Forja do Destino

Capítulo 701

Forja do Destino

Fios 405 – Posição 3

Ling Qi afagava os cabelos da irmãzinha, cantarolando baixinho enquanto a menina se aconchegava em seus braços. A pressão no peito e no colo era um pouco desconfortável, mas nada demais, por baixo das muitas camadas de ataduras medicinais.

Observando o jardim, ela puxou mais a manta para cima enquanto serpentinas de fogo colorido subiam ao céu, piscando e dançando. Havia um pequeno festival hoje dedicado ao companheiro dragão da Chefe da Seita, e os padres da cidade não tinham sido econômicos com o papel-fogo e os pós que transformavam as chamas das fogueiras acesas nos pontos rituais por toda a cidade em cores tão lindas.

– Da primeira vez que vi isso, fiquei preocupada com o perigo apresentado por fogos tão altos – disse Ling Qingge, embalando uma xícara de chá quente nas mãos.

– Imagino que seria perigoso com menos cuidado – respondeu Ling Qi.

Os sons de música e pessoas dançando em torno dessas fogueiras flutuavam por sobre os muros. A maioria da casa havia recebido folga para sair e se juntar às festividades, se quisesse. Ela esperava que estivessem se divertindo.

– Pode-se dizer isso de muitas coisas. Estou grata pelo tempo. Haverá muito trabalho para deixar a casa apresentável para a visita da herdeira.

Ling Qi riu. – É conveniente. Conhecendo a Senhora Cai, ela provavelmente levou isso em conta em uma de suas planilhas de cronograma.

A mãe arqueou uma sobrancelha para ela.

– Ah, ela vai desenhar esses quadrados em um rolo antes de meditar e cultivar. Ela os preenche sem nem mesmo abrir os olhos. Tudo está tão certo. Mas ela fica com esse tique específico na bochecha sempre que é forçada a alterar a linha do tempo mais de uma ou duas vezes. Muitas vezes, e seus dentes começam a ranger.

Era, pensou Ling Qi, provavelmente um dos hábitos mais humanos de sua senhora.

– Você realmente deveria falar de tais fraquezas? – perguntou Ling Qingge cautelosamente.

– Ah, desculpas, mãe. Você precisará guardar esse segredo negro agora – disse Ling Qi gravemente.

A mãe suspirou. – Seja séria, Ling Qi.

– Ela não é do tipo que se ofende por uma característica tão pequena ser conhecida. Nem seu ego nem sua posição são tão frágeis – Ling Qi assegurou. – Eu digo isso principalmente para lembrá-la de não pensar demais nessa visita. Ela é minha senhora e superior, mas ela também é minha amiga. Nossa casa é mais do que capaz de desempenhar seus papéis sob tais olhares.

– Eu sei disso, e ainda assim meu coração não consegue assimilar.

– Seus esforços não são em vão, mãe. Haverá momentos em que receberemos visitantes muito mais espinhosos, até mesmo aqueles que procuram uma desculpa para serem insultados ou para macular nossa honra menos que estelar.

Apesar de suas conquistas, ainda havia um desprezo persistente por quem ela havia escolhido trazer para sua casa. Estava abafado agora sob o peso de seus atos, mas levaria muito tempo até que desaparecesse completamente, se é que algum dia isso acontecesse.

Não era justo, mas o mundo nunca foi. Reconhecer o que os outros viam, mesmo que ela o considerasse falso, também era Clareza.

– Eu sei disso. Eu não entendo completamente tudo o que você faz, mas consigo ver a forma disso – disse a mãe. – Era inevitável, se você fizesse um bom trabalho para a herdeira… Suspeito que a Senhora Cai não será a única hóspede que receberemos, mesmo neste ano.

– Posso atrasar a investida com a mudança da nossa casa para Flor-de-Neve. – Ling Qi passou os dedos pelos cabelos de Biyu. – Você estará bem com a mudança? É provável que comece antes do fim do ano.

– Então é por isso que você estava conversando com especialistas sobre se o trabalho do Senhor Xuan poderia ser removido.

– De fato – concordou Ling Qi. – É um trabalho muito bom, e vale a pena o custo para movê-lo. Estamos nos desenvolvendo rapidamente, e sob uma égide, mas o sul ainda é perigoso.

– Iremos – disse Ling Qingge. – Confiarei em você quando disser que o assentamento está pronto.

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Ling Qi fechou os olhos, aceitando o peso daquela afirmação. Ela não queria que sua família fosse algo distante que ela visitava ocasionalmente. Valia a pena arriscá-los? Era arriscá-los? Flor-de-Neve também estava sob proteção soberana, e seus companheiros servidores eram uma concentração absurda de força para uma nova baronia.

A cadeira da mãe rangeu quando ela se levantou. Ela observou as chamas dançantes subindo ao céu por mais um momento antes de se virar para Ling Qi e estender os braços. Ling Qi cuidadosamente ergueu Biyu, permitindo que a mãe a pegasse. Se não fosse por seu cultivo físico, ela pensou que a mãe poderia ter começado a ter problemas para segurar Biyu assim, com o tamanho que a menina estava ficando.

– Devo mandar chamar Hanyi? – perguntou a mãe.

– Não, eu gostaria de ficar aqui fora um pouco mais.

A mãe procurou seu rosto, depois acenou com a cabeça. – Muito bem. Direi a ela para buscá-la em uma hora. Seus curativos ainda precisam ser trocados.

– Sim, mãe – disse Ling Qi, inclinando a cabeça. Ela observou a mãe entrar, respirou fundo enquanto se voltava para o jardim e expirou. Fios de névoa prateada emergiram com sua respiração, e lufadas saíram de baixo das bainhas de seu vestido.

Havia uma dicotomia, pensou Ling Qi, em suas fundações. Não era uma falha que arruinasse o cultivo, ou pelo menos, ela não achava que fosse. Resumia-se à maneira como seus patronos secundários podiam parecer colidir. Sonhar e Escondido. Arte e Segredos. Expressão e Mistério.

A Duquesa havia se aprimorado em uma verdade implacável, onde nenhuma contradição poderia existir. Ela não poderia e não deixaria nenhuma parte de si mesma para trás, e ela não poderia permitir que nenhuma sombra de dúvida existisse. E assim Cai Renxiang foi quebrada, como uma boneca de criança jogada nas pedras.

Os Hui, o antigo clã ducal, eram o oposto da Duquesa. Eles eram mestres da mentira que prosperavam nas dúvidas.

A luz implacável e purificadora de Cai Shenhua foi necessária para quebrá-los. Foi necessário para arrancar a podridão de séculos dos salões e ministérios de Xiangmen, para que algo imaculado pudesse começar a crescer.

Mas os humanos não podiam suportar viver sob uma luz tão forte para sempre, nem a Duquesa duraria para sempre. Nem Renxiang poderia ser uma luz assim. A luz de Renxiang não era tão forte quanto a de sua mãe, mas ainda não era algo que deixasse as pessoas à vontade. Sua intenção era boa, humildemente, mas não fazia sua luz se tornar quente.

O que Ling Qi poderia ser, no entanto, era aquela que ficava entre a luz e as pessoas. Havia mais para comunicar claramente do que simplesmente afirmar os fatos. Incluía suavizar as palavras, ajustar os tons ou falar em palavras e metáforas que não escorregariam das preconcepções de uma pessoa como água das penas de um pato. Se a verdade era essa luz ardente e impiedosa, suas névoas deveriam ser aquilo que suavizasse seus raios em algo que homens e mulheres pudessem suportar.

Ao seu redor, a névoa brilhava baixa ao chão, flutuando ao longo dos tábuas polidas da varanda com vista para o jardim. Ela estendeu as mãos, e o ar cintilou. Uma lâmina retorcida e oca se formou ali. Estava lascada, chamuscada e rachada, parecendo que poderia se estilhaçar com um único impacto forte. Sua lâmina de domínio, Isolamento, ainda não estava pronta para ser renovada.

Mas ela entendeu agora que, seja qual for sua origem, a névoa havia mudado e assumido um aspecto diferente. Fazia sentido. Seu Caminho não era aquele cujo núcleo era violência e ofensa. Assim, a totalidade de seu domínio não poderia permanecer encapsulada em um conceito que ela entendia como uma arma. Isso era parte dela, mas não a totalidade dela.

Assim como a Lua Grinfante não era sua única patrona. E assim, Sonhar e Escondido; Desejo, Clareza e Mistério.

Este não era um ponto que ela jamais encontraria sem tensão, ela pensou. As pequenas mentiras e a privacidade de que as pessoas precisavam para si mesmas conflitariam com a perfeita clareza de comunicação que não permitia confusão ou ambiguidade.

Era por isso que aqueles de maior cultivo muitas vezes tinham visões tão amplas e duras dos conceitos. Era muito mais difícil manter em equilíbrio algo tão questionável.

Seus pensamentos trouxeram os pequenos restos de qi de Huisheng borbulhando em seu dantian. Havia muito pouco dele sobrando, mas ainda reagia aos seus pensamentos, adicionando um sussurro ecoante.

Escolha. Esse era o agente para ligar conceitos opostos.

Pesando isso em sua mente assim como ela pesava a lâmina que havia esculpido em seu coração em suas mãos, ela se perguntou se esse conceito era suficiente para resistir às pressões de um Caminho mais pesado. Ela pensou nos eventos dos últimos meses. No cume, havia tantas pessoas se movendo, pensando, fazendo. Ela pensou no Ancião Jiao e seu desespero com a impossibilidade de consertar as fundações do Império Celestial com apenas um par de heróis.

No espaço entre a verdade cegante e as mentiras que consomem tudo, havia muitas perguntas a responder e linhas a definir. Mas mesmo que a escolha não fosse boa o suficiente, ela tinha a forma de algo que poderia ser.

– Irmã mais velha! O que o cara do médico disse sobre forçar seu domínio assim! Não por mais algumas semanas!

A voz de Hanyi a tirou de seus pensamentos. Ela amaldiçoou baixinho, a espada brilhando e desaparecendo, a névoa se dissipando. Que ladra ela era, sendo pega em flagrante.

– Exercício leve está bem – ela desviou, inclinando o queixo desafiadoramente enquanto Hanyi saía para a varanda, mãos na cintura.

– A irmã está forçando o que conta como ‘leve’ – disse Hanyi secamente.

– Não estou – respondeu Ling Qi com grande dignidade.

Era um pouco divertido ser a pirralha por uma vez.