O Retorno do Professor das Runas

Capítulo 627

O Retorno do Professor das Runas

“Isso é… agradável,” Renewal disse de cima do que parecia — e dava a sensação de ser — uma nuvem preta e fofa. Envolvia-a por todos os lados, de alguma forma sustentando seu corpo perfeitamente, enquanto permanecia incrivelmente macia.

Ela nunca havia se sentado em uma cadeira tão confortável, e jamais admitiria isso para Decras.

O outro deus estava sentado em frente a ela em uma cadeira igual. Suas pernas estavam esticadas; os pés apoiados em um pilar do mesmo material nebuloso. Ele exibia um sorriso tão convencido que poderia matar um ser inferior.

“É mesmo?” Decras perguntou, examinando as unhas como se o pensamento nunca tivesse lhe ocorrido. “Que gentileza sua. Fico feliz em saber que você gosta da minha humilde morada. Claro, não é nada comparado ao que a Ordem tem.”

“Ah, me poupe,” Renewal disse com um resmungo. Ela passou a mão ao longo do pelo do gato preto enrolado em seu colo. “Eu já me desliguei de tudo que passei a maior parte da minha vida trabalhando para alcançar. Isso não é o suficiente para você?”

A risada de Decras ecoou pelo vazio ao redor deles. Não havia bordas reais na sala em que estavam sentados. Simplesmente… deixava de existir após um certo ponto. Renewal não conseguia dizer exatamente onde, e nem tentou.

A sala havia sido feita por um deus consideravelmente mais forte do que ela ou Decras. Esse pensamento enviou um arrepio pela espinha de Renewal. Os Caídos eram o tema de muitas histórias e um número ainda maior de avisos de Julgamento e dos outros deuses da Ordem.

Eles eram, se Julgamento estivesse certa, a razão pela qual o universo não conseguiu alcançar a perfeição. Uma mancha preta em uma folha branca. Uma nódoa na própria existência.

Os Caídos eram uma força implacável de mal e caos que não parava por nada para derrubar a estrutura perfeita que a Ordem representava. Sua mera existência cuspia na cara da própria vida. Julgamento tinha mais do que algumas palavras pouco gentis a dizer sobre os Caídos.

Renewal havia acreditado neles por muito tempo.

Mas agora… ela não tinha tanta certeza.

Eu sempre pensei que a Ordem fosse apenas… a vida. Nós somos os bonzinhos, eles são os malvados. Era assim que era. Mas Decras… ele é um babaca, mas não fez nada de mal. Não posso dizer o mesmo de Julgamento. Ela estava prestes a me matar, a vadia maluca.

“Aconteceu alguma coisa?” Parte da diversão sumiu do tom de Decras. Havia genuína preocupação ali. “A sala não está do seu agrado?”

Renewal levou uma mão à boca para cobrir um sorriso. “Não. Está tudo perfeitamente bem.”

“O que foi? Você está rindo de mim?” Os olhos de Decras se estreitaram. “Por quê?”

“Nada. Eu estava apenas pensando que não temos salas como esta em casa.”

Decras soltou um bufido debochado. “Você tem sorte de a Ordem ter te dado algo melhor do que uma vara de madeira para sentar sua bunda divina. Um bando de bastardos esnobes que pensam que podem dominar o universo para fazer suas vontades.”

“Esse não era o nosso propósito,” Renewal disse defensivamente.

O outro deus arqueou uma sobrancelha para ela. “Certo. Então vocês estão apenas forçando as almas a marchar pelos ciclos de reencarnação porque gostam de fazer isso.”

“O que você quer dizer?” Renewal tentou mudar sua posição na nuvem, mas ela apenas engoliu seus braços e a deixou enrolada em um casulo irritantemente confortável. “Nós não fazemos isso por diversão! É nosso dever!”

“Dever. Que dever? O que faz você pensar que tem mais direito de determinar onde uma alma termina do que a própria alma? Não é nosso propósito determinar destinos. Você faz o papel de juiz, júri e executor, mas você não passava de uma atendente entediada.”

“Agora isso é apenas rude,” Renewal disse irritada. “Eu… geralmente fiz o meu melhor. Na maioria das vezes.”

“Não se trata do seu melhor.” Decras se levantou de sua nuvem e atravessou a sala para ficar diante de Renewal. Ele estendeu a mão para dentro da nuvem e encontrou a mão dela, puxando-a para fora de suas profundezas com um puxão brusco. “E não se deixe relaxar tanto. O Cúmulo tentará consumir sua energia.”

“Ele vai o quê agora?”

“É um monstro domesticado,” Decras disse, voltando para sua nuvem e se jogando nela. “Um muito confortável. E antes que você pergunte — não é inteligente. É tão esperto quanto um pedaço de musgo. Um pedaço de musgo muito confortável.”

“Um que vai me comer se eu não estiver prestando atenção.”

“Correto. Bem-vinda ao universo real, Renewal. Não à farsa que a Ordem tentou espremer. Vida é poder. Não pode ser dominada.”

“Mas pode, aparentemente, ser sentada em cima.”

“A maioria das coisas podem ser sentadas em cima. Você só pode não sobreviver a algumas das experiências.”

Renewal riu. Ela não conseguiu evitar. Balançando a cabeça, ela se sentou de volta na nuvem fofa, embora tenha se certificado de não ficar *tão* confortável.

“O que você quer dizer com isso não se trata do meu melhor, então? Você não pode possivelmente pensar que a vida após a morte não tem sentido. É por onde todos passam. Mantém o universo funcionando.”

“Não, não mantém.” Decras balançou a cabeça. “O que você acha que acontece com todas as almas que não chegam lá? As que caem das linhas? As que nem chegam lá em primeiro lugar?”

Renewal franziu a testa. Esse pensamento nunca havia passado por sua mente. *Toda* alma passava pela vida após a morte.

É assim que as coisas funcionam. Isso é o que Julgamento… disse… foda-se.

“É falso?” Renewal perguntou, engolindo em seco. Um nó se formou em seu estômago e subiu até sua garganta. “A vida após a morte é falsa? Mas eu vi—”

“Não é falso. Apenas desnecessário,” Decras disse com um balançar de cabeça. “Eu vou te mostrar algum dia. Mas existem tantas almas que nunca chegam até você. Que simplesmente entram no ciclo de reencarnação por conta própria. Afinal, não é tão difícil quando as águas da vida não estão todas acumuladas no mesmo lugar.”

O olhar de Renewal perfurou Decras. Seu peito parecia estar se contraindo. Não havia absolutamente nenhuma razão para Decras mentir sobre nada disso agora. Ele poderia ter dito isso a ela antes, quando ela ainda estava no domínio de Julgamento, se estivesse tentando influenciá-la.

Mas ele não tinha. Ele esperou até que ela já tivesse mudado de lado.

Até que ele não tivesse absolutamente nada a ganhar ao revelar a informação.

“As Águas da Vida não se originam nas fontes?” Renewal perguntou, mal se atrevendo a pronunciar as palavras. Elas teriam sido uma blasfêmia se ela as tivesse dito antes para qualquer um dos outros deuses da Ordem.

“Aquelas coisas chamativas? Claro que não. Elas foram construídas pela Ordem. Essa energia deveria permear o universo, limpando as almas dos mortos e impedindo que os poderosos passassem além de seus meios. A Ordem está apenas fodendo com o modo de vida natural para construir seus palácios e a chamada ‘estrutura’. É tudo falso, Renewal. A vida não é tão simples assim.”

“Por que você me diria isso agora? Por que não antes?”

“Porque então eu teria um motivo,” Decras respondeu simplesmente. “E eu não tinha um. Eu apenas aproveitei nosso tempo juntos. Não havia nenhum plano grandioso para te roubar ou te virar contra a Ordem.”

“Eu pensei que os Caídos estavam lutando contra a Ordem. Você não pode me dizer que não é o caso.”

“É. Mas nós não recrutamos soldados. Soldados vêm até nós,” Decras disse. “Nós — ao contrário da Ordem — não roubamos a possibilidade de escolha. Aqueles que buscam encontrarão. Se você está disposto a se cegar, não vamos forçá-lo a ver.”

Renewal olhou para Decras.

O Cúmulo começou a comê-la.

Ela enviou um pulso de magia, forçando a criatura a soltá-la enquanto ela se levantava.

“Me mostre. Por favor. Eu preciso ver.”

“Outro dia,” Decras disse. “Não é sempre que temos oportunidades de comemorar assim, Renewal. Sua venda sumiu, então eu pensei que faríamos um pouco do seu passatempo favorito.”

“Do que você está falando?” Renewal perguntou com uma carranca. “Isso é mais importante do que qualquer—”

Decras estalou os dedos. “Voyeurismo.”

Cores floresceram no ar, se contorcendo juntas para formar um oceano de preto. Um homem solitário flutuava na escuridão, cercado por runas belas e rodopiantes.

Os olhos de Renewal se arregalaram. Ela reconheceu a escuridão. Ela tinha estado lá apenas uma vez antes, quando sua presença havia sido literalmente convocada.

“É o Noah? Mas este não é o—”

“O Espaço Mental dele,” Decras disse com um sorriso satisfeito. “Ele se aproveita do meu poder em grande medida — e essa atração cria uma pequena conexão entre nós. Quase como a de mestre e aluno.”

Os olhos de Renewal se estreitaram. “Decras…”

“Relaxe. Eu tenho conexão suficiente armazenada para fazer isso por semanas, Renewal. A maior parte será gasta em minutos. Eu não tenho nenhum desejo de interferir com o mortal, mas não me diga que você não quer assistir.”

“Você está me fazendo parecer uma esquisita.”

Decras apontou para Noah. O mortal varreu sua mão pelo ar e sua runa Espaço Desmoronando se dividiu, cortada perfeitamente no centro. Ele bateu as mãos juntas antes que pudesse sequer começar a se dissipar, reformando a Runa em um instante.

Suas feições se fecharam em descontentamento e ele a cortou uma segunda vez antes de repetir o processo.

Desta vez, ele sorriu.

Os olhos de Renewal se arregalaram.

“Ele refez uma runa duas vezes? Tão rápido?”

“E olhe para a Runa,” Decras disse, com mais do que um pouco de respeito em sua voz. “Impecável, como ele chama. Uma verdadeira runa perfeita. Em segundos. Sem fraturas ou notas perdidas. Apenas pura determinação.”

Renewal se jogou de volta em sua nuvem. Ela se inclinou para frente, olhando com atenção enquanto Noah dividia uma segunda Runa e a juntava novamente com a mesma velocidade da anterior.

“Você já fez uma Runa tão rápido? Uma com essa qualidade para o seu nível atual?” Renewal perguntou em admiração.

“Uma única Runa? Uma ou duas vezes,” Decras disse. “Mas tantas assim? Nunca. Eu me pergunto se ele vai conseguir. Forçar seu caminho através de metade de um Rank não é apenas difícil. É ridículo.”

“Metade de um rank?” Os olhos de Renewal se arregalaram. “Você não pode estar falando sério. Como você sabe disso?”

“Você não é a única de olho nele. Eu apenas nunca tirei os meus,” Decras disse. Ele apontou para a tela, onde Noah havia começado a desenhar Runas em sua alma. “Agora observe. Eu só tenho alguns minutos, então é melhor você aproveitá-los.”

Noah formou e quebrou as runas uma após a outra. A magia dançou no ar enquanto suas mãos passavam como as de um maestro, pintando a escuridão com raios de energia ardente.

Era lindo.

E, em algum lugar profundo dentro de Renewal, ela admitiu que era aterrorizante.

Se é disso que ele é capaz agora… do que ele será capaz quando se tornar um deus?

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