
Capítulo 403
Reformation of the Deadbeat Noble
História Paralela – 4 O Caminho da Independência
Qual era a coisa mais crucial que trocava de mãos em uma corretora de mercenários? Dinheiro, obviamente.
Mercenários trocavam sua força e trabalho por riqueza, e seus principais clientes, comerciantes, eram indivíduos que não mediam esforços para lucrar. Perguntar o que era mais importante numa corretora que envolvia esses dois tipos de pessoas era, de fato, uma pergunta tola.
Então qual era o segundo elemento mais crucial numa corretora de mercenários? Confiança.
Nada era mais vazio e perigoso do que um relacionamento construído sem confiança. Além disso, no mundo encharcado de sangue dos mercenários, o poder da confiança era imenso, rivalizando até com o do dinheiro. Era justamente por isso que corretoras de mercenários categorizavam os mercenários em patentes, colocando grande ênfase em conquistas, experiência e confiabilidade.
Mesmo os novatos no mercado de mercenários sabiam disso. Embora fossem inexperientes, abordavam contratos com senso de responsabilidade, cuidadosos com suas palavras e ações. Mas… e se a maioria desses novos mercenários ignorassem o valor da confiança?
Imagine estabelecer uma corretora de mercenários numa cidade cheia de espadachins habilidosos que podem trair seus empregadores por capricho, arqueiros novatos só pensando em fugir quando as coisas dessem errado, e magos obcecados por conhecimento e negligenciando suas obrigações contratuais.
O fracasso seria inevitável. Cem por cento garantido.
Esse era exatamente o motivo da escassez de corretoras de mercenários no sul do continente. Consequentemente, o único caminho para se tornar um mercenário no Sul era por meio de grupos de mercenários individuais endossados por autoridades locais. Claro, a maioria dos que empunhavam uma lâmina achava mais fácil virar bandido ou capanga de beco.
Naturalmente, Elena não sabia nada disso, e nem o homem a quem ela perguntou. Felizmente, o rosto gentil dele refletia um coração genuinamente bondoso.
— Ei, garota! Não fique perambulando por aí fazendo perguntas estranhas. Fique perto e segure a mão do seu pai!
— Já disse que não sou uma criança…
— Sua pestinha, quem você pensa que é pra retrucar? Cai fora!
Talvez fosse bondade segundo os padrões do Sul, mas ao menos o homem não passou dos limites. Ele apenas resmungou: — Que droga de sorte… — e desapareceu na multidão.
Mas até isso foi um choque para Elena.
“Como alguém pode ser tão incrivelmente rude? Como isso é possível? Boas maneiras são um conceito estrangeiro aqui?”
Era óbvio que mesmo no Sul, uma cidade cheia de personagens duvidosos como essa dificilmente seria um reduto de etiqueta. Só depois de fazer a mesma pergunta várias vezes é que Elena começou a perceber que o primeiro homem tinha sido relativamente educado.
Depois de dar um chute rápido na canela de um velho que tentou agredi-la sem motivo, ela bateu em retirada.
— Ugh, ahhh! Sua pirralha maluca… Peguem essa garota! Ela pegou minha carteira! Batedora de carteiras!
— O quê? Uma batedora de carteiras?
— Dinheiro, quanto dinheiro você tinha?
“Eu não sou batedora de carteiras! Velho maluco!”
Era irritantemente injusto. Se não queriam responder à sua pergunta, podiam simplesmente ir embora. Por que recorrer à violência? E para piorar, por que acusá-la falsamente de roubo? Que rancor tinham contra ela?
Esses pensamentos fervilhavam dentro de Elena, alimentando sua raiva. Ainda assim, ela não podia voltar para confrontá-los. A visão das pessoas a perseguindo causava nela uma sensação de pavor.
“O que deu nessas pessoas? Está claro que a intenção delas não é recuperar o dinheiro…”
Parecia muito mais provável que queriam espancá-la e ficar com o dinheiro para si. Os olhos delas, brilhando de desejo evidente, a fizeram se sentir intimidada, não importava quem era mais forte fisicamente.
No fim, Elena abandonou qualquer ideia de se explicar e despejou mais energia em suas passadas. Isso ativou a aura que cultivou desde criança, impulsionando-a numa velocidade impressionante para longe da multidão.
— Hã? O que…?
— Inacreditável…
— Como ela pode ser tão rápida?
Os homens observavam boquiabertos enquanto a garota cortava a multidão e desaparecia a uma velocidade impossível.
Elena, claro, não notou as reações. Apenas correu com tudo o que tinha para se afastar dos rufiões. Quando sua respiração começou a falhar, ela finalmente parou e examinou os arredores.
“Isso é…!”
A surpresa se estampou no rosto da garota ao olhar em volta. A iluminação avermelhada e peculiar dava ao local um clima perturbador, quase sensual. O ar era espesso com cheiros de álcool, perfume barato e outros odores pungentes e não identificáveis. Homens de rostos vermelhos vagavam por ali, e algumas mulheres os abordavam descaradamente com vozes agudas e toques sugestivos.
“Será que esse é o famoso…?”
— Ei, Bakoom, olha ali.
— Onde…? Uou, é uma criança. Você acha que uma dessa já tá no ramo?
Ela tentou gritar ‘Não!’, mas as palavras ficaram presas na garganta.
Elena examinou os arredores, percebendo que várias pessoas estavam olhando para ela. Sentia instintivamente a curiosidade, o interesse, e algo muito mais sórdido e sombrio nos olhares. O sentimento era dolorosamente familiar. O medo voltou a tomar conta da garota.
Whoosh!
— Hã, o que…?
— Ela sumiu.
— Ela é um fantasma ou o quê? O que acabou de acontecer?
Mais uma vez, ela usou até a última gota de força para fugir da situação.
“O que eu devo fazer?”
Enquanto vagava pelas ruas escuras, Elena se debatia com incontáveis perguntas. O que fazer? Que passos dar para garantir sua sobrevivência ali?
Ela abandonou a ideia de se tornar mercenária. A esperança desesperada de negar a dura realidade sustentava suas insistentes perguntas, mas já fazia tempo que ela havia aceitado que não havia uma guilda de mercenários naquela cidade.
Isso não significava que ela só poderia ganhar a vida de uma única forma. Espadachim e combate corpo a corpo eram os pontos fortes de Elena. Apesar de seu pai elogiar sua voz de vez em quando, ela duvidava que suas habilidades musicais fossem suficientes para garantir sustento.
Então como poderia usar suas habilidades físicas para ganhar dinheiro?
— Eu sei muito menos do que pensei — murmurou Elena, abatida.
Essa era a dura verdade. Sua vaga esperança de que as coisas dessem certo foi destruída antes mesmo de criar raízes. Estava confusa, fugindo de pessoas mais fracas que ela, e sua situação continuava a mesma, exceto por seu estômago, que roncava cada vez mais alto.
Qual caminho seguir? Será que Ignet estava certa em avaliar que Elena era incapaz de se virar sozinha no mundo? Enquanto pensamentos desanimadores ameaçavam dominá-la, uma comoção repentina atrás dela a tirou do transe.
— Ugh… D-Desculpa! Por favor, só dessa vez, me perdoa…
— Olha, eu adoraria ter piedade… mas está fora de questão, entendeu? A gente não manda aqui.
— Ei, para de desperdiçar saliva. Vamos espancar ele mais um pouco. Aposto que o dinheiro aparece, hein?
“É isso!”
Tristeza e injustiça cobriram o rosto do dono do restaurante, enquanto dois brutamontes o ameaçavam cruelmente. Uma centelha acendeu dentro de Elena, e sua expressão antes apagada brilhou com uma nova resolução. Ela finalmente entendeu como poderia aguentar o próximo mês.
“Posso proteger o dono do restaurante e, em troca, ele me alimenta!”
Era uma solução simples, porém brilhante. Trabalhos de mercenários não exigiam necessariamente o envolvimento de uma corretora. Se quem precisava de força e quem desejava pagar conseguissem fechar um acordo direto, poderiam alcançar um resultado mais favorável e ainda evitar taxas intermediárias.
Além disso, a natureza da tarefa jogava diretamente com os pontos fortes da garota. Embora os dois brutamontes causando confusão fossem significativamente mais altos do que ela, Elena não considerava isso um obstáculo. Estava absolutamente confiante em sua capacidade de derrotá-los.
— Sim, eu sou Elena — Elena firmou sua resolução.
De fato, ela era Elena. Uma prodígio em esgrima de uma geração, suas habilidades estavam entre as melhores mesmo dentro da prestigiada Academia de Esgrima Krono, um lugar que reunia os talentos mais promissores do continente.
— Essa… sou eu.
— Que que essa pirralha tá murmurando…? Hmm? — O homem ao lado da garota franziu a testa, mas logo sua expressão virou perplexidade.
A jovem garota, que momentos antes murmurava para si mesma, de repente começou a marchar decidida. Dirigiu-se diretamente ao grupo de brutamontes.
Surpreso, o homem a chamou em voz baixa:
— Ei, ei!
— Que diabos essa garota tá fazendo?
— Ela não tem pais? Ela é…
— Alguém tem que parar essa criança…
— Você tá maluco? Deixa ela ir morrer se quiser!
Todos que testemunharam o avanço destemido de Elena reagiram com uma mistura de choque e incredulidade. Até o dono do restaurante, todo machucado, a observava com olhos arregalados, sem piscar. Os brutamontes, por outro lado, reagiram de forma um pouco diferente.
Qual era a intenção daquela criaturinha se aproximando? Seria possível…? Ela realmente pretendia intervir e acabar com os planos deles? Ela estava falando sério?
Esses pensamentos passaram pelas mentes dos brutamontes, mas seus semblantes não demonstravam nem o menor sinal de apreensão. Simplesmente observaram a garota, com expressões vazias de qualquer preocupação real. A falta de vigilância deles não era o principal motivo de sua derrota iminente. Mesmo que estivessem alertas, não seriam páreo para ela.
Com determinação firme, Elena se impulsionou do chão e desferiu um soco poderoso.
— Gack!
— Guh…!
Os brutamontes desabaram no chão, nocauteados por um único e preciso golpe no abdômen de cada um.
Um silêncio pesado caiu sobre a cena. Todos apenas encaravam em choque, os olhares se alternando entre a jovem garota e os brutamontes caídos. Elena sentiu a atenção sobre si, e varreu os arredores com os olhos, um sorriso orgulhoso nos lábios.
Mesmo que suas ações não rivalizassem com as dos heróis lendários do folclore, ela sentia uma onda de satisfação. Sentia-se como se estivesse seguindo, ainda que de longe, os passos daqueles heróis ilustres. Mas, ao contrário deles, não podia simplesmente desaparecer sem buscar compensação. Ela estava sem um tostão e faminta, e tudo aquilo era para resolver essas necessidades básicas.
“Mas… um dia, quando minha situação melhorar…”
Talvez aí ela pudesse se permitir realizar atos de bondade sem esperar nada em troca. Com esse pensamento cruzando sua mente, ela se preparou para se aproximar do dono do restaurante.
— C-Corram… Saiam daqui!
— Aquela lunática! Mexeu com a gangue do Pendal!
— N-Não fui eu! Não tenho nada a ver com isso!
— Sai daqui, agora! Ahhhhhh!
Ela não entendia aquelas palavras ou ações. Observou os espectadores apavorados se dispersarem em todas as direções. Virou-se para o dono do restaurante, com a expressão tomada pela confusão. O que, afinal, estava acontecendo? Esperava que ele pudesse esclarecer.
Mas não foi o caso. Ao vê-la se aproximar, os olhos do dono do restaurante se arregalaram de terror.
— F-Fique longe! Sua peste desgraçada! — ele gritou. — V-você tem ideia de q-quem são aquelas pessoas…? Ah, estou ferrado! Completamente ferrado!
Elena abriu a boca, sem saber o que dizer.
— Por favor, tô implorando, vá embora! Não piore ainda mais as coisas, só vá!
— Uh, uh…
O dono do restaurante agarrou uma haste de madeira encostada na parede e a balançou de forma ameaçadora. Elena se encolheu por instinto, tomada pelo medo.
Ela havia feito uma boa ação, mas não foi recebida com gratidão, e sim com hostilidade. Todos a tratavam como se fosse uma praga ambulante. Mais uma vez, o terror dominou o coração da jovem garota.
Ela não tinha saída. Elena se virou e fugiu mais uma vez. Correu até alcançar uma área pouco povoada. Era o mais longe que podia ir do coração da cidade, repleta de indivíduos insondáveis. Então, seu olhar caiu sobre uma placa solitária nos arredores: Orfanato do Amor.
Os rostos das crianças insolentes de Krono, incluindo a própria Krono, passaram por sua mente. Mas ela rapidamente sacudiu a cabeça e continuou em frente. Aquilo era melhor do que perder a aposta com Ignet.
De coração pesado, ela bateu suavemente na porta do orfanato.
— Quem você disse que bateu nos garotos?
— Uma pirralha. Uma menina, pra piorar.
— É mesmo… — O líder da gangue, Pendal, fez uma pausa antes de falar. — Cortem as orelhas dos que levaram uma surra e rastreiem aquela pirralha.