Nv. 99 Princesa da Chama Negra

Capítulo 12

Nv. 99 Princesa da Chama Negra

Si-u foi até o quarto de Eunha logo pela manhã. Havia muitas coisas que precisavam dizer um ao outro. Eunha foi a primeira a perguntar como ele havia entrado no Portão Desconhecido. Segundo Si-u, foi apenas uma coincidência.

— Entrei em um portão de Rank B. Eu definitivamente vi uma fenda verde.

— É mesmo? — O portão que Eunha entrou em março de 2001 era de Rank C. Será que o Portão Desconhecido se disfarçava de um portão normal? Era a explicação mais plausível. — E sobre limpar o portão? Como conseguiu sair?

— Pela saída.

Eunha ficou imersa em pensamentos, estudando o Si-u que respondia com indiferença.

Durante o combate contra ele, Eunha havia obtido os cinco itens. Era bastante provável que a saída tenha se aberto naquele momento.

Ela levantou o olhar enquanto acariciava o queixo.

— Por que me chamou de Princesa da Chama Negra?

— Bem, você está se fantasiando assim.

“Fantasiando…?”

Si-u explicou que a ‘Princesa da Chama Negra’ era como uma história de fantasma entre os caçadores.

“Uma… história de fantasma.”

Si-u virou-se ao perceber Eunha olhando estranhamente para a sombrinha preta.

Subitamente, a mesa de vidro próxima entrou em seu campo de visão.

Sobre ela, havia um café da manhã quase intocado, ao lado do registro de caçadores aberto.

— Parece que você deu uma olhada no registro.

Eunha também desviou os olhos para o livro ao ouvir suas palavras.

— …Todos eles morreram. Exceto um. — Assim como sua voz, seu rosto permanecia calmo e inalterado.

Foi Si-u quem deixou transparecer a tristeza.

— Sinto muito. — disse ele, após um breve silêncio. Si-u estudava o rosto mudo de Eunha antes de abrir a boca com cautela. — …Se quiser, posso investigar. Sobre essa pessoa. Encontrar informações de contato ou o paradeiro dele seria algo simples.

Ele não estava tentando lhe dar falsas esperanças. Para Si-u, ou melhor, para a Guilda Lobo, seria mais fácil do que estalar os dedos. Além disso, se encontrasse seus antigos colegas, poderia descobrir mais sobre a identidade de Eunha.

— Não. — Eunha balançou a cabeça. — Já estou bem só de saber que ele está vivo.

Sentiria uma felicidade imensa ao ver Ijun, mas também seria dominada pela confusão.

“Trinta anos se passaram, então Ijun deve estar com 54 anos.”

Mas, em sua mente, ele ainda era o jovem de vinte anos de cabelos loiros, que corria para ela com o kit de primeiros socorros ao menor ferimento, que sorria docemente para o cachorro que criava, que falava sobre o amanhã mesmo em meio aos portões repletos de cheiro de sangue, uma pessoa simples, amigável e gentil. Pensando naquele rosto nostálgico, Eunha passou a mão lentamente pelos cabelos. Achava que um reencontro depois de trinta anos não seria tão belo. Ijun era uma pessoa sensível. O que aconteceu no passado certamente havia deixado cicatrizes profundas em seu coração gentil. Ela não queria forçar um reencontro e reacender essas feridas, ainda mais depois de tanto tempo.

— Há algo mais que você deseja? Ajudarei no que puder.

— Não. Você já fez o suficiente.

— Por favor, não hesite. Diga qualquer coisa. Precisa de algo? Comida que gostaria de comer? Pessoas que queira encontrar? Qualquer coisa está bem.

Era desconfortável para Eunha que ele continuasse tentando lhe oferecer coisas, mesmo após suas recusas. Desde muito tempo, ela acreditava que nada vinha de graça.

— …Por quê?

— Perdão?

Os olhos tão negros que nem era possível discernir onde começavam ou terminavam fixaram-se em seu rosto.

— Por que faria isso?

Era uma pergunta natural.

Si-u a tratava como uma hóspede de honra, sem razão aparente, sem preço, sem prazo.

Mas a resposta dele foi mais curta e direta do que ela esperava.

— Porque você é uma caçadora da primeira geração.

Uma caçadora da primeira geração se referia, literalmente, àqueles que haviam vivenciado o início dessa era de convulsão.

— …E? — Eunha perguntou, com expressão confusa. — Isso é tão importante assim?

— Claro. — Si-u respondeu sem hesitar. — A maioria dos caçadores da primeira geração morreu em combate, desapareceu ou ficou vegetando, mantendo apenas a consciência. O simples fato de você ter sobrevivido a condições tão precárias e tempos tão horríveis já lhe concede o direito de ser reverenciada.

Eunha foi tomada por uma sensação estranha ao ouvir aquela resposta. Ela não se via como alguém grandiosa. Despertara por coincidência e fora convocada aos vinte anos. Desde então, havia despejado sua raiva e sede de vingança contra os monstros, freneticamente, literalmente. Era só isso.

— Os caçadores modernos são miseráveis — Si-u continuou. — Mesmo sendo avaliado como Caçador de Rank S, quase perdi para você. Se você não tivesse desmaiado, eu estaria completamente sem saída.

— Isso é verdade.

Si-u tossiu discretamente quando Eunha concordou sem pensar duas vezes. Ela nunca foi arrogante. Mesmo agora, se lutassem, Eunha tinha confiança de que poderia vencê-lo. Se estivesse em plena forma, e se soubesse desde o início que ele controlava não apenas gelo, mas também água, ela não teria perdido.

— A sobrevivente de um Portão Desconhecido, com habilidades superiores às de um caçador de Rank S atual… Se a mídia soubesse de você, seu nome estaria estampado em todas as manchetes do país.

Portões e monstros. Nem mesmo o poder da ciência que a humanidade possuía conseguira elucidar suas essências e causas. Os Portões Desconhecidos, em especial, permaneciam envoltos em mistério, como o próprio nome sugeria. Suas regras eram irregulares, sua dificuldade e aparência não obedeciam a padrões fixos. A sobrevivência de Eunha por trinta anos em um Portão Desconhecido seria algo extremamente fascinante para os pesquisadores.

— O que pretende fazer agora? — perguntou Si-u.

— Não tenho certeza. — Embora Eunha tivesse aceitado a realidade, ainda parecia menos real do que um sonho. Seul, o mundo que ela conhecia, não existia mais.

Si-u a observava sentada como uma boneca vazia quando abriu a boca com cautela. — Se me permite… posso fazer uma sugestão?

— Uma sugestão?

— Sim. Estive pensando nisso o tempo todo. — Si-u levantou-se da cadeira, observando Eunha, que parecia exausta de alguma maneira. — Acho que você deveria descansar mais primeiro. Pode ficar o tempo que quiser. Se decidir me ouvir, por favor, me avise.

Se pudesse, ele teria se agarrado aos tornozelos dela e ficado pendurado, mas compreender e respeitar sua situação, de ter surgido num mundo trinta anos mais velho,  vinha primeiro.

— Se precisar de algo, é só chamar.

Click.

Sozinha no quarto vazio, Eunha tocou o pulso esquerdo por hábito. A textura da velha pulseira de desejos sempre a acalmava como mágica.

Diziam que rios e montanhas mudavam em uma década. Em três décadas, mudariam três vezes. Eunha fechou os olhos. O mundo havia mudado, assim como o ambiente ao seu redor. Era como sonhar um sonho extremamente vívido. A cidade que Eunha conhecia desaparecera; as pessoas que conhecia desapareceram; a própria Eunha que conhecia desaparecera.

Então, o que exatamente ela deveria fazer no mundo moderno de 2031? Para quê, como e com que sonhos deveria seguir vivendo? Houve uma época em que tivera preocupações parecidas. Provavelmente, em seu segundo ano do ensino médio.

Antes de entregar o ‘Plano de Carreira e Faculdade’ que recebera da professora responsável, Eunha o mostrou para sua mãe. Depois de ler o papel, sua mãe olhou para ela, surpresa.

— Eunha, você…

— Mãe, eu não quero ir para a faculdade. Quero apenas arrumar um trabalho qualquer, ganhar dinheiro.

— Não precisa. Eunha, não estou em situação tão ruim a ponto de você ter que desistir da faculdade.

— Mas mãe…”

— Escute bem. O que eu quero, Eunha, é que você viva a sua vida.

Sim, foi isso que sua mãe lhe disse. Eunha afastou o pó das memórias e caminhou sem fim pelas ondas delas que começavam a emergir.

— Minha vida? — foi o que ela perguntou.

Sua mãe provavelmente sorriu.

Não respondeu, apenas acariciou seus cabelos, sentando-se ao seu lado e olhando para o papel com uma caneta na mão. — Você vai descobrir junto comigo.

Mentiras. Foi o que sua mãe lhe dissera antes de abandonar abruptamente seu lado. Até hoje, Eunha ainda não havia encontrado a vida que sua mãe queria para ela.

Mesmo que não tivesse pensado muito nisso antes, sabia que ter despertado contra sua vontade, ter sido recrutada à força e viver como caçadora não era sua própria vida.

Eunha abriu lentamente as pálpebras fechadas e remexeu nas roupas até encontrar duas notas amassadas. Tinha o hábito de carregar dinheiro vivo, pois sua profissão de caçadora impedia que andasse com carteira. Havia perdido a maior parte do dinheiro durante as batalhas no portão, sobrando apenas aquelas duas notas. Eunha abriu cuidadosamente os rostos de Yi Hwang estampados nelas.

“Dois mil won bastam.”###TAG###1###TAG###

Era o mesmo bairro, então a tarifa básica seria suficiente. Eunha se levantou imediatamente da cama e deixou o quarto.

A casa de Si-u era tão espaçosa que a palavra ‘mansão’ lhe caía perfeitamente. Depois de muito procurar, Eunha finalmente encontrou as portas da frente. No momento em que estava prestes a sair, ela hesitou. O espelho de corpo inteiro no armário refletia apenas sua imagem.

Preto. Muito preto.

Eunha virou-se lentamente. Conseguia ver os funcionários circulando pela mansão.

“Devo pedir roupas emprestadas?”

Mas esse pensamento durou apenas um instante. Seria um incômodo. Eles já haviam feito muito por ela. No fim, Eunha segurou a maçaneta.

“Vou apenas pegar um táxi.”

Seria melhor assim. Eunha saiu da mansão sem ser notada.

Do lado de fora, havia um bairro residencial silencioso. As ruas alinhadas mostravam claramente que era uma área rica, diferente de onde Eunha costumava viver. Ela atravessou as ruas arborizadas até chegar à estrada principal. Uma paisagem talvez familiar a recebeu.

Si-u morava em Banha, Seul. Eunha vivera ali até os dezenove anos. Frequentara a escola primária, o ensino fundamental e o ensino médio naquele bairro. A paisagem havia mudado, mas ela sabia que sua antiga casa ficava próxima dali, a casa onde morou por tantos anos depois que seus pais se divorciaram, uma época da qual mal se lembrava.

Ela poderia ter caminhado até lá, mas decidiu seguir o plano original de pegar um táxi. A tarifa básica seria suficiente, e ela tinha dinheiro. Logo após acenar para a beira da estrada, um táxi encostou.

— Para o número 287-14, por favor. — disse Eunha logo após entrar no banco traseiro. As duas notas em sua mão estavam completamente amassadas.

— Moça, que roupas bonitas você está usando. Parece que vai para algum festival, não é? — comentou o motorista, sorrindo para Eunha pelo retrovisor.

— Ah, bem… — Eunha desviou o olhar e fixou os olhos na janela. A Seul desconhecida passava como um caleidoscópio.

Chegou ao seu destino em menos de cinco minutos, como esperava. O valor cobrado foi apenas o da tarifa mínima. Após confirmar que o táxi havia parado na rua certa, Eunha entregou as duas notas ao motorista.

— Pode ficar com o troco.

No momento em que soltava o cinto de segurança e abria a porta de trás, o motorista a segurou pelo ombro. — Ei, moça, você está brincando comigo, né?

“Hã?”

  1. Cerca de R$8,00[###TAG###]###TAG###