
Capítulo 10
Nv. 99 Princesa da Chama Negra
— Por que ainda não recebi notícias? — Gwanghyeon olhava nervosamente para o relógio. Si-u havia dito com confiança que voltaria em uma hora, mas ainda não estava ali.
“Será que eu deveria simplesmente ir para casa?”
Já havia passado muito do horário de expediente. Sua filha provavelmente estava chorando, chamando pelo pai. Gwanghyeon travava uma batalha interna, mas não conseguia ir embora.
“Se eu for agora, não terei nada para contar ao presidente da Associação.”
O presidente da Associação de Caçadores estava de olho em Si-u Shin. Ele era um caçador de Rank S, além de ser um raro tipo natural. Ainda mais, era capaz de controlar tanto a água quanto o gelo. Suas habilidades poderiam ser usadas não apenas em batalhas, mas também no combate a incêndios ou no resgate de civis.
“Não é de se admirar que o queira tanto.”
Mas será que Si-u aceitaria a proposta? Ele não se impressionava com qualquer discurso meloso. Era relutante em se expor ao mundo, embora ninguém soubesse ao certo se por vontade própria ou por influência da Guilda Lobo. Alguém havia conseguido convencê-lo a passar pelo processo do Tutorial, que vinha adiando, mas ele ainda agia como se não tivesse interesse em caçar.
O que Gwanghyeon poderia fazer para atrair Si-u para a Associação? Enquanto remoía pensamentos sem resposta durante cerca de meia hora, o sino de vidro da porta tilintou.
— Ah, caçador Shin!
Crash!
A cadeira em que estava sentado tombou com um grande estrondo. Apagando a expressão preocupada, Gwanghyeon forçou um sorriso largo e abriu a porta rapidamente. No entanto, seu rosto congelou ao ver Si-u.
— Hã? Aconteceu alguma coisa?
— Não. Bem… — Si-u hesitou. Seu moletom estava rasgado em vários pontos, como se tivesse sido atingido por faíscas; os sapatos estavam chamuscados; o cabelo, completamente desalinhado; e o rosto, sujo de fuligem. Gwanghyeon não conseguiu esconder a confusão diante daquele estado deplorável.
“Um Rank S passando dificuldades num portão de Rank B?”
Aquilo não fazia sentido. Era mais fácil acreditar que ele tivesse atravessado um incêndio no caminho de volta.
— Aqui. — Si-u estendeu um minério roxo: a essência do portão. Apesar dos problemas, pelo menos havia concluído o Tutorial. Gwanghyeon não fazia ideia do que causara aquele estado, mas o fato de ter limpado sozinho um portão de Rank B provava que Si-u realmente era um caçador de Rank S.
— Impressionante. Sente-se, por favor. Como deve estar ocupado, serei direto.
— Você sabe fazer primeiros socorros?
— Sim, primeiros socorros… — Gwanghyeon parou. — Perdão? Primeiros socorros? Você se feriu?
— Não eu. — Si-u apontou com o polegar por cima do ombro. — Ela.
Só então Gwanghyeon percebeu que Si-u carregava alguém nas costas. Era uma mulher pequena, escondida por trás da silhueta larga dele.
— Isso é… Eh. — Gwanghyeon ofegou. A mulher envolta em tecido negro parecia um casulo, e era extremamente pálida. Seus pulsos, visíveis entre as mangas pretas, eram estranhamente finos e ossudos.
— Por favor, examine-a. Não posso levá-la ao hospital, pelas minhas circunstâncias. — Si-u parecia um pouco nervoso ao falar. Os funcionários da Associação lidavam com caçadores e portões; era obrigatório que soubessem primeiros socorros e conhecimentos médicos básicos, para lidar com acidentes onde quer que estivessem. Si-u sabia disso, e estava pedindo ajuda. Não havia razão para Gwanghyeon recusar. Não era uma cirurgia imediata, apenas uma checagem.
Quando Gwanghyeon estava prestes a se aproximar, Si-u advertiu: — Ah, tome cuidado. Nem eu poderei detê-la se ela acordar agora.
— …Perdão? — Gwanghyeon piscou lentamente. Tinha ouvido certo? Se até Si-u, um Rank S, dizia isso… Ele olhou para a garota com mais atenção.
Era a primeira vez, em muito tempo, que via alguém com cabelos tão pretos. Desde o surgimento dos portões, superpoderes e contratos com Criaturas Míticas, as cores de cabelo e olhos haviam se diversificado muito. Pelo comportamento de Si-u e pelas roupas extraordinárias da jovem, ela devia ser uma desperta. Mas cabelos tão negros? Não era a única coisa estranha.
“Aquele vestido. E aquilo que ela segura nas mãos, mesmo inconsciente… é uma sombrinha.”
A renda exagerada no vestido era tão negra quanto o cabelo. Seria cosplay? Mas havia um nível de detalhe incomum, a fita ligeiramente desfiada, as mangas ensanguentadas.
— Hmm. Ela não parece ter ferimentos graves, tirando a febre alta. Diria, com cautela, que está extremamente exausta.
— Então não está doente?
— Não. Acredito que, se a febre baixar, ela despertará. Bom, não sou médico, mas essa é minha opinião.
— Entendo. Obrigado.
Talvez fosse apenas intuição? O rosto de Si-u pareceu se aliviar por um instante, mas isso durou pouco. Ele se levantou de súbito e cuidadosamente a tomou nos braços.
— E-espera, caçador Shin — Gwanghyeon rapidamente bloqueou o caminho. — Ainda preciso dizer algo.
— Recuso qualquer convite para a Associação. Já sou afiliado a uma guilda, como você sabe.
— Mas o caçador Shin é da Guilda Lobo…
— Eu recuso. — Si-u o interrompeu com firmeza, encarando Gwanghyeon nos olhos. Não escondeu a irritação em sua voz baixa. — Você não disse que eu seria livre para fazer o que quisesse depois do Tutorial?
— E-Então… que tal isso? Amanhã, ou… em qualquer momento que lhe convier, por favor, visite a Associação…
— Por favor, saia da minha frente. — Si-u cortou Gwanghyeon novamente e inclinou levemente a cabeça. — Existem coisas mais importantes agora.
Gwanghyeon já não tinha mais forças para detê-lo. E assim, teve de ver um caçador de Rank S ir embora diante dos seus próprios olhos.
— …Não é fácil. Realmente. — Gwanghyeon ficou colado à vidraça, observando Si-u se afastar. Então, de repente, se deu conta: “Espera. Aquela mulher… ela tem uma aparência semelhante à Princesa da Chama Negra dos mitos.”
Um vestido negro manchado de sangue, uma sombrinha com brasões de rosas negras, sapatos de espinhos; cabelos tão longos que se arrastavam, pele manchada de sangue: tudo se encaixava perfeitamente.
“Não pode ser… Não.”, Gwanghyeon balançou a cabeça. Então, a advertência de Si-u ecoou em sua mente.
— Nem eu conseguiria detê-la se ela acordasse.
Gwanghyeon parou de repente. Seus instintos lhe diziam que havia algo errado com aquela garota.
Algo cheirava bem.
Eunha abriu lentamente as pálpebras. Sua cabeça latejava como se agulhas perfurassem sua testa. Essa dor desagradável parecia nunca melhorar.
— Isto é…
Ela massageou a testa dolorida e olhou ao redor. Percebeu que o cheiro vinha do amaciante de roupas de um edredom. Ainda se sentia entorpecida. Ao se sentar, sua visão turva revelou um baú branco.
“Isso…”
As antigas roupas militares de Eunha estavam ali, dobradas cuidadosamente. Por quê? No momento em que sentiu dúvida, uma sombra esguia surgiu ao seu lado.
— Ah, você acordou? Vou chamar o mestre.
Era uma jovem que organizava o quarto… O quarto? Só então Eunha percebeu claramente o ambiente: uma cama macia, uma mesa de madeira, cortinas brancas, e… luz do sol. Seus olhos negros, antes vazios, focaram e se arregalaram.
Crash!
Eunha caiu da cama.
— V-Você está bem? — A mulher estendeu a mão.
Eunha não a pegou. Em vez disso, olhou ao redor, atônita. “Não é o portão. Eu… escapei? Como?”, Sua memória terminava na batalha contra o caçador de olhos azuis.
Uma voz familiar penetrou sua mente confusa. — Parece que ela acordou.
— Ah, mestre.
— Bom trabalho. Pode sair.
Eunha ergueu lentamente a cabeça. O caçador de olhos azuis: era ele.
— Como você está? — Pelo tom e expressão, parecia genuinamente preocupado, embora não houvesse motivo para ser.
Flash!
Eunha saltou para a beirada da cama sem responder. Chamas negras surgiram de seus ombros, provando sua hostilidade. Mas algo estava estranho. O homem ergueu as mãos em sinal de rendição, sem adotar postura de combate.
— Peço desculpas se a assustei.
Ele usava honoríficos. A testa de Eunha se franziu. Não relaxou diante dele, cujo comportamento havia mudado drasticamente. Era difícil aceitar o tom respeitoso tão diferente daquele usado durante a luta.
— Vou ser direto. Você consegue comer?
O silêncio pairou entre eles. Eunha não apagou as chamas e continuou a fitar o homem com olhar afiado. Não havia como ele não perceber a hostilidade em seus olhos.
Si-u não tentou diminuir a distância; falou o mais calmamente que pôde: — Por favor, não fique tão na defensiva. Se quisesse fazer algo, já teria feito.
Eunha examinou seu corpo com atenção. De fato, não havia ferimentos ou marcas de contenção, além da dor de cabeça e do corpo fraco. Pelo contrário, havia sinais de cuidados. — …Você tentou me matar. Quais são suas intenções?
— Não acha que qualquer um teria se confundido? — Havia muitos casos de monstros humanoides em portões. Era raro que falassem, mas não inédito. — Humanos normalmente não cheiram tão intensamente a sangue.
— Ainda acha que eu sou um monstro?
— Eu já disse. Se achasse, teria matado você enquanto dormia.
Eunha estivera inconsciente por quase dois dias. Torcer o pescoço dela teria sido mais fácil que quebrar o dedo de uma criança, mas Si-u não o fez.
Eunha o encarou. Na verdade, havia muitas perguntas que queria fazer: como ele entrou no portão, como conseguiu sair com ela, e como sabia sobre o título que nem ela conhecia.
“Ele me chamou de Princesa da Chama Negra.”
O fogo ao redor dela começou a se extinguir. Claro, não baixou totalmente a guarda. Eunha estreitou os olhos e o observou. Si-u estava sentado a uma distância respeitosa, como se conversasse com um superior.
— Obrigado. — Ele sorriu, aliviado, diante da Eunha que parecia ter se disposto a dialogar.
A sobrancelha de Eunha se contraiu. “Que tipo de sujeito é esse?”
Enquanto isso, Si-u refletia. Pelo que observara, era altamente provável que ela fosse humana. As evidências:
Primeiro, o portão se abriu mesmo sem ela ter morrido. Ou seja, ela não era o monstro chefe.
Segundo, após Eunha desmaiar, Si-u não saiu imediatamente. Inspecionou a área e encontrou uma cabana feita por mãos humanas, uma pilha de carcaças usada como fogueira, roupas militares velhas, livros empoeirados e embalagens de comida de emergência.
“Embora eu não entenda o que um livro de TOEIC fazia ali.”
Terceiro, monstros são programados para atacar qualquer humano desprotegido. Era regra, mas ela não atacou a arrumadeira que encontrou ao acordar.
E por último, havia o que ele encontrara em seu pescoço.
— Vou devolver isso. Peguei emprestado por um tempo. — Si-u estendeu a plaqueta dourada para Eunha.
Eunha a recebeu com cautela e pendurou-a novamente no pescoço. Si-u a observou de forma estranha, sentado em frente a ela, e então abriu a boca lentamente.
— Primeiro, bem-vinda ao mundo trinta anos depois, senhorita…
Ao ouvir essas palavras, Eunha ficou paralisada como uma estátua.
“…O quê?”