
Capítulo 821
Sobrevivendo no Jogo como um Bárbaro
— ⟅Por onde devo começar…?⟆
Quando o homem começou sua história assim, eu imediatamente o interrompi e disse de forma direta: pelo começo. Não precisava se preocupar em resumir aqui e ali, era só me contar tudo sobre a sua vida.
Não era um pedido típico, claro, mas nessas circunstâncias especiais, em que eu praticamente o entrevistava, era plausível o suficiente.
— ⟅Na Frente Ocidental Imperial. Foi lá que nasci e cresci.⟆
Zephyros fazia parte da geração nascida no fim da era continental, quando a guerra contra a Bruxa atingia seu auge. Em outras palavras, nasceu quando o mundo já não tinha muito tempo restante.
— ⟅Minha mãe entrou para a guerra como oficial enfermeira, e meu pai era um soldado comum.⟆
Havia batalhas todos os dias, e a cada uma delas ele perdia alguém próximo. Seus pais não foram exceção nessa lista brutal.
— ⟅Quando fiquei órfão aos onze anos, me alistei imediatamente no exército. Não fui movido por raiva contra os monstros nem por patriotismo. Era só a única coisa que eu podia fazer, a única coisa que eu sabia fazer.⟆
Felizmente, ele era talentoso na arte da guerra. De soldado raso a líder de unidade, de líder de unidade a centurião… A cada batalha, ganhava mais reputação por seus feitos e subia rapidamente nas fileiras.
— ⟅Bem, não é que eu tenha feito algo grandioso. É só que as pessoas acima de mim continuavam morrendo uma por uma. Eu apenas consegui preencher os cargos vazios.⟆
Embora fosse assim que ele via a situação, eu entendi suas palavras como um sinal de humildade. Para ser honesto, por mais estranho que fosse dizer isso, o fato de ele ter sobrevivido já significava que era forte.
— ⟅Como você sabe, a situação lá fora não está boa. A frente ocidental, onde cresci, foi empurrada até o ponto em que não dava mais pra manter aquela linha de batalha. No fim, fomos absorvidos pelas forças centrais.⟆
Mesmo nesse novo ambiente, porém, ele fez de tudo para sobreviver, e continuou a se fortalecer.
— ⟅Felizmente, havia muitos caminhos disponíveis. Como o mundo estava acabando, não havia mais degraus adicionais para subir. As artes marciais do antigo ducado histórico, magia, até mesmo técnicas de forja passadas para unidades específicas… Tudo isso era acessível a qualquer soldado comum.⟆
Com o tempo, Zephyros começou a ganhar notoriedade, e justo quando começou a ser reconhecido por seus superiores…
— ⟅Ouvi um boato de que uma força expedicionária seria formada. Naturalmente, me voluntariei. Se foi por ódio aos monstros? Não nego que isso tenha influenciado. Se eu pudesse, rasgaria aquela Bruxa em pedaços e criaria um mundo onde esses monstros não existissem. Mas…⟆
A verdadeira razão pela qual Zephyros se juntou à expedição era uma única frase.
— ⟅Ouvi dizer que, se a expedição fosse bem-sucedida, a guerra terminaria. Isso já era o suficiente pra mim. Eu já estava de saco cheio dessa vida de morte e morte apenas. E também não tinha escolha. O mundo já estava indo pro buraco. Eu precisava fazer o que pudesse.⟆
E assim, Zephyros entrou para a força expedicionária, rumo à salvação do mundo.
— ⟅O primeiro destino da força expedicionária foi aquela caverna onde tudo começou. Lá, derrotamos o Primeiro Lorde do exército da Bruxa.⟆
— ⟅E por Primeiro Lorde, você quer dizer…⟆
— ⟅Dreadfear. Aquele monstro assassino. Aquela criatura nascida de uma mutação inexplicável causada por uma droga transformadora… A que nem a própria Bruxa conseguiu salvar.⟆
Uma droga transformadora. Uma que nem a Bruxa conseguiu salvar…
Eu não sabia o suficiente para entender tudo que ele dizia, mas reconheci uma coisa.
“Dreadfear…”
O Lorde do Primeiro Andar, conhecido como Lorde do Terror.1
Havia várias perguntas que eu queria fazer a Zephyros, mas me segurei e continuei ouvindo sua história.
— ⟅Mas por que está me perguntando isso? É como se fosse a primeira vez que ouve falar do Primeiro Lorde…⟆
Porque, se eu não tomasse cuidado, ele poderia começar a desconfiar da minha identidade. Bastaria uma pergunta errada e toda a conversa poderia ruir.
— ⟅Não é nada. Continue falando,⟆ — eu o incentivei, esperando enquanto ele hesitava.
— ⟅Bem… Certo.⟆
Zephyros continuou falando por um bom tempo depois disso.
— ⟅Depois de derrotar o Primeiro Lorde, nosso próximo objetivo era o Segundo. Para isso, dividimos a força expedicionária em quatro grupos e cada um seguiu para uma área diferente.⟆
O Deserto Rochoso. A Floresta dos Goblins. A Cova das Feras. A Terra dos Mortos.
Após irem a esses quatro locais, a força expedicionária travou uma batalha feroz e, no fim, conseguiu derrotar o Lorde do Arrependimento.
— ⟅Depois disso, chegamos à Cabana da Bruxa. Como planejado, conseguimos enganar o Terceiro Lorde e atraí-lo também.⟆
A essa altura, eu nem precisava mais guiá-lo com perguntas. Embora eu não soubesse como as duas coisas estavam conectadas, a rota da força expedicionária coincidia com a subida pelos andares do labirinto.
— ⟅A batalha em si não foi difícil. Como planejado, derrotamos o Terceiro Lorde… e partimos para derrotar o Quarto. A ‘Torre do Céus’, como chamam. É como aqueles malditos peregrinos, que tratam o céu e a terra como iguais, a chamavam. Para louvar a Bruxa, diziam, embora o prédio levasse ao subsolo. Poucos sabem disso, mas a torre foi construída pelo império. Eles cavaram fundo no solo para selar o Deus Maligno e colocaram um guardião para vigiar o selo. No fim, o território foi tomado pela Bruxa e seus peregrinos, que renomearam o lugar. Em todo caso, o Quarto Lorde foi um inimigo extremamente difícil.⟆
Zephyros estremeceu, como se apenas pensar no Quarto Lorde já fosse o suficiente para fazê-lo sentir medo. Ainda assim, a história prosseguiu com a força expedicionária derrotando o Lorde Celestial dos Céus.
— ⟅Então chegamos ao nosso destino final: o Grande Reino dos Demônios.⟆
Foi só nesse ponto que descobri o verdadeiro objetivo da expedição.
— ⟅Fomos até lá para matar o Quinto Lorde, Siliut, pelo crime de trair o império e servir à Bruxa, e então selar o Deus Maligno mais uma vez. E, depois disso, matar a Bruxa.⟆
No entanto, esse objetivo não pôde ser cumprido. Após entrarem no Grande Reino dos Demônios, ele e seus companheiros se separaram da força expedicionária durante o combate e, depois que mais alguns morreram, ele não teve escolha a não ser ficar ali esperando por um grupo de resgate.
— ⟅Essa é a minha história. Nem eu acho que seja tão interessante assim.⟆
— ⟅Tenho algumas perguntas,⟆ — comecei, quando ele terminou.
— ⟅Pode perguntar. Parece que minha vida está nas suas mãos agora.⟆
— ⟅Por que você acredita que o mundo acabou? Pelo que entendi, tudo o que aconteceu foi que seu grupo se separou dos demais.⟆
— ⟅Aquela força expedicionária era a última esperança da humanidade. E se ela tivesse sucesso, esse mar de fogo que cerca este prédio também teria desaparecido. A expedição falhou.⟆
O mundo acabar só porque a expedição falhou… Era uma prova de quão desesperadora era a situação, e de como o império havia feito uma verdadeira lavagem cerebral na força expedicionária antes de enviá-los para a missão.
Então, Zephyros perguntou, hesitante:
— ⟅Estou errado?⟆
Deixei escapar uma risada amarga. Ah, a expedição provavelmente havia mesmo fracassado no fim. No entanto…
“Eles não teriam falhado no Grande Reino Demoníaco.”
Primeiro andar, segundo andar, terceiro, quarto, quinto… A rota que a força expedicionária tomou batia exatamente com os andares do labirinto.
Não, eu suspeitava que a expedição havia continuado por um bom tempo.
Após o Grande Reino Demoníaco, teriam seguido para o oceano aberto, depois atravessado o Continente Negro e derrotado aquele chamado, Lorde, no Rochedo Gélido. Então, teriam passado pela Terra do Alvorecer, pelo Túmulo Estelar e até chegado ao Abismo.
“Então o que diabos aconteceu?”
No fim, fiquei decepcionado por saber que não ouviria essas histórias de Zephyros, o homem deixado para trás no quinto andar.
— ⟅Diga-me… A expedição falhou?⟆
— ⟅Você naturalmente saberá quando sair daqui,⟆ — respondi de forma breve. — ⟅Certo, então vou para a segunda pergunta.⟆
— ⟅Pode falar…⟆
— ⟅O que são esses Lordes?⟆
Era algo que tinha me chamado atenção durante a história dele. O que exatamente eram essas entidades chamadas de Lordes? Aguardei ansiosamente pela resposta.
— ⟅Como essa pergunta ajuda a provar que você não representa uma ameaça para Rafdonia?⟆
— ⟅Uh…⟆
Bem, isso era verdade. Mas…
Abri os ombros e encarei-o de cima para intimidá-lo. — ⟅Está retrucando?⟆
— ⟅N-Não…⟆ — Zephyros recuou, encolhendo-se ainda mais. — ⟅Não é que eu não queira responder, mas não faço ideia de por que você quer saber isso.⟆
— ⟅Não espero que entenda. Só responda à pergunta.⟆
— ⟅Isso é… um teste?⟆
Um teste, hein? Não era uma suposição ruim.
Quando permaneci firme e continuei encarando-o, ele não aguentou a pressão e acabou falando primeiro.
— ⟅Ainda não entendo o motivo disso tudo, mas direi tudo o que sei. Os Lordes… são ‘peregrinos’ nascidos por meio da autoridade da Bruxa, e possuem poder que excede as leis do mundo. Mais do que exceder, eles ignoram completamente as leis naturais. No entanto, nem todos concordam sobre como foram criados. Só o Primeiro Lorde já é motivo de controvérsia. Ele era um prisioneiro de guerra, forçado pelo exército imperial a consumir uma droga que destruiria sua mente e corpo, para que renascesse como uma nova arma viva. Mas, por algum motivo… ele enlouqueceu e acabou se tornando o primeiro dos Lordes. Eles nunca saem de seus próprios territórios e, por serem praticamente os reis dessas regiões, foram nomeados como os Lordes do exército da Bruxa. O Segundo, o Quarto e o Quinto Lordes obedeciam à Bruxa com lealdade absoluta, enquanto o Primeiro e o Terceiro eram apenas monstros assassinos movidos por instinto, sem distinguir aliados de inimigos. Alguns até sugerem que o nascimento dos Lordes foi provocado pela própria Bruxa. E que foram criados porque ela não conseguia controlar totalmente os poderes que possuía. Isso é tudo o que sei…⟆
— ⟅Entendi…⟆ — A explicação que ele deu era bem desconexa, mas parecia que nem ele tinha uma compreensão concreta dos Lordes. — ⟅Terceira pergunta. Por que a força expedicionária foi atrás dos Lordes e do Deus Maligno?⟆
— ⟅Não é óbvio? Os Lordes foram criados para proteger a Bruxa, e o Deus Maligno é aliado da Bruxa. Mas… pelo jeito que você perguntou… Será que tem algo que eu não sei?⟆
Estalei a língua. Esse cara continuava rebatendo minhas perguntas com outras perguntas.
“Vou só ignorar ele.”
— ⟅Última pergunta. Você está sozinho aqui?⟆
Zephyros fechou a boca com força enquanto uma expressão desconfiada tomava seu rosto.
“Ele está duvidando de mim, afinal de contas…”
Bem, eu até entendia. Mesmo que ele tivesse decidido confiar em mim, não podia tomar essa decisão pelos outros. Ele hesitava por causa de seus companheiros, sem querer tomar uma decisão precipitada e colocá-los em risco.
Finalmente, após uma longa pausa, Zephyros começou a falar: — ⟅Eu…⟆
— ⟅Ele não está sozinho⟆ — disse outro homem, interrompendo Zephyros ao surgir do topo da escada. O homem tinha mais de um metro e oitenta, aparentava ter uns trinta e poucos anos, usava uma barba desgrenhada e possuía traços faciais marcantes que o faziam parecer ainda mais forte. Eu não o reconhecia, mas sentia uma certa familiaridade com ele.
“Zephyros está na minha frente, Tarvian é mulher, e como ele não é um bebê…”
Só havia uma pessoa possível, depois de eliminar os demais.
— ⟅Com licença, mas ouvi toda a conversa de cima.⟆
Ele era o autor do diário.
— ⟅Saudações. Sou Ormi Noark.⟆
“…Hã?”
Meu cérebro deu um curto-circuito ao ver aqueles dois nomes familiares combinados em um só, mas logo se reiniciou quase instantaneamente.
O Corpo Revolucionário Ormi e Noark…
— ⟅Para sua informação, eu sou aquele de Rafdonia de quem ele falava.⟆
E Rafdonia ainda por cima?
“Isso está ficando muito interessante.”
Não existia algo como coincidência.
- MrRody: Dreadfear é o Lorde do Terror, que aparece se 5 pessoas ficarem juntas por um certo período após 3 dias no 1º andar. Se ele for derrotado diversas vezes, o Lorde do Abismo, Berzak aparece. A história de seu surgimento foi contada nos capítulos 483~489, Peregrino.[↩]