Verme (Parahumanos #1)

Capítulo 11

Verme (Parahumanos #1)

“Ninguém gosta dela. Ninguém quer ela aqui,” disse Julia.

“Tão loser. Ela nem entregou o maior projeto de arte na sexta-feira passada,” respondeu Sophia.

“Se ela não vai tentar mesmo, então por que ela tá vindo pra escola?”

Apesar do jeito que a conversa soava, estavam falando comigo. Era como se estivessem apenas fingindo conversar uma com a outra. Era uma estratégia calculada para manter uma dúvida plausível, enquanto, ao mesmo tempo, agiam de forma totalmente infantil, fingindo que eu não estava ali. Uma mistura de imadureza com esperteza, do jeito que só estudantes do ensino médio conseguem fazer. Eu teria achado ridículo, se não fosse às minhas custas.

Assim que saí da sala, Emma, Madison e Sophia me cercaram num canto, com mais seis meninas apoiando. Não consegui passar por elas sem ser empurrada ou soprada de volta, então só pude apoiar minhas costas na janela, ouvindo enquanto oito meninas despejavam uma enxurrada interminável de provocações e desaforos. Antes que uma delas terminasse, outra começava. Enquanto isso, Emma permanecia atrás, calada, com um sorrisinho no rosto. Eu não conseguia olhar nos olhos de nenhuma outra delas sem que começassem a gritar uma nova chuva de insultos na minha cara, então só olhava fixamente para Emma.

“A menina mais feia do nosso ano.”

Elas mal pensavam no que diziam, e muitos dos insultos eram totalmente fora de propósito ou contraditórios. Uma dizia que eu era uma vadia, por exemplo, outra podia dizer que um garoto ia vomitar antes mesmo de tocar em mim. O objetivo não era ser espirituoso, inteligente ou preciso. Era mais sobre repetir aquela sensação por trás das palavras, várias vezes, martelando na cabeça. Se eu tivesse um instante para responder, talvez conseguiria algumas respostas rápidas. Se eu conseguisse parar o ritmo deles, provavelmente eles não voltariam ao padrão fácil de sempre. Mas, por mais que eu tentasse, não encontrava as palavras e não tinha oportunidade de falar sem ser interrompida.

Embora essa tática fosse nova pra mim, eu já suportava coisas assim há um ano e meio. Cheguei à conclusão de que era mais fácil ficar na minha, levando na esportiva, na maioria das situações. Eles queriam que eu revidasse, porque tudo estava a favor deles. Se eu defendesse meu espaço e eles ainda assim “vencessem”, só alimentava o ego deles. E, se eu conseguisse sair por cima de alguma forma, eles ficariam mais insistentes e maldosos na próxima vez. Então, por motivos semelhantes aos de não ter lutado com Madison pela lição de casa que ela peguei emprestada, eu apenas encostei na parede perto da janela e esperei eles ficarem cansados do jogo ou ficarem com fome suficiente para sair e almoçar.

“Ela usa uma Esponja de aço pra lavar o rosto?”

“Deveria! Assim ela ficaria melhor!”

“Nunca fala com ninguém. Talvez ela saiba que parece um retardado e fica de boca fechada.”

“Não, ela não é tão inteligente assim.”

Logo atrás de Emma, a uns três pés, via o Sr. Gladly saindo da sala dele. A tirada não parou enquanto eu o via guardar uma pilha de pastas debaixo do braço, pegar as chaves e trancar a porta.

“Se fosse eu, tinha me matado,” anunciou uma das meninas.

O Sr. Gladly virou para me olhar nos olhos.

“Tão bom não termos aula de educação física com ela. Imagina vê-la no vestiário? Dá vontade de vomitar com colher.”

Não sei qual expressão estava no meu rosto, mas tenho certeza de que não estava feliz. Menos de cinco minutos antes, ele tinha tentado me convencer a ir com ele ao escritório e contar ao diretor sobre as ameaças. Eu o observava, ele me olhava com uma expressão triste, trocava as pastas de lugar e então se virava para ir embora.

Fiquei pasma. Não consegui entender como ele podia simplesmente ignorar aquilo. Quando tentava me ajudar, ele tinha sido apenas mais um a se proteger, fazendo o que era necessário diante de uma situação que não podia ignorar? Ele tinha desistido de mim? Depois de tentar ajudar, do jeito totalmente ineficaz dele, e depois de recusar sua oferta duas vezes, ele tinha decidido que eu não valia o esforço?

“Você devia ter visto o grupo dela falhar na aula agora há pouco. Foi de doer.”

Cuminei o punho, depois procurei relaxar. Se fossemos todos homens, esse cenário seria completamente diferente. Estava na melhor forma da minha vida. Poderia ter dado alguns socos desde o começo, feito um nariz sangrar, talvez. Eu sabia que, no final, perderia a luta, sendo empurrada ao chão pela força do número e chutada enquanto estivesse caída, mas tudo teria acabado ali, ao invés de se arrastar como estava acontecendo agora. Eu ficaria fisicamente machucada por dias, mas ao menos teria a satisfação de saber que algumas das outras também estavam sofrendo, e não precisaria passar por esse bombardeio de insultos. Se causesse dano suficiente, a escola precisaria prestar atenção, e não poderiam ignorar a situação de uma luta de uma contra nove. Violência chama atenção.

Mas as coisas não funcionam assim aqui. Meninas jogam sujo. Se eu desse um golpe na Emma, ela correraria até o escritório com uma história inventada, com as amigas apoiando a versão dela. Para a maioria, denunciar a professora é um suicídio social, mas Emma era mais ou menos a líder. Se ela fosse ao diretor, as pessoas levariam a coisa a sério. Quando eu voltasse para a escola, elas teriam espalhado a história de forma a me fazer parecer uma mulher pseudo-louca. As coisas ficariam pior. Emma seria vista como a vítima e meninas que antes ignoravam as ameaças passariam a defender Emma.

“E ela ainda fede,” disse uma menina, meia sem graça.

“Como uva e suco de laranja vencido,” interrompeu Madison, rindo. De novo, ela trouxe o suco à tona? Suspeitava que tinha sido ideia dela.

Parecia que estavam ficando sem assunto. Acho que faltava apenas um ou dois minutos até elas ficarem entediadas e irem embora.

Ao que tudo indicava, Emma tinha a mesma impressão, porque deu um passo à frente. O grupo se abriu para dar espaço.

“Que foi, Taylor?” disse Emma, “Você parece chateada.”

Suas palavras não pareciam se encaixar na situação. Eu tinha mantido a compostura até ali, mas o que sentia era mais uma mistura de frustração e tédio. Abri a boca para falar algo. Um “Foda-se” desajeitado teria sido suficiente.

“Tão magoada que vai chorar até dormir a semana toda?” ela perguntou.

Minha fala morreu na garganta enquanto processava as palavras dela.

Quase um ano antes de começarmos o ensino médio, eu estava na casa dela, as duas tomando café da manhã e ouvindo música alta demais. A irmã mais velha da Emma apareceu com o telefone. Tocamos a música pra abaixar, e meu pai finalmente falou comigo, com a voz embargada, dizendo que minha mãe tinha morrido num acidente de carro.

A irmã da Emma me deu carona até minha casa, e eu chorei o caminho todo. Lembro que a Emma também chorou, por compaixão, talvez. Pode ter sido porque ela achava minha mãe a pessoa mais legal do mundo. Ou talvez porque éramos melhores amigas de verdade e ela não sabia como me ajudar.

Não queria pensar no mês seguinte, mas pedaços da memória vinham sem eu pedir. Lembro de ouvir meu pai brigando com o corpo da minha mãe, porque ela tinha mandado mensagem enquanto dirigia, e ela era a única culpada. Em um momento, quase não comi por cinco dias consecutivos, tamanha a bagunça emocional dele que eu nem entrava na cabeça dele. Acabei procurando a Emma para ajuda, pedindo pra comer na casa dela por alguns dias. Acho que a mãe dela percebeu e conversou com meu pai, porque ele começou a se recompor. Nossa rotina tinha sido organizada, pra que não desorganizássemos como família de novo.

Foi um mês após a morte da minha mãe que a Emma e eu estávamos sentadas na ponte de uma estrutura de brinquedo no parque, com os bumbuns gelados pelo madeiramento úmido, tomando café que compráramos no Donut Hole. Não tínhamos nada para fazer, só íamos andando e conversando sobre qualquer coisa. Nosso passeio nos levou ao parquinho, e ficamos descansando os calcanhares.

“Sabia que admiro você,” ela disse de repente.

“Por quê?” respondi, completamente intrigada por alguém tão maravilhosa e popular quanto ela achar algo em mim para admirar.

“Você é tão resistente. Depois que sua mãe morreu, você ficou toda despedaçada, mas em um mês tava inteira. Eu não conseguiria.”

Lembro de ter admitido: “Não sou resistente. Seguro a barra durante o dia, mas chorei até dormir por uma semana inteira.”

Aquilo foi suficiente para abrir as comportas. Ela me apoiou o ombro para eu chorar, e nosso café ficou frio antes de eu terminar.

Agora, olhando para Emma, sem palavras, ela sorriu ainda mais. Ela se lembrou do que eu tinha dito. Sabia que aquilo ia evocar lembranças. Em algum momento, ela pensou nisso e decidiu usar isso a seu favor. Esperou o momento certo para jogar na minha cara.

Porra, funcionou. Senti uma lágrima escorrendo pelo rosto. Meu poder rugia na ponta da minha consciência, zunindo, pressionando-me. Reprimi aquilo.

“Ela está chorando!” riu Madison.

Com raiva de mim mesma, passei a mão pelo rosto para tirar a lágrima. Mas outras já estavam prestes a surgir, prontas para substituí-la.

“Você tem um superpoder, Emma!” uma das meninas zombou.

Tirei minha mochila para encostar na parede. Ia pegá-la, mas antes, um pé passou pelo viés da alça e a puxou de mim. Olhei pra cima e vi quem tinha o pé – Sophia, morena, magra, sorrindo de lado.

“Nossa, o que ela tá fazendo?” uma das meninas comentou.

Sophia encostada na parede, com um pé descansando casualmente sobre minha mochila. Não achei que valia a pena brigar com ela se isso fosse dar espaço pra ela continuar brincando de esconde-esconde. Deixei a mochila onde estava e me empurrei pelo grupo de meninas, batendo de leve num espectador com o ombro, o suficiente pra fazê-lo cambalear. Corri para o corredor de escadas e sai pelas portas no térreo.

Fugi. Não olhei pra trás, mas era provável que estivessem me vendo pela janela no fim do corredor. Não fazia diferença. O fato de eu ter prometido gastar trinta e cinco reais do meu próprio bolso para comprar um livro de Problemas Mundiais para substituir aquele encharcado de suco de uva não era a minha maior preocupação. Mesmo que fosse quase todo o dinheiro que tinha depois de comprar as peças do meu traje. Meu exame de artes também estava na mochila, recém-reparado. Sabia que não conseguiria recuperar nada inteiro, se ao menos conseguisse.

Não, minha prioridade era sair dali. Não ia quebrar minha promessa comigo mesma. Nada de usar meus poderes contra elas. Essa era a linha que eu não podia cruzar. Mesmo que eu fizesse algo totalmente inocente, como dar piolho nelas todas, não confiava em mim para parar ali. Não confiava em mim para não dar dicas evidentes de que tinha poderes ou acabar revelando minha identidade secreta só para ver a cara delas quando percebessem que a garota que estavam achando que era uma aberração era, na verdade, uma verdadeira super-heroína. Era algo que costumava sonhar, mas sabia que as consequências a longo prazo arruinariam essa fantasia.

Talvez o mais importante, pensei, era manter esses dois mundos separados. De que adianta escapar da realidade se o mundo pra onde estou fugindo está cheio das pessoas e coisas que quero evitar?

Antes mesmo de pensar em voltar para a escola, comecei a me perguntar o que faria na tarde que tinha pela frente.