Terramar: O Mar Encoberto

Capítulo 11

Terramar: O Mar Encoberto

Após a refeição, Charles iniciou sua ronda pela S.S. Mouse para garantir a segurança de todos. Diante de um adversário invisível por trás dos desaparecimentos dos marinheiros, não lhe restava alternativa senão recorrer a um método tão cumbersome.

A atmosfera a bordo havia voltado ao estado em que se encontrava quando estavam a caminho da ilha desconhecida. Todos estavam tensos e grudados a outro integrante da tripulação. Com medo de que eles mesmos acabassem sumindo sem deixar rastro.

Seja pelo efeito das medidas de Charles ou pelo desaparecimento da entidade esquiva, os dias seguintes na S.S. Mouse foram surpreendentemente tranquilos.

Quatro dias depois, Charles estava na proa, olhando para a imensidão escura do mar.

"Falta só mais três dias para a S.S. Mouse voltar ao percurso normal de navegação. Até lá, devemos estar seguros."

Charles estimou aproximadamente o tempo que faltava até chegarem ao Arquipélago de Coral e então virou-se para olhar para Anna, que estava sentada no cabeço da âncora.

"Vamos dar uma olhada na sala de maquinas," comentou Charles.

"Eu não quero. Já cansei de vaguear sem roteiro com você dia após dia. O que tem pra ver nesse espaço tão pequeno e apertado? Se você quer ir, vá sozinho," respondeu Anna. Sua impaciência e irritação eram evidentes no rosto.

"Não baixe a guarda. É perigoso ficar sozinho," Charles aproximou-se, pegando no braço de Anna, mas ela puxou-se para trás, desviando.

"Ah, vamos! Já disse que não quero. Por que você é tão irritante? Além disso, aquela múmia está lá em cima vigilante. Que perigo poderia existir ali?"

Charles olhou para cima e viu Bandages segurando firmemente o leme através do vidro transparente da ponte de comando.

"Tudo bem. Fica aí descansando. Volto já."

Charles abriu a escotilha e desceu até o nível mais baixo, a câmara de turbinas.

Como o coração pulsante do navio a vapor, a câmara de turbinas era sufocantemente quente. Ao entrar, Charles avistou James de costas, suado, abastecendo as caldeiras com o primeiro oficial Dipp ao seu lado. Este último estava encharcado de suor, com a língua de fora, respirando como um cachorro.

"Capitão, não aguento mais. Me troque de lugar lá em cima. Aqui está demais, muito quente," reclamou Dipp, franzindo o rosto.

"Tenha mais um pouco de paciência. É por segurança de todos."

"Mesmo que tenha algum monstro comedor de gente, ele não vindo aqui pra baixo. Aqui é insuportavelmente quente, quem vai aguentar isso além desse cara?"

Charles se aproximou de James, deu um tapinha em seu ombro forte e disse: "Você tem se esforçado. O novo navio vai ter uma isolação melhor."

James sorriu e respondeu: "Estou acostumado. Além do calor, o serviço aqui embaixo é bem tranquilo."

"Quando tivermos um navio novo, você não vai conseguir cuidar de tudo sozinho. Vai ser o engenheiro chefe, gerenciando o segundo, o terceiro e o quarto engenheiros."

James pareceu surpreso com as palavras de Charles e deu um passo atrás, balançando as mãos como se quisesse afastar a ideia.

"Não, não, não. Não sei cuidar de pessoas. Deixa alguém mais pra isso. Eu só quero cuidar do combustível, sério mesmo."

Com um sorriso, Charles ia tentar tranquilizar seu tripulante quando, de repente, um estrondo alto veio de um tubo próximo. A S.S. Mouse gemeu dolorosamente, inclinando-se em um ângulo de 75°.

Charles cambaleou até o chão, mas rapidamente percebeu a situação. A inclinação inesperada do navio certamente indicava que o timoneiro tinha enfrentado algum problema. Ele rastejou até a tubulação de comunicação, quatro mãos no chão, e gritou com ela: "Bandages! Responda! Rápido!"

Mas tudo o que ouviu foi o som de carne rasgando e os gemidos de dor de Bandages.

"Droga!" Charles sacou seu revólver da cintura e, rapidamente, rastejou em direção à escada, apoiando-se na oscilação do navio.

"Vocês dois, venham comigo! Aconteceu alguma coisa na ponte!"

Assim que chegou ao convés, em estado de urgência máxima, viu Anna correndo desesperadamente em sua direção. Seus olhos estavam vermelhos e cheios de lágrimas enquanto ela gaguejava: "A múmia... aquela múmia!"

Os quatro correram até a ponte de comando e se depararam com uma cena de caos e horror. Sangue de um vermelho escuro manchava toda a cabine antes pura, transformando-a numa tela de pesadelo.

O timoneiro, Bandages, jazia estirado no chão, numa aparência desoladora. Seu corpo parecia um farrapo rasgado e descartado. Ferimentos grotescos cobriam seu corpo, e até mesmo a perna direita tinha sido brutalmente cortada, sumindo de vista.

Charles correu na direção daquele corpo destruído. Suas mãos tremiam de incerteza enquanto buscava um lugar adequado para tocar em Bandages. Depois de hesitar por dois segundos, estendeu a mão e rasgou as bandagens que cobriam o rosto dele. Depois, cuidadosamente, levantou os dedos em direção ao nariz de Bandages, procurando sinais de vida.

Uma onda de alívio tomou Charles ao perceber o ritmo leve da respiração do colega. Ele soltou o ar que vinha segurando e, num movimento rápido, retirou a lâmina negra de seu bolso, encaixando-a na mão de Bandages, na esperança de que sua capacidade de cura pudesse salvá-lo.

"Anna! Não fique aí parada, pare a hemorragia logo!"

O grito urgente de Charles despertou a médica, que, com os olhos vermelhos, assintiu rapidamente e correu em direção à porta. "Eu... Vou pegar o hemostato!" exclamou antes de desaparecer lá fora.

"Não desista, amigo. Você vai ficar bem. Não se renda," sussurrou Charles, com urgência, no ouvido de Bandages, tentando lhe dar força no caos.

Momentos depois, Anna voltou desesperada. Com voz trêmula, chamou: "Charles, meu kit de primeiros socorros sumiu!"

Charles olhou para Anna, surpreso por um instante, mas logo reagiu rapidamente: "Vá até o quartel do capitão. Olhe na gaveta debaixo. Tenho medicamentos lá! Dipp, reúna todos. Rápido!"

Na confusão, as seis figuras ansiosas permaneciam diante do corpo desacordado de Bandages na cabine destruída. Seus olhares agoniados fixaram-se em Charles, procurando alguma garantia. O peso das expectativas dele era enorme, mas neste momento crítico, ele sabia que precisava manter a calma como capitão do navio.

"Anna, você viu o que atacou Bandages?"

"Não vi nada. O navio de repente virou, e eu caí no chão," respondeu Anna.

"A criatura ainda está a bordo. Vai atacar de novo," comentou Charles.

"Mas, Capitão, procuramos em todo canto, e nada encontramos. Será que o monstro consegue ficar invisível?" perguntou Dipp, com a testa franzida.

O Mar Subterrâneo era lar de inúmeros monstros. Não seria tão estranho que um deles tivesse a habilidade de invisibilidade.

"Isso é bem improvável. Se tivesse essa habilidade, não ficaria tanto tempo escondido. Não faz sentido," raciocinou Charles.

Ele sabia que precisava agir. Não podia permitir que sua tripulação continuasse sofrendo ataques. Se a coisa continuasse assim, a própria S.S. Mouse se tornaria um caixão de aço, e todos acabariam enterrados neste mar sem fim.

Mas o que poderia fazer diante dessa ameaça desconhecida?

Depois de refletir por um momento, Charles apertou os lábios e falou: "James, aumente a potência dos motores ao máximo. Precisamos voltar ao Arquipélago de Coral na maior velocidade possível, mesmo que precise abandonar a S.S. Mouse."

"Dipp, leve o Jack com você e trancque todas as cabines. Frey, reúna toda a comida do convívio que dá pra comer sem cozinhar e leve para a sala de máquinas e a ponte. Os demais, fiquem somente nesses dois locais," continuou giving as ordens.

Já que não conseguiram encontrar o inimigo oculto, a única alternativa era desistir de buscá-lo e se reunir até chegar ao porto.

"E quanto ao banheiro?" perguntou Anna, sussurrando suavemente.

Charles bateu o dedo contra o vidro transparente na sua frente e respondeu: "No convés, voltado para fora."

À medida que a tripulação se concentrava nesses dois pontos, o clima a bordo da S.S. Mouse ficava cada vez mais pesado.

Na ponte de comando, Dipp estava no leme, Anna cuidava de Bandages, que jazia numa cama suspensa, enquanto Charles sentava-se numa banquetinha, segurando seu diário e continuando a escrever.

O único som que rompia o silêncio era o riscado da caneta de Charles contra o papel.