
Capítulo 8
Hotel Dimensional
Yu Sheng entrou na pequena cozinha, fechando a porta atrás de si com um clique silencioso. Ele esticou a mão para o interruptor do exaustor e, quando seu zumbido alto e constante preencheu o cômodo, sentiu seu coração finalmente começar a se acalmar.
Era como se a fina porta de madeira e o zumbido constante da máquina criassem uma barreira entre ele e o mundo estranho e perturbador lá fora. Por um momento, ele pôde fingir que estava em outro lugar. Não em Cidade da Fronteira, com suas ruas sinistras e sombras iminentes, mas em sua verdadeira casa. Um lugar que parecia seguro e familiar.
A casa em que morava agora não era nada como a que havia deixado para trás. Mas esta cozinha — este pequeno cômodo — ele tinha feito o possível para que se parecesse com a cozinha de sua antiga vida. Ele havia organizado tudo exatamente como se lembrava, até o menor detalhe.
Todos os dias, quando cozinhava, ele se permitia fingir. Imaginar que não havia aberto a porta da frente naquela fatídica manhã e entrado em um mundo diferente. Às vezes, se estivesse ocupado o suficiente, quase podia acreditar que, se olhasse para cima, veria sua antiga rua pela janela. A estrada familiar lá fora, banhada pela luz quente e avermelhada do sol da tarde, os prédios de apartamentos brilhando ao pôr do sol.
Mas no momento em que olhava para cima, a realidade desabava novamente. Não havia prédios de apartamentos ali. Apenas um espaço estéril e vazio, com casas antigas e baixas à distância e uma confusão de postes de serviços públicos emaranhados. Antes uma visão reconfortante, o céu estava terrivelmente claro ou opressivamente escuro — nunca o crepúsculo pacífico que ele tanto ansiava.
Yu Sheng suspirou pesadamente, abaixando as persianas para bloquear a vista sombria.
Ele começou a trabalhar, separando os vegetais, lavando-os sob a água fria e, em seguida, aquecendo a wok. Os sons familiares do óleo fervendo enquanto ele fritava a cebolinha lhe davam uma sensação de rotina e normalidade. Enquanto isso, o leve som de um programa de televisão vinha do outro cômodo. Pareceu-lhe estranho, embora não devesse. Apesar de todas as suas peculiaridades, esta cidade ainda tinha seus próprios canais de notícias, programas de TV e até telefones. Na verdade, muito do que ele havia aprendido sobre Cidade da Fronteira veio de assistir TV e rolar as notícias em seu telefone.
“Yu Sheng! A TV está muito baixa! Aumenta para mim, por favor?”
Uma voz alta o assustou, quase fazendo com que ele derramasse o conteúdo da wok. Ele havia se esquecido de Irene.
Antes, quando ele cozinhava, sempre tinha sido silencioso.
“Espera, eu vou aumentar em um segundo!” ele respondeu, sem fazer muito para esconder seu aborrecimento. Ele murmurou baixinho: “Ela realmente se sente em casa…”
Mas, depois de um momento, ele se pegou sorrindo apesar de tudo. Pelo menos o barulho trazia um pouco de vida para a casa. Ele não tinha percebido o quão quieto e solitário tinha sido.
Logo, ele emergiu da cozinha com pratos fumegantes nas mãos. Ele colocou os pratos na mesa, aumentou um pouco o volume da TV e então se sentou em frente à pintura de Irene. Ele não se importava muito de assistir TV enquanto comia, mas o barulho de fundo impedia que a sala parecesse muito vazia. Ele sorriu para si mesmo, sabendo que Irene só podia ver de seu lugar na pintura e não estava competindo com ele por uma visão melhor.
Na pintura, Irene estava sentada com seu ursinho de pelúcia, seus olhos piscando entre a TV e os pratos na mesa. Ela murmurou: “Que banquete…”
“Apenas um pouco de comida caseira”, Yu Sheng respondeu casualmente. “Eu gosto de cozinhar.”
“Hmm.” Irene deu um aceno de cabeça indiferente, voltando sua atenção para a TV. Mas depois de alguns minutos, ela se agitou quando Yu Sheng começou a comer. Ela se inclinou para frente, lançando olhares anelantes para a comida. Finalmente, incapaz de se conter, ela bufou: “Então, você vai comer sem me oferecer nada?”
Yu Sheng ergueu uma sobrancelha, acenando com seus pauzinhos em direção à pintura. “Quer uma mordida?”
Irene lançou-lhe um olhar irritado, mas ele rapidamente desapareceu quando ela abaixou a cabeça e fez beicinho.
“Tudo bem, tudo bem. Só para constar”, Yu Sheng suspirou, sentindo-se um pouco culpado. Ele se levantou, pegou uma tigela vazia, colocou um pouco de comida nela e a colocou em frente à pintura. “Aqui. Você pode pelo menos aproveitar o cheiro. Eu vou terminar mais tarde de qualquer maneira.”
Irene estudou a tigela por um momento, claramente pensando sobre isso. Eventualmente, ela deu um aceno de cabeça satisfeito e pulou de seu assento, movendo-se para mais perto da borda da moldura. Seu rosto ocupava quase metade da pintura enquanto ela olhava seriamente para ele. “Isso serve. Obrigada. Você é bem atencioso, sabia?”
Yu Sheng deu de ombros, dando outra mordida em sua refeição. Mas quando ele olhou para cima novamente, algo na cena o perturbou. Irene não pareceu notar seu desconforto. Ela ainda estava observando-o, intrigada com seu silêncio. “O que você está encarando?”
Yu Sheng rapidamente olhou para baixo, concentrando-se em sua comida por alguns segundos antes de olhar de volta para a pintura.
Lá estava a moldura escura, o fundo sombrio, o rosto de olhos arregalados de Irene e a tigela de comida colocada solenemente diante dela.
Parecia perturbadoramente como um retrato memorial, completo com uma oferenda.
Os músculos do rosto de Yu Sheng se contraíram, mas ele guardou seus pensamentos para si mesmo — não por bondade, mas porque Irene tinha uma língua afiada quando escolhia usá-la. Ele sabia que era melhor não provocá-la.
Então, em vez disso, ele se concentrou em sua refeição, fingindo que nada estava errado. Sob o olhar perplexo de Irene, ele manteve a cabeça baixa, evitando a imagem perturbadora da pintura, onde a garota na moldura parecia muito com um retrato memorial com a tigela de oferenda ainda sentada diante dela.
Parecia estar comendo em um serviço funerário.
Quando ele finalmente terminou, Yu Sheng limpou a boca e se apressou em limpar as tigelas e os pratos de perto de sua pintura. Ele os jogou na pia da cozinha, planejando deixá-los de molho durante a noite. Suas costas ainda estavam doloridas, e a ideia de se curvar para esfregar pratos fazia seus músculos doerem.
Embora pudesse evitar lavar a louça, ele sabia que não podia deixar de tirar o lixo. Com este clima, o lixo da cozinha cheiraria mal se ficasse durante a noite. Fazendo uma careta por causa da dor, Yu Sheng juntou o lixo, pegou o saco e foi em direção à porta.
Irene, ainda assistindo à TV, olhou para cima curiosamente. “Ei, aonde você vai tão tarde?”
“Preciso te informar cada vez que saio da minha própria casa?” ele rebateu para a garota na pintura, embora sua voz não tivesse nenhum calor real. Ele levantou o saco de lixo como prova. “Estou apenas tirando o lixo.”
“Oh, bem, volte rápido”, ela disse, sua atenção já de volta à tela. “Esta casa é tão grande, e eu fico com medo de ficar sozinha. E se um ladrão invadir…”
Yu Sheng revirou os olhos. Em uma casa como esta, se um ladrão entrasse e visse uma figura fantasmagórica se movendo em uma pintura, eles provavelmente seriam os que chamariam a polícia. Mas ele não teve coragem de dizer isso em voz alta.
Balançando a cabeça, ele murmurou para si mesmo enquanto caminhava até a porta. Ele trocou para seus sapatos de rua, estendeu a mão para a maçaneta e parou.
Ele aplicou um pouco de pressão e girou o botão.
Por um momento, ele se lembrou daquela manhã de dois meses atrás — quando tudo havia mudado. Tinha sido apenas mais um dia normal, ou assim ele pensava. Ele havia aberto a porta da frente, saído e caminhado direto para uma vasta e estranha cidade que nunca tinha visto antes. E a partir daquele momento, ele não conseguiu mais voltar.
A lembrança o fez hesitar, mas ele deu de ombros com um sorriso irônico. Ele disse a si mesmo que nada assim aconteceria de novo, empurrando a porta para abrir.
O estalo nítido de um galho sob seus pés quebrou o silêncio. Um vento frio o atingiu como um tapa, carregando consigo o cheiro fétido de podridão e decomposição. Yu Sheng estremeceu involuntariamente, seu cérebro levando vários segundos para processar o que estava acontecendo.
Ele não estava mais em frente à sua casa.
Ao seu redor estavam pedras desmoronando, tijolos quebrados e os remanescentes de um lugar há muito abandonado. À distância, além de uma floresta retorcida e nodosas, o contorno escuro das montanhas se elevava alto contra o céu noturno. Elas se erguiam como sentinelas silenciosas, pairando sobre o vale abaixo, lançando uma sombra pesada e opressiva.
Yu Sheng ficou paralisado no lugar, mal ousando respirar. Lentamente, ele se virou para olhar para trás.
O que ele viu fez seu estômago cair.
Onde sua casa havia estado, agora havia apenas uma pilha de escombros, tijolos espalhados aleatoriamente pelo chão. Os restos de um templo jaziam em ruínas, sua moldura da porta quebrada e torta, com metade de uma porta ainda pendurada por uma única dobradiça enferrujada. De dentro das ruínas veio um lamento baixo e triste carregado pelo vento através das rachaduras nas pedras.
Os olhos de Yu Sheng se arregalaram em choque. “Onde… estou?”
Ele não precisava que ninguém lhe dissesse. A verdade o atingiu como um tapa frio no rosto.
Ele tinha feito de novo.
Ao abrir a porta, ele havia cruzado para outro lugar estranho. Mas desta vez, era pior. Muito pior.
Cidade da Fronteira tinha sido estranha, sim, mas ainda era uma cidade — um lugar com pessoas, ruas e algum senso de ordem. Mas aqui? Aqui ele estava no meio do nada. Nada além de natureza selvagem à sua frente e ruínas desmoronando atrás.
Ele olhou ao redor, observando a floresta densa à frente e as montanhas imponentes de cada lado. Se este lugar não estivesse repleto de bandidos ou feras selvagens, estaria desperdiçando sua atmosfera sombria.
E tudo o que ele tinha para se proteger era um saco de lixo da cozinha.
Yu Sheng amaldiçoou baixinho, usando palavras que geralmente guardava para si mesmo. Ele sentiu uma onda de frustração, sabendo que estava totalmente despreparado para o que estava prestes a acontecer.
Justamente quando seus pensamentos entraram em território colorido, uma voz de repente soou em sua cabeça.
“Yu Sheng! A TV perdeu o sinal! Quando você volta?”