Capítulo 64

Capítulo 64: Lee

Brayden roncava alto, completamente alheio à expressão no rosto de Noah. Ele estava esticado no chão, conseguindo ocupar quase metade do espaço no quarto. Noah se levantou lentamente, tomando cuidado para não incomodar Brayden – não que ele suspeitasse que conseguiria, mesmo que começasse a dançar agressivamente em seu rosto.

*Vermil estava tentando invocar um demônio. Será que eles iam usá-lo para influenciar de alguma forma esta eleição para o pai deles, ou eles tinham outros motivos além disso? Parece mesmo que Vermil ia fingir a própria morte ou possivelmente morrer para trazer o demônio a este mundo. Ainda não tenho certeza do que Brayden realmente quis dizer – mas essa pode ser a razão pela qual minha alma acabou procurando o corpo dele.*

*Aposto que Vermil estava naquela floresta porque estava tentando invocar o demônio, então. É bem isolado e não tem quase nada na área. Os outros professores parecem ir lá apenas para os exames – mas por que não escolher um lugar ainda mais longe?*

Noah caminhou até a porta e estendeu a mão para a maçaneta. Ele precisava de um pouco de ar para pensar, e não conseguiria descansar com Bradley sacudindo o quarto a cada respiração. Sua mão parou ao tocar o metal.

*E se Vermil tivesse conseguido?*

A espinha de Noah estremeceu. Quando ele ouviu a palavra demônio pela primeira vez, sua mente foi instantaneamente para o monstro que havia atacado Renewal nas Águas da Vida – mas isso dificilmente fazia sentido.

Não havia como Vermil, não importa quais fossem seus verdadeiros objetivos ou motivação, ter sido forte o suficiente para invocar um monstro como aquele. Era muito mais provável que ele tivesse tentado invocar algo comparativamente poderoso.

E, se ele tivesse, mas Noah o tivesse matado ao chegar antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, então o demônio ainda poderia estar vagando pelos Campos Castigados. A mandíbula de Noah se contraiu e ele abriu a porta, lançando um olhar para trás para Bradley.

*Ou pior, poderia estar em Arbitrage.*

Ele saiu da porta, ficando cara a cara com Lee.

"E então?" Lee perguntou. "Funcionou?"

"Respondeu algumas perguntas", respondeu Noah suavemente. "E adicionou muitas outras. Vamos caminhar."

As feições de Lee se acalmaram. Ela assentiu, seguindo Noah para fora do Edifício T. Eles foram para o jardim, seguindo o caminho de terra ralo através da folhagem multicolorida. Estava vazio, exceto pelo leve farfalhar das folhas e o estalo da folhagem seca sob seus pés.

"Você não é uma Skinwalker [1]", disse Noah.

Lee levantou a cabeça bruscamente para olhar para Noah. "O quê?"

"Estou errado?"

Demorou alguns instantes para Lee responder. "Não."

"Por que você mentiu?"

"Porque é mais fácil para você presumir do que para mim corrigir. Você pensou que eu era uma Skinwalker desde o dia em que nos conhecemos, então não havia razão para tentar mudar sua mente. Só teria tornado as coisas mais difíceis."

"O que você é, então?"

Os ombros de Lee caíram. "Um demônio. Menor, para ser exato."

Noah parou ao lado de um arbusto coberto de belas flores vermelhas. "Qual era o objetivo de fingir ser uma Skinwalker? Eu não entendo. Você poderia simplesmente ter me dito. Eu não teria..."

*Eu nem teria notado a diferença. Não posso dizer isso.*

"Eu não me importaria", Noah terminou. "Mas você escondeu informações de mim. Você já sabia as respostas para metade das perguntas que eu estava fazendo a Brayden, não é?"

Lee sentou-se ao lado do arbusto, abraçando os joelhos contra o peito. "Sim. Eu sabia."

Noah esticou as mãos. "Por quê? Qual é o sentido de todo esse segredo?"

"Você tem alguma ideia de como é?" Lee perguntou, olhando para ele. "Sentar em uma das Planícies Amaldiçoadas por anos a fio, lutando desesperadamente com unhas e dentes para sobreviver sem absolutamente ninguém para conversar? Sem amigos. Sem inimigos. Apenas fome. Você não pode fazer nada além de sobreviver."

*Eu posso ter uma ideia melhor do que você pensa.*

Noah permaneceu em silêncio. Estava claro que a pergunta de Lee era retórica.

"Eu tive a chance de finalmente chegar ao mundo humano. Sobreviver sem ter que arrancar a chance de vida das mandíbulas de outra pessoa. É claro que eu aproveitei! E é claro que eu menti sobre isso. O que você acha que aconteceria se alguém descobrisse o que eu sou? De volta para as Planícies Amaldiçoadas comigo. Não posso vencer um mago de Alto Nível se eles vierem atrás de mim, e então serei enviado para apodrecer por mais algumas centenas de anos se tiver sorte."

Folhas estalaram enquanto Lee esmagava a terra ao seu lado em suas mãos, apertando-a com força. Noah se agachou ao lado dela.

"Você pensou que eu te baniria?"

Um sorriso brincou no rosto de Lee. "Ah, vamos lá. Você não é Vermil. Eu tenho te seguido, mas você estava fazendo perguntas a Brayden sobre coisas que Vermil literalmente já fez. Eu o observei fazê-las."

As costas de Noah enrijeceram. Mais um de seus segredos revelados.

"E apenas um mago poderoso seria capaz de esmagar a alma de alguém", Lee continuou. "Sem mencionar que você volta à vida depois de morrer. Eu não conheço ninguém que possa fazer isso além de alguns Arquidemônios no auge de seu poder – e certamente não com o descaso casual com que você faz isso. Além disso, posso dizer que você não é um Demônio. Você não cheira como um. Alguém como você não toleraria ter um demônio por perto."

"Então, por que sequer entrar em contato comigo em primeiro lugar?" Noah perguntou suavemente. "Você copiou meu corpo e abordou Todd, tudo isso temendo que eu tentasse te matar?"

"Eu estava presa nos Campos Castigados sem como sair. A invocação de Vermil ligou qualquer coisa que passasse por ela à sua vontade, e ele exigiu que o demônio invocado não deixasse os limites do lugar em que chegou sem permissão."

Os olhos de Noah se arregalaram. A redação do Juramento de Runas de Lee passou por sua cabeça.

"Dono original deste corpo", murmurou Noah. Ele não se preocupou em tentar alcançar sua magia. Se Lee fosse tentar atacá-lo, então ele duvidava que seria capaz de detê-la a tempo. Ele tinha visto o quão rápida ela era – e ambos sabiam o quão pouco o ataque realmente realizaria. "Astuto. Você nunca fez um Juramento de Runas comigo, fez? Tudo o que você fez foi apenas para sair dos Campos Castigados."

Um sorriso brilhou no rosto de Lee. "Eu ainda precisava da sua permissão para sair dos Campos Castigados. O contrato de Vermil não tinha nenhuma cláusula dizendo que tinha que ser sua alma falando. Ele apenas disse ele mesmo, e seu corpo foi quem assinou. Minucioso, mas o suficiente para criar uma brecha."

"Se for esse o caso, por que você ficou por perto?" Noah perguntou.

"Porque eu estava solitária!" Noah recuou surpreso quando Lee lhe lançou um olhar amargo e lacrimoso. "Eu não estava planejando ficar por perto, mas cheguei a Arbitrage e percebi que não conhecia ninguém. Eu não sabia o que ia fazer, apesar de ter esperado por isso durante a maior parte da minha vida. Então, pensei em ver o que você estava fazendo, pois queria ver por que você roubou o corpo de Vermil. Então, conheci seus alunos. Você passou tempo comigo e confiou em mim o suficiente para me deixar ensiná-los. Eles eram divertidos. Eu estava começando a me apegar."

Ela deu de ombros impotente, então desviou o olhar para limpar o rosto com as costas da manga. "E agora não importa. Você matou o Hellreaver e aquele idiota da sua família apareceu. Agora está tudo arruinado."

Noah sentou-se, cruzando as pernas. Ele não tinha certeza de qual era a maneira correta de confortar um demônio chorando, mas ele imaginou que provavelmente não era tão diferente de um humano. Ele colocou a mão no ombro de Lee e ela se enrijeceu.

"Por que tem que acabar?"

"O quê?" Lee fungou. "Você quer dizer porque eu poderia te matar? Como se isso fosse mudar alguma coisa. Claro, eu estou fora dos Campos Castigados, mas será apenas uma questão de tempo até que você ou outra pessoa me cace."

"E por que eu faria isso? Bem, presumindo que você não me mate. Eu prefiro não morrer."

"Porque você sabe o que eu sou."

"E você sabe o que eu sou. Mais ou menos", disse Noah com um encolher de ombros. "Eu posso estar perdendo algum contexto aqui, mas eu não tenho certeza de por que eu deveria me importar com você ser um demônio ao invés de um Skinwalker. Eu poderia ser tendencioso aqui, mas eu tenho certeza que Skinwalkers são os que têm o hábito de usar cadáveres de pessoas – mesmo que você tenha adotado o hobby deles."

Lee soltou uma risada, então limpou o nariz e olhou para Noah com uma mistura de esperança e descrença. "Você está falando sério?"

"Você realmente não me deu um motivo para duvidar de você. Eu não tenho muitos aliados aqui, especialmente aqueles que sabem alguma coisa sobre mim", disse Noah. "Eu não gosto de ser enganado, mas eu não posso fingir que eu não estou fazendo o mesmo, então seria hipócrita da minha parte ficar bravo."

"Então você não vai tentar me banir?"

"Eu baniria aquele pirralho do Edward antes de você se eu pudesse."

Lee riu de novo. "Você é um idiota."

"Eu estou bem ciente. Eu posso entender sua situação mais do que você pensa", disse Noah com um leve sorriso. "Se você não nos der nenhum motivo para sermos inimigos, eu não vejo por que precisamos ser. Realmente, agora nós estamos apenas em terreno igual. Você sabe alguns dos meus segredos, e eu sei alguns dos seus."

"Isso significa que você vai me dizer quem você realmente é?" Lee perguntou.

Noah bufou. "Não. Não se precipite."

Lee enrugou o nariz. Noah se levantou e estendeu a mão. Lee a estudou por um momento, então lentamente estendeu a mão para deixar Noah puxá-la de volta aos pés.

"Isso significa que você não está vinculada a esse juramento, certo?" Noah perguntou.

Lee olhou para o lado. "Eu não estou. Eu especifiquei o corpo original de Vermil para evitar cumprir o seu, mas seu comando para deixar os Campos Castigados ainda afetou meu contrato original, já que ainda era tecnicamente parte dele falando. Você quer que eu..."

"Não. Você chegou até aqui sem trair minha confiança. Eu vou estender o mesmo para você."

"Você vai confiar em um demônio?"

"Você *tem* confiado em um idiota ladrão de corpos."

"Ok, esse é um bom ponto."

Eles caminharam em silêncio por um minuto, indo mais fundo no jardim, ambos igualmente perdidos em seus próprios pensamentos.

"Eu ainda tenho uma pergunta", disse Noah. "Por que Vermil tentou invocar você? O que ele queria que você fizesse sobre essa coisa da eleição?"

"Oh. Ele não estava tentando me invocar."

"O quê?" Noah parou de andar e Lee olhou por cima do ombro para ele.

"Ele estava tentando invocar um demônio diferente. Eu apenas consegui escapar pela abertura no processo. É passar pelo portal que inicia o processo de ligação, sabe."

"Lee", disse Noah, sua voz tensa. "O que aconteceu com o outro demônio?"

"Eu não tenho certeza. Eu fugi assim que cheguei, mas era bem poderoso", respondeu Lee. "Assim que eu vi ele começar a chegar, eu me escondi para ter certeza de que ele não me mataria."

*Droga.*

[1] - Skinwalkers: seres lendários presentes nas culturas nativas americanas, conhecidos pela habilidade de se transformar em animais.

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