
Capítulo 11
Nv. 99 Princesa da Chama Negra
— Sua plaqueta dourada. Caçadores de hoje em dia não têm isso.
A princípio, ele achou que fosse falsa, mas logo Si-u percebeu que era genuína. O fato de o nome estar apagado o incomodava um pouco, mas isso não mudava o fato de que era real. Uma caçadora da primeira geração. Si-u não conseguiu conter a excitação e, sem esperar que ela acordasse, procurou o número da plaqueta. Mas, infelizmente, não encontrou nenhuma informação pessoal.
Trinta anos haviam se passado desde que a primeira geração esteve ativa e, afinal, tanto caçadores quanto pessoas comuns haviam morrido por toda parte. Havia incontáveis desaparecidos. Era natural que muita informação também estivesse perdida. Mesmo que ainda houvesse registros sobre ela, seria a Associação de Caçadores da Coreia quem os guardaria. Embora fosse um Caçador de Rank S, Si-u não tinha autoridade para acessá-los.
— Sou Si-u Shin. Posso saber seu nome?
— …Eu sou… — Eunha de repente parou o movimento lento dos lábios. “Minha voz.”, Ela não saía. Mesmo abrindo e fechando a boca, sua voz não respondia à sua vontade. Eunha levou a mão ao pescoço com uma expressão estranhamente rígida. Então, uma cena do passado relampejou em sua mente.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas pede, primeiro, que você não mencione a existência dela como a décima terceira Criatura Mítica. E, segundo, que você lhe dê seu nome.】
【— Significa literalmente que seu nome será meu, e você não poderá usá-lo mais.】
As restrições impostas pelo gato. Era isso que ele queria dizer? Eunha encontrou uma caneta e papel sobre a mesa. Aproximou-se rapidamente, pegou a caneta, mas, ao tentar escrever seu nome, sua mão não se moveu. Era como se estivesse acorrentada por correntes invisíveis.
Si-u deu de ombros diante da paralisada Eunha. — …Tudo bem. Imagino que ainda não possa confiar em mim. Entendo. — Como poderia conquistar sua confiança? Si-u pensou por um momento, então tirou o celular do bolso e o mostrou para ela. No visor, estava a data: 12 de maio de 2031.
— …O que é isso? — Desta vez, sua voz saiu. Eunha acariciou o pescoço e olhou para o pequeno aparelho quadrado.
— Um telefone. Um celular.
Eunha franziu as sobrancelhas. O design era bastante diferente dos celulares que ela conhecia.
Dessa vez, Si-u ergueu um jornal diante de seu rosto desconfiado:
<○○Notícias> 12 de maio de 2031.
Os olhos de Eunha começaram a tremer. Se hoje era realmente 12 de maio de 2031, isso significava que ela esteve presa no portão por 30 anos e 2 meses.
“Não. Não pode ser.”
Era verdade que ela ficou muito tempo dentro do portão. Em algum ponto, ela até desistira de contar os dias, mas Eunha podia afirmar com certeza que não havia se passado tanto tempo assim. O tempo corria de forma diferente dentro do portão? Um lugar onde fenômenos inexplicáveis pela ciência ou pela lógica aconteciam? Era o Portão Desconhecido, afinal. Ainda assim.
“Eu… tenho 53 anos?”
Se 30 anos realmente haviam passado, isso significava que Eunha já tinha mais de 50. Não fazia sentido. Eunha se virou apressadamente e parou diante do espelho de corpo inteiro no quarto. Sua aparência não tinha mudado em nada desde que ficou presa no portão. A única diferença era que suas roupas haviam mudado de uniforme militar para um vestido, e seus cabelos estavam bem mais longos.
— Entendo que o choque é grande. Eu também nunca vi algo assim e acho difícil de acreditar. — disse Si-u.
Os olhos agitados de Eunha se moveram nervosamente. Si-u a observava em silêncio. O ambiente, com as cortinas brancas esvoaçando, parecia mergulhado em um balde de água fria. Eunha, depois de manter a boca fechada por um tempo, levantou lentamente a cabeça.
— Quero ver com meus próprios olhos. — Ela não podia acreditar tão facilmente sem confirmar por si mesma.
Dentro de um carro em movimento, Si-u segurava o volante enquanto lançava olhares para o banco do passageiro. Eunha olhava pela janela, em silêncio. Parecia completamente deslocada. Não era o vestido que causava esse contraste. Seu rosto parecia o de alguém que simplesmente havia caído do céu. A paisagem mudava rápido demais para ser acompanhada, mas mesmo num breve olhar era visível que Seoul estava diferente.
Logo chegaram ao destino e desceram do carro após estacionar. Em meio ao ambiente estranho, Eunha virou a esquina como se seu corpo ainda se lembrasse. Então, deveria haver…
— …Não está aqui. — Eunha parou de repente.
Ela esperava encontrar a favela onde os refugiados que perderam seus lares após o incidente do portão viviam, onde Eunha havia morado por último. Este era definitivamente o lugar, mas não havia nem sinal da tenda onde ela vivera. No lugar dela, havia um novo prédio comercial, com letreiros brilhantes. Ao lado do prédio, uma árvore com fitas penduradas. Era a Árvore da Esperança, plantada pelos refugiados, que agora estava mais do que duas vezes maior, olhando para baixo, em direção a Eunha.
— Se um dia esta muda crescer mais do que as tendas, espero que esta realidade de pesadelo tenha acabado.
Ela ainda conseguia ouvir as orações daquele dia em que plantaram a muda.
— Pode acreditar em mim agora?
Eunha permaneceu imóvel, sem mudar de expressão. Apenas seu punho tremia levemente. O sol se punha atrás do prédio altíssimo. Seus cabelos negros esvoaçavam tristemente. O vento carregou até o nariz de Si-u o forte cheiro de sangue. Humanos normais não cheiravam assim.
Eunha ficou parada, imóvel, por mais de uma hora. Quando a lua branca subiu ao céu escuro, Si-u, já acostumado ao cheiro, conferiu as horas.
— Vamos voltar por enquanto?
Ela manteve os olhos fixos na árvore e respondeu com dificuldade:
— …Voltar para onde? — Para onde ela poderia voltar? Já havia perdido seu lar duas vezes.
Si-u, observando seu rosto sem expressão, virou-se.
— Que tal irmos para minha casa e conversarmos? Tenho certeza de que ambos temos muito a perguntar um ao outro.
Os olhos negros, antes fixos na árvore, moveram-se um pouco. Eunha olhou para suas costas. Ela não tinha escolha.
Ela não conseguia dormir.
A empregada que estava limpando o quarto havia lhe trazido um novo edredom, travesseiro e pijama apropriado, mas Eunha nem sequer havia trocado de roupa e estava sentada à mesa. O relógio na parede marcava 2:30h da manhã. Ela desviou os olhos do relógio para a janela. A luz da lua, que via pela primeira vez em anos, era extremamente fria, a ponto de congelar seu coração. Apenas os ponteiros do relógio se moviam, contínuos no silêncio. Uma janela de mensagem amarela apareceu diante de Eunha, que permanecia imóvel como uma boneca.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas emerge das sombras.】
Era a primeira janela de mensagem que ela via desde que deixou o portão. Em outro momento, ela teria ficado feliz, mas antes que pudesse se entusiasmar, uma montanha de perguntas para o gato se formou em sua mente.
— Foi isso que você quis dizer ao tomar meu nome? — Eunha moveu levemente os lábios no quarto escuro, sem sequer acender a luz.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas lança um olhar para você. Diz que era uma condição do contrato naquela época, que agora não pode fazer nada, e desvia o olhar.】
Eunha olhou para a janela de mensagem em silêncio. Era estranho cobrar o gato. Ele havia explicado claramente as restrições, e ela mesma as aceitara. Naquele momento, dentro do portão, Eunha não estava em posição de escolher. Essa não era a questão pela qual ela deveria interrogá-lo agora.
— …Isto. — Eunha tirou a tiara da cabeça e a segurou diante da janela de mensagem. A janela tremeu e esmaeceu, como se refletisse a reação do gato. Eunha ergueu o olhar com firmeza. — Não fuja. Você tinha isto, não é? — A janela amarela, pega no flagra, não respondeu. Eunha continuou: — Por que não me contou?
O gato devia saber o quanto Eunha havia procurado aquele quinto monstro nomeado. No fim, ele não existia, porque o último item pertencia ao próprio gato. Seria mentira dizer que ela não se sentia traída, afinal, o gato fora sua única companhia durante os longos dias no portão.
Ela queria saber o motivo. Eunha esperou em silêncio que outra mensagem surgisse.
Após um longo tempo, uma janela apareceu, hesitante.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas começa a se lamber furiosamente.】
O gato explicou que planejava dar o quinto item para Eunha, mas um agressor externo o forçou a entregá-lo antes do planejado.
— Por que não me deu antes? Você sabia que eu estava tentando escapar do portão.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas pisca lentamente para você.】
Após um curto silêncio, outra notificação soou.
【Ela diz, chorosa, que queria brincar sozinha com você por mais tempo, que Eonni era sua única família.】
Família. Seus lábios, prestes a proferir palavras ríspidas, pararam. Pensando bem, o gato a chamava de ‘eonni’, ou ‘irmã mais velha’.
Desde quando o gato a considerava família? Quando brincavam no Portão Desconhecido? Quando ela assava carne na cabana depois de eliminar monstros? Quando conversavam até adormecer?
Ela não sabia ao certo, mas ‘desde quando’ nem era o mais importante.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas começa a tremer e diz: — O mundo lá fora é perigoso, assustador. Todos me odeiam.】
As almas de Eunha e do gato estavam ligadas pelo contrato. Assim, quando Eunha deixou o portão, o gato também foi forçado a sair.
Eunha olhou para a mensagem amarela trêmula. Ela não sabia muito sobre gatos, mas já ouvira que eram animais territoriais.
— …Não tenha medo. Vai ficar tudo bem. — murmurou ela, indiferente. A janela parou de tremer.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas pergunta, cautelosamente, se você a odeia. Seus olhos dourados parecem extremamente tristes. A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas lhe patrocina com 100.000 moedas como pedido de desculpas. Colocar na bolsa? ► Sim / Não】
Eunha, que por um momento havia se perdido em pensamentos, voltou a focar na janela de mensagem. Mesmo sem vê-lo, podia imaginar claramente o rosto cabisbaixo do gato.
Começou a falar com um tom calmo: — Não importa o que tenha acontecido, o fato é que pude sair daquele lugar graças a você.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas ergue as orelhas triangulares, feliz.】
— Mas eu ainda vou aceitar isto. — disse Eunha, pressionando o botão ‘Sim’ diante de seus olhos.
Ela não sabia quando ou onde usaria aquelas moedas, mas pensava que algum dia encontraria um bom uso para elas.
【Parabéns! Você adquiriu 100.000 moedas!】
Uma fanfarra soou, destoando do quarto silencioso banhado pela luz fria da lua.
Naquela noite, Eunha adormeceu ouvindo o alto ronronar da criatura.
Alguns dias se passaram. Si-u deixou que Eunha continuasse hospedada, pois sabia que ela ainda estava em estado de choque, tanto física quanto mentalmente. Ele também se sentia parcialmente culpado por ela ter desmaiado. Disse que não faria perguntas até que ela mesma quisesse falar, e cumpriu sua palavra. Definitivamente, ele não parecia ser uma má pessoa. Apesar de o primeiro encontro ter sido em uma batalha, ele se mostrava genuinamente atencioso.
Eunha sentava-se na cama, olhando para fora pela grande janela do quarto que ele lhe emprestara. Parecia ouvir, ao longe, o canto de filhotes de pássaros. Virou lentamente o rosto na direção do sol que invadia seus olhos.
A dor por saber que trinta anos haviam se passado latejava em seu peito, trazendo um vazio.
De repente, um livro enorme, do tamanho de um dicionário, chamou sua atenção. Aquele objeto, largado sobre a mesa, fora um presente de Si-u no dia anterior. — Caso você tenha curiosidade.
Registro dos Caçadores da Primeira Geração – Cópia (1997 a 2007)
Abaixo, estava o selo da Associação de Jurisdição dos Caçadores.
Si-u disse que, se ela não precisasse, poderia simplesmente queimá-lo. Mas Eunha o deixou na mesa. Com o dedo indicador, folheou a primeira página, mas então parou. Seus olhos negros, profundos, tremularam levemente.
“Uma amiga.”
O gato dissera que Eunha era sua única amiga. Mas Eunha tinha amigos: amigos que lutaram por um futuro melhor durante os dias no Centro de Treinamento, colegas em quem confiava sua vida no portão. O destino deles estaria, de alguma forma, registrado naquele livro grosso.
Levou um dia inteiro para criar coragem e abrir a primeira página. Com a luz fria da lua como companhia, em vez da lâmpada fluorescente, Eunha finalmente abriu o registro com cautela. Folheou lentamente as páginas, até parar na página 113.
– 26 de março de 2001 – Portão de Rank C em Namdaecheon, Yangyang, Gangwon.
Era o dia em que ficou presa.
– Cha Eunha – Falecida
Na época, Eunha era a comandante da equipe e seu nome estava no topo da lista. Para o mundo, ela estava morta. Durante trinta anos, no tempo moderno, ela nunca saiu do portão. Naturalmente, seria declarada morta oficialmente. Seus olhos negros seguiram lentamente as letras abaixo.
– Song Habin – Falecido
– Park Gyuyeol – Falecido
– Kim Seongmin – Falecido
Ela se esforçou para ignorar os rostos, as vozes e as expressões de seus colegas que surgiam em sua mente, virando mais uma página.
– Choi Jeongee – Falecida
– Kim Gyuchan – Falecido
– Lee Yeonhwa – Falecida
Eunha mordeu o lábio inferior e virou mais uma página.
– Choi Jiyong – Falecido
– Yang Haneul – Falecido
– Kwon Hyeju – Falecida
Só de ver os nomes listados de maneira tão fria, as memórias daquele dia terrível voltaram a se formar com nitidez. Ela apertou o registro com tanta força que quase o rasgou. Seus dedos deixaram marcas profundas no papel. Ela não queria mais ver aquilo. Quando estava prestes a morder o lábio e atirar o registro longe, seus olhos captaram as letras curtas no fim da página.
– Baek Ijun – Sobrevivente