Verme (Parahumanos #1)

Capítulo 43

Verme (Parahumanos #1)

Passear é a coisa favorita do Brutus!

Outros cães estão esbarrando os ombros com Brutus, todos com pressa para chegar até o Mestre. Vira a esquina rápido demais, as garras arranham o chão para ganhar aderência. Cai um pouco. Judas hesita, cheira, mas Angelica já está à frente de Brutus. Menina travessa. Brutus Rosna um pouco para Angelica, ela recua, fica para trás. Brutus é o rei. Angelica devia saber disso. Brutus chega primeiro ao Mestre, como deve ser.

Brutus é o líder, mas o Mestre é o alfa. Líder do bando. Não líder do seu próprio povo, mas tudo bem. Ela se baixa e faz arranhões profundos e ásperos no pescoço e ombros de Brutus. Perfeitos, porque penetram através de pelo grosso de Brutus. A cauda dele abana tão forte que as patas de trás escorregam no chão. Cai de lado, vira de barriga para cima, para que o Mestre possa fazer carinho na barriga. E ela faz, e isso é êxtase.

O Mestre está magoado e machucado. Brutus sabe disso. Quando ela se abaixa, move-se mais devagar, faz pequenos sons enquanto faz movimentos maiores, como ajoelhar ou levantar. Ela cheira a sangue seco, estresse e suor de uma forma que ela geralmente não cheira.

“Angelica, Judas, fica,” diz o Mestre, “Não vou levar vocês dois.” Brutus não entende, mas o som do Mestre parece arrependido. Como quando ela estava subindo as escadas e, sem querer, chutou Brutus no queixo porque ele estava seguindo muito de perto. Ela faz um carinho em cada um deles, sem entusiasmo. Eles ficam felizes em receber carinho, mas não querem passear. A cauda de Brutus para de abanar. Será que ele não vai passear?

O Mestre pega a coleira. “Brutus, bom menino. Passear?” A cauda volta a abanar freneticamente. O Mestre manda Brutus sentar, ele senta. É um bom menino. Ela coloca sacolas plásticas no bolso de trás e prende a mochila nas costas. Mochila incomum. Normalmente, o Mestre não leva mochila para passear. Talvez uma tarefa?

“Vamos fazer uma tarefa, tá bom, rapaz?” Diz o Mestre. Brutus abana a cauda. Aí ele tinha razão! Tarefas sempre são interessantes. Brutus dá alguns passos animado, antes de lembrar de ser um bom menino. O Mestre não gosta quando Brutus puxa a coleira. Ela calça os sapatos, pega as chaves que tilintam, os papelotes que às vezes ela come, que Brutus não pode, porque é cachorro. Os papelotes vão no bolso esquerdo. Ela pega biscoitos para os cães, que vão no bolso direito, para depois. Toca Judas e Angelica com biscoitos. Biscoito para Brutus?

“Depois, biscoitinhos,” diz o Mestre. ‘Depois’ é uma palavra familiar, mas o significado não fica claro. Brutus sente uma decepção esmagadora ao ver os biscoitos entrarem no bolso direito do Mestre. Ele pula um pouquinho, para lembrar ao Mestre que ela esqueceu de dar um biscoito para ele. O Mestre faz um som de berro bravo e Brutus já fica arrependido. Caindo a cauda, as orelhas para baixo.

“Filho da mãe, espera aí,” fala o homem sem cheiro. O homem sem cheiro deixa Brutus nervoso, porque é grande, mas não tem cheiro. Mas é o alfa do Mestre, então ela para e ouve.

“Você vai sair?” pergunta o homem sem cheiro.

“Trabalho,” responde o Mestre.

O homem sem cheiro espera por algo, depois fala novamente, “Você tá bem?”

“Porra, que maravilha.” Brutus sabe que o Mestre só fala palavrão assim quando está brava.

“Sinceramente, tenho dificuldades em acreditar. Você tava bem mal quando te encontrei com o Über e os capangas do Leet, e com aqueles do ABB.”

“Tô bem agora,” diz o Mestre. Ela soa irritada. Brutus se aproxima, pronto para rosnar e acrescentar sua voz à dela, mas o Mestre puxa um pouco na coleira e Brutus fica quieto.

“Quando te encontrei, um deles te tinha amarrada ao teto pelos pulsos e tava usando você como saco de pancadas.”

Ela evita olhar nos olhos. Brutus entende que isso é sinal de que ela considera o homem sem cheiro como seu alfa. Quando ela fala de novo, ainda parece brava: “Fiz uma besteira. Eu tava entediada, inquieta, achei que fosse passear com Angelica e ver se encontrava vocês no lugar do dinheiro. Alguém me reconheceu e me seguiu. Fui burra, paguei o preço por isso. Tô bem agora, conseguimos o dinheiro, tá tudo bem.”

O homem sem cheiro suspira. Parece um pouco zangado ao dizer: “Não é... não, esquece. Não adianta falar nisso. Mas e se alguém reconhecer você enquanto estiver passeando com ele?”

“Vou reagir mais rápido, mais firme. Ou vai me dizer que não posso mais passear com meus cães?” De repente, o Mestre fica tenso. Brutus consegue ver nas pernas dela, ouvir na voz, sentir no aperto na coleira.

“Eu não faria isso,” responde o homem sem cheiro, com voz baixa, um pouco tensa, “E você não ia ouvir, mesmo se eu dissesse. Só... cuidado.”

“Posso ir?”

“Vai. Aproveite o passeio, os dois.”

E a tensão vai embora do Mestre. Um apito breve, e Brutus sabe que é para seguir. Pela escada abaixo, rumo ao mundo lá fora. Tantos cheiros! Tantas vozes! Tão empolgante!

Mas precisa controlar a animação. Brutus é um bom menino. Não puxa a coleira, como Angelica ainda faz. O Mestre sempre faz um som de berro bravo para Angelica na hora do passeio.

O Mestre esteja andando mais devagar. Favorando uma perna. Brutus quer passear, mas não puxa a coleira, mesmo com ela andando mais devagar.

Tantos cheiros! Estar no seu território é bom, mas estar no passeio é sentir o mundo inteiro. Sempre coisas novas, sempre coisas novas para cheirar nas coisas velhas. Cheira esse xixi e quase sabe tudo sobre quem urinou. Cof. Talvez em cio em breve. Mora com crianças. O xixi tem cheiro de estresse, de comer grama demais, dormir demais e de ser um cachorro gordinho.

Cheira essa fezes para entender sobre o cachorro que fez. Cachorro com fome. O dono do cachorro com fome, provavelmente, também está. Muitos assim por aqui. Não como na antiga casa dele. Lá, ninguém passava fome, nem cães, nem pessoas. Mas Brutus lembra que foi infeliz. O Mestre sempre o ignorava. Deixar Brutus no porão sozinho o dia todo até que ele impedisse o homem ruim que entrou pela janela do porão. Agora está tudo bem. Brutus está feliz com um novo Mestre.

Cheira esse xixi. Xixi humano. Não é tão interessante. O Mestre assobia para lembrar Brutus de seguir. Sem cheirar mais por enquanto.

“Brutus, senta, fica,” manda o Mestre. Brutus senta e fica enquanto ela fica ao lado. É um bom menino. Ela faz carinho nele. Uma pequena humana se aproxima de Brutus. Menor que ele. Bate”, acaricia, cutuca. Uma cutucada no olho. As orelhas de Brutus caem, a cabeça abaixa, a cauda entre as pernas. Carinhos ruins. A pequena humana ri. Puxa de novo o lado de Brutus.

Brutus olha para o Mestre, pedindo socorro. O Mestre não diz nada, então Brutus fica enquanto ela cutuca. Pequena humana agarra pelo pelo do lado e puxa demais. Igual Angelica, quando era nova no grupo do Mestre, mordendo, puxando e fazendo Brutus sangrar. Memória ruim. Brutus começa a rosnar na garganta.

“Não, Brutus, fora,” ordena o Mestre. Brutus abaixa a cabeça. Não rosna mais. Continua sendo cutucado. Ainda puxam.

Chega uma mulher grande, que cheira como a pequena humana. Está andando rápido. Mulher grande para, ri de Brutus e da criança.

“Eles são fofos, né?” Outra risada.

O Mestre não ri.

“Bem, criança é assim mesmo.”

Ela fala, com voz calma, mas o corpo parece bravo, “Cuidado com seu filho, hein.” Brutus sabe que “cuidado” é uma ordem para ele ficar sentado, ficar quieto e latir se alguém chegar… mas ela está falando com a mulher grande e não dá comando para Brutus. A outra palavra que Brutus conhece é “porra”, que significa que o Mestre está bravo, mas ela não está falando com Brutus, então tudo bem.

Brutus acha que pode rosnar agora, porque o Mestre falou “porra”. Então ele rosnou. Cheira medo na pequena humana e na mulher grande. O Mestre não diz nada, então, está tudo bem, ele pode rosnar.

A mulher grande ri, mas a risada soa diferente, aguda. Ela acena com a mão. Se ajoelha para pegar a pequena humana.

“Brutus, guarda,” ordena o Mestre. Brutus olha rapidamente para o Mestre, que aponta para a pequena humana, e ele se posiciona entre ela e a mulher grande, rosnando para ela. A mulher grande recua. Brutus cheira muito medo agora. Cheira suor, estresse e ouve pequenos sons de preocupação e medo tanto da mulher quanto da pequena humana.

A mulher grande se move para um lado e Brutus fica entre ela e a pequena humana. Ela se agacha de novo e Brutus rosna, esperneia seus dentes contra os dedos dela. É um bom menino.

A mulher grande fala com o Mestre, “Por favor. Ela só está fazendo o que as crianças fazem. Ela acha que todos os cães são macios.” A voz dela é submissa, cheia de preocupação e medo.

“Brutus, boca.” Brutus olha para onde o Mestre aponta, e ela aponta para a pequena humana. Brutus obedece, segurando o braço da pequena humana com a boca. É um bom menino. A pequena humana chora e tenta se afastar, mas Brutus fecha a boca um pouco a cada vez, e logo ela entende que o braço vai ficar na boca dele.

Depois o Mestre fala com a mulher grande, “Ele é um cachorro maltratado, sabia? Antes de eu ter ele, ele foi maltratado. Até machucar alguém de jeito a precisar de amputação. Eu o resgatei antes que fosse morto. E você deixa sua criança chegar perto e começar a arranhar ele. Sabe o que poderia ter acontecido? Que ele poderia ter matado ou mutilado sua filha de boca aberta?”

Brutus só conhece seu próprio nome e a palavra matar. Outras palavras não têm significado para ele. Matar é ordem para atacar e não parar até a coisa não se mexer mais. O Mestre só dá ordens para Brutus, Judas e Angelica matarem esquilos, guaxinins e uma vez um cavalo. A mulher grande está de joelhos agora, e o cheiro de medo é tudo que Brutus consegue sentir. É bom estar mais baixo que o Mestre, mostrar submissão. A mulher grande fala coisas que Brutus não consegue entender, porque ela fala e não para.

“Brutus, fora. Venha,” diz o Mestre. Brutus solta o braço e vai até o lado do Mestre. A pequena humana ainda está chorando.

Depois, o Mestre repete a mesma ordem: “Cuidado com seu fucking filho.” A caminhada recomeça. Brutus leva umas boas arranhadas. O Mestre diz que Brutus é um bom menino, e Brutus fica feliz. A cauda abana.

É uma longa caminhada até que o Mestre e Brutus parem num lugar que cheira a sangue, medo, raiva de cães, xixi e cocô. O Mestre bate na porta. Um homem que abre a porta cheira a sangue.

O Mestre e ele conversam por um tempo, enquanto Brutus espera, porque é um bom menino. Não presta atenção no que eles falam, só pelos cheiros. Cheiro ruim. Os sons de dogs uivando e latindo lá dentro. Então o Mestre diz “Fica” e o homem começa a tocar em Brutus. Toca igual veterinário, não como o Mestre faz, arriscando a sensação, checando cada parte do Brutus, dedos afastados na pelagem para massagear, examinar. Mãos nos órgãos íntimos de Brutus. Diz coisas com tom negativo, balança a cabeça. O Mestre fala mais um pouco. O homem se levanta e aperta a mão dela.

O Mestre leva Brutus para dentro do ambiente que cheira a sangue, medo e raiva canina. Ruído, muitas pessoas sentadas na escuridão. Cheiro de excitação, suor. A maior parte das luzes está na parte do meio, onde o cheiro de sangue está mais forte.

O homem da porta diz para o Mestre, “Coloque ele logo na jaula.” O Mestre coloca Brutus em algo parecido com uma gaiola que cheira a raiva e medo.

O homem fala alto, e todas as pessoas na sala uivam e fazem mais barulho. Ele chama pelo nome de Brutus. Diz “matar”, que é uma palavra que Brutus conhece. Mas o cheiro de sangue aqui é tão forte que Brutus não consegue prestar atenção em mais nada. Tanta sangue de tantos cães. Tantos cheiros.

Depois, a gaiola se abre e Brutus não tem para onde ir, exceto para o centro da sala. Não consegue ir para o Mestre, porque as caixas no caminho bloqueiam, e há outro cachorro maior que ele, que cheira a raiva, a sangue próprio, de outros cães e de morte.

Então Brutus sente. O Mestre está fortalecendo Brutus, e dói, mas é uma dor boa. Uma dor boa, como quando Brutus fica rígido, se estica, suas juntas estalam e fazem barulho, e ele se sente melhor por isso. Só que esse esticar não para, e as estaladas continuam, e Brutus se sente cada vez maior. O Mestre normalmente demora mais para deixar Brutus tão forte, mas nesta sala, sozinho com o cachorro que cheira a sangue e morte, ela sabe que Brutus precisa ficar mais forte.

Soon Brutus fica maior que o Mestre, do tamanho de um carro, forte. Um cachorro mau, que cheira a sangue e morte, está acuado.

Então o Mestre assobia duas vezes, ordem para vir. Brutus fica confuso, porque não há como vir. Ela assobia de novo, chama pelo nome de Brutus. Brutus pula em direção às caixas que bloqueiam o caminho. As caixas se quebram, e Brutus consegue chegar perto do Mestre, como um bom menino.

“Brutus, guarda!” diz o Mestre, apontando para a porta por onde toda aquela gente com cheiro de medo está indo. Para chegar na porta e guardá-la, Brutus usa as patas para empurrar as pessoas, pega o braço de uma delas e a larga de lado, como Brutus gosta de fazer com seus brinquedos favoritos, fazendo a pessoa soltar um grito estridente.

Depois, Brutus fica na porta, enquanto as pessoas correm para outro lado. Lembra os esquilos, e como eles correm. Mas as pessoas não são tão rápidas ou espertas, e não jogam sujo subindo em árvores.

“Brutus! Ataca!” grita o Mestre. Brutus obedece, como um bom menino. Usa patas, dentes, tamanho, para saltar no meio da multidão que corre como esquilos e fazer todos pararem. Brutus sabe que é errado agitar as pessoas como agita brinquedos ou esquilos. Sem sacudir, sem morder cabeças. Morder braço e perna. Só. Usa patas, mas não as garras—é difícil, então, ele basicamente morde e bate com cabeça e corpo para derrubar e impedir que continuem. Às vezes usa a cauda, que é uma novidade divertida. Brutus não tinha cauda quando era filhote.

Muita gente. Toda vez que Brutus acha que todos pararam, alguém volta a correr. Demora um pouco. Brutus fica com a língua de fora, arfando. Acaijado abana a cauda, as caixas quebram, e o Mestre faz um barulho de berro bravo, como Brutus fez. Deixa de abanar a cauda.

As pessoas no chão choramingando, cheiram a sangue e medo. Nadinha mais correndo como esquilo.

O Mestre grita, “Chega!” e essa palavra é para as pessoas, não para Brutus. São palavras que Brutus conhece bem. “Não” é para coisas que ele não deve fazer, e “mais” é o que o Mestre usa ao dar biscoitos, jogar bola ou encher tigelas. Brutus não entende: um é ruim, o outro é bom. Mas o Mestre é o alfa, sabe das coisas, então tudo bem.

Ela pega a chave que enrola, de alguém que está choramingando, e pega uma gaiola com um cachorro bravo, que cheira a sangue. Leva a gaiola para fora, coloca no carro e manda Brutus guardar. Ele não deixa ninguém chegar perto dos carros. É um bom menino. O Mestre entra, pega mais gaiolas com cachorros bravos, coloca tudo no carro. Depois faz de novo. Pega a mochila e com as cordas dela amarra as gaiolas umas às outras e as prende ao carro.

Depois, ela fica fora por um bom tempo e não volta. As pessoas se foram, então Brutus não precisa mais guardar. Ele vai até o Mestre lá dentro.

Ela está ajoelhada ao lado das gaiolas, e os cães lá dentro cheiram a sangue e cocô. Mas os cães não estão bravos, não se mexem. Brutus cheira o Mestre com o focinho, encosta nele, deita ao lado dela, que envolve seus braços ao redor do pescoço de Brutus. Ela abraça Brutus com força por um longo tempo. Brutus sabe que é muito tempo porque ele deixa de ser grande e fica menor que o Mestre.

Começam a chegar carros que fazem uivos de longe, e Brutus faz pequenos latidos, como o Mestre lhe ensinou. Ela se levanta, leva Brutus para o carro, entra por outra porta, e o carro começa a andar.

Ela abre a janela e come uma coisa crocante do bolso. Dá um biscoito para Brutus e puxa a janela para ele poder por a cabeça lá fora, no vento, e seu rabo abana porque Brutus sabe que foi um bom garoto.