideal, e olha para um futuro que atenda a esses critérios.

“Obrigado por ter vindo”, disse Partisan.

A entidade assentiu. Sua expressão era severa.

Partisan tocou seu terminal. Monitores acenderam, exibindo uma série de imagens.

Uma figura, de quinze pés de altura, pálida, com cabeça de leão, uma juba de cristal. Musculosa, bruta, pousada sobre um enorme cristal flutuante, com mais cristais ao redor. Aqui e ali, os cristais tocavam o chão. Transformavam tudo que tocavam em mais cristal, que logo se levantava para juntar-se à tempestade ao redor.

Uma mulher, ainda mais bruta na aparência, tinha parte inferior reptiliana. Nuvens de vapor surgiam ao redor dela, tomando formas estranhas ao se enrolar e expandir na área. Rostos, garras alcance e mais.

E no terceiro monitor, recortado por estática, havia um homem nu, belo, de cabelos longos, com uma expressão macabra no rosto. Ele pousava em cima de uma onda do oceano congelada no lugar, corpo excessivamente flexível, movendo-se com o vento como se fosse leve o suficiente para ser levado.

“Libertaram mais três das superarmas”, disse Partisan. “Mas, claro, você já sabe disso.”

“Sei sim”, responde a entidade.

“Isso totaliza nove. Quatro estão na Divide. Temos uma no extremo norte, pronta para nos flanquejar. Outras quatro espalhadas pelo mundo.”

“Talvez mais, que desconhecemos”, diz Arsenal.

Um poder que a entidade tinha em reserva percebe algo errado. Ela se virou para olhar seu parceiro, que estava um pouco atrás, taciturno e silencioso. Trocaram a menor das transmissões.

Um consenso foi alcançado entre eles. Arsenal sabia de algo sobre as superarmas, ou pelo menos suspeitava fortemente disso.

“O que é?” perguntou Clarent.

A entidade respondeu, fingindo emoção, “...Mais onze.”

Ela conseguiu perceber a reação entre os heróis presentes na sala. Medo, alarme, uma espécie de horror crescente.

Para Arsenal, porém, havia outra reação. Ele ficou chocado, sim, mas também um pouco aliviado. Sabia das outras, e vinha testando-as, para ver se mentiriam.

Porém, permaneciam suspeitas.

“Onze?” perguntou Partisan.

“Posicionados ao redor do mundo, nas fronteiras das nações mais fortes”, informa a entidade aos Vigilantes. “Como as suas, permanecem mais ou menos estacionários, atacando apenas quando percebem fraqueza.”

“E você acredita que sejam os Pastores os responsáveis?”

A entidade balança a cabeça. “Não posso saber. Vocês viram por si mesmos, os blocos poderosos que eles estabeleceram contra poderes. Mas pistas suficientes apontam para os Pastores.”

As expressões dos três homens estão sombrias. Os outros heróis na saída parecem igualmente preocupados, incluindo uma mulher com um enorme canhão que muda constantemente, expandindo-se e contraindo-se como algo vivo. Um homem de muita força, carregado de músculos, sussurrava algo às pessoas ao seu redor.

“Se isso avançar mais, seremos obrigados a nos submeter a essas táticas de terror”, disse Partisan. “Não gosto de dizer isso, mas...”

“Guerra”, disse Arsenal. “É nossa única saída.”

“Eu não gosto de guerra”, disse a mulher com a arma. “Vai gerar tantos problemas quanto resolver, e com apostas tão altas, isso gera um monte de problemas novos.”

“Ficar parado é tão perigoso quanto”, afirmou Arsenal.

“Não tenho tanta certeza.”

“Sabemos que são projeções”, disse Arsenal, olhando para os monitores. “Alguém ou algo as está projetando. Cortamos a cabeça, as superarmas caem.”

“Sim”, concordou a entidade. Ela notou o olhar curioso de Arsenal, e isso a deixou desconcertada.

“Vamos precisar da sua ajuda”, disse Partisan.

“Vocês terão”, respondeu a entidade. “Mas há outros locais que também precisam de nossa ajuda. Contra essas, e contra outras ameaças. Alguns estão em guerra total neste momento. Ajudaremos vocês, pararemos essas superarmas—”

“Se for possível parar essas”, completou Partisan.

“…Se forem parar. Isso leva ao meu próximo ponto. Vocês devem fazer o máximo de dano possível, dar tudo de si. Chegaremos tarde, e se eles forem fortes…”

A entidade se calou. Podia perceber o crescimento das suspeitas de Arsenal.

“Vocês têm mãos cheias”, disse Clarent.

A entidade assentiu, fingindo um momento de cansaço, para parecer humana.

“Obrigado”, disse Partisan, estendendo a mão.

A entidade se levantou do fingido cansaço, endireitou-se e apertou a mão.

“Precisamos ir”, disse.

“Antes de ir”, disse Partisan, tirando de sua cinta um pequeno dispositivo. “Aqui. Tem bons e maus dias, mas em dias bons, temos um alcance de cerca de mil milhas, talvez quatro ou cinco vezes o usual. Com sorte, conseguiremos ajustá-lo e vencer o efeito de blackout. Fazer as comunicações internacionais voltarem ao normal.”

“Trabalho do Arsenal?” perguntou a entidade, já sabendo a resposta. Conseguiu rastrear o design até as memórias do shard de Arsenal.

“Arsenal e Richter”, respondeu Partisan.

A entidade assentiu. Como não tinha bolsos, segurou o dispositivo numa mão.

“Boa sorte”, disse Partisan. “Para quem quer que vocês estejam ajudando.”

A expressão da entidade permaneceu grave. “Deveria desejar sorte a vocês. Se derem certo aqui, vão salvar muitas pessoas. Aqui e em outros lugares.”

“É fácil esquecer que outros lugares existem,” disse Clarent.

“Defendemos nossas fronteiras, mantemos a paz interna, resistimos”, disse Partisan. “É tudo que podemos fazer. Temos poderes que se fortalecem com o tempo, incluindo o de vocês. Também contamos com Richter, só precisamos de recursos. As coisas melhorarão.”

Clarent concordou. Arsenal bateu a mão no ombro de Clarent.

Os três trocaram golpes com as pontas de suas armas: a lança pesada de Partisan, a guisarme de Arsenal e a espada longa de Clarent. Depois se separaram, atendendo seus grupos e esquadrões.

Mas Arsenal observou de canto de olho, acompanhando a chegada da entidade e da Guerreira em direção à saída da sala.

A mulher com a arma foi até o lado de Partisan. Ela murmurou algo, mas a entidade ouviu, assim como tudo ao redor. “Guerra?”

“Vamos precisar do Cavaleiro Negro, Hana”, disse Partisan. “Vamos atrair eles para uma luta e mandar ele atrás. Ele consegue vencer enquanto estiver lutando com meta-humanos. O esquadrão do Colin trata de flanquear e infiltrar, meu grupo faz reconhecimento e Clarent mantém a linha de defesa.”

“E se essas superarmas atacarem enquanto nossas forças estiverem em outro lugar?”

“Elas não estão atacando. Estão apenas… ali.”

“Mas se atacarem? Se estiverem ali exatamente para essa eventualidade?” perguntou a mulher-armada.

“Vamos seguir em frente, atacando a sede dos Pastores, e o resto resistirá.”

“É uma loucura.”

“É a única opção. Temos dois dos meta-humanos mais fortes do nosso lado”, disse Partisan, levantando a voz. Olhou para a entidade e a Guerreira.

A entidade vinculou o olhar ao dele, reconhecendo-o. No entanto, o foco dela estava em Arsenal. Ao ouvir as palavras de Partisan, as suspeitas de Arsenal atingiram o ápice. Ele iria dizer algo.

Ou seja, se a entidade não interviesse primeiro. Ela passou por ele e usou um poder. Apagou uma memória, colocou um bloqueio no lugar. Os mesmos bloqueios que impediam um acordo entre os Vigilantes e os Pastores. Os mesmos bloqueios que impediam que a visão especial de Partisan visse o poder da entidade em ação.

Com isso, a tarefa terminou. A entidade saiu para a varanda, então alçou voo, a Guerreira voando atrás dela.

Destino, a entidade Guerreira transmite a ideia, interrompendo a simulação.

Acordo, responde distraidamente a entidade.

Um futuro ideal. É um futuro difícil, pois ela abriu mão de parte de sua capacidade de ver o futuro para o outro ser. Existem buracos, porque ela não compreende completamente os detalhes do que aconteceu, e porque o poder de visão futura dessa entidade está danificado. Acima de tudo, é um futuro incompleto, pois ela tem apenas um papel mínimo nos acontecimentos, e os fragmentos que viu eram todos do Guerreiro.

O fato de ela não ter visto tudo faz parte desse futuro. Essa entidade chegará ao destino, e irá distribuir fragmentos que dificultarão uma situação e quebrarão impasses. Os lados que perderem terão reforços por fragmentos amadurecidos. Uma forma diferente de engajamento, uma maneira nova de testar os fragmentos.

Ela continua concentrada em converter, transmutar e realocar os fragmentos. É frágil, delicada.

Colmeia, transmite o Guerreiro. Um mundo definido, com uma densidade populacional e grau de conflito fixos.

Mas essa entidade já decidiu por esse mundo, viu-o num futuro. Responde sem pensar. Acordo.

À medida que se aproximam, negociam quem pode colocar fragmentos onde, e essa entidade agora mantém seus fragmentos em reserva.

O Guerreiro concentra-se em refinar os fragmentos, e essa entidade, por sua vez, foca em refinar o futuro. Um objetivo definido, uma realidade.

Complexo demais para transmitir ao outro.

As comunicações continuam, e eles se aproximam da galáxia. Essa entidade começa a alterar seus próprios poderes, mas isso não é uma grande preocupação.

A gravidade dos corpos planetários puxa ela para baixo. Ela perde grandes blocos de fragmentos.

Perca mais ainda. Seu foco agora é manter os fragmentos críticos para transformar esse futuro que viu numa realidade. Um mundo em conflito constante, com grupos e facções mantidos pequenos o bastante para que nenhum possa desafiá-la.

Toda energia que puder gastar vai para a reorganização. Fragmentos devem ser descartados, ou ela será maior que o próprio planeta destino. Ela lança fora fragmentos, e retém aqueles que lhe permitirão extrair poder deles.

Perigo, transmite a Guerreira.

Confiante, responde a entidade.

Ela escolhe uma realidade. Até o momento do impacto, trabalha para se reorganizar.

Ao fazer isso, altera um dos poderes do terceiro ser, substituindo sua própria habilidade de encontrar o futuro ótimo.

Naquele instante, reconhece que cometeu um erro grave. O mundo simulado e o vislumbre do futuro ideal já escaparam de suas mãos. Tarde demais.

A perspectiva muda, desprende-se, fica distante, confusa, desconectada. O impacto foi forte demais.

Uma garota acordou de um sonho.

Começou a gritar, mas um homem, seu tio, colocou a mão sobre a boca dela. Foi a mão, assim como a dor no corpo que ela sentia, que silenciou.

Silêncio”, disse ele, em sua língua. “As monstruosas estão lá fora.

Ela assentiu, ainda delirando, perdida na magnitude do que tinha visto.

As memórias já escapavam, como areia pelos dedos.

Tenho que lembrar, repetia para si mesma.

A resposta apareceu de repente. Uma forma de lembrar.

Nove passos, e ela conseguiria. O primeiro passo era evitar pensar nas memórias. Assim que reconhecesse, ela começaria a escorregar para outro estado mental.

Ela é tocada”, disse outro homem. Um dos amigos do tio.

Ela se lembrou vagamente de algo que aconteceu com seus pais. Um evento catastrófico.

Exceto, ela não podia permitir que começasse a lembrar.

Ela não mudou”, disse seu tio.

Vimos o fantasma, a criatura da noite, saltar nela.

Ela precisava sonhar. Os próximos passos fariam isso acontecer.

Passo dois, levantar-se.

Passo três, um golpe com a mão no cotovelo do tio, para impedir que ele a agarrasse.

Passo quatro, empurrar com o pé contra o chão, para manter o tornozelo fora do alcance da mão do amigo.

Passo cinco, pegar a bolsa de remédios escondida atrás do tio.

Abrir a bolsa, passo seis. Caminhar até o banco, passo sete.

O tio só agora começava a se levantar. Cada ação era mecânica, descrita por essa certeza na sua mente, auxiliada pelo conhecimento exato de como e onde mover cada parte do corpo.

Sete envolvia abrir as frascos certos. Oito, obter uma quantidade específica de pó, mover a mão com cuidado, de forma precisa, para que a quantidade exata se acumulasse na palma da mão fechada. Ela jogou o pó em uma caneca meio cheia e bebeu, enquanto seu tio chegava, colocando as mãos nos ombros dela e sacudindo.

O passo nove era esperar pelo sono. Ela só precisava sonhar, e conseguiria escapar do esquecimento.

Quando acordou, seu corpo era uma ruína, mas sua mente estava clara.

Tudo começou há três dias. Esse desastre. Pessoas se tornando monstros. Loucura. Outros adquirindo habilidades mágicas. Sua comunidade dispersou-se, fugindo para uma floresta em pequenos grupos. Qualquer amigo ou familiar podia se transformar num monstro num piscar de olhos.

Estar sozinha era o mais seguro, mas estar sozinha também era estar na escuridão da floresta com os lobos.

Foi uma temporada faminta para os lobos, muitas ovelhas morrendo.

A sensação de vômito encheu sua boca, mas seu rosto ficou limpo. Quando se moveu, seu estômago pareceu ter sido atingido por um cacete.

Dirigiu sua atenção ao assunto. Um passo para minimizar a dor.

Um palavrão veio à cabeça.

Filho da puta de lobo,” murmurou, gemendo enquanto encontrava o equilíbrio.

Ela lembrou-se, porém. Sabia com o que estavam lidando. Essa coisa, esse monstro divino, planejava uma conflito que se espalharia por um mundo inteiro. Quando reunisse tudo que queria, os resultados de testes, estudos e mais, consumiria esse mundo, o dela, e tudo mais para gerar a próxima geração de sua espécie.

Se ela tivesse algum conceito de onde procurar—

A resposta veio em forma de um plano de trinta e nove passos.

Ela sentiu um frio na espinha.

Se eu quisesse matar os monstros e salvar todo mundo dessa loucura?

Trezentos e setenta e quatro passos.

Ela podia enxergar cada ação, esperando entender o que cada uma envolvia. Podia ver sua evolução com o passar do tempo, ajustando-se ao adiantar de sua execução.

Se eu quisesse fazer os dois?

Quinhentos e trinta e três passos.

Forta”, falou seu tio. “Você acordou.

Ela virou-se rapidamente.

Ele manteve a distância. “Uma loucura te possuíu. Passou?

Ela hesitou. Era isso mesmo?

Milhar trêscentos e cinquenta e quatro passos. Por que mais do que antes?

Não conseguiu responder.

Você se moveu como se alguém estivesse dentro de você. Fugiu de Ruggero e de mim como se nem estivéssemos ali.

“Lembro,” ela disse. Ela lembrava-se de tanta coisa. Entendia tudo, e não conseguia explicar—

Noventa e duas etapas.

Ela podia explicar. Poderia explicar e salvar todos? Explicar e encontrar o monstro estranho, salvar sua cidade natal dessa confusão?

Era possível. Precisaria de duzentos e um mil setecentos e setenta e quatro passos diferentes. Declarações, movimentos, decisões em momentos precisos.

Mas hesitava em executar tudo isso.

Outro questionamento surgia: ela tinha que perguntar com muita cautela, como na fábula de Luisa e o homem de pelos negros. Precisava perguntar com cuidado.

Será que conseguiria fazer tudo isso, explicar ao seu tio, encontrar a coisa que estava no coração do caos, salvar seu povo e lidar com as outras crises essenciais pelo caminho?

Não.

Uma névoa começava a encobri-la, e o número de passos ficava cada vez maior, ao mesmo tempo. Dois fatos contrários, a repeliam.

O frio e a sensação geral de insegurança cristalizaram na percepção de que ela teria que escolher entre impedir esse monstro e ajudar as pessoas com quem cresceu.

Fortuna, parece que viu um fantasma,” disse seu tio.

Posso ter visto, ela pensou, sem tirar os olhos dele.

Ela tremeu, mas se fortaleceu, escolhendo o caminho que desejava seguir. Era a névoa a coisa que mais a assustava. Se ela optasse por outro caminho, e perdesse a chance de matar a criatura divína…

Seu tio se endireitou ao se aproximar, mas ela colocou a mão em seu braço. Ela puxou a manga dele para fazê-lo se abaixar, e beijou sua bochecha.

Salvá-lo?

A resposta apareceu na sua cabeça. “Vá, tio. Corra o mais longe que puder. Não coma nem beba nada por três dias. Está tudo contaminado. Envenenado com a mesma coisa que está transformando pessoas em monstros.

Seus olhos se arregalaram. “Você vai comigo.

Ela balançou a cabeça.

Então, começou a correr.

Podia vencê-lo. Ela sabia. Ele tinha uma perna ruim, e piorou desde que teve que lutar contra Ruggero.

Seguiu para as colinas, até a montanha.

Seu corpo doía, mas era fácil. Ela sabia como mover-se, como colocar os pés para que os galhos não a aprendessem ou tropeçassem, evitando áreas de líquen que se soltariam e fariam seu pé escorregar na pedra abaixo.

Sabia a maneira mais eficiente de escalar a parede de pedra.

Parou para recuperar o fôlego, tentando ignorar o corpo do homem com chifres ao pé da parede. Ele também tentou escapar por ali, mas foi puxado para baixo ou atingido enquanto subia.

Ele tinha sido um deles?

Algo deu errado. O monstrengo divino tinha um plano, uma visão do futuro que queria, e isso não fazia parte dela.

Ele caiu na terra, e alguma coisa se libertou. Aqui e ali, imagens fantasmagóricas surgiram, passando por pessoas, e elas mudaram. Outros mudaram sem encostar nas mãos cinzentas, fantasmas, que pareciam aparecer do nada. Ela sabia, por essa convicção em sua mente, que era o alimento e a água. Estava contaminando a paisagem.

Tudo vindo do alto do penhasco.

Ela respirou fundo, então escalou até o topo.

O cenário que ela viu ao chegar lá não era familiar.

Outro céu, marcando outro horário. Mas o espaço entre eles era completamente diferente. Bastava olhar e ela sabia o que estava vendo: a entidade. O monstrengo maligno.

Tenho que matá-lo.

O plano formado em sua mente ainda tinha a névoa de fogueira na vista, e ela piorava a cada momento.

Sua mão tocou a pequena faca na cintura. Ela usava para cortar caules e aparar gordura. Um tesouro pessoal, com dois polegadas de comprimento, curva. Usava para aquilo, ou para ajustar folhas, pequenos cortes.

Ela iria usá-la ali. Começou a caminhar em direção a ela.

Havia pessoas reunidas, espectadores. Um grupo variado.

Por que estão aqui?

Não, havia alguma forma de descobrir, usando essa visão que ela tinha?

Eu quero entender por que eles estão aqui.

Eles vinham de mundos diferentes. Havia portais ou entradas aqui e ali. Quando a entidade caiu, deixou lacunas.

Eles gritavam palavras numa língua que ela não conseguia entender. Avisos. Estavam longe demais para que pudesse impedir.

Uma mulher apareceu na frente dela.

Roupas estranhas, vestindo um vestido tão curto que quase parecia pornográfico, mostrando as panturrilhas e uma boa parte do peito superior. Sua pele era de uma cor preta estranha, o cabelo preso em finas tranças brilhantes.

Uma das monstros? Não. Ela soube imediatamente que era uma estranha de uma terra distante. Uma terra muito parecida com aquela que ela vislumbrou em um sonho febril.

A mulher falou algo em uma língua estranha.

Fortuna avançou mesmo assim. Sua sabedoria especial permitiu-lhe empurrar-se quase sem esforço, escolhendo o lugar certo, a força certa. O monstrengo estava numa fenda, num crater de impacto. Estendia-se em todas as direções, uma poça de carne, atingindo vários mundos ao mesmo tempo.

É de cortar o fôlego olhar.

Passo vinte e nove, descendo até a cratera.

Ela pisou em areia solta, e seu peso fez o resto. Desceu, como os garotos na trilha lamacenta que fizeram na colina, até o lago, exceto ela permanecia de pé. Era uma tarefa que só os mais velhos e atléticos poderiam fazer.

Era mais perigoso aqui do que na colina. Havia rochas pontiagudas e saliências de raízes profundas e plantas que caíram na cratera após o impacto. Era mais perigoso, mas não mais difícil. Assim como escalar a face da escarpa, era fácil.

Tudo era fácil agora. Era desconcertante.

A mulher de pele preta seguiu atrás, mais devagar. Ela usou mãos e pés para controlar a descida, escorregando de pedra em pedra, parando antes de escorregar mais. A mulher de pele negra estava a um quarto do caminho, antes de Fortuna chegar ao fundo.

Não importava. Fortuna avançou na floresta viva sozinha. Tudo aqui era vivo, mãos se movendo, teias de pele se esticando e se dobrando. Uma cacofonia de ruídos que lhe fazia pensar em um coro de batimentos de coração, uma orquestra de respirações suaves e sussurros. Sons humanos suaves, ainda mais assustadores porque ela podia ver que eram uma ilusão. Sabia que o que via era o monstrengo formando uma máscara para mentir às pessoas, colocando-as umas contra as outras.

Ela avançou ao coração da floresta cinzenta. Estava aterrorizada, mas a sensação não tinha conexão com suas ações. Ela só precisava reconhecer o próximo passo. Conhecia os passos seguintes…

Até se deparar cara a cara com o monstrengo. Com a faca na mão, via uma figura à sua frente. Uma forma humana, no meio de se montar a partir dos exemplos e experimentos ao redor.

Ela colocou o pé em um daqueles experimentos, uma mão levantada, e usou até estar ao nível do ser, a poucos passos de distância.

Ele cresceu, avançando, formando alguns centímetros de cintura, mais um de um braço, dois de outro braço. Além dos pontos finais, os braços e pernas simplesmente se estendiam em nada. Partes de uma tapeçaria que ela não conseguia distinguir. Ele se moveu novamente, e acelerou a aproximação.

O ser ergueu a cabeça. Ela pôde ver seus olhos abertos em reconhecimento.

Ele está ensinando a si mesmo a agir como agimos. Até isso.

Ela levantou o braço, com a faca apontada para baixo.

E a névoa cinzenta caiu sobre sua mente, cegando-a. Uma barreira, um ponto cego, um futuro que ela não podia mais enxergar. Teria ela reforçado essa limitação?

O monstrengo sorriu. Ele sabia, porque o poder que ela usava era o mesmo que ele usou para vislumbrar o futuro, para encontrar aquela parte do futuro onde o mundo estava divido e imerso em conflito.

Para o monstrengo, ela estava cega, tão indefesa quanto qualquer um.

Uma voz, de trás dela.

A mulher de pele negra, gritando algo numa língua estrangeira.

Ela quero entender.

Um passo.

Ela só precisava pensar: ‘Esfaqueie.

Fortuna percebeu que ainda segurava a faca ereta.

Mas onde ela queria esfaquear?

A indecisão a dominou. Por uma hora, ela tinha certeza absoluta do que fazia, e agora enfrentava exatamente o oposto.

Sua mão tremeu. Quase deixou a pequena faca de aparar cair.

Ela quase caiu quando a mão sob ela se moveu. Seu poder também falhou aqui. Porque a mão era uma extensão do ser à sua frente.

Ele iria matá-la, e então reivindicaria a capacidade de ver o futuro. Usaria esse poder para controlar o mundo, e depois destruí-lo.

E ela não conseguiu mover-se um centímetro.

Quero dizer a ela…

As palavras lhe pareceram estranhas ao serem pronunciadas. “Eu— não posso.

Uma mão envolveu seus ombros. Ela sentiu um corpo pressionar as costas, apoiando-a.

Eu— tenho visto visões. Coisas que não devia ver, coisas que esse… monstrengo quis guardar só pra si. Eu… tenho que detê-lo.”

Mas, mesmo assim, ela não conseguiu se mover.

A mulher inclinou-se para frente, vendo seu rosto de canto, tocando sua visão periférica. Ela falou algo.

“Acredito em você.”

A mulher falou no ouvido dela novamente, com voz insistente. Traduziu, perguntando como entender as respostas.

“É perigoso?”

Fortuna assentiu.

“Tem certeza?”

“Eu— apostaria tudo nisso. Tudo que tenho, tudo que já tive.”

Embora ela não soubesse exatamente as palavras, havia uma convicção na sua voz que parecia alcançar a mulher.

“Para onde você ia esfaquear?”

Onde? A imagem tinha desaparecido de sua mente, apagada da memória.

“Onde?”

O ser se moveu novamente, e elas recuaram, quase caindo. Fortuna conseguiu equilibrar ambas, mais fácil se pensasse nisso como ‘Eu não quero cair’ e não como ‘Não deixe essa coisa nos fazer cair’. Desde que dissociasse seus pensamentos do ser, ainda tinha essa estranha certeza.

Ele se contorceu, formando mais dele mesmo. Pernas, um pelvis sem gênero definido, mais braços. Os cabelos caíam livres, longos demais.

Ele se curvou, com cabeça pendurada, braços suspensos de cada lado.

Ela viu a nuca, enquanto os fios lentamente escorriam, sedosos e retos.

Ainda impossibilitada de se mover, seu braço esquerdo se estendeu, palma para baixo, até o ponto em questão.

A mulher atrás dela segurou o punho que tinha a faca. Ela avançou, empurrando a faca em direção ao local, como se fosse uma extensão de Fortuna.

Verdadeiramente, cravando onde a espinha encontrava o crânio.

E eles caíram da mão, ficaram pendurados por um instante. A faca se soltou, e eles caíram no chão.

Fortuna deixou uma perna dobrar, empurrando com a outra contra o chão. Gritou, rolou, amortecendo a queda. A mulher caiu um pouco mais forte.

A entidade se moveu, e tudo ao redor delas agitou-se. Mil mãos, mil braços, nem todos ligados às mãos, pernas, pés, ouvidos, olhos, rostos sem traços, extensões de pele, elas constumearam-se e se contorceram.

O ruído ao redor sumiu, os batimentos cardíacos pararam, a respiração silenciou. Os movimentos ao redor cessaram.

Havia somente o coisa, pendurada no ar, lutando para se formar e fracassando. Respirava com esforço, claramente em dor.

Não estava morta, mas tampouco viva. Uma conexão foi cortada num momento em que o monstrengo estava mais vulnerável.

A mulher falou:

“De novo? O coração?”

Mas Fortuna tinha certeza de que era isso. Haviam executado a última etapa.

“Consegue explicar isso? Sabe de alguma coisa?”

Fortuna assentiu.

“Por favor,” disse a mulher. Apesar de implorar, “Minha vida virou de cabeça para baixo. Estou perdida aqui há três dias.”

Ela olhou para trás, na direção de onde veio.

A casa tinha sumido. Tinha sido contaminada. Ela conseguiria encontrar seu tio, mas…

“Preciso de comida,” disse Fortuna. “Não tenho para onde ir, então preciso de abrigo.”

“Eu—”

“Vou te levar para sua casa.”

A mulher assentiu. “Sim, claro. E você explica?”

“Sim. Mas tenho mais uma coisa: preciso de ajuda.”

“Ajuda?”

“Existe mais uma dessas coisas lá fora.”

Mesmo assim, ela podia usar seu poder para tentar procurar por ela, e tudo que conseguia ver era a névoa.

Fortuna ajustou os fechos do sapato que usava ao sair do apartamento com a mulher.

A mulher observou a garota de cima a baixo. “Você sabe amarrar uma gravata? Espera. Pergunta boba.”

“Um pouco boba,” respondeu Fortuna.

“Você tá pegando o jeito do humor. Fiz o que pediu. Comprei o terreno com a entrada, usando o dinheiro que você conseguiu. Você tem certeza que quer manter isso segredo? As pessoas poderiam estudar essa coisa.”

Fortuna balançou a cabeça. Era uma questão difícil de responder, mas ela conseguiu montar uma espécie de quadro mental e, depois, testar suas perguntas. O que acontecerá? Quais seriam os cenários mais prováveis?

Pânico. Medo.

Será que poderiam descobrir algo de valor estudando essa coisa quase viva? Ela não tinha certeza.

Mas o efeito emocional seria ainda maior.

“Bom, a área está segura, as pessoas encontraram o caminho de volta para casa, ou pelo menos, para outros mundos que podem chamar de lar. Só havia uma entrada que as pessoas poderiam encontrar facilmente, e eu a bloqueei.”

“Obrigado,” disse Fortuna.

“Qual é o próximo passo?”

Uma pergunta pesada.

Como podemos detê-los?

A névoa bloqueou sua visão de qualquer resposta.

Podemos parar algo tão poderoso quanto os seres do meu sonho febril? Como podemos deter o Guerreiro?

Ainda muito perto da sua realidade.

A indecisão a dominava novamente. Quando ela não usava seus poderes, tudo ficava ainda mais difícil de agir.

Fortuna franziu a testa. Não podia ficar paralisada assim. “Como— como podemos parar um monstro tão poderoso?”

“Armas? Um exército?” sugeriu a mulher.

Cento e quarenta e três mil, duzentos e vinte passos.

É viável.

“Precisamos de equipamento de laboratório,” disse Fortuna.

Então ela voltou sua atenção para o próximo passo, e percebeu como eles iriam formar esse exército. Pensou nos monstros que destruíram seus pais, na infecção que devastou sua comunidade e casa. Partes dispersas do monstrengo fizeram aquilo com eles. Matou pessoas, transformou outras em monstros, enlouqueceu mais ainda.

Mas deu habilidades a ela. E daria a outros.

O homem, Lamar, estendeu a mão como uma criança procurando doce. A Doutora puxou a mão dele para trás. “Não há garantia de que isso vá funcionar.”

Fortuna permaneceu em silêncio. Sua forma hesitante de falar, pedindo à sua força e seus poderes que ajudassem a traduzir, ainda criava uma barreira na comunicação. Isso deixava as pessoas inquietas, aparentemente.

“Se o que essa garota mostrou não fosse um truque de mágica, e se isso fizer mesmo o que vocês dizem, estou disposto a arriscar.”

Fortuna trocou um olhar com a ‘Doutora’. Ela via a expressão de estresse na face dela. A mulher tinha uma alcunha, para proteger sua identidade real. Era mais fácil ter um adulto negociando, lidando de pessoa para pessoa. Fortuna era jovem, e as pessoas provavelmente não se sentiriam inclinadas a beber uma substância estranha oferecida por uma criança.

Ela deu um pequeno aceno para a Doutora, indicando que podia seguir adiante.

“Então, vá lá,” disse a Doutora, entregando-lhe a ampola.

Lamar bebeu.

As mudanças percorreram seu corpo. Linhas marcaram áreas próximas aos ossos, que se ramificaram em saliências ásperas, cobertas de escamas do tamanho e formato de mãos humanas. Lamar gritou, e o som logo virou um grunhido gutural.

Mais escamas surgiram, até que o homem parecesse mais um arbusto do que uma pessoa. A formação escamosa continuou no joelho, spirais ao redor, e ficou cada vez mais irregular.

O membro caiu. Começou a jorrar sangue.

Fortuna tentou avançar para ajudar, mas seu poder lhe disse que era tarde demais.

Não conseguiu prever o que aconteceria, nem reverter o que aconteceria.

Lamar ficou ofegante. A ferida nos braços e pernas destruídos se fechou. Buracos se abriram no abdômen, expondo órgãos internos cobertos de escamas.

Ele tentava gritar, mas não conseguia puxar ar suficiente.

A cavidade torácica dele está cheia de escamas.

A Doutora observou, silenciosa. Fortuna recuou da parede, permanecendo ali, imóvel.

Ele não estava morrendo.

Fortuna deu um passo à frente. Mão tremendo, ela puxou uma faca do bolso. Não era a faca dela, mas uma semelhante, reta.

Ela terminou o que começou: deu fim à dor de Lamar.

“Nosso primeiro paciente é uma fatalidade”, disse a Doutora. “Vale a pena?”

Fortuna não conseguiu responder.

“Vamos esperar, então. Tentaremos descobrir onde erramos.”

Ainda não conseguiu responder.

“Fortuna?”

“Não. Não… me chame pelo nome que meus pais me deram.”

A Doutora demorou a responder. “Outro nome?”

Contessa assentiu.

É uma visão como nunca vimos antes. Um homem de ouro, flutuando sobre o oceano. Relatos continuam a chegar ao redor do mundo enquanto ele viaja. Quem é ele, e por que está aqui? Alguns especulam que seja Jes-

Contessa silenciou a televisão.

As duas ficaram observando as imagens silenciosas na tela.

“Será?” perguntou a Doutora.

Contessa assentiu.

“Vamos tentar de novo?”

“Eu— não sei,” respondeu Contessa.

“Se explicarmos a alguém importante, ao exército…”

“Catástrofe. Eles reagem com medo, e provavelmente ele responderá ao medo. Está… hostil, tenho certeza. Ele só precisa de um motivo,” disse Contessa. “Eles não podem vencê-lo, porque ele se projetou pra ser invencível.”

“Você tem a capacidade de ver o futuro,” disse a Doutora, suavemente. “O que fazemos?”

“Eu— não sei!” exclamou Contessa. “Quando se trata dele, sou só uma criança. Sou inútil, cega. Tenho só alguns vislumbres dele. Sei que é importante, mas me sinto paralisada, sinto, sinto—”

“Tudo bem,” disse a Doutora. “Tudo bem. E se eu decidir as ações daqui pra frente? Você me diga se estou errada, me dê direção onde for preciso.”

“Você não pode.”

“Posso sim. Tenho pensado nisso. Qual é a coisa mais importante sobre aquele que destruímos?”

“Ele… está quebrado. Algo deu errado. Ele focou demais no futuro, perdeu de vista o presente, caiu, e a parte que deveria guiá-lo acabou dentro de mim ao invés de em outro lugar.”

A Doutora apontou para a tela. “Esse homem dourado, ele está mais ou menos no caminho. Não quebrou, não errou.”

“Mas… há muita potência ali, e ele vai descobrir o que fizemos, ou vai começar a agir mais como o conquistador que deve ser, e usará esse poder em algum momento.”

Por quê?” perguntou a Doutora.

“Eu senti a hostilidade. Senti como se aquele que destruímos, na visão de futuro dele, quase gostou de fazer o que fazia. Se o dourado for semelhante, basta um acidente.”

A Doutora concordou. “Viu? Você está indo bem.”

“Fica mais fácil quando alguém assume a frente.”

“Então nossa solução… vai se dividir em duas. Ou a gente o quebra, de algum modo, ou encontramos algo que possamos usar nas partes quebradas daquele que destruímos.”

“Alimentando as pessoas.”

A Doutora concordou. “Tendo a preferir a segunda opção.”

Contessa também. “Se interagirmos com ele, e ele descobrir o que estamos fazendo, tudo dá errado.”

“Então, precisamos começar a testar isso. Descobrir se é sorte ou se há uma maneira de obter resultados consistentes.”

Contessa concordou.

“Na verdade, não sou tão cientista assim,” disse a Doutora. “Mas sei que, se quisermos uma amostra que valha a pena, temos que testar bastante.”

“Então, começaremos preparando mais frascos.”

Dez frascos, para começar. Cinco horas para preparar cada um. Cortar uma parte do corpo, encontrar uma forma de desmontar, embalar. Cada frasco ligado a uma coordenada no mapa, e eles tiraram fotos de cada passo, para garantir que nenhuma pista fosse perdida.

Depois, encontraram dez pacientes, que tomaram os frascos separadamente, em salas diferentes. Pessoas terminalmente doentes.

Seis sobreviveram.

Contessa os observava, vendo os sorrisos radiantes de cinco deles.

A Doutora mantinha a postura ereta enquanto se aproximavam. “Satisfatório?”

Um homem loiro deu uma risadinha de leve como resposta. Olhava para as próprias mãos, espantada.

“Conforme o contrato, isso é gratuito, o que nem sempre será, mas precisaremos de quarenta horas de testes com cada uma das habilidades que vocês receberam. Além disso, gostaríamos que ajudassem por um período de tempo total de quinhentas horas de serviço ativo ou cinco anos, o que chegar primeiro.”

“Alguém mais se sente incrível?” perguntou o homem loiro.

“Tive medo de perguntar,” disse uma garota. “Pois é.”

“Incrível?” perguntou a Doutora.

“Ei,” disse o rapaz loiro, “Passei minha vida inteira com esse problema no coração, sabe? Batendo acelerado, fraco, com uma frequência fina. Me sinalizava que podia explodir a qualquer momento. Os órgãos são lixo, diabete aos vinte e dois, problemas no fígado que ficam amarelos se não cuidar, vomitando bile toda manhã e toda noite. Cada momento, alguma coisa me faz infeliz. Mas, agora, estou sentindo cada parte do meu corpo, e o coração está bom, sem dor de cabeça, nada na garganta, nada no intestino. Nenhum tremor na mão…”

“Você está melhor,” disse a Doutora.

“Melhor. E minha mente também— nem sei. Estou imaginando tudo com uma vividez enorme. Muito vivida.”

“Eu também me sinto melhor,” disse outro homem.

“Não tenho certeza se eu…,” interrompeu uma mulher. “Desculpe.”

Um homem que inventa, uma garota que se teleporta… ela poderia fazer uma lista, descobrir cada um por um desafio à sua força.

Só um deles era mais difícil, devido à névoa ao redor dele.

Ela deixou o grupo para trás.

Um a um, verificou os outros pacientes.

Mortos.

Um monstro, cheio de raiva, batendo as mãos na porta.

Outro monstro, encolhido num canto, sussurrando algo para si mesmo.

E o último… um menino, olhando ao longe.

Ela perguntou à sua força, e recebeu a resposta.

Ele consegue fazer portas.

Também consegue fechar as outras portas, as lacunas ao redor do outro ser. Isso reduziria a chance do homem dourado encontrá-los.

“Não posso… é muita coisa para olhar,” disse o menino. “Tantas dimensões ao mesmo tempo.”

“Sei. Vamos fazer o que pudermos, ok?”

“Estou… bastante assustado.” A voz tremia.

“Sei,” respondeu ela. “Preciso cuidar de algumas coisas, mas volto já. Vamos resolver isso, certo?”

Ele assentiu.

Ela fechou a porta. Parou ao lado dela.

É um passo adiante, falou para si mesma.

Um passo adiante, numa longa série de passos.

Ela voltou ao grupo.

A Doutora mexia num bloco de pedra que tinha saído do chão. “—um complexo, para nossos laboratórios e pesquisa.”

“Com certeza,” respondeu uma mulher. “Se vocês conseguirem fazer isso para mais gente, eu me esqueço do limite de quanto tempo tenho para trabalhar.”

A Doutora deu um sorriso. Seus olhos encontraram os de Contessa.

Um passo adiante.

“Vocês são heróis, na minha visão,” disse o homem loiro.

Monstros!” a palavra foi bradada, reverberando pelo prédio.

Neblina se aproximava. Uma parede de névoa, se movendo pelo corredor. Ela podia enxergar normalmente, mas o efeito na sua força era absoluto. Era impossível distinguir passos que se movimentavam na névoa.

Ela virou e saiu correndo. Não uma fuga, mas um trote eficiente, preservando energia, mas mantendo-se à frente. Ela via que a parede se prolongava, sendo carregada ou emanando de uma pessoa.

Havia outro poder atuando, em algum lugar aqui.

“guarda,” disse ela.

Sentiu a presença do Guarda.

“Avise a Doutora.”

Um toque na mão esquerda. Negação?

“A Doutora está morta?”

Negação.

“Ferida?”

Negação.

Quero saber como ela está.

Só havia névoa. Ela estava cega, o que significava que a Doutora estava além daquela barreira.

Quero saber onde está o Número Homem.

Ele estava no extremo leste da instalação, com os Acessores.

Quer ficar fora dessa névoa.

O caminho apareceu diante dela. Ela entrou nele, movendo-se sincronizada aos movimentos na sequência.

Até que uma figura apareceu atrás dela. Um homem de pele amarela, com manchas roxas onde a pele se esticava ou dobrava, dando-lhe uma aparência artificial de magreza.

Um teletransportador.

Caminho: afastá-lo de ação.

Névoa.

Caminho: atingir esse alvo.

Três passos.

Ela puxou a faca, girou e a lançou.

Antes de tocar, ele se teleportou para longe.

Ela ouviu a voz dele ecoando pelos corredores, gritando. “Ela está aqui!”

Tudo estava dando errado. Eidolon tinha sido sua carta na manga, mas não era o único. Nenhum dos demais tinha funcionado. Agora Eidolon estava morto.

Os desviantes planejados para atacar Scion, uma forma de dispersar às pistas, atacavam o complexo. A entidade estava vencendo cada confronto.

Ele ficava cada vez mais cruel, mais implacável.

Têm ainda cinco principais ferramentas para usar. Três exércitos, dois deles aproximadamente do mesmo tamanho das forças de defesa, Khonsu, uma medida de contenção, e uma esperança final nas três ampolas com o elemento especial.

Ela ouvia passos de trás, vindo em disparada. Pesados.

Rota de fuga, pensou. Voltar ao Número Homem.

Nenhuma opção clara. Cada fuga possível pelo complexo era bloqueada por aquela maldita névoa cinzenta.

Poderia descer um andar, correr pela névoa, mas ficaria cega.

Ligar para o Número Homem, sobreviver com uma rota de fuga depois, ela nem conseguiu formar a frase, só uma ideia, numa fração de segundo.

Apareceu o caminho diante dela.

Ela mudou de direção. Os passos pesados a seguiram.

Weld. Líder dos Anormais. Não se cansava, e por mais que fosse grande, tinha alguma força de movimento.

Ela se escondeu numa sala.

O telefone tinha fio. Os escritórios aqui eram um dos primeiros que criaram. Ela pegou o telefone, apertou duas teclas para contatar diretamente o Número Homem.

Sim?

“Instalação sob ataque,” disse. “Doutora na seção leste, possivelmente ferida, capturada ou morta. Também estou na seção leste. Não muito longe do seu escritório.”

Weld apareceu na porta, segurando a moldura com uma mão. A força quebrou a madeira.

Ela está no andar de baixo, usando um subordinado do Professor, com o Doormaker e o Dois-seis.

“Entendi. Você precisa chegar até ela. Eles—”

Weld atacou, cortando com a outra mão uma lâmina longa.

Ela se abaixou. “—tem um bloqueador de percepção, cuidado.”

Weld acertou de novo. Ela recuou. Viu os caminhos, e saiu chutando a cadeira para ela escorregar ao corpo dele, fixando-se na pele dele. Ele avançou, ela colocou um pé na cadeira, fazendo as rodas escorregarem, e Weld caiu no chão.

Bom saber. Está bem?

“Encurralada. Eles têm um pensador, acho que planejaram tudo previamente, sabendo que eu não perceberia a presença deles.”

Weld recuou os pés, chutou a mesa. Não para acertar ela, mas para colocá-la entre ela e a porta. Contessa segurou o descanso do telefone antes que ele caísse no chão.

Prevejo o que vem, bloqueio meu caminho. A muralha de névoa se aproxima lentamente.

Estou indo. Alguma dica?

Ela pensou, modelando a situação. A distância que ele precisava percorrer…

“O melhor caminho é descer mais um andar. Interceptar ao invés de ir direto até ela. Assim, eles—”

Anotado. Você tem uma rota de fuga?

“Não. Como eu disse, estou encurralada.”

“Talvez você esteja perguntando a pergunta errada. Minha janela.”

A janela do Número Homem. Ele tinha um portal do Doormaker para outro mundo, constantemente, para visão e luz, no subsolo.

Ela largou o telefone, correndo em direção a Weld.

Ele, por sua vez, colocou-se entre ela e a porta, usando seu volume e a mesa para bloquear o caminho. Comprando tempo até a névoa chegar. Espinhos saíam do corpo dele, provavelmente afiados como navalha.

Lindo.

“Eu só quero conversar. Estamos aqui por respostas.”

“Pergunte-me depois de derrotarmos o Scion,” ela disse, usando seu poder, traçando um caminho.

Dois passos.

“Eu— não—”

Ela correu direto contra ele, seus olhos caindo sobre uma saída de ar condicionado.

Sua arma cortante acertou, cortando o chão e bloqueando o duto.

Ela mudou de direção, pulando. Uma mão no cabeça dele, pulando por cima do outro ombro, com as pernas juntas. Um espaço estreito, apenas o suficiente para passar um aparelho de torradeira. Ele tentou se corrigir, mas o braço estava preso na grade, perdendo meio segundo.

Espinhos arranharam sua fivela e relógio.

Ela achou seu caminho a meia pé da parede de névoa, então saiu correndo.

Escritório do Número Homem.

O teletransportador apareceu atrás dela. Ela olhou por cima do ombro. Ele tinha armas, e estava na névoa.

Modelando cenário… não levando tiro.

Ela entrou numa passagem lateral.

O teletransportador vinha atrás, aparecendo em cada cruzamento, disparando.

Ficando mais perto, mais perto, mais rápido que ela. Weld já quase alcançando também. Ela não conseguiria fugir deles.

Mais rápido que quem quer que estivesse transmitindo a névoa.

Mais um pouco, e…

Ele se teleportou para além da parede de névoa.

Um passo, e ela tinha ambas as armas dele.

Ele era à prova de balas, mas um tiro na orelha a queima-roupa atrasaria ele.

Ela disparou pelo corredor, atingindo a maçaneta quatro vezes seguidas.

Caminho: fingir minha própria morte ou escapar.

Névoa cinza. Não vai acontecer.

Contessa empurrou a porta ao passar. Entrou no escritório do Número Homem.

Ela atirou na janela. Não quebrou. Mas ela conseguiu soltar a moldura que segurava o vidro à prova de balas.

Ela estava começando a abrir a próxima quando o teletransportador apareceu. Ele a atingiu, empurrando-a através da única chapa de vidro que restou, pelo portal.

Ela se viu numa paisagem alienígena, rolando por uma encosta.

Ele teleportou para segui-la. Atingiu-a várias vezes.

Ela caiu, vislumbrou outros aparecendo. Weld e mais dois meta-humanos pulando pela janela, segurando-se para não seguirem pelo penhasco escarpado. Não estavam na névoa.

Qualquer que fosse a razão, eram mais variáveis para trabalhar.

Caminho, pensou ela, novamente, fingindo minha morte.

Ela girou no ar enquanto o teletransportador acertava mais um golpe.

Segurou a arma, e atirou três vezes.

Dois tiros, errados.

O terceiro, atingindo um dos Anormais no peito, numa .

“Porra!” gritou um dos outros. “Amarelo, some da minha vista!

O meta-humano amarelo desapareceu. Contessa caiu na colina. Rolando, conseguiu pegar um galho.

Weld tentou agarrar o braço do desviantes, mas era tarde demais para convencê-lo a parar. Ele abriu a boca e uma avalanche de magma desceu a encosta, uma quantidade impossível.

Ela rolou e parou. Empurrou-se para cima com as mãos, devagar demais para escapar da magma crescente, ou das nuvens de fumaça.

Mas, no instante em que a fumaça subiu alto o suficiente, ela chutou uma pedra para se mover, jogou o galho e continuou até a distância do calor sufocante.

O galho queimou rapidamente, mas, junto com a pedra, formou uma silhueta de cabeça e mão em chamas, vista através da fumaça.

Ela seguiu em frente até a base da colina, à direita.

-desça e verifique,” dizia Weld.

“Ela queimou,” disse um dos outros.

“Quero verificar.”

“Quer verificar ou quer levar o Tater Tot a um curandeiro?”

“Não sei se o curandeiro ajudaria,” disse Weld.

“Olha. Mantellum está bem aqui. Ela tinha que estar na área dele. Vamos. Depois o curandeiro, depois o Doutor.”

“…Certo,” disse Weld. “Curandeiro, depois o Doutor.”

Os sons das conversas sumiram. Contessa consultou sua força. Eles tinham desaparecido, com certeza.

Ela permaneceu ali, cuidando dos ferimentos que recebeu ao fingir sua ‘morte’, esperando que fosse longe o suficiente para voltar para dentro.

Aquele ‘Mantellum’ tinha estado perto o bastante para bloquear seu poder. Não bloqueou.

Porque ele tinha estado do outro lado do portal. Seu poder não atravessava fronteiras dimensionais.

Ela tinha tido sorte.

Minutos passaram até ela conseguir se mover. Subiu a colina. Fácil. Sempre fácil.

Até chegar ao topo e ver somente a paisagem diante dela. Nenhuma porta.

Não tão sortuda.

Quase uma hora depois, o portal se abriu novamente. Ela entrou na instalação.

As luzes estavam apagadas.

Ela atravessou os corredores, cautelosa com a névoa, mas movendo-se com rapidez. As coisas estavam danificadas, vandalizadas.

Fazendo perguntas enquanto caminhava.

A Doutora estava morta.

O Doormaker estava vivo, mas não estava aqui, portanto ela dependia de qualquer porta que ela tivesse deixado aberta.

O Número Homem estava vivo, mas não estava aqui.

Os frascos tinham sumido. A habilidade de fazer mais frascos também tinha ido. Na melhor das hipóteses, eles poderiam recolher alguns frascos avulsos aqui e ali, em salas de evidências, mas nada além disso.

Os planos tinham falhado. Só Khonsu e os capes indianos ainda estavam ativos. Capes doutrinados com desejo de morte, trabalhando em coordenação com um Endbringer que podia deslocá-los para qualquer lugar instantaneamente, e que poderia teoricamente bloquear alguns ataques do Scion.

Ela se encaminhou ao portal mais próximo, usando sua força.

E se deparou com um grande grupo de capes. Capes da Agência de Proteção, os menores demais para ajudar contra o Scion.

“Te reportaram como morto,” disse um homem com capacete viking com chifres e armadura pesada.

“Alguém realmente acreditou nisso?”

“Não, acho que não.”

“Qual é a situação?”

“A situação talvez seja um excesso de otimismo,” disse o homem de capacete com chifres.

Um cape de roupa de mago falou, “A Doutora está morta, acho?”

Contessa assentiu. Estranhamente, ela não conseguiu sentir-se mal por isso. Foi por causa de ela ter passado tanto tempo tentando realizar algo e falhado, ou por ter perdido o respeito pela Doutora, como perdeu o respeito por si mesma?

Se fosse uma estranha, ela tinha que admitir, qualquer estranha, que provavelmente não conseguiria ficar incomodada com sua própria morte.

“Precisamos da sua ajuda,” disse o mago.

Ela assentiu. “O que puder ajudar.”

“Primeiro, precisamos de informações.”

“Sim.”

“Havia outros planos que a Cauldron tinha em andamento?”

“Nada substancial. Posso mostrar os planos terciários.”

“Por favor. A Cauldron tinha planos para se a humanidade falhasse?”

“Claro.”

“Precisaremos ver esses também.”

Ela hesitou.

“Um problema?” perguntou o mago.

Caminho: identificar estranhos e enganos.

O olho dela moveu-se ao homem de capacete com chifres, depois, após uma pausa, ao mago.

“Não tenho certeza. Professor, é?”

O mago assentiu. “A Corporação de Proteção está do outro lado do portal, reunindo os companheiros de Satyr, Nix e Spur. Se você puder ser discreta, agradeceria.”

“Por quê? O que vocês estão fazendo, Professor?”

“O que acha que estou fazendo?” Ele virou as costas e puxou um disco, do tamanho de uma tampa de lixo. Colocou no chão, e depois chutou para dentro de uma sala vazia ao lado.

“Eu poderia impedi-lo,” ela disse. Uma faísca na sala ao lado.

“Com certeza. Mas você vai?”

Ela hesitou. Observou dois jovens de branco saindo do cômodo.

“Procure uma sala vazia,” disse o Professor. “Se não estiver aqui, e outro estudante meu parecer perdido, diga para fazer o mesmo. Imagino que há documentação, certo?”

Contessa parou, depois assentiu.

“Algo tão grande como isso precisa continuar de alguma forma. Preciso de um segundo no comando.”

“Eu?” ela perguntou. Seu olho se move ao homem de capacete com chifres.

“Ele é seu próprio homem. Uma carta na manga.”

“Entendi,” ela disse. Mais crianças de branco saíram da sala.

“Trickster, pare. Você está comigo. Podemos precisar de ajuda navegando por áreas mais difíceis, se os danos aqui forem extensos.”

Um garoto parou onde estava, ao lado do Professor, com um olhar vazio e sem foco.

O Professor virou a atenção para Contessa: “Tudo o que acontecer nas próximas horas, precisamos estar lá pra juntar as peças. Isso foi um fator no plano da Cauldron, não foi?”

“Não tenho muita função,” respondeu Contessa. “Não posso fazer nada enquanto o Scion estiver na mesa.”

“Na verdade, precisamos muito da sua ajuda, senão, poderíamos.”

Ela apertou os olhos. “Com o quê?”

“Salvando-nos de nós mesmos,” disse ele. “Temos uma crise envolvida com uma garotinha que acho que você conhece.”

Ele ergueu o telefone. Uma foto apareceu na tela.

Demorou para ela reconhecer quem era, e não por ser um rosto desconhecido.

Weaver?” ela perguntou.