
Capítulo 3
Nv. 99 Princesa da Chama Negra
【Os monstros foram eliminados! A saída será ativada.】
【AVISO. Erro desconhecido.】
【O portão será reiniciado.】
De novo. Para ser exato, era a terceira vez. Ela não sabia o motivo, mas aceitou o fato com calma.
“Estou presa.”
Já havia percebido que esse portão era diferente dos que tinha enfrentado antes. Em um portão normal, um monstro-chefe surgia depois que se eliminava certo número de monstros, e o portão era concluído ao se extrair a essência do chefe. Mas ali era diferente. Não importava quantos monstros matasse, o chefe não aparecia. Em vez disso, os monstros que derrotava simplesmente reapareciam. Não havia qualquer estratégia possível.
Mate se não quiser ser morto.
Era isso que o portão parecia dizer a ela.
Eunha caminhou sem rumo e decidiu encontrar um lugar para descansar. Teria algum tempo até a próxima batalha. Sua costela esquerda, arranhada por uma garra afiada, latejava. Precisava estancar o sangramento rapidamente. Sentou-se e vasculhou a mochila que carregava. Era a que Ijun havia deixado para trás. Devia haver algo útil ali. Ijun era cuidadoso e meticuloso. Tinha não só uma garrafa de água e comida de emergência, mas também sapatos e roupas íntimas extras. Era por isso que Eunha costumava provocá-lo, perguntando se ele ia acampar.
— …É. — Eunha riu baixo ao encontrar um kit de primeiros socorros na bolsa. Além do ‘remédio vermelho’, conhecido como panaceia, havia itens de emergência como gazes esterilizadas, bandagens, soro fisiológico, pinças e tesouras. A meticulosidade dele ajudava em momentos assim. Eunha esterilizou o ferimento e começou a costurá-lo com agulha e linha cirúrgicas. Embora não fosse tão habilidosa quanto um profissional, tinha prática. Isso só era possível porque era uma caçadora que escapara da morte inúmeras vezes ao longo de três anos.
— Ugh. — Eunha mordeu o lábio inferior. Mesmo depois de tanto tempo, nunca se acostumara à dor que fazia cada pelo do corpo se eriçar. Quando terminou os primeiros socorros, olhou ao redor. — …Estou com sede.
O interior do portão era semelhante a uma caverna comum. Estalactites pendiam do teto como estalactites de gelo, e gotas de água límpida pingavam no chão. Eunha tirou a tampa da garrafa e a posicionou sob o fio de gotas. Ela podia comer qualquer alimento desde que não fosse venenoso e estivesse bem cozido, mas não podia beber água contaminada. Se tivesse uma infecção, seria seu fim. Precisava observar se a água mudaria de cor com o tempo.
— Preciso comer.
Havia apenas dois pacotes de comida de emergência na bolsa de Ijun. Era uma quantidade ridiculamente pequena. Eunha então começou a verificar outras bolsas, deixadas pelos colegas mortos. A maioria fora dilacerada junto com seus donos, e poucos pertences restaram intactos. Em uma das mochilas, encontrou um bilhete.
“Ela é minha namorada. Bonita, né?” Era uma foto da namorada de um dos colegas, com quem ele namorava desde o ensino médio. Ele se gabava disso o tempo todo. A foto estava manchada com gotas de sangue já secas. A garota ainda sorria docemente. Eunha a guardou de volta e continuou remexendo.
Encontrou um amuleto que o pai de outra colega lhe dera antes dela ser convocada. Pertencia à colega que falava especialmente muito sobre o pai. O protetor solar quase vazio devia ser da Hyeju, a garota gentil que sempre colocava protetor nas mãos dos colegas antes dos treinos. Por fim, achou o livro de estudos para o TOEIC que um dos colegas abraçava, dizendo que encontraria uma nova vida depois de largar a vida de caçador.
— Por que você trouxe isso para uma missão…?
Se soubesse que trariam itens tão inúteis, teria feito um comentário ácido, mas agora não podia mais. Mesmo que fizesse, eles não ouviriam.
Eunha se levantou, carregando uma expressão profundamente deprimida. Ela não se importaria de morrer lutando contra monstros, mas não queria morrer de fome. Precisava destroçar aqueles tigres negros, no lugar onde seus colegas caíram. Para isso, primeiro precisava comer, precisava sobreviver.
— Talvez haja cogumelos ou pelo menos musgo nesta caverna.
Não podia esperar até o ferimento cicatrizar. Aquele não era um leito hospitalar, era um campo de batalha. Eunha se levantou e decidiu procurar algo ao redor. Mas, infelizmente, não encontrou nada comestível.
Ding!
O sistema, que permanecia em silêncio, soou novamente. Uma caixa de diálogo azul apareceu diante de seus olhos.
【O portão foi reiniciado.】
【- – – Carregando – – -】
【Nv. 30 Tigre Negro de Olhos Vermelhos irá atacá-la!】
“O quê?”, No instante em que virou a cabeça, encontrou olhos vermelhos brilhando na escuridão. “Você tinha que vir logo agora?”
Eunha pressionou a mão contra as costelas esquerdas. Uma dor aguda irradiava pelo corpo inteiro. Caçadores tinham poderes de cura superiores aos humanos normais, mas para se recuperar de um ferimento profundo como o dela, precisariam descansar ao menos um dia. Em outras palavras, estava na pior situação possível. Mas hesitar significava morrer.
Eunha estendeu a mão ferida em direção ao monstro. De suas palmas abertas, chamas pequenas, mas intensas, explodiram.
Matar ou morrer. Essa foi a primeira coisa que a caçadora Eunha Cha aprendeu.
Muito tempo havia se passado.
As paredes estavam cobertas de riscos feitos com uma pedra afiada para contar os dias, mas ela havia parado em algum ponto. Seu pager também havia ficado sem bateria e não havia mais como saber o tempo. Eunha estendeu a mão e acariciou as paredes marcadas.
“Faziam 320 dias na última vez que marquei…”
Ela não tinha certeza, mas devia ter se passado um ano.
— …Ptui. — Eunha cuspiu a carne que mastigava. Carne de tigre era horrível. Essa foi uma das coisas que aprendeu naquele ano. Os tendões eram especialmente duros e difíceis de mastigar.
Sua habilidade única era o fogo, e ela podia aquecer qualquer coisa na caverna vazia, mas não podia ser saudável comer apenas carne queimada sem nenhum tempero. Vomitou repetidas vezes na primeira semana, mas os humanos se adaptam. Precisava comer para sobreviver.
Eunha colocou a garrafa de água, meio cheia, no chão. Ela conseguia coletar água potável das gotas que caíam das estalactites, mas nunca era o suficiente, já que levava quase meio dia para encher a garrafa. Por isso, quando a sede apertava demais, era obrigada a beber o sangue dos monstros. Construiu a base de uma cabana simples com ossos dos monstros e usou suas peles como cobertura para formar uma tenda. Às vezes, acendia fogueiras ao redor usando as carcaças como combustível, o que era bastante eficaz para impedir ataques-surpresa momentaneamente. Foi assim que Eunha conseguiu sobreviver tanto tempo dentro do portão.
Passava os dias agradecida por acordar a cada manhã tranquila, mas logo se via esmagada pela perspectiva de mais um dia igual. Não era tão diferente do mundo fora do portão. Batalhas nas quais um único erro significava a morte aconteciam todos os dias. Eunha evoluiu enquanto repetia essas batalhas. Trocou seu desenvolvimento pela própria vida.
Ding!
【O portão foi reiniciado.】
【- – – Carregando – – -】
【Nv. 30 Tigre Negro de Olhos Vermelhos sentiu cheiro de sangue. Nv. 30 Tigre Negro de Olhos Vermelhos rastreou sua localização.】
Eunha largou o osso quase sem carne que mordiscava e se levantou. Três monstros arreganharam os dentes para ela no instante em que saiu da cabana. Seus olhos brilhavam em chamas, como se fossem vingar seus companheiros.
Os monstros bestiais hesitaram quando Eunha abriu as palmas e invocou uma chama. Um sorriso gélido cruzou o rosto sombrio de Eunha.
— Venham, seus covardes.
Eles já não eram mais uma ameaça para Eunha.
As chamas que ela invocou formaram uma cauda como a de um cometa e perseguiram os monstros. Um deles uivou ao ser atingido pelo fogo e logo se desintegrou, virando um pedaço de carvão.
— Grr…!
Outro monstro, enfurecido pela morte do companheiro, rugiu enquanto avançava contra Eunha. Ela abaixou a mão em direção ao chão, e a chama caiu, queimando a terra ao invés do tigre. Observando o solo carbonizar, Eunha ergueu a cabeça e desferiu um chute no momento em que o tigre estava a poucos centímetros dela.
Splat!
A terra queimada sob os sapatos de Eunha levantou como ondas, e as cinzas bloquearam momentaneamente a visão do monstro. Ela não desperdiçou a oportunidade e agarrou a cabeça da criatura.
Poof!
A batalha terminou limpidamente com o som da explosão das chamas. Eunha ergueu a cabeça, verificando as carcaças carbonizadas.
“Pensando bem, eram três. Será que o outro fugiu?”
Foi nesse momento que uma sequência de janelas azuis surgiu em sua frente.
Ding!
【AVISO. Há uma grande onda se aproximando.】
【Nv. 68 Tigre Negro de Olhos Vermelhos Mutante irá aparecer. Nv. 68 Tigre Negro de Olhos Vermelhos Mutante encontrou você!】
“Um mutante? Não, espera, Nv. 68?”
Ela sabia, por ter escapado da morte dezenas de vezes. Seus próprios sentidos a alertavam: o inimigo atrás dela era perigoso. Quando virou lentamente a cabeça, viu um monstro grotesco, duas vezes maior do que os monstros de Nv. 30 que enfrentara até então: um monstro de elite. Provavelmente era um semi-chefe, um monstro nomeado. Um rugido grave e ameaçador reverberou por seus ossos. Só o rugido já quase a sufocava.
“Tenho que acabar com isso o mais rápido possível.”
Já havia enfrentado uma batalha. Estender outra só traria problemas. Eunha abriu lentamente o punho e uma pequena chama floresceu no centro de sua palma, como uma vela. Mas o monstro, impaciente, atacou antes que ela pudesse lançar a chama.
Boom!
As garras, tão grandes quanto presas de elefante, deixaram cicatrizes profundas na parede. Se aquele golpe tivesse a atingido diretamente, todos os ossos de seu corpo teriam sido quebrados.
Eunha olhou para as próprias palmas, inquieta. Poderia criar uma chama maior se concentrasse toda sua força, mas depois de mais algumas tentativas, ficaria sem energia.
“Mas não tenho escolha.”
Ela precisava sobreviver. Eunha esticou as duas mãos, como se já tivesse decidido. Pequenas chamas, do tamanho de vagalumes, reuniram-se em sua mão, formando um pequeno sol.
Boom
Quando o minúsculo sol tocou a testa do monstro, houve uma explosão enorme, semelhante à de um bastão de dinamite. Logo em seguida, veio um grito ainda mais violento. A fumaça densa da explosão encheu a caverna. Olhos vermelhos brilharam diante dela.
“Isso não foi suficiente?”, Suor frio escorreu por seu queixo.
O monstro esfregou a testa enegrecida contra o chão e então arreganhou os dentes novamente.
— De novo.
Poof!
— De novo!
Poof! Poof!
— Só mais uma vez…!
Bam!
Dessa vez, cairia. Eunha mal conseguia respirar e avançou pela névoa.
— Grr…
Suas pernas cederam ao ouvir o rosnado através da fumaça. Estava quase no limite. Já havia consumido quase toda a sua mana. O monstro também parecia exausto. Seu padrão de ataque havia mudado. Se chegasse a um combate corpo a corpo sem armas nem fogo, era óbvio que a criatura venceria.
“Não.”
A luz nos olhos de Eunha mudou. Havia uma maneira de acabar com aquilo.
Após pensar com clareza, ergueu a cabeça com determinação. Diante dela, podia ver a boca gigantesca do tigre. A criatura tinha uma pele mais dura que aço, mas havia uma única fraqueza.
“A pele macia dentro da boca.”
Eunha reuniu as últimas forças e levantou as mãos novamente. — Feche essa boca. — O braço direito de Eunha mergulhou dentro da boca do tigre.
Crack.
Booom!
No instante em que o tigre fechou as mandíbulas, houve uma explosão colossal, com o braço direito de Eunha servindo de combustível. As chamas intensas escaparam pelos dentes cerrados e explodiram a cabeça do monstro como uma melancia. Dentes, sangue e pedaços de carne voaram por todos os lados. O corpo decapitado do tigre caiu frouxamente ao lado de Eunha, como um pedaço de papel.
Ding!
【Você eliminou o primeiro monstro nomeado!】
【Atualização em andamento.】
【- – – Carregando – – -】
Eunha desabou no chão exatamente quando a mensagem surgiu.
— …Ugh.
Com esforço, ergueu a cabeça e olhou para seu braço direito. Restava apenas a metade superior; a parte inferior havia sido completamente arrancada e jorrava sangue. Vendo o sangue espirrando como uma fonte, ela se sentiu tonta. Seu corpo pesava como concreto armado e seus pulmões queimavam.
Um pensamento atravessou sua mente enquanto sua consciência se apagava.
“Já é o suficiente…”
Ela havia lutado e matado inúmeras vezes. Era o suficiente. Tinha feito bem. Com suas últimas forças, Eunha levou a mão ao pescoço. Sentiu a placa de identificação rígida. Se alguém a encontrasse, precisaria dela.
No limite de sua visão turva, viu seu braço esquerdo puxando a placa para fora da roupa. Algo ainda se agarrava a seu punho marcado de cicatrizes.
“…A pulseira.”
A pulseira de desejos da sua mãe, tão velha que parecia prestes a se romper. Por quê? No momento em que viu a pulseira, seus olhos pararam de se fechar.
Aperto.
Ouviu o som dos próprios dentes se cerrando. Com uma força que nem sabia que tinha, Eunha se forçou a levantar. Depois, acalmou o braço esquerdo trêmulo e abriu a palma.
Flash.
Uma chama minúscula, do tamanho da de um fósforo, surgiu. A chaminha tremia, assim como o braço que a invocara. Eunha não hesitou: levou a pequena chama até o braço direito.
— Ugh!
Seu lábio inferior se rasgou, gotas de sangue caíram pelo queixo. O cheiro repugnante de carne queimada encheu o ar. Embora caçadores tivessem habilidades de cura superiores, elas não serviam para impedir hemorragias tão brutais. Essa era a única maneira de estancar o sangramento. Mesmo quando seu corpo se contorceu de dor no chão, Eunha não apagou as chamas.
— Arghh!
Alguém já havia dito que queimar-se era a pior dor para qualquer ser humano. Ela apertou os dentes até rasgar o lábio, as veias saltando, mas não conseguiu conter os gritos que explodiam.
— Argh… Ugh…!
Seus gritos fantasmagóricos ecoaram pela caverna silenciosa. A dor era tamanha que a morte quase pareceria um alívio. Quando sua carne finalmente enegreceu e o sangue parou de fluir, o som de sistema fluiu para seus ouvidos atormentados.
Ding!
【Atualização concluída.】
【Você receberá uma recompensa.】
— U-uma… recompensa…? — Os dedos de Eunha se contraíram pouco antes de ela perder a consciência. Sentiu algo frio e afiado tocando levemente seus dedos.
【Parabéns! Você adquiriu a Sombrinha Elegante pertencente à Princesa da Chama Negra!】