Terramar: O Mar Encoberto

Capítulo 6

Terramar: O Mar Encoberto

Charles apontou para S.S. Mouse ao seu lado e virou-se para descer a escadaria.

As bandagens não deram atenção ao ferimento sangrento em seu rosto. Ele fez um gesto de Fhtagn em direção a Hook e o seguiu.

Quando a dupla estava prestes a embarcar na embarcação, Hook virou-se e fincou a adaga ensanguentada na mão direita no peito do seguidor que estava ao seu lado esquerdo.

"AIHHH!!" Um grito de horror ecoou pelos cais.

Apesar do grande número de espectadores, ninguém ousou interferir ao reconhecerem os cultistas de Fhtagn por suas vestes negras características. Eles abaixaram as cabeças e continuaram com suas tarefas.

Charles tinha voltado ao ouvir o grito e, naquele momento, uma expressão de desgosto apareceu em seu rosto. Era exatamente por isso que ele vinha resistindo a se envolver com aqueles cultistas de Fhtagn. Ele se virou para Dipp, que tinha vindo ver o que estava acontecendo, e gritou: "Para de olhar e levanta a âncora! Vamos zarpar!"

Com uma força ao puxar a adaga, Hook tirou um coração pulsante, impalado na ponta da arma, numa exposição grotesca. Ele puxou o coração tremente da ponta e o segurou delicadamente na mão esquerda enquanto se aproximava da S.S. Mouse. Começou a espalhar alguma substância no casco enquanto seus lábios se moviam em uma incantação silenciosa.

"Saiam da minha embarcação! Não ousem tocar nela com essa coisa repulsiva!" Charles berrou, brandindo seu revólver e apontando-o para a cabeça de Hook.

"Capitão Charles, com isso, sua embarcação estará protegida pelo Grande Entidade." A voz de Hook transmitia uma calma assustadora.

"Eu não preciso disso!" A voz de Charles transbordava determinação resoluta enquanto seu dedo apertava o gatilho.

Percebendo que Charles não fazia piada, Hook sorriu de leve, deu um pequeno passo para trás e fez uma reverência sutil. O coração continuava pulsando ritmicamente em sua mão durante todo esse tempo.

"Capitão Charles, nós, seguidores devotos do Grande Fhtagn, sempre buscamos falar com cortesia e tratar os outros com bondade. Por que você continua nos nutrindo preconceito?"

Charles não se deu ao trabalho de explicar, apenas encarou o coração encharcado de sangue em mãos de Hook, que aos poucos batia mais lentamente.

Sob o olhar atento de Hook, uma fumaça escura começou a sair dos escapamentos da S.S. Mouse, enquanto o navio lentamente se dirigia às profundezas do enigmático oceano.

"Dipp! Assuma o leme por mim!" Charles gritou para seu novos guardiã antes de seguir para a cabine do capitão com Bandagens.

Um mapa náutico antigo foi espalhado sobre a mesa. O mapa não é detalhado, com grandes áreas negras interrompidas apenas por ilhas esparsas marcadas nele.

Este era o melhor mapa náutico disponível no porto, já que mapas mais precisos estão sob a guarda da Associação dos Exploradores.

"Onde fica essa coisa? Quanto dista do Arquipélago de Corais?" perguntou Charles.

Uma mão direita, firmemente envolta em bandagens, estendeu-se com precisão apontando a um ponto na escuridão onde não se viam marcas.

"Território não mapeado..." Charles já esperava por essa resposta. Ilhas exploradas não ofereciam recompensas tão lucrativas.

"Como é o artefato sagrado?" questionou Charles.

Bandagens deu uma pausa longa antes de gaguejar: "Uma estátua... do Grande Fhtagn... feita de ouro."

Charles achou a voz de Bandagens surpreendentemente juvenil, apesar de falar de forma muito lenta. Parecia um adolescente passando por mudança de voz.

"Esse artefato é uma relíquia?" continuou Charles.

Bandagens permaneceu em silêncio.

"Que perigos há na ilha?" indagou Charles.

Bandagens não deu resposta, apesar dos questionamentos adicionais de Charles.

"Assuma o leme agora. Seu turno é das 12h às 24h. Se precisar ir ao banheiro ou algo assim, Dipp pode trocar você por um tempo. Ensinei-o a conduzir."

Bandagens levantou-se silenciosamente e saiu em direção ao convés.

Charles continuou a refletir, batendo os dedos na mesa enquanto tentava juntar seus pensamentos caóticos em uma ordem plausível. Parecia uma missão simples: Encontrar o objeto e trazê-lo de volta. Mas se fosse tão fácil assim, o Pacto de Fhtagn não teria buscado ajuda de estrangeiros.

A ilha era certamente perigosa, e o fato de o novo imediato do culto não conseguir dar dicas significava uma de duas coisas: ou eles realmente não sabiam dos perigos, já que todas as pessoas que enviaram haviam morrido no fundo do mar sem deixar informações; ou o perigo era tão extremo que instruíram Bandagens a omitir informações deliberadamente para impedir que Charles desistisse. Ambas as possibilidades eram ruins, e Charles não tinha escolha senão seguir com cautela e se adaptar à situação.

O mar era opressor, e a equipe só podia atuar na pequena e desgastada S.S. Mouse. Felizmente, todos, exceto os dois marinheiros recém-chegados, já havia se acostumado com o espaço limitado.

No começo, Charles desconfiava do novo imediato e ficava atento a ele. Mas, após alguns dias de interação, Bandagens não deu sinais de comportamento estranho, além de sua maneira lenta e peculiar de falar.

Ele mostrava controle firme e habilidoso ao assumir o leme, o que, de certa forma, diminuiu a desconfiança de Charles, embora não a eliminasse completamente.

Quando as bóias de navegação sumiram de vista, a S.S. Mouse lentamente entrou em território desconhecido.

Sem faróis distantes para orientar a direção, o clima a bordo ficou cada vez mais tenso. Dizem neste lugar que: Quando um navio se aventura por águas inexploradas, as profundezas abismais já conquistaram a alma da tripulação.

Os dias passaram. Não houve as batalhas ferozes que Charles esperava; ao contrário, as águas estavam calmas como um lago. Vendo de cima do convés, a superfície do mar parecia tinta, parada. Mas essa tranquilidade não trazia paz — parecia mais o silêncio antes de uma tempestade; o ambiente tão opressivo sufocava o ânimo de todos.

Charles permanecia em alerta, patrulhando o convés dia e noite, com receio de algo do abismo subir a bordo.

Os holofotes iluminavam a escuridão como faróis. A visibilidade curta criava uma falsa sensação de segurança.

1 de julho, 8º ano de Transmigração, Céu limpo

Hoje, tudo continua normal. A atmosfera sufocante é tão opressiva que está levando minha tripulação à beira da loucura. Aquele rapaz, Dipp, passa todo o tempo livre ajoelhado no convés, rezando para várias divindades.

Impei-o. Os deuses do Mar Subterrâneo não são fáceis de agradar. Palavras descuidadas podem invocar a sua ira.

Graças a Deus, o cozinheiro achou um ninho de ratos na despensa para distraí-los. Observando-os alimentando as criaturinhas com carinho, sinto uma pontada de saudade.

Agora eles têm companhia. Mas e eu? Por que tive que atravessar para este mundo sozinho? A solidão é uma companhia dolorosa. Se ao menos tivesse alguém ao meu lado.

Charles esperou a tinta secar antes de fechar o diário e guardá-lo na estante.

Da prateleira de baixo, saiu uma garrafa de vidro retangular, do tamanho de um braço, com líquido marrom dentro. Ele inclinou a cabeça para trás e tomou um gole, deixando a sensação de tontura invadir e relaxar sua mente.

Charles nunca entendeu por que as pessoas gostavam de beber álcool antes. Achava o sabor amargo semelhante à urina de cavalo. Mas agora compreendia. Uma mente cansada ansiava pelos efeitos anestesizantes do álcool. No entanto, ele lutou contra a tentação de beber mais. Alguns goles para relaxar eram aceitáveis, mas exagerar no álcool apagaria sua determinação de voltar para casa.

Justamente então, ouviu-se uma explosão de comemorando lá fora. Charles foi brevemente assustado. Logo se recompôs, colocou a garrafa de volta no lugar rapidamente e correu para o convés.

Dipp se aproximou de Charles em completa excitação e gesticulava loucamente. Seu rosto estava avermelhado, e parecia esforçar-se para articular as palavras.

O olhar de Charles se voltou para além do navio, na escuridão distante. Sob a iluminação dos holofotes, uma estrutura gigante surgiu à frente de S.S. Mouse — uma ilha.

Chegamos.

Os gritos de comemoração cessaram enquanto o vapor se aproximava da costa. Oito navios a vapor, grandes e pequenos, estavam ao longo do litoral da ilha. Pelas condições dos barcos, o mais antigo talvez estivesse lá abandonado há dois ou três anos.

Os navios permaneciam imóveis, como caixões flutuando na superfície do mar.

"Por que... Por que há tantos navios? Onde estão suas tripulações?" A voz trêmula de Dipp revelava sua evidente inquietação. Mas ninguém conseguiu responder.

Quando seus olhares voltaram à ilha, seus corações afundaram.

Charles não tinha pressa de subir na ilha. Levando Dipp e James com ele, saltaram no navio a vapor mais próximo.

Não havia sangue nem sinais de caos. Havia combustível e comida em abundância. Tudo parecia normal, exceto por uma coisa óbvia: a ausência da tripulação.

De repente, veio à mente de Charles um pensamento. Ele quebrou a porta da cabine do capitão com força, vasculhou os gavetões até encontrar o diário escondido do comandante.