Terramar: O Mar Encoberto

Capítulo 1018

Terramar: O Mar Encoberto

"Big Sister, já na hora de comer," disse Gao Zhiming enquanto se esforçava para puxar o corpo de Anna para fora da pilha de lixo. Anna era jovem, então não era muito pesada, mas ainda assim seu peso era demais para os oito anos de Gao Zhiming.

Enxugando o suor da testa com as costas da mão, Gao Zhiming abriu a sacola de plástico e usando os dedos, pegou um pedaço de cordeiro antes de colocá-lo na boca de Anna.

Depois, segurou seu queixo com as duas mãos, movendo-o de um lado para o outro para que ela mastigasse a carne. Mas isso foi inútil. No final, Gao Zhiming tirou a carne da boca dela e colocou na própria boca.

Após mastigar até virar uma pasta, cuspou direto na boca de Anna. Ele tinha visto alguém fazer isso com um bebê e achou uma forma nova de alimentar alguém, então memorizou a técnica.

Depois de dar toda a carne de cordeiro para Anna, Gao Zhiming ficou preocupado que ela ainda estivesse com fome, então rasgou o resto da carne dos ossos de frango e alimentou tudo a ela.

Depois de alimentar Anna, Gao Zhiming começou a comer as sobras. Sua refeição consistia em algumas peles de fruta em decomposição e também de carne, alguns ossos para chupar, e uma camada de caldo que parecia mais óleo grosso com pedaços de cebolinha dentro de uma embalagem de papel alumínio.

Obviamente, isso não era suficiente para preencher o estômago do Gao Zhiming em crescimento. Ele até mastigou os ossos de frango em pedaços e engoliu, mas ainda estava irritado.

Apesar de aliviar um pouco a queimação e o ronco do estômago, Gao Zhiming parecia já estar satisfeito. Quando se trata de fome, ele era um verdadeiro especialista, com bastante experiência.

Ele se encolheu para a direita de Anna e abraçou seu braço com ambos os braços.

"Big Sister, o tio Máscara disse que voltaria logo, mas já fazem vários dias que ele saiu. Por que ele ainda não voltou?"

A pergunta de Gao Zhiming estava destinada a ficar sem resposta, mas ele continuou falando consigo mesmo. "Não se preocupe; eu prometi ao tio Máscara que cuidaria bem de você, e com certeza vamos esperar ele voltar."

"Big Sister, está com fome? Não se preocupe; o Festival de Meio-Autumno está chegando, e até lá muita casca de melão descartada vai estar na lixeira. Podemos nos virar com isso até lá," disse Gao Zhiming. No entanto, suas palavras eram tanto para Anna quanto para si mesmo.

Gao Zhiming salivou bastante e engoliu em seco. Sentia-se ainda mais faminto ao ouvir sobre comida, então parou de pensar nisso e começou a pensar em outra coisa.

Ele se sentou, olhando fixamente para o rosto delicado de Anna, boquiaberto. "Big Sister, você é tão bonita."

Depois, não conseguiu resistir e se inclinou para dar um beijo na bochecha lisa dela. Imediatamente, ficou tímido, enterrando a cabeça no braço de Anna antes de rir baixinho.

Seu riso foi aos poucos desaparecendo. Justo quando o silêncio parecia tomar conta, Gao Zhiming falou de novo, aparentemente um pouco desanimado: "Big Sister, quando você acordar, pode não me bater de novo?"

"Eu gosto muito de você. Gosto mesmo. Vou fazer tudo que você quiser."

O ritmo da respiração de Gao Zhiming foi se acalmando até que ele pegou no sono.

Justo então, a lua escondida atrás das nuvens no céu apareceu, lançando sua luz tênue sobre Anna e Charles, cobrindo-os como um cobertor.

Um sorriso alegre surgiu nos lábios de Gao Zhiming. Qualquer que fosse o sonho, tinha que ser um sonho feliz.

Na manhã seguinte, Gao Zhiming acordou cedo, despertado pelos protestos do estômago, com a cabeça latejando. Parecia que tinha febre de tanta fome.

Ele foi até a janela e saiu na pontinha do pé para espiar as ruas lá embaixo. Ao ver que estavam desertas, decidiu aproveitar essa quietude para conseguir comida.

Ele só precisava comer até ficar satisfeito, e sua cabeça certamente pararia de doer.

Gao Zhiming caminhou por trinta minutos até chegar ao centro da cidade. Então, não perdeu tempo, vasculhando a lixeira. Talvez por o caminhão de lixo acabado de recolher o lixo, ele não achou nada além de um pedaço de chiclete endurecido.

O número de pessoas indo trabalhar ou estudar crescia rapidamente, deixando Gao Zhiming ansioso. Logo seria hora do rush, então ele tinha que correr de volta.

Ele virou-se e ia sair quando avistou uma lixeira ao longe. Gao Zhiming parou de repente ao ver aquilo. A queimação intensa no estômago fez com que ele decidisse procurar algo naquela lixeira antes de voltar.

Levantenando a tampa, Gao Zhiming colocou a cabeça lá dentro e procurou com toda força por algo comestível. Havia meia corda de massa frita, e isso fez seus olhos se iluminarem de alegria. O café da manhã da sua big sister estava garantido.

Quando, com alegria, empurrou a corda de massa frita dentro do casaco, uma voz veio de trás, fazendo-o sentir como se tivesse chegado instantaneamente dentro de uma caverna gelada.

"Gao Zhiming?"

Gao Zhiming se virou lentamente, como se suas juntas estivessem enferrujadas. Antes dele apareceu uma garotinha — com uns sete ou oito anos — que ele reconheceu porque era sua colega de carteira na escola: Miaomiao.

"Ah! É você mesmo, Gao Zhiming! Pensei que tinha confundido com outra pessoa. Faz tempo que não te vejo desde que saiu da escola. Você... como acabou assim?" perguntou Miaomiao.

Gao Zhiming, assustado e suando frio, não tinha intenção de explicar nada. Guardando a corda de massa frita, virou as costas e foi embora com a cabeça baixa. O tio Máscara tinha lhe dito para não confiar em ninguém até seu retorno.

"Espera! O que aconteceu com você? Por que virou um pedinte? Quer que eu chame a polícia pra ajudar?" perguntou Miaomiao, correndo atrás dele.

Ao ouvir isso, a caminhada rápida de Gao Zhiming virou corrida.

"Para! Para de correr! Você é rápido demais!" exclamou Miaomiao. No momento em que começou a correr, sua sandália vermelha torceu ao contrário, e ela caiu no chão.

Gao Zhiming parou e observou Miaomiao de longe, enquanto ela se levantava com uma expressão de dor.

"Não vou mais correr atrás de você. Também não vou mais te fazer perguntas, então você pode esperar aqui por mim?" disse Miaomiao. Ela esfregou os joelhos ralados e foi cambaleando até uma loja que vendia café da manhã do outro lado da rua.

Logo, Miaomiao voltou com um saco plástico cheio de pãezinhos no vapor e pãezinhos recheados. O aroma que vinha era tão irresistível que Gao Zhiming engoliu em seco, quase sem perceber.

"Pegue isso e coma. Para de procurar na lixeira. As coisas lá dentro estão todas podres e fedidas."

Gao Zhiming queria recusar, mas seu corpo era mais sincero do que a sua cabeça.

"Obrigada, mas onde você conseguiu dinheiro pra comprar isso?"

"Minha mãe me mandou sair pra comprar esses pães. Como você está com muita fome, acho que precisa mais do que a gente, então aproveita e come," respondeu Miaomiao com um sorriso doce.

Gao Zhiming virou-se, com expressões complexas, e saiu correndo. Correu sem parar, e em menos de meia hora conseguiu voltar àquele prédio inacabado.

Ele enfiou o pão de massa frita na boca e mal mastigou antes de engolir. Olhando para os pãezinhos quentinhos, brancos como neve, em seus braços, um sorriso se abriu no rosto de Gao Zhiming. "Tem tanta comida! Se dividirmos, dá pra comer por vários dias! Que maravilha!"

Ele subiu as escadas correndo, chegando ao último andar, todo empolgado para contar para a sua big sister. Mas, quase na metade do caminho, parou bruscamente.

Ele conseguia ouvir vozes vindo de dentro.

Gao Zhiming entrou na sala de estar de um apartamento sem acabamento, com barras de ferro expostas, nervoso, e viu dois jovens encostados, fumando cigarros.

Os dois — um gordinho e um magro — tinham tatuagens por todo o braço e usavam colares similares pendurados na frente do peito. Seus cabelos longos estavam tingidos de laranja.

Depois de uma olhada rápida, Gao Zhiming soube que não podia se meter com eles. Não podia ofendê-los naquele momento.