
Capítulo 820
Sobrevivendo no Jogo como um Bárbaro
Tarvian, Tarvian, Tarvian…
Onde eu já tinha ouvido aquele nome antes? Por que me soava tão familiar?
— Aquelas duas pessoas… O que estão dizendo?
Enquanto eu observava o homem e a mulher, a pergunta de Raven atravessou a névoa de confusão na minha mente, e só então percebi.
Ah… Eles estavam falando na língua antiga.
Apesar de Raven saber ler, sua escuta e fala naquela língua ainda deixavam a desejar.
— ⟅Espere. Vamos só esperar mais um pouco. Vai que… alguém aparece…⟆
— ⟅Tarvian. Nesse mundo, ninguém… Hah… É. Tudo bem. Vamos esperar um pouco antes de voltar.⟆
Os três estavam ali, desafiando qualquer lógica ou explicação, talvez até como um mistério num nível diferente até mesmo desse obelisco de aparência bizarra.
— Estão com roupas normais, falam a língua antiga e ainda por cima estão com um bebê… Quem são essas pessoas? — pressionou Raven. Dessa vez, senti algo além da cautela habitual dela: medo. Mas não a culpei. Temer o desconhecido era uma reação bem humana.
— Hmm, não acho que sejam aventureiros comuns…
— Talvez sejam uma Conquista de Gabrielius?
— Quantas dessas eu já vivi desde que comecei a seguir o Visconde Yandel no labirinto?!
Não consegui dizer se o mestre da Guilda estava murmurando aquilo de alegria ou de arrependimento, mas mandei todos ficarem em silêncio. — Sei que estão curiosos, mas fiquem quietos por enquanto.
Se fizéssemos barulho, eles poderiam nos notar. Felizmente, não parecia que seus sentidos estavam aguçados a ponto de nos perceberem, então continuei apenas ouvindo a conversa. Não que tivessem muito a dizer. A mulher apenas abraçava o filho com força enquanto olhava para o monumento de pedra, e o jovem a observava com um toque de tristeza no olhar. Quando o bebê chorou, a mulher o acalmou, e uma expressão conflitante atravessou o rosto do homem.
— ⟅…Vamos voltar agora, Zephyros.⟆
Zephyros? Por que esse nome também parecia familiar?
Eu já estava ficando frustrado tentando lembrar de onde conhecia aqueles nomes.
— Ah…
Mas então, uma ideia me atingiu como um raio. Porém, como ainda não tinha certeza…
— Raven.
— Sim?
— Você lembra dos nomes Tarvian e Zephyros?
— Hmm… Na verdade não?
— Aquele diário… Aquele da cabana onde pegamos o Orbe de Fogo.
— Hmm? Ah, aquele diário! É verdade! Acho que esses eram os nomes que estavam escritos lá!
— Fala mais baixo.
— …Então por que você tá falando disso agora?
— Ah, é que… parece que os nomes deles são Tarvian e Zephyros — respondi secamente.
Raven ficou em silêncio por um momento antes de gritar em surpresa:
— Ehhhhhh?!
Opa. Essa eles devem ter escutado.
Tapei rapidamente a boca dela com a mão e virei a cabeça para olhar o homem e a mulher.
— ⟅Zephyros, você ouviu isso?⟆
— ⟅…Ouvi.⟆
Os dois, que estavam prestes a seguir caminho, se viraram em nossa direção, atentos e em alerta. Felizmente, como estávamos agachados entre as árvores em chamas, não nos viram.
Ba-dum, ba-dum…
Mas momentos assim eram sempre os mais angustiantes num jogo de esconde-esconde.
“Tá, mas por que eu tô com medo? Não seria melhor sair logo e falar com eles? Ia economizar tempo, hmm…”
— ⟅Precisamos verificar. Pode ser um sobrevivente!⟆
— ⟅Deve ter sido um demônio que fez aquele som. Vamos logo.⟆
— ⟅Mas…!⟆
— ⟅O dia logo vai acabar. Vamos.⟆
— ⟅…Tá bom.⟆
Concluíram que o som tinha vindo, de um demônio, e se viraram para ir embora.
— Parece que dessa vez não vamos precisar ficar vagando por aí — comentei.
— O quê?
— Se a gente só seguir eles, vamos chegar naquela cabana onde encontramos o Orbe de Fogo.
Raven me lançou um olhar de lado e ficou em silêncio.
— Ah…
Será que eu soei vilanesco demais agora?
A cabana de pedra de dois andares ficava no meio da floresta. Eu a havia visitado tanto no jogo quanto na realidade, e, ao contrário do monumento de pedra, percebi de imediato a diferença entre as duas versões assim que a vi.
Uma cúpula zumbindo protegia o prédio, produzindo um efeito semelhante ao do Orbe de Fogo. Por dentro, as paredes da casa estavam limpas, sem uma única mancha, e a entrada de madeira também não mostrava sinais de ter sido queimada, parecendo muito bem cuidada. E além de tudo isso…
“Estão vivendo bem até demais.”
Uma única árvore crescia no pequeno quintal. Parecia ter sido plantada recentemente, pois ainda era bem pequena.
— Raven, lembra do que dizia o diário que lemos naquela casa, naquela época?
— Me dá um segundo. Acho que anotei aquilo. Em algum lugar do meu subespaço… Ah, aqui!
— Dia 192. A equipe de resgate também não veio hoje. Agora restam apenas três de nós na expedição. Tarvian sugeriu construir uma casa, e eu concordei. Carne de demônio tem um gosto nojento, como de costume.
Não.
— Dia 271. Terminamos de construir uma casa de aparência dec…
Também não.
Você quer saber qual é o sentido de viver quando o mundo acabou? Mesmo que tudo queime, ainda há esperança. O fato de ainda estarmos vivos é prova disso…
Não me importei com os lamentos, então fui direto ao que interessava…
— Dia 467. Tarvian está grávida. De quem poderia ser o filho?
— Dia 672. Não, 673? Eu não sei, mas algo grande aconteceu. O Orbe de Fogo começou a perder seu poder. Já as paredes externas estão sendo queimadas pelo fogo.
Apenas nossa maga, Tarvian, pode consertá-lo. Mas mesmo que ela sacrifique sua vida para prolongar sua duração, qual é o objetivo?
— Dia 711. Zephyros e eu concordamos em algo pela primeira vez em muito tempo. Hoje, morreremos.
Se o mundo ainda não acabou pelas mãos da bruxa e se algum dia alguém encontrar este lugar, espero que usem o objeto no porão para salvar o mundo.
Hmm. Embora eu tivesse dito que eram as partes importantes, essas entradas do diário não tinham nada realmente útil, então resolvi apenas usá-las como referência.
— Erwen, consegue ouvir a conversa que eles estão tendo lá dentro?
— Consigo ouvir… Mas não entendo o que estão dizendo.
Ah. Verdade. Eles falavam na língua antiga.
“Então o que a gente faz agora?”
Tínhamos seguido até ali, mas eu não fazia ideia do que precisava fazer a partir daquele ponto.
“Deveria só continuar observando?”
Era a opção mais fácil, mas me preocupava com nossa situação. Quando o Período em Branco terminasse, seríamos arrastados de novo pelo colapso dimensional. Já tínhamos gasto bastante tempo para chegar até ali, e os outros precisavam descansar pelo tempo que ainda nos restava.
— Já volto — anunciei.
— O quê?
— Vou até lá verificar sozinho. Fiquem de olho daqui. Não façam nada a menos que eu chame.
Alguns me olharam como se perguntassem se eu precisava mesmo ir até lá, mas não demorou muito para convencê-los.
— Pela situação, é claro que são uma Conquista de Gabrielius… Se dermos sorte, talvez consigamos algo que nos ajude a sair dessa.
— Mesmo assim… Se eu sentir que está em perigo, vou agir.
— Entendido. Vou confiar em você.
Resolvido isso, respirei fundo e fui em direção à casa.
A barreira zumbia. Realmente parecia ter a mesma função do Orbe de Fogo. Embora funcionasse bem para manter o fogo do lado de fora, não ofereceu resistência nenhuma à minha passagem.
Apesar de eu não ter feito esforço algum para ocultar minha presença, não ouvi qualquer sinal de alerta vindo de dentro da casa. Será que seus níveis eram tão baixos que não conseguiam me detectar? Ou será que simplesmente não estavam em guarda contra uma possível invasão?
Não sabia, mas logo estava diante da porta e levantei a mão com cuidado.
Toc, toc, toc.
Ouviu-se algo caindo com um estrondo, e a conversa dentro da casa cessou abruptamente. Estavam claramente assustados. Não os agitei mais do que isso e apenas esperei diante da porta.
Logo senti uma presença espiar pela janela ao meu lado. Então estavam tentando me observar por ali…
— ⟅Nós…abrir…? Talvez…expedição…⟆
— ⟅Pode…ser…demônio…emboscada…eu…⟆
— ⟅Fogo…depois…conversar…esconder…⟆
Falavam tão baixo que não consegui distinguir as palavras com clareza.
“Talvez seja melhor não encarar diretamente.”
Fingi que também não percebia a presença deles e bati novamente três vezes na porta, dessa vez falando na língua antiga:
— ⟅Tem alguém aí?⟆
Falei de propósito, só para mostrar que era alguém com quem se podia conversar. Isso pareceu ajudar bastante, pois ouvi uma resposta do outro lado da porta:
— ⟅…Quem é você?⟆
Hmm, e agora… Qual seria a melhor forma de responder? Se dissesse que vim pegar o Orbe de Fogo, provavelmente acabaria em luta.
— ⟅V-Você… por acaso viu o sinal? Veio nos salvar…?⟆
— ⟅Sinal?⟆ — repeti.
— ⟅O emissor de ondas de mana. Você não viu um no caminho até aqui? Há alguns espalhados pela área…⟆
Ah, ele devia estar falando daquele monólito. Então era isso, algo como uma torre de sinal mágico.
— ⟅Quem… Quem é você? É parte da equipe de resgate?⟆
Talvez desconfiado da minha resposta, a voz que falou em seguida estava visivelmente mais cautelosa.
Por dentro, cliquei a língua, ponderando como me apresentar.
— ⟅Não sou da equipe de resgate⟆ — respondi por fim. Como seria fácil descobrirem se eu mentisse, preferi dizer a verdade.
Na hora, percebi o suspiro decepcionado que veio depois. Apesar da desconfiança, eles ainda tinham alguma esperança. Não dei tempo para ele pensar demais e perguntei de volta:
— ⟅A propósito… vocês são da expedição?⟆
— ⟅V-Você conhece a gente?⟆
— ⟅Mais ou menos.⟆
Puxei da memória as informações que tinha lido no diário, tentando bater o máximo possível com os detalhes da história deles. Como resultado, pareceram chegar à conclusão de que eu não era inimigo.
— ⟅A propósito, podem abrir a porta para conversarmos? Não tenho intenção de machucar ninguém.⟆ — Como não responderam de imediato, acrescentei: — ⟅Se quiserem saber, não teria dificuldade em arrombar essa porta, já que consegui chegar até aqui sem problema algum.⟆
Mesmo dizendo isso, tomei cuidado para que não soasse como uma ameaça. Minhas boas intenções pareceram alcançar eles, pois, um momento depois, a porta se abriu lentamente.
— ⟅P-Pode entrar.⟆
Um homem abriu a porta e me guiou para dentro, o homem chamado Zephyros, que eu já havia visto antes. Como não vi mais ninguém, ele provavelmente mandou os outros dois se esconderem.
Zephyros começou devagar:
— ⟅Se não é da equipe de resgate… então quem é você? E como chegou até aqui com tantos demônios por toda parte? O mundo… será que ele ainda não acabou?⟆
As perguntas vieram assim que entrei. Provavelmente foi esse o motivo de ele ter deixado um estranho como eu entrar em casa. Estava mais desesperado por uma conversa do que eu. Falar com alguém era um fio de esperança que o alcançava nesse mundo de desespero.
“Hah… Mas mesmo assim, como devo responder?”
Depois de pensar um pouco, decidi contornar a pergunta. Já tinha vivenciado bastante da história sobre o império pessoalmente, e há pouco ouvira os pontos principais por Arta também. Se mantivéssemos a conversa curta, eu conseguiria enganá-lo.
— ⟅Responda, por favor! O m-mundo ainda não acabou?!⟆
— ⟅…Não, ainda não acabou.⟆
— ⟅Oh, pelos deuses…!⟆
— ⟅Você já ouviu falar de Rafdonia?⟆
— ⟅Já! Meu melhor amigo era daquela região! Mas por que pergunta?⟆
Droga. Como imaginei. Era exatamente a época e o momento que eu suspeitava.
“Certo. Ele mordeu a isca.”
Arrisquei uma jogada ousada na história.
— ⟅Atualmente, todos os sobreviventes do mundo estão se reunindo lá para fundar um novo reino.⟆
— ⟅Como?! E a maldição? O que estão fazendo em relação à maldição?!⟆
— ⟅A maldição da Bruxa não consegue atravessar para Rafdonia. Aquela terra é a última cidadela.⟆
— ⟅I-Isso é verdade?! Então, por favor, leve a gente até lá! Por favor!⟆
Na empolgação, ele acabou revelando os outros ao usar ‘a gente’, mas não dei muita atenção a isso e continuei:
— ⟅Hmm, bem…⟆
Levei a mão ao queixo e o encarei de cima. Ele engoliu seco, nervoso.
— ⟅Não posso levar alguém que não conheço até lá. Vocês poderiam prejudicar o território.⟆
Agora, os papéis haviam se invertido.
— ⟅N-não! Somos da expedição! Jamais faríamos algo assim…!⟆
— ⟅Então me diga. Conte tudo o que aconteceu com vocês até agora.⟆
“Certo. Vamos ouvir a história de vocês.”