Poder das Runas

Capítulo 81

Poder das Runas

"Irmão... os ferimentos que aquele infeliz me causou... eles não estão cicatrizando," disse Miraak, com a voz baixa e carregada de uma raiva frustrada que parecia ferver sob a pele dele.

Zerak estreitou os olhos e olhou para os braços dele. "É verdade", respondeu com um tom sombrio.

"A ferida deixada por aquele inseto chamado Ray também insiste em não cicatrizar. E mais do que isso... estou cansado. É um cansaço que nem deveria ser possível para um demônio como eu."

Ele se sentia frustrado por isso, mas então, os lábios de Miraak se torceram em um sorriso cruel enquanto seu olhar varria a cena ao redor.

Por onde olhava, estavam corpos de crianças inconscientes espalhados, imóveis e sem um sinal de movimento.

Seus olhos então se deslocaram para Ash, que parecia estar chorando por uma garota. Uma satisfação sombria e distorcida se curvou no peito de Miraak enquanto observava a destruição.

"Mesmo assim," ele murmurou, com um brilho sombrio nos olhos, "ver a ruína que causamos... isso traz um prazer estranho ao meu coração."

"Isso é verdade. Agora, vamos matar todos eles juntos e partir—" Zerak começou a responder, mas nunca terminou a frase.

Naquele instante, uma força invisível varreu o ar de repente.

E uma sensação fria, um arrepio, percorreu suas espinhas, fazendo seus corpos ficarem rígidos e suas respirações ficarem presas na garganta.

Era como se o próprio mundo tivesse feito uma pausa para escutar.

Uma presença — tão antiga e pesada que parecia anteceder até mesmo as memórias mais antigas de sua raça — começou a pressionar o ambiente ao redor.

O próprio ar gemeu sob seu peso, e as sombras tremeram.

O chão rachou sob uma pressão invisível.

Totalmente atentos, eles olharam na direção de onde vinha a Aura. E então viram: era o mesmo garoto que estavam zombando poucos instantes atrás.

De seu próprio núcleo, ondas de aura jorravam — ondas poderosas, violentas, incessantes, que ficavam cada vez mais pesadas a cada batida de coração.

Que diabos é isso...?

O que está acontecendo...?

Tanto Miraak quanto Zerak se encontraram presos dentro do mesmo pensamento aterrorizante, com os olhos fixos desesperadamente em Ash.

Seus corações, escurecidos e calejados por séculos de crueldade, começaram a bater mais rápido, cada pulsação pulsando contra as costelas com um terror crescente.

Seus corpos começaram a tremer sem controle.

Pela primeira vez em suas vidas amaldiçoadas, sentiram uma emoção que os demônios nunca deveriam experimentar.

Sentiram medo.

Um medo puro, instintivo, um medo que dizia da morte inevitável.

"H-how...?" Miraak gaguejou, com a voz trêmula de incredulidade. Suas mãos tremiam enquanto tentava se segurar.

"N-não era para ele ser fraco...? Como isso está acontecendo...?"

Ash, que estava agachado levemente, lentamente se ergueu.

Seus movimentos eram desajeitados, quase como se estivesse arrastando não só seu corpo, mas também o peso do próprio mundo.

Ele se virou para encará-los, e por um momento, o mundo pareceu cair em silêncio absoluto.

Ash gritou com uma voz que rasgou o silêncio como uma lâmina atravessando carne:

"VOCÊS FILHOS DA PUTA!!"

Seu grito ecoou por toda a paisagem destruída, estremecendo a terra sob seus pés.

Naquele momento, Miraak e Zerak sentiram o chão sob eles desaparecer. Seus corpos ficaram completamente imóveis, e ficou difícil até mesmo respirar devido à pressão pesada que preenchia o ar.

Um calafrio frio percorreu suas costas, e lá no fundo, sentiram que iam morrer. Sua respiração, antes calma e constante, se transformou em suspiros superficiais.

Que... que monstro é esse...?

A mesma dúvida assustadora ecoou em suas mentes ao mesmo tempo.

E a razão era simples — era a face de Ash.

Ela estava distorcida, retorcida em uma colagem de emoções que nunca deveriam coexistir. Seus lábios formaram um sorriso vazio e partido, lágrimas de sangue escorreram incessantemente de olhos grandes, que refletiam uma tempestade de emoções e tormentos profundos.

Raiva.

Culpa.

Tristeza.

Prazer.

Excitação.

Luto.

Depressão.

Anseio.

Vergonha.

Solidão.

Ódio.

Todas as emoções cruas, violentas, caóticas que um ser vivo poderia sentir — todas elas estavam gravadas em seu rosto ao mesmo tempo,

Parecia tão errado e assustador que era difícil até olhá-lo.

Ele não parecia um menino fingindo ser monstro.

Parecia um monstro tentando parecer menino.

De repente, uma aura dourada-branca envolveu o corpo de Ash. Sua pele começou a rachar, luz dourada escorrendo de feridas abertas, apenas para se reunir novamente, num ciclo de morte e renascimento se repetindo a cada batida de coração dolorosa.

Era um ciclo brutal e impiedoso:

Rachar.

Sangrar.

Curar.

Rachar.

Sangrar.

Curar.

O som de seus ossos rachando ecoava silenciosamente no ar. Seu corpo continuava se quebrando e se curando repetidamente, sem parar nem por um segundo.

Miraak e Zerak, mesmo sendo demônios, deram um passo atrás sem pensar duas vezes.

"Q-que coisa é essa...?" Murmurou Miraak, mas ninguém respondeu.

Ash nunca parou de tentar entender seus próprios poderes. Ele sempre acreditou — se quer derrotar os outros, primeiro precisa entender melhor a si mesmo.

Quando estudava seu núcleo, teve uma ideia. Lembrou-se da habilidade que Ray usava — Overclock.

O mecanismo foi explicado na novel. A ideia era simples: empurrar uma quantidade enorme de mana para dentro do seu núcleo, muito mais do que ele consegue suportar, e comprimir tudo ali dentro.

Normalmente, se alguém tentasse isso e errasse, seu núcleo quebraria para sempre, e ele se tornaria um inválido.

Mas Ash era diferente.

Seu Núcleo Primordial podia se consertar, mesmo se fosse completamente destruído.

Da primeira vez, ele tentou, mas falhou.

O núcleo rachou. Uma dor como nunca tinha sentido rasgou seu corpo, uma dor fria e ardente que o deixou quebrado e ofegante.

Ray conseguia fazer isso facilmente porque tinha um sistema que o ajudava. Para Ray, era automático.

Mas Ash tinha que fazer tudo sozinho, passo a passo, sentindo cada segundo de dor.

Porém, o dano foi pequeno, e o núcleo se reparou em um dia. Ele tentou várias vezes, sentindo o núcleo se partir e seu corpo traí-lo, até finalmente conseguir.

Ele conseguiu um Overclock perfeito — Mas a um preço terrível.

Porque, toda vez que usava — toda, única e exclusivamente — Ash sentia uma parte de seu potencial sendo esculpada para fora.

Cada sobrecarga corroía o futuro que poderia ter tido.

Cada sucesso retia uma fração da força que um dia poderia empunhar.

Depois da primeira utilização, não era tão óbvio.

Depois da segunda, ainda não.

Mas após a terceira... ele sentiu.

Seu potencial já era baixo — apenas ao nível de Grande Mestre (Classe A).

Por isso, Ash decidiu usar esse poder só quando não tivesse outra alternativa.

No entanto, mesmo essa compreensão não apagava a queima no coração dele.

Por que Ray podia usar Overclock sem consequência?

A resposta ficou clara quando ele pensou nisso.

Ray tinha um sistema — uma estrutura divina que lhe concedia potencial ilimitado. Ash não tinha essa dádiva. Ele estava sozinho, lutando contra o destino com mãos ensangüentadas e um futuro destroçado.

E, mesmo agora, ele estava consumindo esse futuro com as próprias mãos.

Sobrecarregar um único núcleo já era devastador, mas e se ele forçasse dois núcleos a fazer isso ao mesmo tempo?

A resposta era simples: seu corpo se rasgaria sob a pressão insuportável, como agora.

O poder era tão absurdo que seu corpo não suportava. Sua pele rachava. Seus ossos se quebravam. Seu sangue jorrava para fora. Mas ele não caía.

Porque a Runa da Vida estava curando seu corpo mais rápido do que as feridas o destruíam, Ash permanecia de pé.

O Núcleo Primordial dentro dele era poderoso demais — algo que nenhum núcleo comum conseguiria comparar.

Logo, a aura ao seu redor se comprimiu violentamente, puxando-se até se transformar em um relâmpago dourado-branco que rachava sua pele em arcos selvagens.

Ele rasgou o salão ao redor, queimando a pedra e destruindo o piso — e, mesmo assim, nenhuma centelha tocou as crianças inconscientes nem Elysia, que jazia por perto.

As íris azuis de Ash mudaram, brilhando de dourado como se uma luz derretida as substituísse. Sua camisa já rasgada foi consumida pelo calor crescente, revelando um corpo magro e firme, cada músculo tenso como se fosse forjado sob uma pressão infinita.

Seu cabelo se levantou e voou ao seu redor, sem mais obedecer à gravidade, movendo-se como fios de chamas vivas.

No instante seguinte, todas as emoções que inundavam seus olhos desapareceram por completo.

Só restou um vazio, uma frieza congelada em seus olhos.

Porém, sua expressão ficou ainda mais distorcida, como se todas as emoções refletidas em seus olhos tivessem se transferido para seu rosto.

Não tive escolha a não ser ativar o Pensamento Onipotente... a dor me teria destruído caso não o fizesse.

Mas isso não significava que ele perdoaria o que fizeram com ele. Seu olhar, frio e vazio, se fixou em Miraak e Zerak com uma promessa silenciosa e letal.

Você a fez sofrer tanto. Eu vou matá-lo de forma ainda mais dolorosa.

Ele puxou sua espada do anel espacial, suas mãos ensanguentadas pressionando contra a superfície da lâmina, e desta vez, ao invés de rejeitá-lo, a espada absorveu o sangue com fome, como uma criatura faminta finalmente alimentada.

A espada brilhou brevemente em sua mão, como se o reconhecesse, antes de sua luz desaparecer e ela retornar à sua forma normal.

Finalmente...

Pensou Ash enquanto desembainhava completamente a lâmina.

A superfície da espada era surpreendentemente clara, como um espelho, refletindo seu próprio rosto — um rosto quase irreconhecível como humano.

Ele encarou o reflexo distorcido — os olhos dourados selvagens, as linhas ferozes em seu rosto, os cabelos ferais se levantando ao redor dele — e soltou um pensamento pequeno e quebrado.

Eu não pareço mais humano. Pareço um monstro... Ainda bem que ninguém está acordado para me ver assim.

Sem perder mais tempo, Ash deu um passo à frente.

No instante em que seu pé tocou o chão, seu corpo se obscureceu, dissolvendo-se numa tempestade de relâmpagos dourados-brancos.

TRRMMM!!

Um estrondo ensurdecedor explodiu pelo salão, suficiente para fazer as paredes tremerem, e o chão se rachou com a força de seu movimento.

A batalha verdadeira começara.

***

"O que você disse?" indagou Elva, com voz cortante de urgência, virando-se para encarar Melissia.

"Existe algo que eles usaram para montar aquela barreira", disse Melissia rapidamente, as palavras saindo atropeladas. "Se encontrarmos e destruirmos, a barreira vai cair."

"E como você sabe disso?" perguntou Elva, com olhar desconfiante.

"Eu... Eu ouvi alguém falando", gaguejou Melissia, segurando com força as mangas. "Naquela época, não dei muita atenção, mas vendo a barreira agora... tenho certeza que é a mesma coisa."

Ela se segurou no peito, como se tentasse manter o coração firme. "Deve ser ela."

Elva a estudou, uma suspeita cintilando no olhar, mas no final, não disse nada.

"Essa academia é enorme," comentou Elva, olhando para o céu onde a barreira negra se impunha como uma sombra sufocante. "Como exatamente você espera que a gente encontre isso?"

"Deveria estar perto da fonte da barreira, e o que estiver tocando o chão pode ser qualquer coisa que a esteja sustentando," respondeu Melissia, agora com voz mais firme. "Se pesquisarmos cuidadosamente os lugares próximos dela... encontramos a origem."

"Entendi," murmurou Elva, com olhos atentos. "E você, por acaso, também escutou isso?"

"S-sim," respondeu Melissia rapidamente, assentindo. "Estava procurando por você, Instrutora Elva, mas os guardas não me deixaram chegar perto. Por isso... por isso lancei o sinal de fumaça no céu."

Ela se atrapalhou nas palavras, a culpa refletida em seu rosto. Antes que pudesse dizer mais, Elva estendeu a mão e colocou com suavidade a palma sobre a cabeça de Melissia.

"Você fez bem," disse Elva, com voz mais suave. "Pensamento inteligente. Se conseguirmos salvar as crianças, você será recompensada."

Ela soltou a mão e se endireitou. "Fique aqui. Vai ficar perigoso."

"Não!" Melissia gritou antes que pudesse se conter. "Eu quero ajudar a encontrar a origem!"

Elva a olhou, vendo a mistura de medo e coragem em seus olhos, e após uma respiração longa, cedeu.

"Tudo bem," disse ela.

Colocando a mão no ombro de Melissia, Elva ativou seu feitiço, e as duas desapareceram.

Enquanto isso, no coração de Melissia, ela segurava um pensamento único:

Fiz o que você me pediu, Ash. Por favor... esteja seguro. Que esteja seguro com todos eles.