Sobrevivendo no Jogo como um Bárbaro

Capítulo 837

Sobrevivendo no Jogo como um Bárbaro

O veredito já estava decidido em minha mente. No entanto, antes que eu pudesse anunciar, o mago especial gritou primeiro.

— Como assim? Senhorita Eloyd, que pergunta estranha é essa! Esses canalhas ousaram tentar ferir os companheiros do Visconde Yandel por rancor pessoal! E ainda por cima, numa situação de desastre em que até unir forças seria pouco!

— Eu não perguntei a você…

— Julgamento sumário! Não há outra resposta além do julgamento sumário para todos!

Ao brado do Mago Especial, os rostos dos membros do Clã Sawtooth, que antes observavam amedrontados, empalideceram.

— Julgamento sumário para todos? Que insensatez é essa! Visconde! Não posso defender o principal acusado. Mas desde tempos antigos, quando o navio toma rumo errado, castre-se a proa. Peço misericórdia.

Eh, tsk tsk… por isso que os crentes são assim…

— …O que disse agora? Se pretende insultar o Lorde Heindel…

— Só falei sozinho! Só falei sozinho!

Os dois ficaram trocando provocações. No início parecia que o Mago Especial tratava bem a sacerdotisa, mas agora agiam como inimigos.

— …Isso não é algo com que você deva se meter, para começar. Isso é para o senhor visconde julgar, e o senhor visconde certamente conduzirá o barco na direção certa.

— Huhu, bem… Eu me pergunto sobre isso?

“Hmm… eu realmente não gosto dessa situação. Acabar eu tomando partido de alguém, não é isso que eu quero.”

— Tsc.

Estiquei a língua e me aproximei do líder do Clã Sawtooth.

— Últimas palavras?

— Kkekkek…

— Então não tem nada…

— Se você voltar vivo para a cidade, poderia entregar isso aos meus filhos?

— …Certo, eu entregarei.

Ao ouvir a permissão, o líder, com olhos injetados de sangue, olhou para mim e, sem pestanejar, pronunciou com voz enraivecida.

— Meus amados descendentes. Aquele que matou teu pai foi o Visconde Yandel. Não esqueçam nunca desse ódio.

— …

— Mesmo que não possam fazê-lo agora, tenham paciência; o momento virá. Mesmo que não matem ele, bastará infligir a mesma dor a seus companheiros, à família, aos filhos que um dia terão…

— …

— Qualquer um serve. Se puder devolver a mesma dor, matem e concluam a vingança deste pai.

— …

— É só isso que tenho a dizer. Você transmitirá?

Ao terminar o testamento, ele sorriu com os cantos da boca cobertos de sangue, e os companheiros (temporários) ao redor ficaram furiosos.

— Que lunático…!!

— Visconde! Não dê ouvidos a essas bobagens!

Mas a maldade contida naquela última fala era forte demais para simplesmente ignorar. Eu não pude evitar e perguntei:

— Fala sério?

— Parece que estou mentindo?

Não, não parecia mentira. E justamente por isso eu não entendia. Pedir que eu transmitisse isso aos próprios filhos?

— Esse animal já cometeu tantos erros…!

Um dos meus companheiros (temporários) bradou, mas sua frase não chegou ao fim.

— Tanto faz quem esteja certo ou errado!! De que serve isso tudo?!

— No instante em que se mancharem de sangue! Qualquer um que seja sobe ao patíbulo, seus idiotas!

Por um momento, a maldição que jorrou dele dominou a todos solenemente.

— Mate-me hoje, Bjorn Yandel! Volte à cidade e mate meus filhos, minha esposa, meus irmãos! Se não fizer, um dia…!

Como uma chama de vela prestes a se apagar, seu grito não concluiu.

Crrrack!

Ataquei com o martelo, e assim as últimas palavras que ele tentava proferir ficaram para sempre desconhecidas.

— …

— …

O silêncio que se seguiu foi tão intenso quanto a loucura que o antecedera.

Ssshhhh.

Eu escovei o sangue grudado no martelo de leve e fui andando até o vice-capitão. Talvez ele já tivesse pressentido seu destino.

— Não tenho mais nada a dizer.

Antes que eu perguntasse qualquer coisa, ele falou primeiro.

— Não, na verdade eu queria pedir um favor. Peço que meu filho, minha família, não saibam sobre o meu fim.

— …Por quê?

— Porque não quero que vivam no inferno.

Aquela resposta curta deixou meu braço estranhamente cansado. O martelo na minha mão estava pesado. Não, não era o martelo.

“Não é o martelo.”

Tec, tec…

O sangue escorrendo pela ponta do martelo hoje parecia pesar demais.

— …Entendo.

De repente me veio à mente um retrato antigo. O retrato que eu vira na bolsa de Hans A. Nele apareciam uma menininha de mais ou menos três anos e uma jovem esposa.

“Ela já deve ter crescido bastante.”

Sim, devia ter crescido muito. Talvez a ponto de se perguntar por que não tinha um pai. Talvez, crescendo, começasse a investigar o desaparecimento do pai e, por obra do destino, descobrisse que quem matou seu pai fora o “herói da cidade”. O que faria essa criança então? Pensaria que, por o pai ser saqueador, mereceu morrer?

— Que porra, como eu saberia isso.

— …O quê?

— Levanta, seu filho da mãe.

Eu ergui o vice-capitão que estava com os olhos fechados como se aguardasse a morte. Não foi uma decisão impulsiva.

— Não tinha intenção de te matar desde o início. Levanta.

— A-ah…?

Segurando-lhe pelos ombros e forçando-o a ficar de pé, ele parecia atônito, sem acreditar. Olhei de relance para os outros membros do clã já dominados e disse:

— Mesmo que eu executasse todos vocês aqui hoje, ninguém neste mundo teria o direito de me julgar. Essa é a regra tácita deste labirinto.

Quem tenta matar alguém não tem moral para falar quando o papel se inverte. Contudo…

— Ainda assim, darei a vocês uma chance! — declarei. — A partir de agora, vocês irão se mover conosco e obedecer às minhas ordens. Assumirão as tarefas ingratas, as tarefas chatas, e serão os primeiros a serem enviados às missões mais perigosas.

Era, de fato, uma declaração de tratamento quase escravagista.

— Mas se prometerem suportar esse tratamento injusto, eu garanto que, mesmo retornando à cidade, ninguém levantará esse episódio contra vocês! Eu prometo isso com a honra de guerreiro e meu nome!

Não houve sequer um breve intervalo entre minha declaração e a resposta.

— N-Nós faremos…!

— Por favor, nos dê uma chance!

A reação óbvia e previsível. Muito mais do que a única forma de salvar a vida; em situação de colapso dimensional, ficar grudado ao nosso grupo, mesmo como escravos, aumentava de longe as chances de sobrevivência…

— Fizeste uma escolha sábia. Aposto que até Lorde Heindel ficará satisfeito com a misericórdia do Visconde.

— Muito sensato. Escravos grátis são úteis, se bem administrados!

Ironicamente, tanto a sacerdotisa quanto o mago especial, que antes se opunham, ficaram satisfeitos com minha decisão.

— Bjorn…!!

Com o problema do Clã Sawtooth resolvido, Ainar veio correndo até mim como se esperasse por isso.

— Temos que encontrar o de cabelo grisalho que me ajudou!

Ah, é verdade… temos de achar essa pessoa também. Ele salvou nossa Ainar.

— Alguém sabe algo sobre esse de cabelo grisalho?

Antes de ir procurar o corpo, perguntei aos membros do clã, mas não obtive muito. Pelo que disseram, o tal de cabelo grisalho também havia se juntado a eles por acaso durante o colapso, assim como Ainar, e ninguém o conhecia.

— Hmm… Hans? Acho que era mais ou menos esse nome…

— …O quê?!

Eu que salvei um tal de Hans? Se fosse assim, a tragédia seria maior que Romeu e Julieta.

— Tem certeza? Pode garantir a informação?

— Não, não até esse ponto…! M-Me desculpe. Eu não sei!

Huh, mencionar esse nome sem poder responder por ele… já me sinto tomado por uma estranha sensação de desconforto e coceira por todo o corpo. Ainda assim, preciso procurar. Mesmo que o verdadeiro nome do sujeito fosse ‘Hans’, não há dúvida de que me concedeu uma dívida de gratidão.

— Elbein Cutter, vou dar uma saída, mantenha tudo em ordem.

— Sim, não se preocupe. Assumirei a responsabilidade e ficarei no comando.

O Mago Especial agia como se fosse o número dois, mas não vi motivo para implicar. Parecia ter certo talento.

— Vamos, Ainar. É por ali.

Segui apenas com Ainar, afastando-nos do grupo para procurar pelo labirinto. Não foi difícil. Já tinha visto a estrutura geral no ‘atalho’, e o Labirinto de Larcaz era um lugar que eu já havia enfrentado. Além disso, não ficava tão distante.

— A-alí! Isso mesmo, era ali…!

Ao sair da bifurcação, vimos um homem caído, encostado na parede, sem nenhum movimento. Segurava a espada com força na mão direita, enquanto o escudo jazia alguns passos adiante. A couraça de ferro estava atravessada por uma lâmina, e o sangue escuro que a cobria ainda não havia secado.

— Se esse homem não tivesse me alertado e ganhado tempo, eu já estaria morta! E então, Bjorn, reconhece? Ele disse que tinha recebido ajuda sua antes…!

— Não sei…

Sinceramente, não reconheci. O rosto parecia vagamente familiar, mas…

— Vamos revistar primeiro.

Felizmente, não demorou para confirmar sua identidade.

— Um distintivo.

Todo Aventureiro carrega um. Consultando-o, foi possível obter informações básicas.

Nível de Aventureiro: 5. Nem alto, nem baixo, suficiente para se manter sozinho, mas sem o peso de alguém decisivo numa expedição. Inclusive, muitos clãs de porte médio exigem pelo menos esse nível para entrar.

Clã de origem: Bandeira Azul. Eu já havia ouvido falar ao estudar antes desta expedição, mas não era um clã famoso o bastante para saber detalhes.

Idade: 28.

E o nome era…

— Carlson Enderk.

Não era Hans. Mas eu não me lembrava.

— Carlson Enderk, Carlson Enderk, Carlson Enderk…

Repeti o nome, encarando seu rosto. Talvez pelo esforço…

— E então, lembra?!

— Ah…!

Lembrei.

Carlson Enderk.

Eu realmente o havia encontrado no passado, dentro do labirinto.

— Lembrou! Bem, se arriscou a ponto de dar a vida, devia ter sido algo grande!

Mas, ao contrário do que Ainar pensava, nada assim havia acontecido. Eu o conheci na fenda do primeiro andar, a Caverna Glacial, onde encontrei o Tio Urso e também cometi meu primeiro PK. Carlson Enderk fazia parte daquele grupo.

Não lembro qual era seu nível na época, mas sua força era comparável à de alguém do meio do segundo andar. Era claramente inexperiente, um novato. Ainda assim, lembro que tinha boa atitude: fazia tudo sem reclamar e se esforçava para contribuir como um membro. Na divisão final das recompensas, não foi ganancioso, e gostei tanto disso que dei a ele uma boa porção extra de pedras de mana. E então…

— E, e depois?!

— …Foi só isso.

— Hã?

Esse foi o último vínculo que tive com Carlson Enderk. Depois disso, nunca mais nos encontramos. Só agora descobri até seu sobrenome. Ou seja…

— Estou confuso. Eu nunca lhe dei um favor que justificasse morrer por mim.

Apenas acrescentei algumas pedras de mana extras na divisão. Se aquilo contasse como favor, era tudo.

— Hmm… entendo…

Eu simplesmente não compreendia. Mas talvez, aos olhos de Ainar, que enxergava o mundo de forma direta, fosse diferente.

— Acho que Carlson deve ter ficado muito agradecido! Por você ter ajudado!

— Não, mesmo assim, dar a vida por…

— Esse é o nosso ponto de vista! Carlson era um guerreiro de honra, sabia retribuir!

— …

— Mas, como guerreiro, não sabia calcular!!

— …

— Se para nós a dívida tem outro valor, o suficiente é pagar em mesma medida!

As palavras da Ainar me calaram por um momento. Eu queria contestar, parecia não fazer sentido, mas no fim, o incoerente era eu. Acabei aceitando.

— Sim, pode ser…

— Decidi! Quando voltarmos à cidade, vou procurar a família de Carlson! Eu mesma cuidarei deles!

Assim, Ainar juntou todo o equipamento de Carlson e carregou o corpo em seus ombros.

— Vamos voltar! Com o guerreiro Carlson Enderk!

Voltamos juntos ao grupo. Eu, vendo Ainar com o corpo às costas, me senti estranho. Como se não entendesse nada.

“É difícil…”

Pedras de mana, um extra que, hoje em dia, era só trocado.

— Acho que Carlson deve ter ficado muito agradecido! Por você ter ajudado!

Só isso bastou para alguém dar a vida em retribuição.

— Vocês atrapalharam a caça que planejamos por tanto tempo contra Riakis!

Só isso bastou para alguém nutrir ódio a ponto de querer matar.

“É realmente difícil…”

O mundo em que eu vivo é complexo demais.

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