
Volume 13 - Capítulo 574
The Runesmith
Alphonse não conseguia acreditar. Mesmo com as bandeiras inimigas se erguendo no horizonte oriental e milhares de guerreiros montados avançando à vista, se recusou a recuar. O orgulho o mantinha firme. Sua manopla apertava as rédeas do cavalo de guerra, e seu maxilar estava tão travado que doía.
“Comandante, precisamos recuar!”
Um dos seus capitães gritou em alarme.
“Seus números são avassaladores!”
“Fique em silêncio!”
Alphonse retrucou ao soldado e ergueu a mão para sinalizar às suas tropas que parassem. Seus olhos se fixaram em Arthur Valerian, o jovem nobre que liderava o ataque inimigo. Um manto prateado ondulava atrás dele, seu rosto escondido sob um elmo polido. O brasão Valerian brilhava em seu peitoral, junto com runas brilhantes que pulsavam fracamente. Duas espadas pendiam aos seus lados, e ele estava ladeado por cavaleiros trajando armaduras que cintilavam com encantamentos. Os materiais ornamentados eram diferentes de tudo o que esperavam de suas forças.
“Isso não muda nada.”
Alphonse murmurou, mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa. Para ele, o tamanho do exército adversário significava pouco. Arthur não tinha reputação por táticas ou habilidade em combate. Se Alphonse conseguisse alcançá-lo e derrotá-lo, o resto entraria em colapso. Mesmo com as probabilidades contra eles, ele permanecia confiante. Força não se mede apenas por números. Neste mundo, eram os níveis que determinavam o resultado.
Seu exército, de três mil homens, era mais bem treinado, mais bem armado e provavelmente mais poderoso. Mesmo em um confronto total, ele via apenas um resultado: a vitória.
A única ameaça real era um homem chamado Wayland, que já havia derrotado Emmerson duas vezes. Mas se Alphonse conseguisse detê-lo por um instante, a batalha seria dele. Ele instigou seu corcel para a frente, gritando de raiva.
“Avante, eu digo! Se ninguém romper a linha, então, com as minhas próprias mãos, eu a romperei!”
*****
Os tambores de guerra soaram novamente enquanto o exército leal de Theodore avançava, mantendo a disciplina apesar da fúria do comandante. Roland, ainda no topo das muralhas, não se moveu. Seus olhos seguiam Alphonse como um falcão observando uma cobra.
“Ele está mirando em Arthur?”
Ele murmurou, observando as forças inimigas se movimentarem. O exército se afastou da cidade e redirecionou seu foco para Arthur, abandonando o cerco por completo.
“Ele nem está tentando recuar. Realmente acredita que pode vencer apenas derrubando Arthur?”
“Pode ser. É uma tática básica que ensinam na Academia dos Cavaleiros.”
Robert respondeu ao se aproximar do irmão. Capturar ou até mesmo matar o comandante inimigo era uma tática comum. Os irmãos Valerian são proibidos de matar uns aos outros, mesmo em tempos de guerra, mas isso não significava que acidentes fossem impossíveis.
Roland não se surpreenderia se Theodore já tivesse dado ordens discretas para aproveitar a oportunidade, caso surgisse. Ele conseguia facilmente imaginar o irmão prometendo proteção a qualquer soldado que a cumprisse, mesmo que nunca tivesse a intenção de cumprir a promessa.
“Mas ele não está comprometendo todas as suas tropas…”
Embora a maioria dos três mil soldados estivesse avançando em direção a Arthur, uma parte permanecia estacionada nos portões da cidade. Roland não tinha certeza, mas presumiu que Alphonse estivesse protegendo sua retaguarda. Os golens ainda estavam lá, totalmente aptos a lançar um ataque. Talvez Alphonse temesse um contra-ataque, o que seria uma precaução razoável.
Mesmo assim, não importava. Se seus inimigos acreditavam que Roland era o único lutador capaz entre eles, estavam cometendo um erro perigoso.
‘É hora desses caras brilharem…’
E brilharam, com a luz do sol refletindo não apenas em suas armaduras, mas também em seus membros metálicos. Arthur gritou uma ordem, e o exército se moveu para o lado, revelando um pequeno grupo de homens blindados. À primeira vista, pareciam ser um regimento de cavalaria padrão, mas, à medida que se aproximavam, ficou claro que havia algo incomum neles.
Suas armaduras pareciam descombinadas em vários lugares, especialmente ao redor dos membros. Para um olhar destreinado, poderia parecer que faltavam apenas peças de armadura, deixando braços e pernas expostos. Mas não era o caso. Seus membros haviam sido substituídos por mythril e aço anão, forjados para suportar a batalha com ainda mais eficácia do que a carne e ossos que outrora possuíam. Eram veteranos de guerras antigas, cavaleiros cujos corpos haviam sido quebrados, mas cujos espíritos ainda ansiavam pela luta.
O que restou deles foi reforjado nas forjas de Arthur, sob a orientação de Wayland. Seus membros perdidos foram substituídos por próteses feitas de ligas mágicas e gravadas com runas de poder. Muitos foram dados como mortos, seus nomes perdidos no tempo, seus túmulos vazios. Mas eles não caíram. Eles retornaram.
Um silêncio pairava sobre ambos os exércitos enquanto as figuras montadas avançavam. Era a calmaria antes da tempestade. Fumaça sibilava pelas aberturas em suas placas traseiras, e uma luz arcana cintilava ao longo das costuras de seus membros artificiais. À frente cavalgava um guerreiro empunhando uma enorme glaive negra. Ele a segurava no braço direito, uma prótese que pulsava com energia mágica. Seu rosto estava escondido atrás de um capacete pesado e escuro, mas de uma de suas fendas oculares, um brilho tênue e ameaçador brilhava.
“…Sir Wischard.”
Roland ficou no topo das ameias e observou o velho romper a formação, avançando sozinho. Ele já fora uma lenda, um comandante das antigas guerras de fronteira, as mesmas guerras pelas quais seu pai conquistara o título. Histórias contavam sobre ele matando gigantes e destruindo batalhões nos anos anteriores à ascensão dos Ardens à fama. Ele quase alcançara o que o pai de Roland alcançara, mas vacilou pouco antes do fim.
A história afirmava que havia morrido, soterrado sob os escombros de uma fortaleza em colapso durante uma resistência final. Mas essa era uma ficção conveniente, destinada a preservar sua honra. A verdade era mais dura. Havia perdido um membro e um olho para um comandante inimigo em uma emboscada e mal sobreviveu. Sua própria casa o abandonou pouco tempo depois, forçando-o a um retiro tranquilo em uma pequena mansão, onde seu nome deveria ser esquecido. Mas agora ele havia retornado, seu corpo refeito em aço e magia. E montava um cavalo de guerra, revestido com uma armadura espessa o suficiente para resistir ao fogo de artilharia, não mais um exilado, mas uma arma renascida.
Ele ergueu sua glaive, e os cavaleiros atrás dele o seguiram em perfeita harmonia. Então, eles atacaram. O estrondo dos cascos transformou-se em um terremoto que abalou o chão. Os cavaleiros fortalecidos pelas runas moviam-se com uma unidade assustadora, rompendo a linha de Alphonse como uma lâmina atravessando um pano. Sir Wischard atacou primeiro, sua glaive cortando a linha de infantaria como se fosse feita de palha. Um homem caiu com o peito dilacerado, outro foi arremessado para trás dez metros, com a armadura estilhaçada pela força do golpe.
Os momentos seguintes se dissolveram em caos e derramamento de sangue. As tropas de Theodore, que se acreditavam superiores, enfrentavam um despertar brutal. A companhia de cavaleiros protéticos abriu caminho por entre suas fileiras. Um cavaleiro empalou três homens com um único golpe de lança, depois a cravou no chão e saltou da sela. Ele se chocou contra um esquadrão de lanceiros, brandindo uma maça com flange que se iluminava com runas a cada impacto.
Outro veterano, com braços protéticos gêmeos, girava duas lâminas curvas com velocidade sobre-humana. Ele desviava cada golpe e abateu todos que se aproximavam. Não eram muitos, menos de cem, mas ainda assim rasgavam as forças de Theodore como uma tempestade. No centro de tudo, Sir Wischard era como a morte encarnada.
“Ele está forçando muito a barra com essa prótese. Talvez eu tenha que reconstruí-la depois que isso acabar…”
Roland permaneceu imóvel no topo das ameias, com os olhos fixos no campo de batalha. Ele sempre considerara Wischard comparável ao Mestre da Guilda, talvez até mais forte. Após o ferimento, Wischard estagnou, incapaz de evoluir em batalha. Mas agora parecia que estava tentando recuperar o tempo perdido, e os soldados de Theodore seriam os únicos a pagar por isso.
“…Arthur, você tem certeza disso?”
A maré estava a favor deles, mas Roland ficou para trás, não porque não pudesse lutar, mas porque lhe pediram para não fazê-lo. Através do capacete, ele contatou o líder deles, Arthur, que cavalgava com suas tropas, algo que ele desejava que não tivesse feito.
“Sim, meu amigo. Você tem que me deixar fazer isso.”
Arthur respondeu, com a voz carregada de tensão. Esta era sua primeira batalha de verdade, a primeira vez que se tornaria um nobre comandante por direito próprio. Mas Roland entendia o motivo. A essa altura, estava claro. A menos que Arthur liderasse pessoalmente esta batalha à vitória, ele não atenderia a nenhuma das condições necessárias para ascender à sua próxima classe. Se Roland interviesse demais, havia um risco real de que a conquista, ou o título que a acompanhava, não fosse reconhecido pelo sistema.
Arthur tinha que liderar. Ele tinha que vencer. E por isso, Roland oferecia apenas apoio limitado. Estendeu a mão e, com um sinal mágico, ordenou que seus golens começassem a atirar.
“Muito bem. Espero que saiba o que está fazendo. Vou mantê-los longe da cidade, mas tome cuidado para não exagerar.”
“Não se preocupe comigo, meu amigo. Você já fez mais do que o suficiente. Deixe o resto comigo.”
*****
‘Hah, deixe comigo…’
Ele repetiu as palavras mentalmente, questionando-as quase imediatamente. Uma parte dele queria chamar Roland de volta, pedir ajuda, admitir que não estava pronto. A guerra de verdade não se comparava em nada aos exercícios de treinamento. Ele recebera monstros presos para treinar, e seus servos nunca o deixaram sequer visitar a masmorra para ter uma experiência real de combate.
Por mais de um ano, se preparou para este momento. Decidiu seguir em frente, dar o próximo passo em sua vida. Mas, apesar de tudo isso, suas mãos não paravam de tremer. Este era um verdadeiro campo de batalha. Homens estavam morrendo ao seu redor. E se ele não tomasse cuidado, seria o próximo.
Arthur apertou as rédeas com mais força e olhou para os dois lados. Sir Gareth e Sir Morien cavalgavam ao seu lado. Eram seus protetores mais confiáveis, agora Comandantes Cavaleiros, e dariam a vida por ele sem hesitar.
Por muito tempo, Arthur vinha cavando conquistas em busca de uma classe única. Ele já sabia da habilidade de vassalagem que seu aliado Roland possuía, mas jamais poderia aceitá-la. A honra de um lorde não lhe permitiria se tornar servo de outro homem. Seu caminho tinha que ser o seu próprio.
Para trilhar esse caminho, precisava lutar. Precisava liderar. E precisava emergir vitorioso como comandante. Ele não era o maior guerreiro no campo de batalha, mas, quando se tratava de estratégia, estudava-a desde a juventude. Se havia uma área em que deveria se destacar, era no comando de tropas e na tomada de decisões acertadas. Felizmente, havia recebido uma vantagem com a qual a maioria dos comandantes só poderia sonhar, e tudo graças ao seu amigo, Roland.
Arthur esporeou o cavalo, com os olhos fixos no visor dentro do capacete rúnico. Embora não fosse tão avançado quanto o que Roland usava, ainda era poderoso. Ele precisava pressionar alguns botões laterais para alternar entre as funções, mas isso lhe dava uma visão em tempo real do campo de batalha.
No alto, vários drones flutuantes mapeavam o terreno e monitoravam os movimentos de ambos os exércitos. Ele conseguia ver tudo. A posição do comandante inimigo, o número de tropas que comandava e sua formação. Nada lhe escapava. Agora, tudo o que lhe restava era tomar as decisões certas. Se conseguisse guiar suas forças com competência e encurralar o inimigo, a vitória seria sua.
“Segundo batalhão, rompa pela direita! Escaramuçadores, ataquem seus flancos e coloquem-nos ao alcance dos golens! A linha de Wischard perfurará o centro, infantaria, seguirá em seu encalço e garantirá a brecha!”
Ele cavalgou ao longo da linha de frente, sua presença firmando seus homens. Os soldados, antes hesitantes, encontraram coragem em seu comando, e o tremor nas mãos de Arthur desapareceu a cada ordem dada e a cada manobra executada.
O campo de batalha fervilhava de movimento. Sob a liderança de Arthur, o exército aliado se ajustava como um único organismo vivo. Cada mudança era calculada, cada passo contabilizado. Não era perfeito, pois ainda havia novatos entre eles, e brechas se abriam quando o pânico se instalava, mas Arthur compensava com a ajuda dos golens de Roland e seus próprios armamentos golêmicos, que compensavam a falta de magos de batalha.
Eles vinham em vários formatos e tamanhos. Alguns se assemelhavam aos típicos golens-aranha, enquanto outros assumiam a forma de construções rochosas mais familiares. Entre as forças de Arthur, havia especialistas encarregados de controlar essas máquinas rúnicas. Com uma única ordem, Arthur podia colocá-las em movimento. Graças ao sistema sob o qual operavam, a vitória começava a escorregar para suas mãos com mais facilidade do que previra.
“Isso é absurdo! Como pode existir uma tropa dessas? Nada disso faz sentido!”
O comandante inimigo, Alphonse, estreitou os olhos enquanto observava sua formação desmoronar diante dele. Parecia que seu oponente conseguia antecipar cada movimento seu e contra-atacá-lo com precisão cirúrgica. Todas as tentativas de manobrar sua cavalaria eram frustradas. Arthur sempre tinha uma resposta. Sempre que tentava pressionar os flancos, as linhas aliadas absorviam o ataque e então revidavam com o dobro da força. E agora, seu centro começava a ruir.
Alphonse já estava cercado antes mesmo de perceber. Cerrou os dentes, com sangue já espalhado na lateral do maxilar por uma explosão mágica perdida. Ao seu redor, seus cavaleiros mais leais haviam caído ou mal conseguiam conter a maré invasora. Lâminas encantadas com runas se chocavam contra o aço, e os estandartes outrora imaculados de sua casa eram pisoteados pelas botas da infantaria inimiga. O céu parecia escurecer, não por causa das nuvens de tempestade, mas por causa da fumaça e das cinzas.
Em meio ao caos, Arthur avançou sozinho, seu manto prateado esvoaçando como uma bandeira de julgamento. Sem o capacete, revelando olhos jovens, porém resolutos, ele ergueu a mão para deter suas próprias forças.
“Comandante Cavaleiro Alphonse!”
Ele gritou, sua voz ecoando pelo campo de batalha.
“Vocês foram derrotados. Seus homens estão morrendo apenas por orgulho. Rendam-se, e não haverá mais derramamento de sangue.”
O cavaleiro mais velho virou seu cavalo, o rosto contorcido de descrença e fúria.
“Rendição?”
Ele cuspiu, desembainhando sua espada encantada com as mãos trêmulas, não de medo, mas apenas de raiva.
“Para um miserável de nascimento ilegítimo? Nunca!”
Ele instigou seu cavalo a atacar, espada erguida, um grito desesperado saindo de sua garganta.
“Jamais me ajoelharei diante de um falso nobre, envolto em bugigangas douradas e ladeado por vira-latas que ousam se chamar cavaleiros!”
Arthur permaneceu parado, imóvel, mesmo enquanto Alphonse avançava em sua direção. Ele era o líder daquele exército, o comandante, e não precisava lutar aquela batalha sozinho.
“Pare!”
Sir Gareth e Sir Morien se colocaram na frente do cavaleiro que avançava. Gareth empunhou sua espada com firmeza, e Morien apontou sua lança na direção de Alphonse. Eles não permitiriam que seu senhor fosse tocado. Sabiam que não eram páreo para um cavaleiro comandante do calibre de Alphonse, mas preferiam morrer a deixar que um único fio de cabelo de Arthur fosse ferido.
“Afastem-se, para que eu não derrube vocês!”
Alphonse avançou, encantamentos e habilidades que o permitiam romper as fileiras como uma força da natureza. Ele sabia que a batalha estava perdida, mas não se renderia. Recusava-se a dar aos seus inimigos a satisfação da vitória completa. Se conseguisse matar Arthur, morreria com um pingo de orgulho. Os dois cavaleiros que bloqueavam seu caminho estavam abaixo dele em poder. Podia ver isso num piscar de olhos. Ele os derrubaria e, em seguida, massacraria o suposto nobre que liderava aquele exército.
Mas, assim que se preparou para colidir com eles, um arrepio percorreu sua espinha. Seus instintos se voltaram e ele brandiu a espada, reagindo a um estranho lampejo no ar, uma adaga que veio voando de lado. Ele a desviou, mas a força foi suficiente para fazer sua mão tremer. Uma parte de seus encantamentos defensivos tremeluziu e se esvaiu.
Ao longe, através da névoa e da fumaça do campo de batalha, ele avistou uma figura. Encapuzada e imóvel. Uma pessoa empunhando duas adagas estava nas sombras, meio escondida atrás do caos da guerra.
Tudo aconteceu em uma fração de segundo, como se a figura estivesse esperando o momento exato em que seria distraída pelos outros dois cavaleiros de nível três. Uma espada veio em sua direção de um lado. Do outro, uma lança avançou. Ambas as armas brilhavam com um brilho estranho, suas lâminas brilhando com encantamentos e efeitos mágicos em camadas.
Essa combinação mortal foi sua ruína. Ainda cambaleando com o desvio da adaga, seu equilíbrio se perdeu. Antes que pudesse se recuperar, ambas as armas o atingiram em cheio…