The Water Magician

Volume 1 - Capítulo 3

The Water Magician

No seu décimo segundo dia em Phi, Ryo finalmente conseguiu atingir seu objetivo de criar uma *Lança de Gelo* em apenas um segundo.

O único problema era que ela ainda não voava.

Ao menos, havia uma perspectiva mais promissora agora. Do quê, exatamente? Ora, de finalmente sair da barreira, é claro. Mas seus preparativos ainda não estavam completos. Antes disso, precisava garantir uma forma de se curar.

Segundo todos os clichês de reencarnação em isekai, poções seriam o método ideal. O *Compêndio de Flora – Edição para Iniciantes* continha informações sobre várias plantas utilizadas como ingredientes de poções, mas Ryo ainda não tinha confiança o suficiente para sair por aí coletando qualquer coisa além do que havia lido no compêndio.

No entanto, sair da segurança da barreira sem um meio de se curar não era apenas imprudente — era pura estupidez. Mesmo sem fazer poções propriamente ditas, ao menos poderia encontrar ervas para tratar ferimentos leves e acelerar a recuperação. Então, o primeiro passo era reunir as plantas que cresciam dentro da barreira. Depois disso, ele poderia sair amanhã.

De acordo com o *Compêndio de Flora*, a melhor planta para tratar ferimentos chamava-se justamente *erva de cura*. Era amplamente usada pelo povo comum, já que era difícil conseguir poções. Felizmente, havia um monte dessas ervas crescendo bem atrás da casa de Ryo.

“Fantástico. Tem hora que é bom mesmo viver no modo fácil! Só queria que o problema da *Lança de Gelo* se resolvesse com a mesma facilidade...”

Se os 80% da população de Phi que não conseguia usar magia ouvissem isso, com certeza ficariam furiosos.

Ryo também queria colocar as mãos em uma outra planta chamada *erva antídoto*. Quando fervida e consumida, ela anulava os efeitos de venenos no corpo. Infelizmente, essa erva não crescia dentro da barreira. Ele fez uma nota mental para procurá-la durante sua expedição fora do perímetro seguro.

Apesar da *erva antídoto* e do sílex serem seus objetivos principais, sair da barreira também permitiria testar se ele seria capaz de caçar e conseguir comida por conta própria.

Contudo, sua única arma física era a faca deixada por Falso Miguel. Com vinte centímetros de lâmina, era uma faca grande, mas ainda assim exigia combate corpo a corpo — algo que Ryo não sabia se conseguiria enfrentar nas condições atuais. Quanto mais distância entre ele e um oponente, melhor.

“Uma lança dá ao soldado uma sensação de segurança”, teria dito certo Rei Demônio Oda do Sexto Céu... provavelmente.

Ryo decidiu transformar a faca em uma lança — não com magia, mas fisicamente. Encontrou algo que parecia bambu. Ao olhar mais de perto... era bambu mesmo. Cortado no comprimento certo, já serviria como uma lança de bambu. Mas, como ele tinha a faca, decidiu prendê-la na ponta da haste usando cipó como corda.

Antes de sair da barreira, reforçaria a conexão entre o bambu e a faca com gelo. Isso bastaria. Sua lança final não se comparava com as enormes lanças de seis metros usadas pelos soldados da província de Owari, mas os dois metros e meio do seu equipamento improvisado ainda eram bem manejáveis. As Três Grandes Lanças do Japão — Nihongo (3,2m), Otegine (3,8m) e Tonbokiri (6m) — estariam completamente fora do alcance de um amador como Ryo.

Ele poderia usar uma lança de gelo como arma física, mas nunca se sabia o que aconteceria em combate. Em uma situação de vida ou morte, não tinha certeza de que conseguiria manter a calma para criar uma.

“Vou pegar leve hoje e me preparar com calma pra saída de amanhã.”

Quase todos os dias desde que chegou, Ryo adormecia após esgotar sua reserva de energia mágica. Um dos motivos era o comentário de Falso Miguel sobre como se aprimorava usando magia com frequência. O outro era seu desejo de fazer com que lançar feitiços se tornasse algo natural.

Mas, na verdade, Ryo não fazia ideia de quanto de sua energia mágica havia se recuperado cada manhã. Isso porque, até então, não havia forma alguma de medir esse valor de forma objetiva.

Então, decidiu relaxar um pouco naquele dia. Queria estar com o máximo de “combustível mágico” possível quando deixasse a barreira no dia seguinte. Até o pôr do sol, leu mais do conteúdo do *Compêndio de Flora – Edição para Iniciantes*, comeu a carne que havia grelhado, tomou banho e foi dormir.

Então, finalmente, chegou a manhã da batalha decisiva.

Seu décimo terceiro dia em Phi.

O tão aguardado dia da batalha.

Com movimentos já automatizados, Ryo acendeu o fogo, grelhou a carne e comeu. Devagar, muito devagar, repassou mentalmente cada etapa de sua preparação até ali...

Depois de comer, era hora de verificar os suprimentos que levaria. Ele já havia moído as ervas de cura e congelado a pomada usando magia da água. Depois de descongelada, poderia aplicar o unguento diretamente em ferimentos. Também levaria a lança de bambu com faca presa na ponta — que tinha acabado de reforçar com gelo.

Lista de itens verificada. A verdade é que não havia muita coisa a levar. Procuraria apenas por sílex e *erva antídoto*, além de enfrentar alguns monstros fracos... Ele torcia para encontrar slimes!

Ryo não planejava ir muito longe. Queria se manter próximo da barreira para que, caso algo acontecesse, pudesse correr de volta para dentro dela. Fechou os olhos por alguns segundos e respirou fundo.

“Certo, hora de partir.”

Seguiu na direção sudoeste. Segundo Falso Miguel, a cerca de quinhentos metros dali ficava o litoral.

Havia muitas pedras que talvez servissem como sílex, mas ele não sabia muito sobre o assunto. Ainda assim, sabia que o quartzo tinha um longo histórico como ferramenta para produzir faísca. A variedade incolor e translúcida era conhecida como cristal ou cristal de quartzo.

Mas não era isso que ele queria. O que buscava era quartzo branco e opaco, que se partisse facilmente.

Um bom lugar para encontrar esse tipo de pedra era o leito de um rio. Se saísse de casa em direção ao mar, talvez encontrasse um estuário no caminho...

“Bom, se não encontrar um, posso ir na direção contrária na próxima vez. Isso também é uma aventura, de certa forma. Afinal, não saber o que vai acontecer é parte da aventura.”

Quando atravessou a barreira, sentiu uma leve resistência.

“Deve ter sido isso...”

A visibilidade era ruim, já que estava no meio da floresta. Ryo apurou os ouvidos, confiando na audição para captar o que os olhos não viam. À distância, ouviu o som de asas batendo — pássaros, talvez.

Nem cem metros após a barreira, a floresta chegou abruptamente ao fim. Diante dele, estendia-se um rio com centenas de metros de largura de margem a margem.

“Bingo!”

O único problema era que Ryo estava no topo de um penhasco, dificultando o acesso à margem onde poderia procurar pelo sílex. Decidiu seguir o curso do rio de leste a oeste, caminhando pela beira do penhasco, para ver se encontrava um caminho até embaixo.

“Quem diria que tinha um rio desse tamanho a só cem metros da casa... Que vista incrível...”

Mas não havia tempo para apreciar a paisagem. Depois de andar um pouco, encontrou um caminho que levava até a margem. E ali mesmo, logo de cara, encontrou o tipo de quartzo que procurava. Pegando uma das pedras, decidiu testar batendo o dorso da faca contra ela.

*Klk, klk.*

“Oooh, saíram faíscas. Agora consigo fazer fogo mesmo sem sol.”

Depois de aprender isso, percebeu que não havia motivo para ficar ali por muito tempo. Rios costumam ser pontos de encontro para animais — e ele não fazia ideia do que poderia aparecer. Subiu de volta para o topo do penhasco e começou a seguir rumo nordeste.

Se continuasse indo para o norte, acabaria no limite sul da barreira em torno de sua casa. Seguir em direção nordeste colocava a casa à sua esquerda. Dessa forma, caso algo acontecesse, poderia correr direto de volta para dentro da barreira.

Como já havia sido mencionado antes, manter uma rota de fuga era absolutamente essencial. Especialmente porque ele não fazia ideia de quão fortes eram os monstros de Phi. Achava que conseguiria lidar com slimes lentos... Mas slimes não eram as únicas criaturas que podiam surgir. E mesmo essa suposição era só isso — uma suposição.

Encontrar sílex foi rápido, mas ainda não havia visto sinal da *erva antídoto*. Continuava caminhando, sempre ciente da localização da casa, então não havia se afastado tanto assim da barreira.

“Isso tá... mais difícil do que imaginei... E agora?”

Na mente, tentou visualizar a entrada da *erva antídoto* no *Compêndio de Flora*, tentando lembrar de alguma dica sobre o local onde crescia... Por um breve momento, sua atenção se desviou do ambiente ao redor. Quando voltou à realidade, percebeu um animal parecido com um javali selvagem encarando-o fixamente.

“Ih... Isso é um javaporco menor.”

Mais urgente do que tudo era o fato de que a criatura estava correndo direto na direção de Ryo.

Um javaporco menor.

Um javaporco menor avançando em disparada.

Avançando contra ele.

Ele precisava contra-atacar. Sabia disso. Mesmo sabendo o que devia fazer, seu corpo simplesmente se recusava a obedecer.

Era a primeira vez que enfrentava de frente o impulso assassino de um monstro. Era uma sensação impossível de ignorar. Ele via e sentia isso com uma clareza tão intensa quanto a de um sapo paralisado diante de uma cobra prestes a atacá-lo.

“Merda! Mexe, mexe, meeeexe!!!”

Seu corpo finalmente saltou para a esquerda. Ou melhor, *desabou* seria uma palavra mais apropriada. *Slash.*

“Ngh...”

Uma das presas do javaporco rasgou o pé direito de Ryo enquanto ele tentava desviar do ataque. A criatura passou correndo direto, depois diminuiu a velocidade, parou e se virou para encará-lo de novo. Ainda havia sede de sangue em seus olhos? Ou seria agora raiva por ter perdido o alvo?

“Whoa! Calma, calma aí!”

Fácil de falar, difícil de fazer — e Ryo com certeza não era exceção à regra.

Seu coração martelava no peito. A mente parecia vazia... ou talvez não. Ainda conseguia manter a razão, mas seu corpo não reagia, mesmo sabendo que não podia ficar ali, jogado no chão.

O javaporco menor avançou novamente. E Ryo continuou imóvel.

Sim... *imóvel* — mas ele ainda tinha sua magia. Mesmo que o corpo não obedecesse, a magia da água que ele havia treinado tantas e tantas vezes ainda estava com ele.

Trabalho duro nunca trai você.

“*Pista Congelada!*”

Uma estrada de gelo de dois metros de largura se formou entre Ryo e o javaporco, fazendo com que o animal escorregasse. Cambaleando e deslizando, foi empurrado pelo próprio impulso em direção a Ryo, sem ter controle sobre o próprio corpo.

“*Lança de Gelo 16!*”

Ele ainda não conseguia fazer sua Lança de Gelo voar, mas podia fazê-la emergir do chão — ou, neste caso, fazer dezesseis delas se erguerem da Pista Congelada. As lanças de gelo brotaram do piso gelado em um ângulo de trinta graus, formando uma espécie de estrepes mágicos. Sem conseguir parar, o javaporco colidiu diretamente contra a barreira de lanças.

“Graaaaaar!”

O monstro urrou em dor quando as Lanças de Gelo perfuraram sua carne. Ainda não estava morto, mas o medo que paralisava Ryo havia desaparecido. Ele finalmente conseguia se mover.

Agarrou sua lança improvisada — a vara de bambu com a faca presa na ponta. Mesmo tendo praticado kendô em sua vida anterior, isso não significava que sabia lutar com uma lança. Ainda assim, não iria pensar demais. Era só enfiar a lâmina.

E ele enfiou. Uma vez. Duas. Dezenas. Inúmeras vezes. No rosto, no pescoço, nas pernas. Embora agora conseguisse se mexer, ainda não estava calmo. Com foco total, desferia estocadas contra o javaporco menor. Uma após a outra. Sem parar.

Devia tê-lo apunhalado dezenas, talvez centenas de vezes até que, finalmente, percebeu que o monstro havia parado de se mexer.

“Eu... venci.”

Havia derrotado seu primeiro monstro.

“Preciso sair daqui logo.”

O cheiro de sangue poderia atrair outras feras. Ryo reuniu toda a força que lhe restava e se pôs de pé. Mas havia um problema: o cadáver do javaporco. Era pesado.

“E agora... como vou carregar isso?”

Deixá-lo para trás estava fora de cogitação — era sua primeira vitória. Decidiu que comeria aquela carne naquela noite.

A barreira não estava longe. No máximo, cem metros. Então, seus olhos caíram sobre a Pista Congelada ainda brilhando no chão.

“E se eu criar uma prancha de gelo embaixo do javaporco... será que consigo arrastá-lo?”

Estender a Pista Congelada direto até a barreira dificultaria puxar o corpo. Por isso, moldou o gelo de forma que ele se formasse apenas sob o javaporco.

“Opa, moleza.”

Puxou o animal — que devia pesar perto de duzentos quilos — com uma só mão. E assim... passou pela barreira e chegou de volta à casa.

“Ahhh... Consegui...”

Ali ficou, drenado de energia e força de vontade. Embora não tivesse encontrado nenhuma *erva antídoto*, havia coletado sílex, vencido seu primeiro combate e conseguido o cadáver de um javaporco menor. A primeira batalha rendeu bons frutos.

Dia quatorze.

Na noite anterior, Ryo saboreou com gosto uma coxa do javaporco menor e depois congelou o restante da carne para guardar no silo.

Após descansar, conseguiu refletir com mais clareza sobre a luta de ontem — e só de pensar no caos daquele confronto, suava frio. Como o nome já indicava, o javaporco menor fazia parte da categoria de monstros semelhantes a javalis — sendo o mais fraco. Ainda assim, comparado a slimes e coelhos menores, representava uma ameaça considerável. Com seus ataques brutais, era impossível que caçadores ou agricultores comuns o enfrentassem sozinhos.

Mesmo assim, o *Compêndio de Monstros – Edição para Iniciantes* o classificava como o mais fraco da sua classe.

“Ainda bem que meu primeiro inimigo foi um javaporco menor. Podia ter sido um monstro muito mais forte, então dei sorte.”

Ryo, sempre otimista.

Apesar de ainda não conseguir fazer suas Lanças de Gelo voarem, ao menos podia gerar várias delas. Mas essa linha de defesa exigia que ele mesmo servisse de isca para atrair o inimigo até a armadilha. Se a tática falhasse, o dano seria incalculável.

E se o inimigo fosse mais rápido do que o previsto? Ou um que nem escorregasse no gelo? Sem contar monstros voadores...

Isso o fazia voltar ao plano original: precisava encontrar uma forma de usar seus poderes mágicos para caçar à distância. Também não queria depender sempre de estratégias arriscadas para sobreviver.

O *Water Ball* voava, mas a *Lança de Gelo* não. Já havia tentado de tudo e a única conclusão até então era que a água voava, mas o gelo não. Ambos, no entanto, eram criados com magia da água. O *Water Ball* (provavelmente) reunia moléculas de água do ar e as liberava. A *Lança de Gelo* (provavelmente) fazia o mesmo, mas ainda as congelava antes de lançar.

“Hm? Então a *Lança de Gelo* tem uma etapa a mais? Espera aí... Será que meu limite atual é de apenas dois passos? Não é possível...”

Nesse caso, decidiu primeiro preparar a água, depois congelá-la e, por fim, tentar apenas a parte do lançamento em duas etapas. Como não queria arriscar seu querido balde, fez uma tigela de gelo e a encheu com água. Estendeu a mão direita sobre a tigela, visualizou a água congelando e sendo lançada com a tigela.

“*Lança de Gelo!*”

*Fwish.* A água congelada voou cerca de dez metros — não com a forma de uma lança, mas ainda assim, voou.

“Woo-hoo! Sucesso!”

Depois de tantos dias de tentativas frustradas, finalmente conseguiu lançar gelo com um só comando.

“É assim que se faz. Quando você tem a informação certa, a resposta aparece.”

Claro que... talvez o verdadeiro motivo de sua vitória tenha sido a confiança adquirida após pegar sílex e vencer sua primeira luta além da barreira... De qualquer forma, o importante é que resolveu o problema, e isso bastava para ele.

“Enfim, entendi agora. Ainda não consigo realizar magias com três etapas, mas quem sabe no futuro, quando estiver mais experiente com magia da água? Espero que sim.”

Parecia que ainda levaria um tempo até conseguir realmente fazer gelo voar... O que significava que, por ora, a água era sua única opção viável para ataques à distância.

“Ah, é. Faz tempo que não testo o *Jato D'Água*.”

No terceiro dia em Phi, havia se dedicado bastante à criação do *Jato D'Água*, mas desistiu da ideia ao perceber que ele só tinha força comparável à de uma mangueira de lavar carro. Desde então, não treinou mais essa técnica.

“Booom, já que agora sei como criar gelo pela magia da água, será que o *Jato D'Água* mudou também...?”

Ryo estendeu a mão direita e imaginou o *Jato D'Água*.

“*Jato D'Água!*”

*Fsssh.* Um jato muito mais fino e potente saiu em comparação com o que ele tinha conseguido produzir no terceiro dia.

“Progresso!”

Em seguida, disparou contra uma árvore logo dentro da barreira. *Fsssh... splash.* A árvore continuava firme e de pé, mas agora havia um pequeno sulco na casca onde o jato havia atingido.

“Acho que consigo fazer funcionar com treino...”

E assim, Ryo voltou a se dedicar ao treinamento do *Jato D'Água*.

Durante os quatro dias seguintes, Ryo se dedicou completamente ao treinamento com o *Jato D'Água*. Claro, ele sempre tomava um bom café da manhã com carne assada e também tomava banho todos os dias. Isso mesmo — carne logo cedo! Mas tudo bem, afinal, café da manhã é a refeição mais importante do dia! No almoço, comia carne seca, e seus banhos eram sempre à noite.

Quanto ao jantar... Bem, ele sempre queria treinar só um pouco mais o *Jato D'Água* antes de começar a preparar a refeição... mas acabava treinando tanto que esgotava suas reservas de energia mágica e ia direto para a cama... Resumo: Ryo pulou o jantar nesses quatro dias. Talvez fosse por isso que comia tanto no café da manhã seguinte.

O resultado de quatro dias de treino foi... um aumento de potência. O *Jato D'Água* de Ryo estava definitivamente mais forte, mas ainda longe da força de cortadores a jato d’água da Terra... muito longe.

Apesar de agora conseguir fazer cortes mais profundos na casca das árvores com um jato mais fino e concentrado, ainda não era o suficiente para realmente cortar. Por outro lado, dominou completamente a técnica de mirar com precisão. Contanto que o alvo estivesse parado, podia acertar a dez metros de distância sem errar nem um milímetro.

“Não sei o que pode me ajudar, então preciso aprender a disparar vários jatos ao mesmo tempo, e não só um.”

Então, Ryo seguiu treinando. Pensamento positivo sempre ajuda.

Seu objetivo final era caçar com segurança. Arriscar a vida só para conseguir comida... não era bem a definição de uma vida tranquila! Sair da barreira era importante, e ele queria expandir suas opções alimentares. Atualmente, tudo o que comia era carne de monstro assada com sal e carne seca. Queria experimentar novos sabores e temperos... Além disso, tinha certeza de que uma hora ou outra sentiria vontade de comer frutas.

De acordo com o *Compêndio de Flora – Edição para Iniciantes*, a pimenta-do-reino era exatamente igual à da Terra, tanto em nome quanto em aparência. Ryo suspeitava que sua localização atual, se comparada à Terra, ficava entre o Trópico de Câncer e o equador — provavelmente no hemisfério norte, com base na posição do sol no céu, na direção em que a água fluía quando ele a criava e na umidade e temperatura do ambiente. Considerando essa proximidade do equador, sabia que devia haver especiarias por perto que poderia colher!

Embora existam centenas de especiarias, Ryo só conhecia algumas: pimenta-do-reino, pimenta-malagueta, sanshō japonês e gengibre. Isso era compreensível, já que nunca foi um grande cozinheiro. Dessas, ele já tinha visto como a pimenta-do-reino crescia — em cachos, como uvas.

*Acho que consigo reconhecer, mesmo aqui nesta floresta!*

Mesmo assim, ainda faltava muito até conseguir colocar as mãos nelas. Antes, precisava ser forte o suficiente para se sentir confortável fora da barreira.

No vigésimo primeiro dia em Phi, Ryo saiu para sua caçada diária. Seu alvo? O coelho menor. Ele saltava erraticamente pela floresta, se aproximando do alvo antes de cravar os dentes na garganta da presa.

Ryo esperou até que ele pulasse. Quando pulou, lançou jatos simultâneos de *Jato D'Água* nas patas traseiras. A magia ainda não era forte o suficiente para perfurar a carne, mas bastava para desequilibrar o animal e jogá-lo ao chão. Depois, Ryo mirava diretamente nos olhos e lançava mais jatos.

Uma vez cego e imobilizado, tudo o que precisava fazer era finalizá-lo com sua lança.

“Ha, sim!”

Ryo finalmente havia descoberto uma forma segura de caçar — ao menos contra coelhos menores. Essa tática, porém, não funcionava com javaporcos menores. Desde seu primeiro encontro com um, ele já havia enfrentado vários, mas essa abordagem não se mostrava eficaz. O motivo era simples: ao saltar, os coelhos menores expunham as patas traseiras, tornando-as vulneráveis ao ataque. Já os javaporcos menores sempre avançavam de frente.

Para se adaptar, tentou mirar com o *Jato D'Água* nas patas dianteiras dos javaporcos, mas suas patas traseiras eram fortes o suficiente para manter o avanço. Teve que desviar se lançando para o lado, o que trouxe à tona o pesadelo do seu primeiro combate contra um javaporco. A lembrança amarga de ter que esfaqueá-lo sem parar até que parasse de se mover ainda estava bem viva.

Desde então, passou a usar sempre o mesmo método da primeira vez: *Pista Congelada* + *Lança de Gelo* para pará-los e a lança de bambu com faca na ponta para finalizar. Como os monstros sempre corriam direto na direção dele ao avistá-lo, era o método mais seguro para detê-los.

De todo modo, Ryo já estava relativamente apto a caçar coelhos e javaporcos menores com segurança, já que apareciam com frequência nas redondezas da casa.

Sua rotina recente consistia em caçar pela manhã fora da barreira e praticar magia à tarde, dentro dela. A *Lança de Gelo* ainda não voava, e o *Jato D'Água* ainda não tinha força suficiente para perfurar alvos.

Ainda assim, o sucesso das caçadas diárias trazia uma paz genuína ao coração de Ryo.

“A paz é o trampolim para o próximo passo — Ryo Mihara.”

Dizem por aí que comida, roupa e abrigo formam a base essencial da vida. Das três, Ryo agora tinha abrigo garantido graças à casa e à barreira deixadas por Falso Michael.

Quanto às roupas... ele não usava mais as que vestia quando chegou a Phi. Agora, suas vestimentas eram feitas de couro curtido de javaporco menor.

Depois de arrancar a derme, ele curtiu a pele com fumaça, usando uma fogueira com folhas e grama. Em seguida, esticou e alisou o couro com um rolo de gelo até formar uma peça uniforme.

Por fim, cortou o material em duas peças: uma tanga e um par de sandálias. Essas eram suas novas roupas. E só isso. Se ainda estivesse no Japão, já teria sido denunciado à polícia.

“Acho que devia fazer uma couraça ou algo assim. Mas... esse couro não parece tão resistente, já que não foi preparado por um profissional.”

Ryo comentou consigo mesmo enquanto dava tapinhas no couro.

“Oh! E se eu aplicasse uma camada de gelo sobre o couro com magia da água pra aumentar a resistência? Não, aí é melhor fazer uma armadura inteira de gelo logo. Hm... Mas e se o frio intenso fizer meu coração parar? Perigoso. Um dia, ainda vou criar escudos de gelo pra me defender... Heh heh heh. ‘Insolentes! Vocês realmente acham que um ataque desses vai me atingir?!’ ...Eu queria tanto dizer algo assim...”

Todos têm suas fantasias...

Com abrigo e roupas resolvidos, o próximo passo era aprimorar a alimentação. Seu objetivo agora era conseguir frutas e novos sabores. O problema era: para onde ir?

Lembrou-se de Falso Michael dizendo que havia um mar a quinhentos metros ao sudoeste da casa. Ao sul, corria um rio largo — o mesmo onde encontrou sílex. A leste foi onde teve sua primeira luta contra um javaporco menor e onde caçava coelhos menores. Nenhum desses lugares ficava longe da barreira.

Considerando isso, percebeu que ainda não havia explorado a região ao norte da casa.

“Talvez eu encontre o que procuro não muito longe ao norte... Vou tentar.”

Vestindo apenas sua tanga e sandálias, levou sua lança de bambu com faca na ponta e um saco de estopa. Não sabia se era de estopa mesmo, mas era um dos dois sacos que havia no silo, antes preenchido com carne seca. Acabou tendo que usar esse, já que não possuía outra bolsa para carregar frutas ou alimentos novos que encontrasse.

O saco parecia com os usados para transportar grãos de café.

“Se este lugar fica entre o Trópico de Câncer e o equador, será que existem cafeeiros por aqui?”

Ryo se perguntou em voz alta.

Mas não se lembrava de ter visto cafeeiros listados no *Compêndio de Flora – Edição para Iniciantes*. Mesmo que conseguisse colher os grãos, ainda teria que descobrir como prepará-los... De qualquer forma, pensar em ampliar o cardápio de bebidas era uma boa ideia.

Estava tudo pronto.

“Certo, hora de partir!”

A vegetação ao norte não era muito diferente da que via ao leste e ao sul. Teria sido um grande problema se o norte fosse aquele típico cenário de fantasia com frio extremo e ventos congelantes.

No entanto, assim que entrou na área ao norte da casa, encontrou algo que achou serem figueiras.

“Acho que o *Compêndio de Flora* chamou isso de ‘fíg’ e disse que é comestível.”

Ryo colheu um do pé e experimentou sua primeira fruta desde que chegou a este outro mundo.

“Que equilíbrio maravilhoso entre o doce e o azedo!”

Colheu umas dez fígs e as colocou no saco.

“Tomara que eu tenha mais sorte e ache outras coisas assim.”

Depois disso, perambulou por cerca de uma hora, mas não encontrou outras frutas.

“Acho que vou caminhar um pouco mais ao norte então.”

Calculou que estava a cerca de duzentos metros da barreira — o ponto mais distante que havia se aventurado até agora.

Sabia que, um dia, teria que ir bem mais longe, mas não esperava que esse dia chegasse tão cedo.

Porém, ele não conseguiu avançar mais do que isso. Não foi um pensamento consciente que o impediu, e sim um instinto — instinto que o fez se abaixar imediatamente no chão ao sentir algo passar acima dele. Não conseguiu ver, mas ouviu o som de asas batendo sobre sua cabeça.

“Um pássaro?”

Se fosse mesmo um pássaro, suas asas batiam com tanta força que Ryo pôde perceber uma leve distorção no ar vindo em sua direção. Instintivamente, pulou para o lado.

“Isso foi magia de ar? Um monstro do tipo voador que usa magia de ar...”

Ou seja, um ataque invisível de longo alcance — algo como uma lâmina de vento ou corte sônico.

“É, sem chance de eu vencer isso.”

Foi então que tomou uma decisão.

“*Parede de Gelo, formato U!*”

Ryo havia projetado essa parede de gelo com fins defensivos. Media um metro de largura e dois de altura, cercando-o pela frente e laterais, mas deixando a parte de trás aberta para fuga.

Assim que começou a correr de volta para casa, a *Parede de Gelo* o acompanhou de perto. Ele controlava a estrutura com magia, fazendo-a se mover na mesma velocidade que ele. Do ponto de vista de um observador externo, parecia que a parede estava simplesmente o seguindo.

Duzentos metros até a barreira. Preciso chegar lá, senão estou acabado.

*Crack.* Depois de correr cem metros, a *Parede de Gelo* se despedaçou.

“O quê?!”

Ela havia resistido a três ataques invisíveis de magia de ar antes de se romper por completo.

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Ele sabia que seria impossível percorrer os últimos cem metros em disparada deixando as costas vulneráveis, então Ryo não teve outra escolha a não ser se virar e encarar o monstro. Quando o fez, conseguiu ver o pássaro com muito mais clareza.

“Um falcão assassino... Ele usa magia de ar para criar um ataque invisível de longo alcance chamado ‘corte de ar’, tudo isso enquanto avança sobre o alvo em velocidade supersônica com o bico e as garras.”

Ryo recitou sem pensar a entrada do *Compêndio de Monstros – Edição para Iniciantes* de memória. Infelizmente, ele não conseguia se lembrar do que dizia sobre como lidar com a criatura.

Não podia usar a combinação *Pista Congelada + Lança de Gelo*, como fazia contra javaporcos menores. No entanto... poderia tentar o *Jato D’Água*, como contra os coelhos menores... Provavelmente. Se mirasse nas articulações das asas, talvez conseguisse ao menos dificultar os movimentos, mesmo sem perfurar?

Decisão tomada — agora era hora de agir enquanto o ferro ainda estava quente. Como seu oponente era um monstro inteligente capaz de usar magia, seria melhor não pronunciar o feitiço em voz alta.

Jato D’Água.

O jato que lançou mirou com precisão... e atravessou — isso mesmo, atravessou o ar. Não atingiu o falcão assassino de jeito nenhum. A velocidade supersônica do monstro não apenas o permitia atacar com rapidez, como também tornava sua evasão incrivelmente eficaz.

“Então vou derrubar você na base da quantidade!”

Jato D’Água 32.

Trinta e dois jatos de água dispararam simultaneamente da mão esquerda de Ryo, mirando diretamente no falcão assassino. Mas quando os feitiços chegaram até ele... o monstro já não estava mais lá. Havia se esquivado para o lado e agora voava em diagonal pela direita.

“Ai, droga!”

Agindo puramente por instinto, Ryo pulou e rolou para a esquerda. O solo onde ele estivera um segundo antes explodiu com o impacto do ataque do falcão assassino.

A rolagem o deixou bem ao lado do monstro no momento em que ele pousou. Quase sem pensar, Ryo estocou com a lança de bambu com faca presa na ponta, ainda em sua mão direita. *Squelch.*

“Giiii!”

Ele sentiu claramente a lâmina perfurando algo. Ao mesmo tempo, o grito estridente da criatura rasgou seus ouvidos. Então, naquele instante, Ryo cruzou olhares com o monstro — e viu sangue escorrendo do olho direito fechado do falcão assassino. Agora sabia exatamente onde sua lança havia atingido.

Por natureza, os olhos de aves são tão brilhantes que é difícil ler qualquer emoção neles — mas dessa vez, Ryo não teve dúvida: o que viu no olho restante do monstro foi ódio.

“*Pacote de Parede de Gelo!*”

Uma *Parede de Gelo* começou a se formar ao redor do falcão assassino, como uma caixa tentando capturá-lo por cima. Mas Ryo não ficou surpreso quando o monstro se afastou com velocidade antes que o feitiço pudesse encerrá-lo. Mesmo ferido, sua agilidade impressionante permanecia intacta.

Então, com um último olhar para Ryo, o falcão assassino voou para longe. *Na próxima vez, eu vou te matar*, foi o que ele jurava ter ouvido em sua mente.

Ryo ficou imóvel por muito tempo, mesmo após o monstro ter sumido no céu.

“Essa foi por pouco demais...”

Checando o corpo inteiro cuidadosamente em busca de ferimentos, ele caminhou em direção à barreira.

“Ugh... como diabos eu vou lidar com isso...”

Os problemas estavam surgindo um atrás do outro... Sua vida tranquila na Floresta de Rondo estava longe de começar bem.

Ficava evidente que a magia possuía uma limitação de alcance. Para Ryo, sua eficácia se limitava aos quinze metros ao seu redor. Magias lançadas além dessa distância simplesmente não funcionavam.

Por exemplo, a *Bola D’Água* perdia a flutuação após os quinze metros e caía no chão. Porém, dentro desse raio de quinze metros, ele podia controlá-la livremente, como se estivesse presa a um fio mágico conectado a ele. Ao pensar que no início seu alcance era de apenas dez metros, sabia que havia progredido. Claro, a *Bola D’Água* ainda não era rápida ou forte o suficiente, então Ryo não a usava como feitiço ofensivo...

Ele também não conseguia estender sua *Pista Congelada* para além de quinze metros de si mesmo. Ela só podia ser gerada tendo Ryo como ponto de origem, o que significava que ele não podia criá-la diretamente sob os pés de um javaporco menor a quinze metros de distância. Também não conseguia criar uma *Bola D’Água* espontaneamente fora dessa zona de alcance.

Mas... e se pudesse? Suponha que conseguisse criar uma *Pista Congelada* com três metros de raio bem debaixo de um javaporco a dez metros de distância... O monstro escorregaria no gelo e não conseguiria se mover direito.

O *Jato D’Água* era sua forma de ataque mais forte no momento, mas também só funcionava com Ryo como ponto de origem. Isso fazia com que fosse mais fácil para o inimigo prever sua trajetória e desviar, já que o ataque seguia uma linha reta do corpo de Ryo até o alvo. Embora a velocidade do feitiço tornasse difícil evitá-lo... o falcão assassino havia conseguido — não apenas contra a versão normal, mas também contra sua carta na manga, o *Jato D’Água 32*, com trinta e dois jatos disparados em ângulos ligeiramente diferentes para aumentar as chances de acerto em um confronto direto... Ainda assim, o falcão escapou do alcance eficaz.

Estava claro que havia muito o que melhorar. Por mais que fosse tentador expandir sua dieta, essa última saída deixou bem evidente que ainda existiam monstros fora da barreira que Ryo não tinha a menor chance de derrotar.

Além disso, eles nem estavam tão longe assim da barreira.

Ele precisava ficar mais forte, ou sua nova vida chegaria ao fim antes mesmo de começar.

◆◆◆

A cada dois dias, Ryo saía pela manhã para caçar um coelho menor ou um javaporco menor na parte leste da floresta. Nos dias em que não ia caçar ou chovia, mergulhava no *Compêndio de Monstros – Edição para Iniciantes*, já que não fazia ideia de quando ou onde encontraria novos tipos de monstros. Seria patético cometer algum erro por puro relaxo nos estudos.

Fora essas atividades, ele focava em treinar magia — mais especificamente, gerar água e gelo tendo outros locais como epicentro do feitiço. Como esperado, no começo era impossível produzir algo repentinamente a dez metros de distância. Por isso, tentou estender a mão direita e visualizar um de seus feitiços — como a *Bola D’Água* — se formando no ar a dez centímetros de distância. Seu objetivo final era conseguir fazer isso a quinze metros e, eventualmente, além disso... mas ainda levaria um bom tempo até alcançar essa meta. Ainda assim, só porque estava fora de alcance por enquanto, não significava que não devesse continuar treinando.

Sempre que podia praticar ao ar livre, incluía no treino o lançamento do *Jato D’Água* de um ponto que não fosse seu próprio corpo. Assim, praticava tanto a geração do feitiço em outro local quanto o aumento da potência do ataque.

Notava melhoras graduais. Ainda que lentas, eram progresso. E, embora ficasse feliz em ver o resultado de seus esforços, a verdade era que precisava fazer o que fosse necessário — com ou sem alegria — se isso significasse a diferença entre viver ou morrer. Os humanos sabiam disso, mas não eram tão racionais assim. Precisavam enxergar resultados concretos para se manterem motivados. Era uma questão emocional, não lógica.

As emoções compõem metade de uma pessoa. E para alcançar o sucesso, era essencial também inspirar esse lado emocional.

Ryo sabia disso intuitivamente. Não era um gênio. Nem mesmo alguém brilhante. Mas entendia a importância de se esforçar. Essa sabedoria não vinha da mente, mas do coração. Por isso, para um humano como ele, esforçar-se não era difícil.

A mudança veio de forma repentina, durante uma das caçadas que fazia a cada dois dias na parte leste da floresta. Claro, ele já sabia que havia chance de encontrar outros monstros além dos que já conhecia. Mesmo assim, fora o falcão assassino ao norte, ainda não vira nenhuma outra criatura. Como as partes norte e leste da floresta eram conectadas, já havia se preparado para a possibilidade de um falcão aparecer nessa região também.

Mas o monstro que encontrou hoje era totalmente diferente.

“Um javaporco maior...”

Classificação acima do javaporco comum, que já era mais forte que o menor. O javaporco maior usava magia de terra para lançar pedras como ataques à distância, e sua investida tinha uma velocidade próxima à do som. No geral, suas características lembravam as do falcão assassino — a diferença era apenas no domínio: céu e ar para o falcão, solo e terra para o javaporco.

E havia seu tamanho colossal... O javaporco maior media cerca de sete metros de comprimento, com a cabeça a três metros de altura. Era essa criatura que avançava a velocidade subsônica contra seus alvos. Um verdadeiro pesadelo.

“Se ele me acertar, eu morro. Morri na Terra atropelado por um caminhão, mas esse bicho é bem mais rápido, né...”

Como a energia cinética depende da massa e da velocidade, um javaporco do tamanho de um caminhão basculante correndo em velocidade subsônica causaria um impacto ainda mais destrutivo do que o acidente que o matou em sua vida anterior.

Apesar de estar a vinte metros de distância, era tão grande que distorcia sua percepção de profundidade. Talvez seu formato porco também ajudasse nisso.

Lança de Gelo 16.

Ryo começou criando dezesseis lanças de gelo como medida preventiva contra a investida poderosa da criatura. Elas emergiram do chão em ângulos de trinta graus. O javaporco maior se aproximava lentamente, quando lançou duas pedras contra ele.

Escudo de Gelo 2.

Um escudo de gelo do tamanho de uma raquete de tênis surgiu à frente de Ryo, interceptando as pedras voadoras antes de desaparecer junto com elas.

“Graaaaawr!”

Raiva ou intimidação? Ele não tinha certeza do que o javaporco maior queria expressar com aquele urro. Em seguida, cerca de vinte pedras apareceram ao redor dele.

“Nossa, isso é pedra demais. *Parede de Gelo*.”

Dessa vez, ao invés de um escudo, Ryo decidiu que uma parede era a melhor opção defensiva contra um ataque frontal. Logo depois, o javaporco lançou as pedras contra ele. Pouco antes de os projéteis atingirem a *Parede de Gelo*, suas *Lanças de Gelo* se partiram e a parede rachou. Ryo imediatamente pulou para a esquerda, pois o javaporco maior investiu quase ao mesmo tempo em que as pedras acertaram o alvo.

“Executando um ataque especial e uma investida ao mesmo tempo... Igualzinho àquele mestre espadachim!”

Era uma estratégia que aparecia em seu mangá favorito.

“Se eu fosse um mago do ar, poderia lançar lâminas sônicas dos meus três clones e atacar seguindo as trilhas ofensivas!”

Não, definitivamente algo impossível para humanos.

O javaporco maior destruiu as *Lanças de Gelo* com suas pedras e atravessou a *Parede de Gelo* com a própria investida. Por conta da velocidade, passou direto por Ryo, freando cerca de quinze metros à frente, onde se virou para se reposicionar.

E isso significava...

“A culpa é sua por ter parado aí. *Pista Congelada.*”

Ele criou uma pista de gelo diretamente sob o javaporco maior. O feitiço cercou a criatura em todas as direções com um raio de três metros, e continuou se expandindo até cobrir completamente o espaço entre os dois. Sem conseguir se manter em pé, o javaporco escorregava e caía repetidas vezes. Provavelmente era a primeira vez na vida que ele andava sobre gelo, já que a Floresta de Rondo era quente.

Lança de Gelo 16.

Apesar de todo o treino, Ryo ainda não conseguia lançar suas *Lanças de Gelo* voando. No entanto, havia aprendido uma nova forma de utilizá-las: gerando-as em locais distantes. Dessa vez, dezesseis lanças surgiram a dezoito metros de altura, logo acima do javaporco maior, com o centro de gravidade concentrado na ponta.

Elas pairaram no ar por um instante... e então despencaram.

“Gyyyaaaaaa!”

Uma a uma, as *Lanças de Gelo* perfuraram o monstro, do pescoço até a garupa — exceto pela cabeça. Por causa do estilo de ataque baseado em investidas, toda a cabeça, incluindo o focinho, era extremamente resistente. Uma lâmina comum não seria capaz de perfurá-la, o que explicava por que ele havia rompido a *Parede de Gelo*.

O resto do corpo, do pescoço até a cauda, não era mais resistente do que o de um javaporco menor — só um pouco mais robusto que um javali comum —, por isso foi ali que Ryo mirou.

“Ainda bem que li o *Compêndio de Monstros – Edição para Iniciantes* com tanta atenção. Mas duvido que dê pra aproveitar o couro dele agora... não com todos esses furos.”

◆◆◆

"Muito bem, está na hora da Expedição Floresta do Norte Equipe Número 2 partir!"

Vai saber para quem Ryo fez essa declaração, mas o importante é que ele estava determinado.

"Dessa vez, eu vou melhorar meu estoque de comida de qualquer jeito!"

Na última vez em que se aventurou na parte norte da floresta com esse objetivo, um falcão assassino bloqueou seu caminho. Como o nome indicava, o falcão assassino era um monstro conhecido por tirar a vida de sua presa antes mesmo que ela percebesse o que havia acontecido. Como um verdadeiro assassino, ele atacava de repente, lançando um ataque invisível baseado em magia de ar — chamado "corte de ar" — sobre suas vítimas a partir do céu, que era um ponto cego para a maioria das criaturas terrestres. Como Ryo atribuía sua evasão ao ataque do falcão na ocasião anterior inteiramente à sorte, ele se perguntava se estava mesmo preparado para enfrentá-lo agora.

"Ainda não consigo derrotá-lo, então o plano é recuar imediatamente se eu encontrar um."

Sentia como se suas habilidades não tivessem melhorado desde o último encontro... mas isso estava longe da verdade. Agora, pelo menos, ele conseguiria ganhar tempo suficiente para fugir com mais margem de erro do que antes... ou assim esperava. Sua incapacidade de derrotar o falcão se resumia, essencialmente, à questão de afinidade.

Como a força de um javaporco maior não ficava nem um pouco atrás da de um falcão assassino, Ryo concluiu que o motivo de conseguir vencer um e não o outro estava ligado à sua habilidade — ou à falta dela — de parar os movimentos do inimigo. Contanto que o javaporco maior entrasse no alcance de sua magia, ele podia detê-lo com o feitiço *Pista Congelada*. O mesmo não se aplicava ao falcão assassino. Sua tentativa de prendê-lo com o feitiço *Pacote de Parede de Gelo* havia falhado.

Sua técnica básica de caça envolvia obstruir os movimentos da criatura e só então atacar quando ela estivesse imobilizada. Isso fazia do falcão assassino, cujos movimentos ele não conseguia conter, um adversário extremamente resistente à sua estratégia ofensiva atual. Por isso, decidiu que o melhor era fugir imediatamente se encontrasse outro.

"Ignorando o problema com o falcão, da última vez consegui pegar algumas *phigs*. Espero que ainda tenha mais maduras no mesmo lugar. Vou pegar algumas e, quem sabe, encontrar algo que sirva como tempero... Seria incrível achar pimenta-do-reino ou algo parecido."

Seu equipamento era o habitual para esse tipo de expedição: tanga e sandálias feitas de couro de javaporco menor, a lança de bambu com faca na ponta e o saco de juta.

Após sair da barreira, Ryo foi até o mesmo local ao norte onde havia ido da última vez. Lá, encontrou mais *phigs* maduras.

"Boa. Uma ótima colheita."

Colheu dez *phigs*, colocou-as no saco e seguiu para o norte até chegar ao local onde fora emboscado pelo falcão assassino — duzentos metros além da barreira.

"Foi aqui que ele tentou me pegar da última vez. Mas agora não vejo nenhum por perto."

Ao inspecionar a área com mais atenção, percebeu que era uma clareira — onde a floresta densa se abria um pouco. Em resumo, o lugar perfeito para um ataque aéreo.

"Nem percebi isso na hora. Acho que é prova de como minha cabeça estava cheia naquele momento."

Seguiu ainda mais para o norte, atento a qualquer movimentação ao redor. Quando percebeu que estava cerca de quinhentos metros distante da barreira, finalmente encontrou o que queria.

"Uau... Aquelas bolinhas verdes... Aquilo com certeza é pimenta-do-reino, não é?"

Os cachos verdes lembravam uvas do tipo Delaware depois de passarem pelo processo de remoção de sementes... Se dissesse isso na frente de um agricultor de uva ou pimenta-do-reino, certamente levaria uma bronca do tipo: "Uva e pimenta-do-reino não se parecem nem um pouco!"

Infelizmente, esse era o nível do conhecimento — ou da falta dele — que Ryo tinha.

Arrancou uma bolinha e mordeu. Um aroma forte preencheu sua boca e narinas, seguido por uma picância que formigava na língua. No geral, a pimenta-do-reino é famosa por ser colhida nesse estado verde e depois secada até ficar preta, mas em regiões como o sudeste asiático, ela também é usada verde em pratos salteados, como frango refogado.

De qualquer forma, era a primeira vez que Ryo provava pimenta-do-reino nesse estado ainda verde.

"Perfeito. Vou colher tudo que der!"

Os cachos de pimenta que colheu, somados às *phigs*, ocuparam cerca de metade do saco de juta. Sabia que, só com isso, teria uma pequena fortuna na Era das Grandes Navegações.

"Já cumpri meu objetivo principal, mas vou explorar um pouco mais."

Depois de caminhar aproximadamente mais trezentos metros, se deparou com uma área de pântano à sua frente.

"Pântano significa... homens-lagarto..."

Infelizmente — ou felizmente — não havia nenhum por lá.

"Bom, tudo bem. Eu teria fugido na hora se tivesse. Acho que eles seriam bem melhores em magia de água também."

Uma característica marcante dos homens-lagarto era sua aptidão altíssima para magia de água. Em Phi, eles não eram considerados uma espécie inteligente de monstro porque não conseguiam se comunicar com humanos. Então, sempre que humanos invadiam os pântanos que habitavam, os atacavam sem hesitar.

"Vai ser meio complicado seguir mais para o norte evitando esses pântanos."

Na mão direita, segurava a lança de bambu. Na esquerda, o saco de juta contendo sua preciosa carga de pimenta. Nem queria imaginar o que faria se o saco caísse no pântano ou se sujasse de lama...

"É isso, pessoal! Encerrando por hoje."

Ryo soltou essas palavras como certo personagem cômico famoso e decidiu voltar para casa. Mas, nesse momento, avistou uma planta crescendo nos pântanos. Piscou, virou o rosto, olhou de novo para ter certeza de que não estava vendo coisas. Arregalou os olhos em espanto.

Sim, o duplo olhar foi necessário.

"Parece... muito familiar..."

Claro, era maior do que a planta que ele lembrava. E se espalhava bastante na horizontal. Ao passar os dedos pelas sementes, elas se desprendiam facilmente e caíam no chão. A cor também era um pouco mais escura. Apesar de tudo isso, ele tinha quase certeza de que era...

"Arroz... não é..."

Arroz selvagem, para ser mais preciso, crescendo de forma natural, não cultivado por alguém. Ele já tinha ouvido falar sobre arroz selvagem quando vivia na Terra. Em várias partes do sudeste asiático e do subcontinente indiano, ele ainda cresce naturalmente.

Mesmo assim, não conseguia acreditar em tanta sorte. A maioria das pessoas que renascia em outro mundo só encontrava arroz depois de muito tempo, muito esforço, buscas incansáveis e viagens pelo mundo. Pelo menos era o que os clichês diziam. Primeiro vinham os pães pretos duros. Depois, os pães brancos macios. Só então, finalmente, acontecia o reencontro com o arroz.

Mas ali estava ele...

"Não, penso nisso depois. Por agora, vou levar tudo o que puder."

Ao observar os pântanos, viu que o que ele considerava arroz selvagem crescia em abundância por toda parte. Ryo desamarrou a faca da ponta da lança e começou a cortar as espigas das plantas de arroz, enchendo o saco de juta até quase não caber mais nada. Assim que terminou, correu de volta para casa com tudo, com medo de ser atacado por algum monstro e perder as conquistas incríveis daquele dia.

De volta à casa, a primeira coisa que fez foi criar uma caixa de gelo. A essa altura, já estava tão hábil em magia de água que sua energia mágica fluía através de suas criações mesmo quando ele estava inconsciente. Isso significava que o gelo não derretia como gelo comum. Somente se ele cortasse conscientemente o que chamava de “ligação mágica”, o gelo começaria a derreter normalmente. Agora ele já tinha várias caixas de gelo espalhadas pela casa, que exigiam uma quantidade quase insignificante de energia para se manter. Até o momento, não tivera nenhum problema com isso.

A caixa de gelo que fez agora tinha o tamanho de uma mala grande. Assim que ficou pronta, guardou a pimenta dentro dela. Depois, tirou as *phigs* do saco de juta e colocou sobre a mesa da cozinha.

Agora, só restavam as plantas de arroz selvagem dentro do saco.

“Primeiro de tudo... preciso descobrir se isso realmente pode ser comido como arroz...”

Normalmente, o arroz é debulhado das espigas, deixando apenas os grãos com casca, que então são secos cuidadosamente. Depois disso, eles passam por uma máquina de descascamento para retirar a casca e deixá-lo pronto para consumo. Esse é o processo que os japoneses seguem para obter seu arroz branco de cada dia.

O problema é que Ryo não possuía nenhuma das ferramentas necessárias para esse processo. Nenhuma sequer. Lá no fundo, ele tinha se sentido secretamente eufórico com a ideia de viver a vida no modo fácil por ter conseguido arroz. Infelizmente, descobriu do jeito difícil que a parte complicada vinha depois de adquirir o grão.

Se fosse uma daquelas histórias padrão de reencarnação, já existiria alguma região ou país nesse mundo onde o cultivo e o consumo de arroz fossem comuns, e ele não estaria enfrentando essa dificuldade. Mas não era o caso da Floresta de Rondo. Pelo contrário, pelas entrelinhas da explicação de Falso Michael, parecia que Ryo era o único humano vivendo por ali.

De qualquer forma, ele precisava decidir os próximos passos.

“Acho que amanhã volto ao pântano para colher mais dessas plantas de arroz selvagem. Vou pegar várias com raiz e tudo, e plantar ao redor da casa depois de construir um campo alagado.”

Não hesitou nem um pouco ao tomar a decisão de criar um arrozal.

“Quanto às plantas que colhi hoje, vou descobrir como transformá-las em arroz pronto para cozinhar!”

Passo um: debulhar as plantas.

Dava para obter o arroz com casca apenas passando os dedos nas espigas... Do período Edo até a era Taisho, os agricultores japoneses usavam garfos tradicionais chamados *senba koki* para esse trabalho, mas... ele nem precisava disso, porque o arroz com casca já havia se soltado das espigas dentro do próprio saco de juta.

Essa era uma característica típica do arroz selvagem. As sementes se soltavam com facilidade com um leve toque. Isso dificultava a colheita, mas Ryo não precisava se preocupar com isso por enquanto.

“Ooooh, nem precisei fazer nada e as sementes já caíram. Tô com sorte.”

Esse era o limite do conhecimento de Ryo sobre o assunto. Ao olhar para o arroz com casca, sabia que normalmente o correto seria secá-lo bem. No Japão moderno, os grãos passam por grandes secadores e descascadoras por cerca de dez horas para eliminar qualquer resquício de umidade.

“Acho que não vou secar o que pretendo comer hoje.”

O próximo passo era descascar o arroz... ou seja, remover a película que envolvia cada grão. Pegou um deles entre os dedos. Em termos de tamanho, não era muito diferente do arroz japonês.

“Isso se parece com a variedade *japonica*, né? Achei que fosse o *indica*, mas se for mesmo parecido com o *japonica*, dá pra cozinhar como arroz japonês.”

Estava se adiantando — afinal, nem havia descascado os grãos ainda.

A teoria mais aceita na Terra sobre a origem do cultivo de arroz dizia que ele começou há mais de dez mil anos no vale do rio Yangtzé, na China. Naturalmente, referia-se à variedade *japonica*. A partir dali, foi para o oeste, transformando-se na variedade *indica*, mas o *japonica* veio primeiro.

No entanto, a história do arroz na Terra não importava para Ryo, que agora estava focado de corpo e alma em obter arroz branco... Usando as unhas, tentou descascar os grãos manualmente.

“Ei, até que é fácil. O chato é ter que fazer isso um por um.”

Quantas horas pretendia dedicar para descascar arroz...? Ou talvez isso fosse apenas mais uma prova da obsessão japonesa com esse alimento?

Pensou em formas de agilizar o processo. Sua única ferramenta era a magia de água, e dentro dela, o gelo parecia a melhor opção. Foi então que se lembrou do rolo de gelo que havia criado para curtir o couro de javaporco menor. Ele o usara para pressionar o couro e deixá-lo mais maleável. Dessa vez, em vez de pressionar, pretendia usá-lo para descascar.

Se colocasse o arroz com casca entre dois rolos de gelo e aumentasse a rotação, será que conseguiria forçar a retirada da película, fazendo os grãos saltarem para fora? Sua magia de água geraria tanto os rolos quanto a energia para girá-los no ar. Deveria dar certo, contanto que mantivesse o controle mágico firme!

Terminou de fazer os rolos e preparou uma caixa de gelo para coletar os grãos descascados. Primeiro, testou a ideia com cinco grãos. *Krsh*. As cascas saíram. Os grãos passaram... embora estivessem quebrados.

“B-Bem... o sabor deve continuar o mesmo, né?”

Depois disso, continuou passando mais arroz pelos rolos de gelo. Havia bastante variação no tamanho dos grãos. Quando grãos grandes e pequenos passavam juntos, os grandes costumavam quebrar, enquanto os pequenos escapavam sem nem serem pressionados. Por meio de um misto de concessões e de ignorar o problema, Ryo conseguiu terminar de descascar cerca de duas xícaras de arroz.

“Ha, essa batalha foi mais difícil do que a contra o falcão assassino...”

Agora, só faltava cozinhar o arroz. Felizmente, ele já tinha algo parecido com um fogão de arroz. Falso Michael tinha incluído uma panela tradicional chamada *kamado* na casa, junto com duas panelas de tampa de madeira. Ryo usaria uma delas para preparar seu arroz.

Começou lavando a panela até deixá-la limpinha. Em seguida, lavou o arroz na tigela de gelo. Farelo e cascas flutuavam à medida que mexia os grãos. Depois, despejou o arroz limpo na panela lavada. Colocou a mão sobre o arroz e adicionou água até que cobrisse o dorso da mão.

Na verdade, Ryo não tinha a menor ideia da quantidade ideal de água para cozinhar arroz selvagem, então confiou no conhecimento da Terra para guiar o processo.

Em seguida, cobriu a panela com uma tampa feita de gelo. Deixou-a um pouco pesada para que não voasse com a pressão do vapor. Até aí, tudo certo. O maior desafio vinha agora: ele não fazia ideia da intensidade ideal do fogo.

Felizmente, o mundo todo compartilha o conhecimento de como cozinhar um bom arroz!

“Primeiro baixo, depois forte. Mesmo que o bebê chore, mantenha a tampa fechada.”

Em outras palavras: comece com fogo baixo, aumente no meio e não retire a tampa até que todo o vapor tenha saído. Dito isso, Ryo ainda não sabia quanto tempo cada etapa exigia...

“Vou deixar cinco minutos no fogo baixo e depois aumento.”

Agora, ele já era praticamente um mestre em lidar com o fogo. Engraçado: um mago da água que também era bom de fogo.

Um faz-tudo que não domina nada completamente...

No total, levou vinte minutos para cozinhar o arroz. Ele apagou o fogo e esperou o vapor sair. Quinze minutos depois... finalmente tirou a tampa.

“Arroz, doce e glorioso arroz! Bem-vindo à minha vida!”

Depois de uma grande nuvem de vapor, surgiu o arroz branco... Na verdade, nem tanto. Estava mais para um tom amarelado.

“B-Bem... não dá pra esperar que seja igualzinho ao arroz que eu conhecia.”

Ryo segurava uma tigela feita de gelo na mão esquerda e uma espátula de gelo na direita. Com o coração acelerado, serviu uma porção de arroz na tigela. Depois, fez a espátula desaparecer e a substituiu por um par de hashis, também de gelo.

“Hora de provar.”

......

“A textura é um pouco diferente do japonês. O sabor se espalha de outra forma também... Mas isso é, sem dúvida, arroz!”

Ryo tremia de alegria enquanto saboreava intensamente mais uma colherada. O mago da água chorava enquanto comia.

“Agora que tenho arroz, me deu vontade de tomar uma sopa de missô... Mas duvido que esse desejo se realize.”

Seu palpite inicial de que a casa ficava entre a linha do Equador e o Trópico de Câncer baseava-se em várias condições, e sua recente descoberta da pimenta e do arroz selvagem confirmava sua teoria.

Havia um requisito essencial para a sopa de missô: o missô. E, para isso, ele precisaria de soja, mas o habitat natural da soja era o Leste Asiático, incluindo o Japão. A Floresta de Rondo era quente e úmida demais para a planta, que preferia solo bem drenado. Além disso, era importante formar canteiros altos na hora do plantio para garantir boa drenagem.

Com base nessas condições, Ryo concluiu que a soja não crescia naturalmente por ali.

“É, fazer o quê. Já é um presente dos céus ter conseguido arroz.”

A área entre a casa e a barreira era mais do que suficiente para uma vida normal, mas... era pequena demais para comportar um arrozal.

“Isso quer dizer que vou ter que fazer fora da barreira, né? Ou seja, derrubar árvores, limpar o terreno e depois cultivar... certo...?”

Cultivo em alta velocidade com magia e espadas...

“Hm, o feitiço *Jato d’Água* ainda não consegue cortar árvores.”

Na Terra, uma motosserra faria esse trabalho. Lembrou-se da existência de serras rotativas enormes usadas em serrarias.

“E se eu criasse uma serra rotativa feita de água para cortar uma árvore à distância, em vez de usar o *Jato d’Água*?”

Ryo visualizou: uma serra circular com raio de cerca de dez centímetros surgindo em sua palma direita e começando a girar.

“Serra d’Água.”

Exatamente como havia imaginado, uma serra giratória feita de água nasceu.

“Agora... voe!”

*Splash*. No momento em que saiu da mão dele, caiu no chão.

“Ahhh...”

Ele caiu de joelhos, cabisbaixo e desanimado. Ryo permaneceu congelado naquela posição por dez segundos.

Então, disse: “Deixa eu revisar o processo passo a passo.”

Criar água. Fazer a água girar. Fazer com que ela voe.

“Droga, três passos. Ainda não consigo passar de dois, é isso?”

Ficou em silêncio, digerindo a informação, até que se levantou num salto.

“Não. É cedo demais pra desistir. Só acaba quando termina.”

Recitando frases dignas de certo Cometa Escarlate, Ryo se aproximou de uma árvore fora da barreira. E então, entoou novamente:

“Serra d’Água.”

Dessa vez, porém, ele não lançou o feitiço. Em vez disso, pressionou a serra contra o tronco da árvore, mantendo-a na palma da mão. *Krrrsh.* O som agudo lembrava o de uma motosserra cortando madeira. Embora a velocidade da sua serra fosse bem mais lenta que a de uma de verdade, ele conseguiu cortar a casca da árvore.

“Qualquer coisa que eu derrubar, dá pra usar como madeira.”

No entanto, ele não tinha ferramentas básicas, como cola ou pregos, para construir algo significativo mesmo se conseguisse derrubar árvores...

“Talvez... marchetaria? Pensando bem, não.”

O trabalho parecia complicado demais.

“Giro, né...”

Ryo congelou.

“Hã? Tem algo estranho nisso.”

Uma imagem do rolo de gelo que ele usara para curtir o couro do javaporco menor surgiu em sua mente.

“O processo pra fazer aquele rolo de gelo é...”

Reunir as moléculas de água do ar. Congelar essas moléculas. Girar o rolo congelado.

“Isso são... três passos... né? Então por que...?”

Tinha algo muito errado.

“Lança de Gelo.”

Uma Lança de Gelo surgiu em sua mão direita.

“Girar.”

Ela começou a girar, como uma bala giratória.

“Lançar.”

*Fwish, splat.* Como sempre, caiu no chão. Mas dessa vez, isso não foi suficiente para abalar Ryo.

Ele olhou atentamente para as palmas abertas, então visualizou a imagem de um recipiente de gelo longo surgindo em sua mão esquerda, sendo preenchido com água. E então, entoou:

“Lança de Gelo.”

Gerou uma lança de gelo a partir do recipiente, ainda conectado a ele.

“Lançar.”

A combinação de gelo voou para frente em alta velocidade. Ryo inspirou fundo, controlando a respiração.

“Eu consigo. Eu consigo fazer ela voar. Agora, eu sou diferente daquele eu de antes.”

Era quase uma autoafirmação... mas essencial para romper com os bloqueios mentais que havia criado.

Com calma, construiu uma imagem mental. Primeiro, gerar uma Lança de Gelo. Segundo, ela voando a partir de sua mão direita. Repetiu essa imagem várias vezes na mente. Então, abriu os olhos e a imaginou com tanta clareza diante de si que poderia jurar que era real.

“Lança de Gelo.”

Uma Lança de Gelo surgiu na ponta de sua mão direita.

“Lançar.”

A lança disparou com velocidade impressionante.

“Isso significa... Bom, não sei quando exatamente aconteceu, mas tenho quase certeza de que já tinha essa capacidade pelo menos antes de curtir couro. Certo?”

Para o bem ou para o mal, a imagem mental era o mais importante na realização da magia. Isso mostrou a Ryo que ele havia passado tempo demais preso à ideia de que simplesmente não podia usar sua magia para lançar Lanças de Gelo.

Ele não negava que isso tinha sido verdade nos primeiros dias após reencarnar ali, mas ao longo de seu treinamento, havia dominado a técnica sem perceber. Apesar disso, de alguma forma, acabou se auto-sabotando por acreditar que não conseguia fazê-la voar...

Seria isso o que chamam de bloqueio mental?

“Gah, todo meu esforço até agora... Mas espera — isso quer dizer que ganhei poder, não é? No fim das contas, ainda saí ganhando!”

No entanto, já no dia seguinte, Ryo se veria numa situação desesperadora — e sem saída.

◆◆◆

No dia seguinte a finalmente conseguir fazer a Lança de Gelo voar, Ryo saiu para sua caçada de rotina na parte leste da floresta. Ainda eufórico com seu novo poder, ele honestamente acreditava que poderia vencer um javaporco superior com facilidade.

Esses pensamentos tomavam conta de sua mente, fazendo-o transbordar de uma confiança que nunca havia sentido antes. O mundo era seu, ou pelo menos assim parecia.

Mas, quando foi atacado, não foi por um javaporco superior.

Rajadas de ar vieram pela frente e por trás — aquele familiar ataque invisível de longa distância criado com magia de vento.

“Ah, droga! Enfrentar um deles já é ruim, dois então... Muro de Gelo Omnidirecional!”

Um muro de gelo com um metro de largura e dois de altura se ergueu em quatro lados ao redor de Ryo, protegendo-o das lâminas de vento. Em sua mão direita, ele segurava a metade superior de sua lança de bambu com faca; a parte inferior já havia sido destruída há algum tempo por um ataque anterior.

O Muro de Gelo era transparente, permitindo que Ryo visse um falcão assassino à sua frente — com um olho só, o mesmo que o havia forçado a encarar a morte neste mundo.

Atrás dele voava outro. Ambos lançavam cortes de ar contra Ryo enquanto mantinham distância. O pior de tudo era que o novo falcão assassino quase sempre atacava de seu ponto cego, enquanto o de um olho vinha pela frente.

Após o terceiro impacto, o Muro de Gelo rachou na frente. No mesmo instante, incontáveis jatos de água partiram da mão esquerda de Ryo em direção ao falcão de um olho.

Water Jet 32.

Usando alguma característica aerodinâmica especial, a criatura desviou para o lado e escapou do alcance do ataque. E então... a parte traseira do Muro de Gelo também se quebrou, após o terceiro ataque do outro falcão assassino.

Ryo arfava. Desviar das lâminas de ar enquanto contra-atacava estava exaurindo suas forças. Além disso, seus inimigos continuavam a escapar facilmente de seus feitiços.

Sua lança improvisada já havia sido sacrificada para bloquear um golpe anterior. Seu “casco de tartaruga” feito de gelo havia lhe dado tempo para respirar, mas quebrava sempre após três golpes. Toda vez que o Muro se partia, ele aproveitava para contra-atacar e logo em seguida criava outro.

“Quero fugir... Mas eles estão me cercando pela frente e por trás, não tenho por onde escapar...”

O novo inimigo continuava circulando bem atrás de Ryo, bloqueando toda rota de fuga. Ele não sabia por quanto tempo sua energia mágica ainda duraria. Com o ritmo que vinha usando Water Jet e Muro de Gelo, calculava que aguentaria ao menos 24 horas. Mas... o cansaço começava a pesar.

E a fadiga leva ao erro. Precisava manter a concentração, pois um único deslize poderia ser fatal. Mas até mesmo manter o foco estava se tornando desgastante.

“Então o que eu faço?”

Recriou o Muro de Gelo e analisou a situação. Até agora, havia revelado apenas dois feitiços — Muro de Gelo e Water Jet. Já sabia que o falcão assassino conseguia desviar até da versão com trinta e dois jatos. Também sabia que vencer não era uma opção — precisava fugir para dentro da barreira. Sua melhor chance era ganhar tempo ferindo seus oponentes, nem que fosse apenas superficialmente.

“Será que eu consigo enganar eles?”

Assim que murmurou isso, os muros da frente e de trás se romperam ao mesmo tempo. Imediatamente, Ryo lançou Water Jet 16 contra o falcão de um olho.

Então, correu.

Como esperado, o monstro desviou. Enquanto corria, Ryo estendeu a mão esquerda para lançar outro feitiço, mas tropeçou. O novo falcão avançou em alta velocidade. Provavelmente havia perdido a paciência após seus ataques serem bloqueados repetidamente, então Ryo o imaginou gritando “Agora eu te peguei!” enquanto se aproximava.

Mas era exatamente isso que ele queria. Usando o impulso da queda, Ryo rolou para a esquerda e conseguiu evitar o ataque do novo inimigo. Torceu o corpo e tentou cravar o que restava de sua lança no falcão enquanto ele passava.

Bom... ele tentou, mas precisou rolar ainda mais para a esquerda para escapar da investida do falcão de um olho, que atacou o mesmo ponto onde Ryo estava, como se tivesse previsto a armadilha. E mesmo após errar, não parou — continuou voando adiante. Talvez tivesse aprendido desde a última vez.

Nos poucos segundos seguintes, o novo falcão voltou a alçar voo. O de um olho gritou com ele, como se estivesse repreendendo o companheiro. Ryo imaginou que dizia algo como “Não baixe a guarda.”

Ambos retomaram suas posições originais: o de um olho à frente, o outro atrás. Cada um a vinte metros de distância. Ryo se levantou devagar, mantendo o olhar fixo no falcão de um olho.

Então entoou um feitiço.

“Pacote de Muros de Gelo.”

Naquele instante, teve a sensação de que o novo falcão deu um sorriso de canto. Claro que ele não podia ver isso, já que o inimigo estava atrás, mas parecia que dizia: “Quase me pegou da outra vez, mas agora não vai conseguir.”

Querido novato, queria tanto te avisar que você já está morto. Seu amigo de um olho tem bons instintos, então vou ficar quieto. Eu sei como você se move quando está focado em mim — é só questão de tempo.

No momento seguinte, uma chuva de Lanças de Gelo despencou sobre o novato vinda do alto. Duzentas e cinquenta e seis delas. Um círculo de gelo com trinta metros de diâmetro brilhou sob o sol enquanto caía, com o falcão assassino bem no centro.

Ele gritou de dor ao tentar escapar, mas falhou diante do amplo alcance do ataque. Várias lanças atravessaram suas asas, derrubando-o no chão. As Lanças de Gelo continuaram caindo. Ryo agora era capaz de fazê-las voar, mas só conseguia manter o foco em uma de cada vez, por isso criou as demais fora de seu Muro de Gelo.

“Liberar.”

Com uma mira precisa, a Lança de Gelo perfurou direto o pescoço do novo falcão assassino caído no chão.

Dessa vez, seu companheiro de um olho gritou de raiva. Ryo viu o mesmo ódio em seu único olho bom que havia presenciado no primeiro encontro. Não, dessa vez parecia ainda mais intenso. Eles se encararam por apenas uma fração de segundo antes de o monstro de um olho virar-se e bater em retirada.

“Haaa... Consegui sair vivo dessa. E o que eu fiz com as Lanças de Gelo ficou bem estiloso. Tipo lanças brilhantes caindo do céu. Vou usar isso como um dos meus golpes finais de agora em diante.”

Foi uma batalha brutal, uma daquelas que ele já havia se preparado para perder. Felizmente, tudo acabou bem. Ele havia sobrevivido a mais um confronto com o falcão assassino ao qual seu destino parecia estar atado, e agora sabia exatamente o que precisava fazer: tornar-se fisicamente mais forte.

No início da luta, ele quase ficou sem fôlego apenas tentando desviar dos ataques das criaturas, e levou um bom tempo para recuperar o controle da própria respiração. Dessa vez, o falcão assassino de um olho se concentrou nos ataques à distância, o que permitiu que Ryo ganhasse tempo com seu Muro de Gelo. Mas ele sabia que, na próxima vez, isso poderia não se repetir.

“Resistência é importante,” disse, com firmeza na voz.

No dia seguinte, a rotina diária de Ryo mudou levemente. A primeira coisa que fazia ao acordar era alongamento por trinta minutos, sem falta. Músculos flexíveis eram a chave para evitar lesões. Ele definitivamente não era flexível, mas sabia que treinar todos os dias traria resultados.

Depois vinha o café da manhã. Alimentar-se bem era essencial, a base de cada dia. Ao terminar, ele lia ou praticava magia até a comida assentar. Trinta minutos depois, começava a correr ao redor da barreira. Alternava entre correr e caminhar, praticando magia com gelo e água enquanto se movia. Cansava? Então caminhava. Mas não parava.

À tarde, saía da segurança da barreira para caçar na parte leste da floresta a cada dois dias. Não encontrou o falcão de um olho novamente desde o último confronto, mas sentia no fundo que, mais cedo ou mais tarde, eles resolveriam as contas de uma vez por todas. Não era algo lógico. Ele apenas sabia.

Após caçar e reforçar seus estoques de comida, voltava para casa e continuava com o treino mágico. Mesmo nos dias sem caçada, não deixava de praticar. E antes do banho noturno, fazia mil golpes de espada. Como não tinha uma espada de verdade, cortou um pedaço de bambu em forma de espada, ajustou o peso com uma camada de gelo e usava isso para treinar os golpes.

Desde a primeira série até o inverno do terceiro ano do ensino fundamental, Ryo havia treinado num dojo de kendo. O treino era quase como uma brincadeira para ele. Nunca participou de torneios nem nada. Era apenas uma atividade após a escola. Diferente de seus amigos no fundamental que entraram em clubes escolares, ele não se interessou por nenhum e seguiu treinando no dojo às segundas, quartas e sextas.

No ensino médio, seu professor até sugeriu que ele continuasse os treinos na delegacia da província, mas Ryo recusou. Ele não odiava o kendo, mas também não tinha vontade de levar a sério.

Ele não era desajeitado, longe disso. Gostava de jogar beisebol, futebol, basquete... tanto quanto de assistir. Mas nunca se apaixonou por nenhum esporte a ponto de se dedicar por completo.

Na verdade, Ryo nunca havia desenvolvido uma paixão verdadeira por nada. Não se incomodava com esforço e sabia de seu valor, então sempre se empenhava em tudo o que decidia tentar. Dava o seu melhor em cada atividade. Não era que perdia o interesse com o tempo — apenas não levava nenhum hobby até o fim.

Ele definitivamente não era um prodígio, mas a maioria das coisas fluía bem quando se esforçava — e mesmo essa parte dele começou a mudar desde que chegou a Phi.

Graças à magia.

Ele até achava bom não ter um professor ou um livro de magia. Porque, pela primeira vez na vida, Ryo se viu verdadeiramente fascinado por algo — só por usá-la. A magia não era nada fácil. Havia muito que ele ainda não compreendia, mas isso não o incomodava nem um pouco.

Além disso, existiam muitas outras habilidades que precisava desenvolver para tirar o máximo proveito da magia. Quase morreu algumas vezes por falta de resistência. E sentia profundamente a falta de habilidades de engenharia quando sua lança de bambu se quebrou ao meio.

Correr era a solução mais óbvia para aumentar a resistência. Um método válido para qualquer um com o mesmo objetivo — e amplamente conhecido na Terra.

Mas precisava prestar atenção em uma coisa: fraturas por estresse. Seus ossos poderiam começar a trincar com o excesso de uso, então era fundamental ingerir bastante cálcio... Infelizmente, não tinha acesso a leite, que era ideal para absorção de cálcio. Isso deixava como única alternativa viável o consumo de peixes pequenos, com ossos e tudo... Não tinha dúvidas de que isso se tornaria seu novo normal.

Ao pensar que devia haver algo além da alimentação que ajudasse a evitar fraturas, Ryo lembrou de um ponto essencial: calistenia, ou seja, alongamento. Ahhh, a versatilidade de um corpo flexível!

Então agora ele corria... depois caminhava quando cansava. Não parava. Mantinha o corpo em movimento constante para fortalecer o sistema cardiovascular.

Alongamento, corrida, caminhada. Qualquer um podia desenvolver resistência com essa rotina.

Quanto aos outros problemas, decidiu abandonar os desafios de engenharia da lança de bambu. A única utilidade real da arma era aplicar um golpe final à distância. E ele só conhecia lanças por filmes — nunca havia usado uma na vida.

O que o levava à pergunta: e agora, que arma usar?

Tinha anos de experiência com kendo. Já fazia cinco anos desde que segurara um shinai, mas seu corpo lembraria dos nove anos de treino. É claro que kendo e esgrima real são diferentes — e Ryo sabia disso. Ainda assim, o kendo não surgiu do nada; veio da esgrima tradicional.

Ou seja, bastava reverter o processo que transformou a esgrima em kendo. Ele sabia que isso não seria simples, mas também confiava em sua capacidade de lidar com isso.

Além do mais, não se incomodava em fracassar — afinal, seu objetivo com a espada era apenas complementar sua magia. Como mago de água, sua força principal sempre seria a própria magia.

Naquele dia, Ryo correu mais uma vez. O sol sempre nascia cedo — por volta das cinco da manhã, no horário da Terra — então ele aproveitava bem as manhãs para se exercitar. Ao invés de correr em ritmo constante como um maratonista, alternava entre corrida e caminhada.

A borda externa da barreira tinha cerca de seiscentos metros de circunferência, e ele costumava fazer duas voltas correndo em ritmo acelerado, uma volta trotando e mais duas caminhando.

Ele mantinha essa rotina de treinamento por pelo menos cinco horas todos os dias, sem interrupções. Enquanto movia o corpo, também praticava magia. Além da calistenia, caminhada e corrida diárias, agora ele incluía também os golpes de espada. Ryo usava uma espada de bambu de cerca de um metro de comprimento, ajustada com uma camada de gelo para o peso ideal.

O kendo japonês, assim como outros estilos de esgrima, envolvia técnicas específicas. Não importava se era uma espada de bambu ou uma katana — tudo começava pela forma de segurar.

Segure o cabo perto da ponta com a mão esquerda. A direita deve ficar próxima à guarda, sem que as mãos se toquem — mantendo o espaço de um punho entre elas. O cabo de 24 centímetros existia exatamente para isso.

Segure e sustente com a mão esquerda. Direcione o golpe com a mão direita.

E então: golpe, golpe, e mais golpe.

Com um golpe de cada vez, Ryo começou a reacender a memória muscular adormecida. A cada movimento, a velocidade aumentava. Ele seguia golpe após golpe, até que seus balanços voltaram a fluir naturalmente.

Ao fim do seu treinamento matinal, o cansaço pesava sobre seu corpo, mas isso não significava que ele pudesse simplesmente cair no chão de exaustão. Primeiro, precisava aplicar gelo para resfriar os músculos. Era o momento perfeito para brilhar como mago de água.

Ryo aplicou membranas de água gelada sobre o corpo para esfriar os músculos aquecidos. Deixou a água em contato com a pele por quinze minutos — tempo suficiente para os vasos sanguíneos se contraírem. Depois que terminasse o resfriamento, os vasos se dilatariam novamente, ajudando a eliminar os resíduos metabólicos que causam fadiga.

Por fim, para a etapa de desaquecimento do treino, finalizou com mais exercícios de alongamento. Com tudo isso, ele devia conseguir evitar lesões. Esperançosamente.

No almoço, comia as sobras do café da manhã. Sempre preparava comida suficiente para duas refeições pela manhã. Afinal, o trabalho era o mesmo, fosse para uma porção ou duas.

E então, chegava a hora da caçada.

Caçar... Ultimamente, a atividade se tornara quase rotineira para ele. Ryo sabia que enfrentar coelhos menores e javalis menores já não representava um risco real de vida. Já estava até acostumado a lutar contra coelhos e javalis normais.

Claro, isso não significava que agia de forma descuidada. Sempre existia a possibilidade de topar com um falcão assassino — ou coisa pior. Nesse sentido, os falcões assassinos eram, de fato, inimigos perigosos para os humanos.

No momento, ele ainda estava se adaptando à sua rotina de treinos matinais, o que afetava seu desempenho nas tardes. Assim que se acostumasse mais com os exercícios, pretendia expandir sua área de atuação.

Por ora, limitava-se às partes leste e norte da floresta. Mas um dia, ele pretendia ir até o sudoeste onde... o mar o aguardava! Isso mesmo, um dia ele teria que fazer essa jornada por um motivo simples, mas importante — obter sal.

Água e sal: duas coisas absolutamente necessárias para a sobrevivência humana. Ele podia produzir água infinitamente, mas o mesmo não se aplicava ao sal. Deus havia transformado a esposa de Ló em uma estátua de sal no Livro do Gênesis, e Ryo definitivamente... não conseguia fazer algo assim. Na verdade, seria assustador se conseguisse.

De qualquer forma, a opção mais segura para conseguir sal seria procurar salinas perto da costa. O suprimento que o Falso Miguel havia deixado era suficiente para durar mais de um ano, mesmo no ritmo em que o usava atualmente, mas Ryo nunca havia extraído sal na vida, então queria saber o quão difícil ou trabalhoso seria obter esse recurso. Detestava a ideia de esperar seu estoque acabar para só então procurar outra fonte.

Além disso, estava com saudade de frutos do mar. Fazia muito tempo desde a última vez que saboreara algo vindo do mar... o que talvez, ou talvez não, tivesse influenciado em sua decisão de visitar o litoral. Por mais que adorasse carne, também não tinha nada contra peixe.

◆◆◆

“Lança de Gelo.”

Uma única lança apareceu na mão direita de Ryo. Ele ainda não podia se dar ao luxo de lançar várias ao mesmo tempo e controlar a trajetória de todas — mas uma só, ele conseguia. Com um movimento firme, ele a disparou direto contra a cabeça do monstro.

No entanto, o kite snake usou sua cauda como um chicote e rebateu a lança com um estalo seco.

“Sério?! Até isso ele consegue rebater?!”

O monstro não era só forte — também era rápido e tinha reflexos incríveis. E o mais problemático: ainda estava ganhando distância. Mesmo deslizando descontroladamente sobre o Ice Bahn, ele avançava sem parar.

“5 Camadas de Muro de Gelo!”

Ryo ergueu cinco camadas sobrepostas de gelo, com meio metro de espessura cada. Dessa vez, o muro não se formou como uma simples parede reta. Ele criou uma espécie de labirinto estreito e tortuoso, como se estivesse construindo um beco entre corredores de gelo. Isso obrigaria o kite snake a desacelerar ou mudar sua trajetória.

Com um ruído ensurdecedor, a criatura colidiu contra o muro múltiplo.

Crack. Crash. Thump.

Primeira camada, destruída.

Segunda, rachou.

Terceira... segurou. A força da colisão havia enfraquecido.

“Essa é minha chance!”

Ryo se concentrou, visualizando acima do monstro.

“Lança de Gelo 64.”

Um conjunto de sessenta e quatro lanças apareceu flutuando a cerca de vinte metros de altura, todas apontadas para baixo, sobre a cabeça do kite snake. Dessa vez, ele não as lançou diretamente. Ele simplesmente... soltou.

“Liberar.”

As lanças despencaram como chuva congelada. A criatura até tentou erguer a cauda para se defender, mas o espaço era apertado demais. Algumas lanças acertaram diretamente sua longa extensão de corpo exposta entre as voltas. Gritos cortantes ecoaram pela floresta conforme o kite snake se contorcia, furioso e ferido.

“Agora!”

Ryo disparou outra lança manualmente, mirando a boca aberta do monstro. A lâmina de gelo penetrou direto pela garganta.

O kite snake parou de se mover.

“Haaa... haaa... caramba... Isso foi tenso.”

Ele caiu sentado no chão, sem forças por um momento. O suor escorria do rosto e, mesmo envolto por placas de gelo, seu corpo parecia pegar fogo de tanto esforço físico e mental.

“Definitivamente não é qualquer criatura que dá pra enfrentar com meu combo padrão... e eu ainda nem cheguei perto do limite da floresta.”

Era verdade. Os assassin hawks tinham sido problema suficiente... mas esse kite snake era outro nível — mais resistente, mais forte, mais imprevisível. Por sorte, ele havia conseguido vencer, mas não por uma larga margem.

“Preciso evoluir mais. Magia é uma coisa, mas eu não posso depender só disso. Minha resistência e minha criatividade são o que me mantêm vivo...”

Olhou para o céu. O sol já havia passado do ponto mais alto — ainda dava tempo de voltar, mas ele teria que se apressar. Ryo se levantou, pegou o saco de juta com frutas, conferiu se a lança de bambu ainda estava inteira e começou a caminhar de volta, cauteloso.

Hoje, ele havia dado mais um passo no domínio de sua magia. Mas, acima de tudo, aprendera uma lição valiosa: nesse mundo, a imprevisibilidade era o inimigo mais mortal de todos.

Essa versão do Muro de Gelo não tinha nada a ver com a sua habitual, mais fina. Media três metros de largura e altura, com o dobro da espessura comum. Uma criação em cinco camadas. Ryo havia moldado esse feitiço como uma linha de defesa completa.

Crash, thud. A cobra-pipa tentou destruir aquilo também com um único golpe da cauda, mas falhou. Tudo que conseguiu foi rachar a primeira camada. Logo depois, o monstro colidiu contra o Muro de Gelo.

Infelizmente para Ryo, ele não teve nem um segundo para respirar. Assim que a cobra-pipa percebeu que não conseguiria capturá-lo com sua mobilidade prejudicada pela estrada congelada, ela envolveu o Muro de Gelo com a cauda e se puxou para mais perto. Ao mesmo tempo, lançou um corte de ar.

Escudo de Gelo.

Um escudo de gelo, mais ou menos do tamanho de uma raquete de tênis, apareceu no ar e bloqueou o corte de ar. Infelizmente, esse momento permitiu que a cauda da cobra-pipa se aproximasse.

Um erro fatal de cálculo da parte dele.

“Muro de Gelo em 5 Camadas.”

Apesar de resistente, essa versão do feitiço levava um segundo inteiro para ser conjurada, enquanto a normal era quase instantânea. Normalmente, um segundo seria mais do que suficiente — mas em combate corpo a corpo, esse segundo podia ser a diferença entre viver e morrer. Um segundo exposto ao inimigo era um risco enorme.

Apesar de entoar o feitiço, não teve tempo de completá-lo. O que conseguiu conjurar apenas reduziu o impulso da cauda da cobra-pipa... mas ainda assim o atingiu, por pouco.

“Ngh—”

A cauda esmagou sua couraça peitoral. Por sorte, Ryo havia saltado para trás no último instante, o que salvou seu peito de ser perfurado. Ainda assim, foi um impacto brutal. Ele não podia descartar a possibilidade de ter fraturado uma ou duas costelas.

Adrenalina inundou seu cérebro, transformando-o num viciado em combate que ainda não sentia a dor do golpe. Sem perder tempo, ergueu a mão esquerda e entoou:

“Lança de Gelo 2.”

Duas lanças de gelo partiram de sua mão esquerda, zumbindo em direção à cabeça da cobra-pipa. O monstro rapidamente puxou a cauda de volta para contra-atacar.

Foi nesse momento que Ryo conseguiu virar a maré a seu favor.

“Armadura de Gelo.”

Regenerou a couraça peitoral, sem a qual provavelmente teria morrido.

No estado atual, cerca de quinze metros o separavam do monstro. O Muro de Gelo em cinco camadas, com três metros de altura e largura, estava entre os dois. O Ice Bahn ainda se estendia sob o corpo da cobra-pipa. A estrada de gelo media apenas dois metros de largura. A cabeça da cobra, com o capelo aberto em ameaça, ainda se erguia a três metros do chão — quase no topo do Muro de Gelo.

“As coisas parecem estar virando a meu favor de novo, mas... eu realmente não quero continuar lutando de tão perto.”

A cauda do monstro era absolutamente mortal. Podia lançar cortes de ar à distância ou destruir o Muro de Gelo com um único golpe a curta distância.

Infelizmente para Ryo, o inimigo tomou a iniciativa mais uma vez. Com a cabeça erguida, saltou.

“Mas o quê?! Isso é até permitido?!”

Ela pulou por cima do Muro de Gelo e veio direto em sua direção.

Ice Bahn.

A cobra desviou para o lado antes que a estrada de gelo a alcançasse, como se tivesse previsto o ataque. Ela mudou a rota de ataque de uma linha reta para uma curva. Enquanto se arrastava incansavelmente em direção a ele, disparava uma sequência contínua de cortes de ar.

“Escudo de Gelo 4.”

Mesmo enquanto criava quatro Escudos de Gelo para interceptar os ataques, a cobra-pipa serpenteava à esquerda e à direita, como se estivesse tentando enganá-lo. Então, finalmente, cuspiu veneno.

O alcance do ataque venenoso era bem maior do que Ryo havia previsto. Definitivamente não era algo do qual ele pudesse escapar. Normalmente, isso seria um xeque-mate.

Mas essa não era uma situação normal — e Ryo não era uma pessoa normal.

Ele era um mago da água.

“Chuva Torrencial.”

No mesmo instante em que pronunciou o feitiço, uma tempestade tropical, como as que assolavam o Sudeste Asiático, começou a cair. A torrente de água atingiu o veneno no ar, forçando-o a descer e lavando-o no chão.

Parecia que essa era a primeira vez que o ataque do monstro era repelido de tal forma. Apesar de ser uma criatura diferente, a surpresa do monstro era visível para Ryo.

“Água Fervente.”

Ele lançou o feitiço contra a cobra-pipa, agora encharcada pela chuva que ele próprio havia criado, fervendo a água sobre seu corpo e as poças sob ele. Antes, esse feitiço levava vários minutos para ser executado — era o que usava para seus banhos. Agora, como os outros feitiços, bastava um segundo.

Ou seja, bastou um segundo para que a cobra-pipa se visse banhada em água fervente.

Ela gritou de dor e, com a boca aberta...

“Lança de Gelo.”

...Ryo lançou uma lança extremamente espessa de gelo.

A cobra-pipa deu seu último suspiro logo depois.

Ele caiu sentado, sem pensar, e permaneceu ali no chão daquele jeito.

“Haaa... Sou muito grato à banheira... Nunca teria dominado a técnica de ferver água sem ela. Valeu demais, Falso Michael.”

Pulsação. Embora aliviado, Ryo finalmente sentiu a dor nas costelas, resultado do golpe da cauda da cobra-pipa.

De alguma forma, conseguiu voltar para casa. Congelou o cadáver da cobra e o jogou no silo assim que chegou — não porque queria comê-la. Nem mesmo as histórias de seus amigos que diziam que “cobra tem um sabor leve e delicioso” depois de voltarem do intercâmbio no Sudeste Asiático o convenceram disso.

Guardou porque provavelmente poderia usar partes dela para alguma coisa... Afinal, ele mesmo já tinha visto carteiras e bolsas de couro de cobra na Terra... Agora que sabia curtir couro, talvez conseguisse aproveitar alguma coisa da carcaça da cobra-pipa.

“Uma bolsa... Quer dizer, o saco de juta funciona bem até... Mas não tem alça, por isso venho usando cipó como substituto. Mas não tem como fazer roupas com cipó.”

O quesito “roupas” do trio de necessidades básicas ainda era um desafio significativo na sua vida lenta na Floresta de Rondo.

Quanto à “comida”, essa expedição tinha sido um sucesso estrondoso. Ele havia conseguido phigs e abbles, aquelas frutas parecidas com maçã. Isso significava que podia riscar “frutas” da lista de desejos. Comer bem era essencial para levar uma vida tranquila!

“Mas, sério, topar com uma cobra-pipa... Insano.”

Foi o primeiro encontro de Ryo com um monstro que usava veneno. A entrada sobre a cobra-pipa no Compêndio de Monstros – Edição Iniciante dizia apenas que ela cuspia veneno. Não mencionava o alcance do ataque, que mais parecia uma névoa tóxica.

“Criei o feitiço Chuva Torrencial pra poder espalhar água... Mas foi eficaz em combate... Acho que nunca vou saber o que pode ou não funcionar em cada situação, né?”

Inicialmente, Ryo havia concebido o feitiço Chuva Torrencial, aquele mesmo que usou para lavar o veneno da cobra-pipa, como nada mais que um tipo de regador mágico para seu jardim. Claro, o poder e o volume de água iam um pouco além de um regador comum — sem mencionar seu alcance relativamente amplo.

Mais especificamente, ele havia criado o feitiço para regar uma figueira que transplantou para sua propriedade. Sabia que podia colher phigs na floresta, mas teve a ideia de plantar uma em seu próprio jardim, para aqueles momentos em que desse vontade de comer um durante a noite... então, no impulso, transplantou uma árvore.

Nem precisa dizer que não usava pesticidas nem fertilizantes, químicos ou orgânicos. Cultivo totalmente natural! Os phigs ficariam mais saborosos assim.

Totalmente natural era o ideal — sim, esse era o motivo, e definitivamente não porque ele não conseguia obter esses insumos! Claro que não!

Se o objetivo fosse aumentar a produção, usar fertilizantes em grande quantidade poderia ser uma boa estratégia, mas... ele não precisava ir tão longe para viver sua vida tranquila.

Porém, havia um item no quesito “comida” que estava progredindo lentamente: o arroz. Ele ainda tinha uma boa reserva de arroz com casca, tanto para semear quanto para comer, colhido nos pântanos ao norte da floresta.

O que Ryo queria era melhorar o arroz. E para isso, precisava criar um campo de cultivo. Embora soubesse o que precisava fazer, a logística era um pouco complicada... Por exemplo, se pudesse usar magia de terra, arar o solo seria muito mais fácil. Se não fosse possível, ao menos poderia criar uma enxada mágica e trabalhar a terra manualmente.

O problema era que só podia usar magia de água.

“Sem magia de terra, sem ferramentas agrícolas, sem um cavalo de tração. Como é que vou cultivar a terra desse jeito?”

Simplesmente não conseguia imaginar um meio de ter sucesso.

Enquanto isso, decidiu fincar algumas Lanças de Gelo na área onde pretendia fazer o arrozal.

“Lança de Gelo 2.”

Thud.

Hmm.

Não tinha certeza se aquilo era uma boa ideia.

“E se eu deixar elas caírem do céu? Lança de Gelo 128.”

Cento e vinte e oito Lanças de Gelo surgiram a vinte metros de altura e despencaram no chão, demarcando o local e as dimensões do futuro arrozal.

Thud, thud, thud.

Elas perfuraram o solo.

“Oh, é... Bem... Elas estão perfurando a terra, o que é bom... mas só isso, né? Será que consigo fazê-las explodir depois...”

Em sua mente, Ryo visualizou uma das lanças explodindo...

“Melhor me proteger primeiro.”

Estava no jardim dentro da barreira, então não havia necessidade real de vestir a Armadura de Gelo.

“Muro de Gelo em 5 Camadas.”

Sua defesa mais resistente o protegeria da (planejada) explosão. E como o muro era transparente, não atrapalharia o que estivesse fazendo.

Feito isso, visualizou uma das Lanças de Gelo explodindo.

Crack.

O resultado não foi exatamente uma explosão. O gelo se quebrou, espalhando estilhaços de forma suave pelo chão.

“Isso não vai funcionar para arar o solo...”

Na segunda tentativa, imaginou a lança se fragmentando em pequenos cristais antes de se despedaçar. Pheeew. O gelo quebrou de novo e se espalhou por todo lado, mas os estilhaços estavam ainda menores que antes.

“É... Isso definitivamente não vai funcionar...”

Ryo realmente queria que o gelo explodisse, mas não conseguia gerar força o bastante. Se perguntou onde havia errado.

“Quando se fala em fazer água explodir, tem aquele experimento com sódio, né? Mas isso não é viável aqui... O que me resta é uma erupção freática?”

Uma erupção freática é um fenômeno que ocorre quando uma substância de alta temperatura, como magma, entra em contato com uma de baixa temperatura, como água subterrânea. Esse contato transforma instantaneamente a água em vapor. Quando a água vira vapor, seu volume aumenta cerca de 1.700 vezes, causando uma explosão.

“Não tenho nenhuma substância superquente... Mas se eu transformar a Lança de Gelo instantaneamente em vapor, talvez consiga simular algo parecido com uma erupção freática...”

A ideia era aumentar a frequência vibracional das moléculas de H₂O — como ele fazia para ferver água. Quanto maior a vibração, mais quente ficava. A água viraria vapor ao ultrapassar cem graus Celsius...

Quando o vapor d’água passa de 100 °C, ele se torna superaquecido. Na Terra, fornos a vapor superaquecido já existem há tempos.

Ou seja, era um fenômeno até comum.

Ryo tentou o método com as cento e vinte e seis Lanças de Gelo restantes, mas nenhuma explodiu como esperava. À primeira vista, a ideia da erupção freática parecia promissora. Infelizmente, sua compreensão básica estava errada, então nunca funcionaria. Esse era o triste limite de seus conhecimentos de química.

Explosões, no fim das contas, ocorrem por um aumento repentino de pressão — ou uma liberação repentina dela. No caso do gelo... é, isso não ia acontecer.

“O fracasso é a raiz do sucesso.”

Não deixaria algo assim desanimá-lo.

“Vou deixar os planos do arrozal pra depois.”

Isso mesmo! Não havia nada de errado em adiar um problema! Não significava desistência!

Ele não havia conseguido encarar a cobra-pipa de igual para igual no combate corpo a corpo. Mais precisamente, não conseguiu lidar com a cauda dela.

Em outras palavras, no estado atual, Ryo tinha dificuldades para prevenir ou desviar de ataques inimigos. Detestava essa fraqueza em si mesmo, e foi por isso que desenvolveu sua estratégia de caça segura à distância. Era natural que evitasse combates de curta distância.

Pretendia continuar aprimorando seus ataques de longo alcance como sempre. Quanto ao tempo de ativação e à precisão no controle mágico, ainda tinha muito a melhorar.

“Demoro um segundo pra conjurar o Muro de Gelo em 5 Camadas, e isso por si só foi o motivo de eu ter levado aquele golpe. Preciso reduzir esse tempo!”

E havia também a Armadura de Gelo. Tinha criado esse feitiço só por pensar que uma armadura seria útil — mas acabou sendo realmente valiosa. Na verdade, talvez tivesse morrido sem ela.

“Parece uma armadura de cavaleiro sagrado. Mas é bem leve e confortável de usar. Deveria praticar mais, pra conseguir vestir antes de uma luta, não durante. Só por precaução. Ah, será que consigo correr usando uma versão mais pesada? Pode ser um bom treinamento também.”

Ryo ainda não percebia o quanto estava se tornando um brutamontes. Não apenas no corpo, mas também na mentalidade. Ainda assim, não havia como negar os ganhos de resistência — ele simplesmente não ficaria sem fôlego em batalha. Não importa quão bonitas sejam suas técnicas, você nunca poderá usá-las direito se não tiver fôlego suficiente.

◆◆◆

“Às vezes, sinto vontade de comer peixe”, murmurou Ryo para si mesmo após encerrar seu treino matinal. “É, tipo um peixe grelhado, temperado com sal. Na verdade, o ideal mesmo seria com um pouco de shoyu... Infelizmente, não tenho shoyu, então vou abrir mão disso com dignidade. Certo, o jantar de hoje vai ser peixe grelhado com sal!”

Assim que tomou essa decisão, ele não perdeu tempo. Como sua mente logo se encheu de imagens de ayu ou trutas arco-íris grelhadas, decidiu que um peixe de água doce satisfaria melhor seu desejo do que um peixe do mar.

Escolheu sua habitual lança-faca de bambu como ferramenta de pesca.

“Seria ótimo ter um arpão de verdade, com ponta farpada... mas é o que temos.”

Ryo sequer considerou usar uma vara de pesca comum.

“Acho que nem vou precisar do saco de juta dessa vez.”

Com a lança-faca de bambu em mãos, seguiu para o rio ao sul de sua casa.

Ele não estava animado. De jeito nenhum. Com certeza, positivamente não estava... provavelmente.

Mas, por coincidência, havia um crocodilo na margem do rio. Ryo não se lembrava de ter visto uma entrada sobre ele na *Enciclopédia de Monstros – Edição para Iniciantes*, então concluiu que se tratava de um animal, e não um monstro.

Claro, milhões de espécies animais normais — não-monstros — também existiam em Phi. A principal diferença entre monstros e animais era a pequena pedra localizada próxima ao coração dos monstros, chamada “pedra mágica”. Alguns monstros podiam usar magia, dependendo da espécie, e a maioria deles era muito mais forte e agressiva que os animais normais.

Isso explicava por que grande parte da fauna da Floresta de Rondo estava sendo exterminada ou expulsa por monstros poderosos. Também era o motivo de Ryo nunca ter encontrado animais por lá. Pelo menos até agora. Ainda assim, um animal era apenas um animal, mesmo que fosse um réptil crocodiliano gigantesco com mais de cinco metros de comprimento.

Na Terra, um colega da escola primária havia mostrado a Ryo um livro publicado no Japão com instruções de como capturar um crocodilo. Segundo o livro, a melhor forma era abordá-lo por trás. “Quando é que vou usar isso?”, pensou na época, e acabou nem lendo.

Agora, arrependia-se imensamente dessa escolha. Nunca se sabe quando esse tipo de coisa pode ser útil!

“Mas espera... Eu nem tenho motivo pra capturar esse bicho.”

Claro. Ele não havia ido até lá por isso. Como o crocodilo ainda não o tinha notado, Ryo seguiu silenciosamente rio acima. Depois de caminhar uns cinquenta metros além do animal, ouviu uma série de rugidos bestiais.

“Giiiiiaaaaaa!”

“Guuuraaar!”

Parecia que algo estava lutando com o crocodilo. Mesmo tendo se afastado uma boa distância do réptil, a curiosidade sobre seu oponente falou mais alto. Ryo resolveu espiar.

Aproximou-se com cuidado, mantendo-se oculto. O que viu foi algo que lembrava um boi, com o crocodilo cravado em um dos chifres. A criatura sacudia a cabeça furiosamente, erguendo o réptil — já sem vida — a cada movimento.

“Um bisão-cornudo... ‘Como o nome indica, tome cuidado com o chifre. Costuma aparecer em rios e pântanos. Fique atento, pois envolve o corpo com ventos usando magia do ar durante os ataques em investida.’ Ah, essa é uma boa oportunidade pra testar uma técnica nova.”

Ryo ergueu a mão esquerda acima da cabeça e entoou:

“Guilhotina.”

Vuuush. Uma lâmina longa de gelo, com uma ponta afiada como uma Lança de Gelo, disparou para o alto como a lâmina de uma guilhotina, ganhou velocidade e despencou, decapitando o bisão-cornudo de cima para baixo.

“Boa. Deu certo.”

Ele sorriu. A cabeça do bisão caiu na água, com sangue jorrando do pescoço decepado.

“Posso usar o corpo pra praticar curtimento de couro bovino.”

Enquanto murmurava para si mesmo, caminhou tranquilamente até os corpos do crocodilo e do bisão-cornudo. Foi então que viu... Splash, splash, splash. A cabeça do bisão e o cadáver do crocodilo começaram a se desintegrar lentamente.

“Hã? Huuuh? Mas o que tá acontecendo...”

Apavorado, Ryo puxou rapidamente o corpo do bisão para terra firme. Alguns peixes ainda estavam grudados nele, com os dentes cravados na carne.

“Parecem piranhas... Mas não tem nada sobre elas na Enciclopédia... Carnívoros... Com certeza são da mesma família.”

Eram pseudo-piranhas com mais de quarenta centímetros de comprimento e dentes ferozes.

O primeiro passo foi eliminar os que estavam no corpo do bisão, espetando-os com sua lança-faca de bambu. Em seguida, congelou os corpos das piranhas junto com o bisão para armazenar. Enquanto trabalhava nisso, as piranhas no rio continuavam devorando os restos da cabeça e do crocodilo... até não sobrar vestígio de nenhum dos dois.

Essa nuvem de piranhas fora atraída pelo cheiro de sangue, mas se dispersou depois de se fartar, e o rio retomou seu estado sereno.

“Definitivamente, não dá pra brincar na água por aqui”, comentou, com suor frio escorrendo pelas costas. A caçada em si não tinha durado nem uma hora, mas a visão das piranhas o deixara abalado. Aquilo serviu como lembrete de que o cheiro de sangue podia atrair todo tipo de criatura — e de que era preciso manter a cautela sempre.

De volta à casa, ele armazenou o bisão e as piranhas congeladas no silo.

Peixe: adquirido com sucesso.

Era um pouco diferente dos ayus e trutas que tinha imaginado no início, mas piranhas ainda eram peixes de água doce.

O fato de poder comer piranha grelhada com sal no jantar abria uma nova possibilidade. Ele já tinha o peixe. Também tinha sal. Com esses dois ingredientes, surgia uma nova chance de conseguir aquele líquido negro... o “shoyu”, também conhecido como o coração da culinária japonesa.

Infelizmente, não tinha grãos de soja — o principal ingrediente para se produzir o *koji* usado como base na fermentação. Pois é, nada de soja. Ainda assim, ele se lembrava de que existia um método na Terra para criar algo semelhante ao shoyu sem soja: o *molho de peixe*.

Como o nome indica, é um molho feito a partir de peixe.

Comparado ao shoyu, com o qual todo japonês está familiarizado, o molho de peixe tem um aroma muito mais forte e um sabor mais profundo. Mesmo assim, Ryo se lembrava de seu uso em diversas culinárias regionais do Japão — o que significava que ele certamente combinava com pratos japoneses!

Claro, não conseguiria prepará-lo a tempo para o jantar com piranha grelhada. Mas talvez, no futuro, pudesse saborear suas refeições com um toque do seu próprio shoyu.

“É, com certeza vou tentar fazer!”

Fazer molho de peixe era extremamente simples. Bastava salgar os peixes e deixá-los curtir. Fim. Claro, teria de esperar alguns meses para a fermentação natural ocorrer.

“O único problema agora é o barril necessário pra fermentação.”

Ele poderia criá-lo instantaneamente com sua magia de água. O tamanho e o formato dependeriam apenas da sua imaginação, mas um barril feito de gelo seria frio demais... Para armazenamento em geral, o frio era até uma vantagem, mas para fermentar molho de peixe era necessário manter uma temperatura mínima. Ele sabia que o interior de um recipiente de gelo seria frio demais para permitir a fermentação... Era preciso algo acima da temperatura ambiente, no mínimo.

Isso deixava apenas uma opção: construir um barril de madeira. Nem é preciso dizer que Ryo nunca havia feito algo assim na vida. Mesmo se tentasse com todo seu empenho, era bem provável que o resultado fosse uma gambiarra. O fundo poderia cair, o conteúdo vazar...

Ainda assim, a melhor chance de sucesso era mesmo com madeira.

“E eu já sei qual árvore usar!”

Afinal, ele estava na Floresta de Rondo. Árvores tão grossas que ninguém na Terra acreditaria que cresciam daquele jeito. E havia uma bem ao lado da barreira.

Encontrou uma árvore conífera de dez metros de altura e tronco com dois metros de diâmetro — semelhante a um cedro ou cipreste japonês.

Se ao menos tivesse equipamentos pesados como os da Terra... Pensando bem, mesmo com essas máquinas, cortar uma árvore desse tamanho seria complicado. Mas não tinha nada disso à mão.

O que tinha era magia. No caso, o feitiço Jato D’Água... que não seria suficiente para cortar uma árvore dessas. Apesar de ter se empenhado tanto para dominar esse feitiço desde o primeiro dia em Phi, ele ainda não tinha força suficiente para esse tipo de tarefa.

Por sorte, havia outro método: a Guilhotina — o mesmo feitiço que decapitou o bisão-cornudo com um único golpe.

“Guilhotina.”

Vuuush. A lâmina cortou cerca de um metro do tronco antes de parar.

“B-Bem, nem esperava que fosse cair com um único golpe mesmo!”

Depois de se tranquilizar, lançou o feitiço novamente.

“Guilhotina.”

Assim, seguiu lançando Guilhotinas uma após a outra. Até que, por fim, a conífera tombou com um estrondo, derrubando outras árvores ao redor e criando uma pequena clareira. Ryo não se importou.

Então, começou a cortar uma seção de um metro do tronco que usaria como barril.

“Guilhotina.”

“Guilhotina.”

Com dois lançamentos sucessivos, separou um grande cilindro com dois metros de diâmetro e um metro de altura. Bastava esculpir o interior, e pronto: barril feito. Nesse ponto, entrou em cena seu feitiço Serra d’Água — aquele que antes não conseguia usar como magia ofensiva por não conseguir fazê-lo voar. Agora provavelmente conseguiria, tal como a Lança de Gelo, mas não era necessário no momento.

“Serra d’Água.”

Ryo conjurou uma serra d’água giratória sobre a palma direita e começou a esculpir o tronco. Era um pouco mais lenta que uma motosserra da Terra, mas ainda assim tinha uma velocidade prática e operava sem resistência alguma.

Uma hora depois, ele finalmente terminou o barril do jeito que queria. Parecia até uma daquelas banheiras de madeira de cipreste encontradas em pousadas luxuosas de águas termais. Manteve uma pista de gelo embaixo do barril para levá-lo até a casa. Que uso conveniente da magia. Mesmo o interior sendo oco, ainda era um volume considerável... o que significava que o peso era também respeitável.

Só quando chegou em casa, Ryo percebeu algo.

“Hã... onde é que eu vou colocar isso?”

Era grande demais para passar pela porta.

Planejamento... uma palavra maravilhosa e ao mesmo tempo assustadora.

Por ora, deixou o barril de molho de peixe debaixo de uma árvore grande.

“Na Terra, é comum deixar potes ao ar livre pra fermentar as coisas... Então vai dar certo. Vai sim”, disse, tentando se convencer.

Primeiro, espalhou uma camada grossa de sal no fundo do barril. Depois, colocou quatro piranhas picadas e congeladas sobre o sal. Cobriu os peixes com outra camada de sal, até escondê-los completamente. Colocou folhas largas parecidas com de bananeira por cima para evitar ressecamento. Por fim, usou o restante da árvore que havia cortado como tampa improvisada.

Pronto. O barril de molho de peixe estava finalizado. Isso deve render um bom estoque de molho de peixe... esperançosamente.

◆◆◆

Pela primeira vez em um bom tempo, ele comeu peixe grelhado com sal acompanhado de arroz branco. Originalmente, imaginava jantar ayu ou truta arco-íris, mas, por vários motivos, o peixe acabou sendo uma piranha. Para sua surpresa, estava delicioso.

Apesar de ser mais chegado em carne, Ryo às vezes sentia vontade de comer peixe. Agora que sabia como atrair piranhas, decidiu que voltaria ao rio ao sul da casa na próxima vez que tivesse vontade. Bastaria jogar um pouco de isca na água.

Embora a tarde tivesse sido chocante, ele conseguiu terminar o dia satisfeito. Tudo terminou bem.

À noite, a floresta fora da janela parecia bem diferente do que durante o dia.

“Sério, à noite o lugar fica assustador.”

Independentemente da época ou do mundo, a floresta noturna não era um ambiente para humanos. Essa verdade permanecia, tanto na Terra quanto em Phi.

As pessoas dependem basicamente da visão e da audição para entender o ambiente, mas a escuridão rouba a visão. Nenhuma pessoa normal consegue compreender bem a situação só com a audição.

Muitos monstros, animais e criaturas têm audição mais apurada que humanos, sem falar nas cobras e morcegos que usam órgãos que os humanos não possuem para captar informações.

Portanto, no breu da noite, onde esses seres existem... Ryo achava que um humano não deveria entrar numa floresta assim. Pelo menos, não por enquanto.

“Falando nisso, dizem que algumas pessoas conseguem detectar a presença de outros seres vivos... Será que isso é mesmo possível?”

Ele entendia o papel da intuição, que faz o cérebro tirar conclusões subconscientes a partir das informações acumuladas até então. Mas ser capaz de conscientemente detectar sinais de vida... sentir que algo te observa mesmo sem conseguir ver... isso ele realmente não compreendia.

“Aposto que, se eu fosse um mago do ar, poderia criar uma magia que me deixasse perceber presenças invisíveis, até de inimigos invisíveis.”

Isso se chama sonar passivo. O sonar ativo envolve emitir um sinal e usar o eco para mapear o ambiente. O passivo capta informações das mudanças no meio causadas pelo movimento do oponente, sem emitir nada, de forma que o inimigo não percebe. Um ou outro.

Sonar passivo é comum para submarinos na água, mas Ryo achava possível usar correntes de ar para detectar inimigos em terra, se fosse um mago do ar. Pena que ele era mago da água.

“Queria ser mago do ar só pra usar aquele ataque de investida com clones.”

Investida com clones... Um ataque onde lâminas sônicas são lançadas pelos três clones, e o atacante segue seus rastros ofensivos...

Mas, normalmente, nem magos do ar conseguem fazer isso.

Alguns dias depois do jantar com piranha grelhada e salgada, Ryo passou outra tarde caçando na parte leste da floresta, onde havia muitos coelhos e javalis menores. Às vezes, encontrava javalis normais, que, mesmo assim, não representavam mais uma ameaça para ele.

Ele ainda não conseguia imaginar vencer um falcão assassino, mas sabia que, pelo menos, não perderia uma guerra terrestre.

“E nem estou me achando por isso.”

Logo depois de dizer isso em voz alta, um javali maior apareceu à sua frente. Pena que eles também não representavam ameaça para o Ryo atual.

Então, ouviu um farfalhar atrás de si. Quando virou a cabeça para olhar... lá estava outro javali maior.

“Armadura de gelo.”

Naquele momento, perdeu de vista os dois javalis.

“Parede de gelo de cinco camadas.”

Em apenas 0,1 segundos, uma parede de gelo de cinco camadas surgiu à sua frente e atrás dele. Sua velocidade aumentava pouco a pouco a cada dia. Mesmo assim, mal dava conta. Os dois javalis investiram quase ao mesmo tempo que ele conjurava a parede.

Um avançou baixo, mirando as pernas dele. O outro mirou o tronco de Ryo. Estava claro que trabalhavam em equipe.

Os ataques dos javalis destruíram três das cinco camadas da parede de gelo, tanto na frente quanto atrás. Que poder assustador.

Ryo saltou para o lado enquanto entoava:

“Estrada de gelo.”

Os dois javalis estavam muito próximos do lugar onde ele estivera. Eles começaram a escorregar e deslizar no gelo, perdendo o controle dos movimentos. Mas os javalis maiores tinham outra arma — um ataque à distância, que os diferenciava dos menores!

Inúmeras pedras, tantas que ele não conseguia contar, apareceram ao redor dos dois monstros.

“Caramba, é muita pedra... Parede de gelo de cinco camadas, parede de gelo de cinco camadas, parede de gelo de cinco camadas.”

A luta virou questão de números, então Ryo teve que usar muitas de suas paredes especiais como defesa. Após um instante, os javalis lançaram as pedras. Quando as pedras atingiram, levantaram uma nuvem de névoa ou poeira. Ele não conseguia distinguir, mas de qualquer forma, atrapalhou sua visão.

Nesse momento... Pheeew. Uma pedra acertou o lado direito de Ryo.

“Gah!”

Outra atingiu seu ombro esquerdo.

“Mpf. Parede de gelo omnidirecional.”

Aproveitando sua incapacidade de enxergar à sua frente, os javalis maiores curvaram a trajetória das pedras que lançaram contra ele. Os projéteis contornaram as paredes de gelo de cinco camadas e o atingiram diretamente.

“Uau. Não sabia que isso era possível...”

A falta de experiência em combate de Ryo começava a aparecer. A armadura de gelo que cobria seus quadris e ombro esquerdo estilhaçou-se.

“Armadura de gelo.”

Ryo recriou essas partes da armadura, mas não tinha muito espaço para respirar. Apenas uma parede de gelo normal o protegia por todos os lados, mas ela não era nem de longe tão resistente quanto a versão de cinco camadas.

Felizmente para ele, havia uma estrada de gelo sob os pés dos javalis maiores. Eles não deveriam conseguir se mover. “Deveriam”, sendo a palavra chave, mas...

“Será que eles realmente não conseguem se mexer?”

Os javalis maiores possuíam pernas capazes de gerar ataques de investida quase na velocidade do som. Pernas fortes e rápidas o suficiente para sulcar a terra. Se tivessem calma, poderiam correr sobre o gelo cravando as garras nele...

O último javali maior que ele caçou tombou várias vezes sobre a estrada de gelo, mas seria precipitado assumir que todos fariam o mesmo. Pense nos humanos: para cada um que cai ao patinar no gelo, outro pode executar um salto perfeito.

Então, o que fazer? Primeiramente, sabia que seria arriscado enfrentar os dois ao mesmo tempo, então teria que derrotá-los um a um. A questão era: qual atacar primeiro?

Os javalis o atacavam pela frente e por trás, como os falcões assassinos tinham feito em emboscadas anteriores. Como o falcão de um olho vinha pela frente e era o líder do par, talvez o mesmo acontecesse aqui. Se o que o atacava pela frente tinha mais experiência, Ryo começaria pelo que estava atrás.

Em situações com múltiplos inimigos, é prática comum criar confusão entre eles eliminando primeiro o líder. Outra estratégia comum é eliminar os mais fracos primeiro para diminuir o poder inimigo, deixando o mais forte para o final. Dessa vez, Ryo optou pela segunda.

Se o javali atrás dele fosse menos experiente, talvez reagisse mais devagar enquanto tentava entender como lidar com o gelo.

Remove parede de gelo omnidirecional. Aumenta opacidade da parede de gelo.

Prevendo o que poderia acontecer, optou por manter apenas as várias paredes de gelo de cinco camadas. A parede ficou tão densa que parecia vidro fosco, dificultando a visão de quem estivesse do outro lado.

Então, ele correu. Contornou a parede pela esquerda. Ao sair de trás dela, viu apenas um javali maior deslizando na estrada de gelo. O outro já não estava mais lá — devia estar do outro lado da parede reforçada.

“Começo por você. Lança de gelo 16.”

Gerou dezesseis lanças de gelo no ar sobre o javali que ainda escorregava no gelo.

“Quanto ao amigo que foi para o lado oposto, ele deve sair do outro lado da parede de cinco camadas, certo?”

Depois de murmurar, entoou rapidamente:

“Parede de gelo de cinco camadas. Lança de gelo 2.”

Crio duas lanças de gelo fora da nova parede reforçada e aguardo para lançá-las. No mesmo instante, libera as dezesseis lanças suspensas e ouve o uivo perfurante do javali atingido.

Surpreendido, vê o outro javali maior surgir exatamente onde previa.

“Solta.”

O javali esmagou as duas lanças que vinham voando com seu focinho resistente. No instante seguinte, pedaços de gelo voaram, turvando a visão de Ryo.

“Jato de água 64.”

Sessenta e quatro jatos de água surgiram, mas não à frente da mão dele. Em vez disso, formaram-se no ar, bem à frente do rosto do monstro, mirando olhos, ouvidos e boca — basicamente, os pontos frágeis.

Com o gelo turvando sua visão, gerou muitos jatos à queima-roupa para compensar a falta de precisão. Desejava sorte ao oponente em evitar tantos jatos finos, extremamente concentrados, a apenas trinta centímetros. Nessa distância, não teria para onde escapar... Não deveria conseguir se defender.

Enquanto o javali entrava em pânico por ter visão e audição bloqueadas, ele desferiria o golpe final. Era esse o plano na mente de Ryo... mas o plano falhou.

Em vez de entrar em pânico, o javali maior caiu morto. Os jatos perfuraram os olhos, ouvidos e boca, chegando ao cérebro. Era óbvio que não sobreviveria após dezenas de jatos atravessarem seu crânio.

“Caramba... Eu venci...?”

Aparentemente, era relativamente fácil atacar o cérebro de um javali maior pelos olhos e ouvidos, apesar do rank mais alto do monstro. Ainda assim, achou muito inesperado não ter precisado dar o golpe final.

“Talvez o Jato de Água tenha ficado realmente poderoso agora?”

Ao voltar para a segurança da barreira, não perdeu tempo em testar a hipótese. Usaria o cadáver do javali como cobaia. A resistência da pele do monstro variava pelo corpo. A cabeça inteira, incluindo o focinho, tinha de ser muito dura para suportar a investida principal, mas o resto do corpo, abaixo do pescoço, era bem menos resistente — incluindo as patas.

Mira na pata direita.

“Jato de Água.”

Um brilho, e a pata direita do javali caiu.

“Uau!”

Se passaram alguns meses desde sua reencarnação em Phi. Desde o começo, seu feitiço favorito havia sido o Jato de Água e agora finalmente mostrava seu verdadeiro valor.

“Vamos testar numa árvore também...”

Bwoom. A árvore caiu. Não foi instantâneo, mas quase. Sucesso.

Até recentemente, ele só conseguia lascar a casca ou fazer pequenos cortes no tronco com o Jato de Água. Isso o fez pensar... Será que ele superou um obstáculo importante em seu caminho?

“Talvez o Jato de Água já estivesse forte quando eu cortava árvores com a Serra de Água...”

De qualquer forma, pensar nisso agora não ajudava. O mais importante era que ele tinha conquistado esse nível de força!

O Jato de Água precisava disparar um jato de água de alta pressão e velocidade. A intensidade do jato exigia, naturalmente, que a água fosse água física normal. Esse contraste explica por que jatos de água são métodos populares para processar materiais na Terra: não geram calor, porque usam água. Sem desnaturação térmica, materiais como plástico não derretem nem deformam. Também não há emissão de gases tóxicos.

Materiais macios e finos podem ser trabalhados sem quebra. Jatos de água podem até tratar materiais compostos e em camadas.

A empresa de Ryo tinha adquirido uma ferramenta de jato de água com cinco eixos, por isso ele conhecia o mecanismo até certo ponto. Claro que nunca a usou, pois os funcionários não o permitiam. Então teve que aceitar as decisões do campo, mesmo sendo vice-presidente.

Embora não tivesse usado um jato de água na Terra, podia usar livremente o que criara aqui pela magia. E agora finalmente via resultados concretos! Estava mais empolgado do que quando conseguiu fazer a Lança de Gelo voar.

No entanto, permanecia calmo. Sabia que seu Jato de Água tinha outra dimensão.

Revisou suas descobertas: cortou a pata do javali maior, derrubou uma árvore. E quanto a algo mais duro — uma pedra?

Geralmente, jatos de água conseguem cortar a maioria dos materiais. Inclusive pedras e rochas. Ele assistiu vídeos antigos de jatos cortando rochas duras como granito para fazer lápides.

Apareceu uma pedra no quintal.

“Jato de Água.”

Assistiu o jato lascar a pedra pouco a pouco. Se continuasse por uma hora, talvez cortasse toda ela. Longe do jato que atravessava pedra rapidamente na Terra.

Infelizmente, seu jato não cortava pedra. Funcionava bem para materiais macios, mas não para pedra, metal, concreto ou vidro.

Mesmo assim, Ryo não ficou chateado, pois estava preparado para isso. Seu Jato de Água era feito para materiais moles como animais, monstros, árvores e alimentos. Mas ele tinha outra versão para cortar coisas duras. Qual era essa outra versão do Jato de Água?

Bem, ele gostava de chamar de “Não Só Água Jato de Água”. (“Not Water Alone Water Jet.”)

Pessoas normais chamavam aquilo de “jato abrasivo”. Na Terra, pequenas partículas abrasivas são misturadas à água para permitir que o jato corte materiais mais resistentes. A velocidade do jato se aproxima de Mach 3 e o corte ocorre por erosão do material.

E o que exatamente é usado como abrasivo? Um pó fino de granada. Isso mesmo, granada — o mineral usado como pedra preciosa. Por ser um mineral valioso, apenas uma quantidade microscópica é usada, o que ainda ajuda a manter os custos baixos. Além disso, o pó de granada é comum e barato, e pode ser reutilizado várias vezes.

A principal razão de usar granada como abrasivo é sua dureza. É claro que safira, rubi e diamante são muito mais duros, mas também muito mais caros.

Outro motivo é a estrutura cristalina da granada, em forma de dodecaedro rómbico, também conhecido como poliedro oblato — basicamente, uma forma muito próxima à de uma esfera. Para desgastar uma área alvo a um tamanho específico, faz sentido usar partículas esféricas.

Assim, na Terra, o uso da granada como abrasivo é algo estabelecido. Não é o caso aqui em Phi.

Primeiro, Ryo não conseguia encontrar granada... ou pelo menos não sabia como. Isso significava que precisava de outro abrasivo, mas ele já tinha uma ideia: gelo. Usaria partículas microscópicas de gelo como abrasivos.

Como abrasivo, o gelo normal não teria a dureza necessária. Porém, como mago da água, o gelo de Ryo possuía uma característica especial: quanto mais magia ele aplicava, mais duro ele ficava. Isso explicava por que seus feitiços de gelo se quebravam com facilidade em combate — ele simplesmente não tinha tempo para endurecê-los direito.

O problema era o tamanho das partículas: precisavam ser pequenas demais, mas não demais — pois cristais muito pequenos não funcionariam bem.

Ryo já tinha visto as partículas abrasivas usadas em jatos abrasivos da empresa. As granadas eram tão pequenas que poderiam ser chamadas de pó ou poeira. Então ele planejou gerar gelo em grande quantidade no tamanho exato para misturar com a água.

A formação dos cristais microscópicos começou. Ele tentou criar ligações de hidrogênio entre duas moléculas de água, mas o resultado ficou pequeno demais — ele nem conseguia enxergá-lo.

Decidiu tentar conectar trinta moléculas. Parecia que podia enxergá-las, talvez.

Não, era só imaginação. Definitivamente não era grande o bastante.

Passou o dia todo experimentando — enquanto acendia o fogo para o jantar, durante a refeição e depois no banho. Quantas moléculas seriam ideais? Ele estava decidido a encontrar a resposta perfeita.

Infelizmente, sua magia acabou antes que conseguisse...

“Boa noite,” disse a si mesmo.

No dia seguinte, continuou suas tentativas durante o treino matinal de corrida.

“Pensei nisso ontem também, mas parece que uso uma tonelada de energia mágica para controlar a magia no nível molecular.”

Trabalhos minuciosos exigem nervos de aço. Isso vale para quase tudo, e não é fácil se dedicar muito tempo a projetos detalhistas ou mágicos.

Após correr por mais de cinco horas, terminou seu treino. Ainda não tinha encontrado o tamanho ideal para os cristais microscópicos, mas já limitara a quantidade de moléculas necessárias entre 60 mil e 160 mil.

Sua reserva de energia mágica estava quase no fim só com o treino da manhã. Não tinha números exatos, mas seu corpo dizia que logo ele desabaria.

“Vou parar de trabalhar com magia à tarde. Vou focar nos meus golpes e na leitura.”

Ele estava tão dedicado que se sentia mal fisicamente quando não se mexia. Praticou os golpes devagar, com cuidado, usando toda sua força. Afinal, aquilo ainda era uma vida lenta, o que significava que não precisava se apressar.

◆◆◆

O Livro dos Monstros, Edição Iniciante, deixado por Fake Michael, tinha muitos monstros listados. Claro, era só o volume básico, então Ryo sabia que devia haver edições intermediárias e avançadas. Mas ainda não tinha encontrado monstros dessas categorias.

No fim do livro, havia um apêndice chamado “Compilação Especial”, listando dois monstros: um dragão e um akuma. A caligrafia dessas duas entradas era diferente das demais, o que fez Ryo pensar que Fake Michael as tinha adicionado depois.

Dragão: Predador de topo de Phi.

Locais: Mundo todo.

Tempo de vida: De milhares a centenas de milhares de anos.

Força: Varia do fraco ao forte. (Os mais fortes são capazes de destruir uma cidade inteira).

Notas: Fuja se encontrar um, mas as chances são altas de falhar.

“Ah, é fácil ver que são extremamente fortes. Se eu encontrar um, é o fim para mim, né?” A entrada do dragão não listava ataques especiais, o que indicava um nível totalmente diferente.

Akuma: Não... anjos caídos. Origem desconhecida.

Locais: Mundo todo.

Tempo de vida: Desconhecido.

Força: Varia do fraco ao forte. (Os mais fortes são capazes de destruir uma cidade inteira).

Notas: Reze para nunca encontrar um.

“Tenho certeza que Fake Michael escreveu essas. Ele disse que é responsável por gerenciar esse mundo... Mas o que ‘origem desconhecida’ quer dizer? E aquela última parte: ‘Reze para nunca encontrar um.’ Sinistro...”

“Será que quem quer ser o mais forte do mundo luta contra esses monstros? Devem ser insanos,” murmurou Ryo, balançando a cabeça.

“Não tenho a menor chance contra eles. Sei que é comum quem reencarna em outro mundo ter essa meta, mas não é para mim. Ah, mas clichês são clichês por uma razão. Nada disso tem a ver comigo. Eu quero é viver uma vida lenta!”

Uma boa noite de sono renovou sua energia mágica. Ele estava determinado a resolver de vez o problema do jato abrasivo hoje. Fez uma promessa resoluta a si mesmo.

Uma hora depois...

“O número ideal é entre 90.000 e 100.000 moléculas!”

Finalmente, ele tinha a resposta.

“Heh heh heh. Eu ganhei.”

Ryo saiu vitorioso. Só faltava gerar uma grande quantidade de cristais de gelo com esse número de moléculas. Normalmente isso seria muito difícil para qualquer pessoa, mas, embora não percebesse, suas manipulações moleculares haviam aumentado imensamente sua habilidade no controle fino da magia.

Em segundos, ele criou uma montanha de abrasivos de gelo na mão esquerda. Então visualizou mentalmente os abrasivos se misturando aos jatos de água para cortar a pedra.

“Jato Abrasivo.”

Terminada a conjuração, um fino jato d’água saiu da mão direita em direção à pedra a um metro de distância. Cortou o outro lado com quase nenhuma resistência. Baixou o braço.

Krsh. A pedra se partiu.

“Sucesso!”

Finalmente, Ryo conseguiu algo para cortar rochas. O gelo abrasivo não tinha esse poder na Terra — o motivo? O gelo lá é mole, e a granada é uma escolha óbvia pela dureza.

Quando os jatos abrasivos começaram a se popularizar, um japonês pesquisou se granada, gelo ou cascas de noz poderiam ser abrasivos. Descobriu que, além da granada, os outros materiais não tinham uso prático.

Desde então, vários experimentos e estudos analisaram o tamanho dos abrasivos, fenômenos no ponto de contato, durezas ideais, e por aí vai. O jato de água é uma máquina que evolui constantemente.

Mas Ryo criou uma abordagem que os cientistas da Terra nunca conseguiram: endurecer o gelo a um nível extremo com magia. Isso é incrivelmente prático, mas só é possível em Phi, onde a magia existe.

O que é impossível ou apenas teoria na Terra torna-se real aqui, graças à magia... e ele acabara de demonstrar um desses feitos. Claro, Ryo nem fazia ideia da grandeza do que alcançara.