Sobrevivendo no Jogo como um Bárbaro

Capítulo 838

Sobrevivendo no Jogo como um Bárbaro

Depois de voltar ao grupo, realizamos um funeral simplificado para Carlson. Na verdade, chamar de funeral era exagero: apenas cremamos o corpo seguindo o conselho da sacerdotisa. Houve um momento em que Ainar protestou, dizendo que queria entregar o corpo intacto à família, mas…

— A decisão é sua, Senhorita Fenelin, mas não acha melhor conceder descanso imediato à alma deste guerreiro tão exausto da luta?

— …Entendido.

Convencida pelas palavras da sacerdotisa, Ainar cedeu. Era mais adequado do que carregar um cadáver rígido no espaço dimensional. E, com a sacerdote presente, recitando uma oração de descanso eterno, Carlson certamente seguiu para um bom lugar.

— …Obrigado por permitir isso.

Enquanto eu observava Ainar guardar com cuidado as cinzas num recipiente, o vice-capitão dos Sawtooth aproximou-se para falar. Ele também segurava uma urna quente. Eu havia consentido com seu pedido para cremar o chefe junto com Carlson.

— Compartilhar tantos anos deixa o coração pesado. Eu sabia que ele se desviara, mas não consegui corrigi-lo.

— É mesmo?

— Sim. Ele não era assim desde o começo. Talvez não acredite, mas antes era completamente diferente.

— É mesmo?

Difícil acreditar que aquele que praguejou no final já fora um homem íntegro.

— …Sou realmente grato por nos dar esta chance.

— Não há do que agradecer. Eu só precisava de gente para usar.

— Mesmo assim, não tratarei isso como algo comum. Não esquecerei esta graça.

Vai saber. Talvez esteja agindo assim agora e, quando voltarem à cidade, comecem a afiar suas lâminas de vingança. E se, como Carlson, me retribuírem inesperadamente, ficarei surpreso. Mas não contarei com isso.

— …Faça como quiser.

Respondi de forma indiferente, e ele fez uma reverência antes de se retirar.

Senti a cabeça doer só de pensar mais no assunto e decidi não me preocupar. O que importa isso? Não existe resposta certa neste mundo caótico. O importante é o que eu quero fazer.

Não faço o bem esperando gratidão. Não deixo de fazer o que precisa ser feito por medo de rancor.

Esse princípio basta para sobreviver neste mundo duro.

— Lorde Visconde, se não for incômodo, poderia nos dizer quais são seus planos agora?

Quando finalmente organizei meus pensamentos, Maze Reiner, o primeiro membro temporário, veio perguntar. O que fazer agora…

— Descanso.

— …Perdão?

— Descansaremos livremente até que o colapso recomece.

Já tínhamos confirmado que não havia mais sobreviventes, mas ainda havia coisas para fazer. Este labirinto guarda recompensas interessantes. Abater um chefe e receber um Desejo Restrito já seria lucro, sem falar nos eventos especiais acessíveis apenas durante o colapso dimensional, como a cabana onde encontrei Zephyros. Mas…

“Não sabemos quando o período de estabilidade vai acabar.”

Só de se deslocar há risco. Além disso, desde que alcançamos a fase estável, todos estavam correndo sem parar. O mais sensato agora é dedicar-se a recuperar forças até a próxima onda.

— Descansaaaar!!!

— O Visconde disse que podemos descansar!!!

— Oooooh!!!

— Então agora podemos mesmo dormir!!

Não esperava que ficassem tão felizes.

“Bem, desde o Salão Eterno até aqui, não paramos uma vez sequer…”

Mesmo com dezenas de pessoas espremidas num espaço apertado à espera do colapso, os sobreviventes deitaram-se no chão sem uma queixa sequer. E então…

Drrrrrrr—!! Dororom, dorororom…

Ao som da sinfonia de roncos, fechei os olhos também.

Drrrrrrrrrrooooonnnn…!!!!!

É, quando é hora de descansar, tem que descansar.


Faz tempo que sonhei. No sonho apareceu Jencia. O lugar era a Caverna Glacial e Jencia implorava por minha vida. Que queria voltar para casa, que não podia morrer num lugar de merda desses, que por favor a salvasse. Sem hesitar um instante, desci a maça na cabeça de Jencia. Mas, aquilo aconteceu…

— M-mãe…

Jencia virou uma criança e o espaço ao redor mudou. A cidade subterrânea Noark décadas atrás. A pequena Jencia andava com uns tios maus de Noark; quando eles cruzaram olhares comigo, ela me fitou com um olhar feroz. Fixou os olhos em mim e começou a cravar a faca na garotinha ao lado.

— Morre…!!!

Olhei melhor e vi que a garotinha era a pequena Amélia. Corri para impedi-la, mas de algum modo meu corpo ficou paralisado. O sonho acabou aí.

— Huff…

Acordei arfando, revivi o sonho por um instante e concluí.

— Que sonho de merda.

Não precisa atribuir grande significado a esse tipo de sonho. Sonhos usam como matéria-prima as lembranças mais intensas do dia. Eu sei melhor que ninguém por que tive esse sonho. Só que não parecia que eu voltaria a dormir, então…

Dr-rrr…!! Dororong, dorororong…

Levantando o tronco devagar para não acordar os sobreviventes, chequei o tempo: não havia passado tanto. Uma, duas, talvez quatro horas? Mas como meu corpo é quase sobre-humano, mesmo dormindo pouco não me sentia tão cansado.

“Ele também está acordado.”

Enquanto eu me incorporava entre todos deitados como mortos, Armin, ao longe, percebeu e fez um gesto de saudação com os olhos. Aproximou-se com cuidado para não pisar em ninguém.

— Acordou, não foi? Não está cansado?

— Eu que pergunto isso.

— Eu acordei no meio e não consegui mais pegar no sono.

— É?

— Enfim, quer ver?

— …Hm?

Armin me estendeu um caderninho de repente; peguei e li. Era uma espécie de lista de nomes. Estava ali, de forma concisa, o nome, o nível e a classe de todos os Aventureiros presentes.

— Você fez isso pessoalmente?

— …Tive tempo sobrando então organizei. Precisamos saber quem faz o quê para montar a formação.

— Deu trabalho, hein.

— Não tanto. Cutter e Kevron ajudaram bastante.

— Kevron…?

— Sim? O vice-capitão do Clã Sawtooth. Não sabia?

— Ah, acho que esse era o nome, sim.

Como era detalhe pequeno, Armin e eu seguimos para outro assunto.

— Bom, com base na experiência de comandar uma equipe de expedição eu montei uma formação. Quer dar uma olhada?

— Oh, parece bom.

Ao virar a página do caderninho conforme Armin indicou, apareceu um esquema detalhado de posição. Os mais resistentes nas pontas formando uma barreira; os menos resistentes e mais importantes protegidos no centro seguro.

— Você colocou alguns guerreiros no centro também?

— Como sabe, durante um colapso os monstros podem aparecer até dentro da formação.

— E separou bem os membros do Clã Sawtooth para não ficarem muito juntos.

— Haha, achei que isso fosse preocupar o senhor…

Era trabalho meu, mas enquanto eu dormia ele tinha feito tudo.

— Bom trabalho. Podemos seguir assim mesmo.

— Fico feliz se ajudou. Ah, isto são os pertences do chefe dos Sawtooth.

Armin tirou de sua bolsa dimensional uma sacola e me entregou.

“Ah, é mesmo, nem abri o baú de espólios…”

O que será que o chefe tinha? Ao abrir e revirar a sacola encontrei coisas bem úteis. Além do equipamento que usava, tinha sobressalentes que valeriam um bom dinheiro. E, acima de tudo…

“Olha só o que temos aqui.”

Entre os pertences havia algo especial. Um cristal vermelho brilhante, claramente caro.

— …Desejo Restrito?

— Oh, conhece. Segundo ouvi, o Clã Sawtooth o conseguiu ao caçar um minotauro durante a exploração.

Estava prestes a desistir e acabei recebendo isso. Meio atônito, mas animado. A curiosidade de um gamer…

“…Será que combina com a essência sintética do andar subterrâneo?”

Se combinar, que nível de essência sairia? Mesmo que me oferecessem uma de segundo nível eu não trocaria. Essa essência, misturada com terceiro, quarto e quinto níveis, vale mais para mim do que um segundo nível puro. …Agora, se fosse uma de primeiro nível, aí é outra história.

— Graças a você, consegui algo bom.

Depois disso ficamos conversando livremente. Colapso dimensional, o Lorde das Lágrimas, o testamento do chefe dos Sawtooth, nosso clã Anabada, os membros mortos da equipe de Armin… vários assuntos. Foi quando uma pessoa inesperada se aproximou.

— Sacerdotisa?

— Maria Shure Elloid — ela corrigiu.

— Khm, claro, eu sabia — Só chamei assim porque, entre os sacerdotes, ela era a única mulher. Provavelmente.

— Para mim é uma honra.

— …Então, o que faz aqui? Também não consegue dormir? — Perguntei jogando as palavras, mas ela balançou a cabeça.

— Não, vim para lhe perguntar algo em particular.

— Particular…? Pode falar — Assenti de imediato, curioso, mas mesmo após minha permissão a sacerdotisa hesitou, sem abrir a boca.

— Não disse que tinha algo para perguntar?

— Sim, disse…

— Então fale logo. Não enrole.

— Pois bem… — Depois de alongar a frase, finalmente perguntou: — Ouvi dizer que participou da última missão de Jun, o ex-inquisidor da Igreja de Tovera.

— …Jun?

— Sim. Sob o nome de Riehen Schuitz, teria acompanhado uma missão especial da realeza.

Um nome que eu não esperava surgiu do nada e me deixou surpreso. E fiquei curioso. O que ela queria saber afinal?

— E então?

— …Como foi o fim dele?

— Estava de pé.

— …Desculpe?

— Protegendo os companheiros dos inimigos, morreu de pé. De tão firme que ficou, até os inimigos só perceberam depois de muito tempo. Nem a morte conseguiu derrubá-lo.

— É mesmo…? Um homem incrível. Ouvir isso de um herói como o senhor Visconde…

— Esse tom soa estranho, impressão minha?

Perguntei um pouco mais duro, mas ela apenas mordeu os lábios, sem responder. Assim só eu fico mal.

— Eu respondi, agora você responde. Por que perguntou sobre o fim de Jun?

— …

— Não quer responder?

Franzi o cenho com sua recusa, e por fim ela abriu a boca.

— …Tinha uma amiga na Igreja de Tobera.

— E?

— Ela morreu. Marcada como herege, perdeu toda a honra e foi executada diante da imagem do deus que tanto venerava. E quem a investigou na época foi Jun, esse homem.

— …

— Por isso quis saber. Que tipo de pessoa ele era. O que ele viu para levar minha amiga, tão devota, ao cadafalso.

Ah… uh…

Fiquei sem palavras, mudo. A sacerdotisa fez uma reverência formal.

— Se isso respondeu, retiro-me. Por favor, descanse bem.

— Ah… sim… descanse também…

Quando ela partiu, Armin, que estava só rolando os olhos, soltou o ar que prendia.

— …Eu, eu também vou descansar então.

— Vá…

Meu benfeitor podia ser, para alguém, um carrasco.

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