Minha irmãzinha vampira

Capítulo 126

Minha irmãzinha vampira

"Vita: Renascimento."

O poder mágico rapidamente encheu minhas veias, e o caixão escuro, úmido e envolto em trevas, que me cercava por todos os lados, logo se transformou numa terra de maravilhas místicas. A atmosfera deprimente do caixão selado logo se deu lugar a uma sinfonia vibrante de luz e maravilha.

Vezes de energia esmeralda rodeavam meu corpo, e o aroma revigorante de vida substituía o fedor terrível da morte. Naquele instante, percebi que os diversos lamentos e gritos dos condenados se converteram num belo coral de cântico.

Ao abrir meus 'olhos', me vi transportado para um prado belo, muito parecido com minha casa na infância. A temperatura era amena e fresca, adequada ao final do Outono. As árvores começavam a murchar, com o farfalhar das folhas ao longe. Algumas folhas estavam queimadas de um laranja intenso, enquanto outras exibiam tons de ouro derretido.

No entanto, todas dançavam ao sabor do vento, correndo alegremente em direção ao destaque mais marcante deste lugar hipnótico.

O Rio Esmeralda.

Um rio que fluía com pura luz líquida. Numerosas lufadas de luz giravam ao redor da etérea corrente d’água, com uma neblina que se elevava das profundezas daquela água que parecia nunca acabar. Olhar para o Rio me mostrava uma translucidez efêmera de luz, que se dissipava ao ser retirada do fluxo perpétuo.

Era tudo tão misterioso e, ainda assim... Tão quente.

À medida que me aproximava da maravilha mística, uma enxurrada de emoções tomou conta da minha alma.

Agonia... Alegria... Riso... Êxtase...

Não fazia ideia de onde aquelas emoções vinham, e nenhuma delas pertencia à minha essência. Ainda assim, senti uma certa responsabilidade e direito diante dessas emoções estranhas. Fechei os olhos e concentrei o poder mágico na minha 'visão'. E, com certeza...

"Mamãe... Está quente."

"A-do-oor?! Sumiu?!"

"Q-Que aconteceu?"

Aquelas emoções e lufadas sem rosto se transformaram em vozes ressonantes que ecoaram na minha mente. Não havia mais ninguém comigo neste mundo, e, ainda assim... Podia ouvir milhares. Cada uma com seu tom e som únicos. Algumas pareciam pertencentes ao século passado, e outras tinham a jovialidade de um bebê. Mas todas tinham uma coisa em comum.

Confusão e alívio.

"Senhor... Foi o senhor quem nos salvou?"

Logo, a maioria das vozes voltou sua atenção para mim. Embora eu não conseguisse ver seus rostos, instintivamente sabia qual dos lufados tinha falado comigo e seus sentimentos subjacentes.

"Salvou? Eu te salvei?"

"Sim!" respondeu outra lufada, cheia de alegria. "Estávamos presos num redemoinho de morte e sofrimento. Parecia que víamos o inferno se repedindo sem parar! Mas... Quando você lançou aquele feitiço, fomos trazidos para cá!"

Aquele feitiço... Na verdade, trouxe aquelas almas condenadas até aqui? Eu só queria testar minha teoria, mas ele realmente afetou as almas sacrificadas pela Casa Bloodborne? Esqueci de mencionar...

"Trouxeram aqui? Espera, como vocês estão agora?"

"Nos sentimos ótimos!" respondeu uma das lufadas, desta vez com ainda mais alegria na voz. "O vórtice de angústia que vivíamos... Foi horrível e doloroso. Se tivéssemos que passar aquela desesperança para o resto da vida, teríamos perdido tudo o que somos. Mas agora..."

"Tá tudo tão bonito!" disse uma lufada infantil alegre.

"Sim... Bonito e quente..." uma voz maternal riu.

"Sim... Sinto que... sempre deveríamos ter vindo pra cá." ressoou uma voz grave e forte.

"Parece que... Estamos voltando pra casa. É tão confortável... É tão quente..."

"O Rio... Está nos chamando."

"Estamos sendo atraídos por ele."

"É uma lei da natureza."

"É pra lá que... devemos ir."

Vozes de todos os lados se uniram, cada uma com seu brilho e som únicos. Mas todas tinham uma resposta em comum. Este Rio Esmeralda... Era o poço das almas, a torneira da vida, o líquido que dá à existência sua beleza.

Entendo...

Este Rio Esmeralda... Era o Rio da Vida.

O lugar onde todas as almas encontram descanso ao partir. O lugar onde toda vida se formou. O fluxo eterno do samsara, onde vida e morte se entrelaçam numa roda sem fim.

Este foi o resultado do meu feitiço Vita.

Sem perceber, trouxe todas as almas sacrificadas pela Casa Bloodborne ao seu devido lugar na natureza. Trouxe-lhes paz, uma paz que fora roubada tão brutalmente quando foram sacrificadas para ressuscitar o Progenitor.

Falando nisso...

Olhei surpeendente para o canto mais distante do prado.

Uma massa escura de sujeira e morte estava parada nas sombras, e nenhuma vez ousou entrar na luz esmeralda do Rio. Em seus grunhidos e rugidos, ouvia os restos de um homem, não, uma antiga aberração. Sangue escorria de sua bagunça negligente e manchava o tapete de relva. Mas, como se estivesse com medo, nenhuma gota de sangue escorreu para o Rio.

Cada gota retornava à massa escura, corrompendo ainda mais sua figura imunda e repulsiva.

E, ao olhar para ele com minha 'visão', percebi uma verdade assustadora…

A criatura ali dentro… Era sem alma. Não, dizer que era sem alma seria exagero. Sua alma estava eternamente partida, incapaz de retornar ao Rio Esmeralda ou escapar para o mundo exterior. Não havia pensamentos nela, tampouco sinais de vida.

Era só… uma existência corrompida que não pertencia a lugar algum.

Será que este... Era o Ancestral que a Casa Bloodborne esperava?

A busca do Progenitor Vampiro por vida eterna o deixou nesse estado miserável?

Que piada.

Pensar que a Casa Bloodborne lutava uma guerra inútil o tempo todo. Existia uma razão para ressurreições serem consideradas magia proibida. Uma vez que uma alma retornava ao Rio da Vida, não tinha mais volta. Como um liquidificador que mistura tudo o que entra, o Rio da Vida rasga a individualidade de uma alma ao trazê-la de volta.

Vampiros podem trapacear esse sistema conquistando a imortalidade e escapando das consequências da morte; porém, uma vez a alma entrando no Rio, não há retorno.

Assim é a lei da natureza. A lei da Vida.

Durante todo esse tempo, não havia jeito de ressuscitar o Progenitor. Mesmo que concluíssem o ritual, apenas invocariam uma aberração sem pensamento, cujo objetivo seria se libertar do sofrimento eterno.

"Senhor… Obrigado por nos salvar."

Voltei meus olhos para as milhares de lufadas que flutuavam sobre o Rio. Algumas delas ficaram impacientes e mergulharam de volta na eternamente Well das Almas, para nunca mais retornarem. Outras estavam confusas, mas, por padrão, se deixaram levar para o Rio. Mas um punhado resistiu ao impulso, por tirarem uma última pendência.

"Obrigado, filho. Você nos trouxe paz."

"Huehuehue, se eu tivesse uma neta, apresentaria ela a você, lindo rapaz."

"Irmão mais velho, obrigado por me salvar."

Uma por uma, as almas agradeceram antes de finalmente se perderem na vastidão do Rio Esmeralda. Curiosamente, mesmo havendo milhares de almas ao meu redor, para o Rio da Vida elas eram gotas de chuva apenas sendo absorvidas. Milhares, senão milhões, voltaram ao Rio e, ainda assim… Nada mudou.

Naquele momento, percebi o quão minúscula é uma alma.

Diante da mãe natureza e das leis universais, todos somos grãos de areia. Não, somos apenas gotas de chuva incapazes de alterar o fluxo do Rio.

Que loucura.

Aqui estamos, lutando uns contra os outros. A sede de poder da Casa Bloodborne. O desejo da Casa Shadowgarden de controlar o mundo nas sombras. A busca da Árvore do Mundo pela vida eterna. Todas são guerras inúteis diante das leis universais.

Mas havia uma coisa que eu não podia aceitar.

O fato de que, um dia… Talvez… Minhas quatro amantes e eu retornássemos a este Rio Esmeralda, para nunca mais nos encontrarmos.

Para esquecer tudo que consegui. Para nunca mais segurar aqueles que mais amo… E para nunca sentir o amor das quatro meninas que mais importavam para mim.

Isto era imperdoável.

E assim, diante das leis da natureza… cuspi.

Meu controle sobre o poder da Vida me deu uma visão única. Havia um caminho. Um caminho para ser verdadeiramente eterno. Um modo de nunca mais retornar ao Rio Esmeralda. E, com meu quarto anel… Com meu quarto poder… eu poderia conquistá-lo. O poder que todos cobiçavam.

De me tornar… O mestre de toda Vida.

Poderia levar milhões de anos, não, bilhões. Mas eu conseguirei.

Não, eu farei isso.

Para que ninguém que eu amo sofra o mesmo destino dessas almas pobrezas.

Essa jornada será longa… E toda jornada começa com um primeiro passo fundamental.

Ao dedicar um momento para recordar aqueles que partiram, relaxei os ombros e me dirigi ao massa sombria que quietamente repousava no canto do prado. À medida que me aproximava, a figura corrompida parecia incapaz de perceber minhas intenções, e continuava seu ciclo de dor e agonia.

Que alma pobre… Pensar que a Casa Bloodborne faria isso com seu próprio Progenitor.

Deixe-me aliviar você dessa dor, deixe?

Com um simples toque, destranquei a massa escura corrompida. Quantidades infinitas de energia obscura corrompida escorreram do seu interior, revelando os anos de tormento que suportara. A tempestade de energia durou quase uma hora, até que toda a pradaria estivesse preenchida por uma névoa escura.

E, ao acalmar-se a energia, o único vestígio da massa escura era uma tênue lufada de vida. Fraca e frágil; se eu apenas soprasse, ela poderia se dissipar como uma vela tremeluzente.

Pode ter sido minha imaginação, mas consegui ver um rosto naquele pequeno blob de energia. Uma expressão de alívio e conforto. E, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, a lufada se dissipou no nada, retornando ao Rio Esmeralda, onde deveria estar descansando.

"... Está feito."

Agora, eu tinha realmente conseguido. Frustrando de vez o plano da Casa Bloodborne.

Já não havia mais um Ancestral, um Progenitor ou uma fera para eles invocarem. As almas que sacrificaram regressaram ao Rio da Vida, e a 'criatura' que desejavam ressuscitar não existia mais.

A Casa Bloodborne estava acabada.

Mas, na verdade, eu nunca me importei de fato com isso.

Sabotar o plano da Casa Bloodborne era, no final das contas, meu objetivo secundário. Meu interesse principal era no Rio Esmeralda e no novo poder da Vida que acabara de despertar. Mas, acima de tudo…

"Com toda essa energia... posso renascer de verdade. Reforjar meu corpo e adquirir os poderes de um Verdadeiro Progenitor."

A Casa Bloodborne tinha coletado milhares, quem sabe milhões, de sacrifícios. Embora suas almas retornassem ao Rio Esmeralda, sua energia mágica permanecia na pradaria. Sem falar, que a energia corrompida do falso Progenitor ainda pairava ao meu redor. Qual Vampire comum morreria de loucura ao absorver toda essa magia corrupta? Mas, Lamentavelmente, eu não era um vampiro comum.

Eu tinha o poder da Vida ao meu lado.

Elevando minha mão direita ao céu, canalizei toda a minha energia mágica para meu quarto anel. Em resposta, toda a magia residual virou um vórtice, sendo sugada pelo buraco negro da minha gema.

As sacrifícios feitos pela Casa Bloodborne. Os recursos bilhões de recursos gastos. A magia infinita despejada neste ritual.

Vou levar tudo.

Ei, Casa Bloodborne.

Se vocês querem tanto um Progenitor…

Vou dar um Progenitor pra vocês.