
Volume 1 - Capítulo 12
The Water Magician
“Certo, então pra que lado seguimos nessa estrada...? Direita? Esquerda?”
“Esquerda, para o oeste,” respondeu Abel com certa convicção. Ao encontrar essa rodovia leste-oeste após descer a montanha, ele precisava imaginar qual cordilheira tinham atravessado.
Provavelmente as Montanhas Maléficas. Monstros como orcs e ogros também habitam os sopés em alguns lugares. Até aventureiros evitam se aproximar, a menos que seja absolutamente necessário. Basicamente, consegui voltar cruzando essas mesmas montanhas... Nem acredito que sobrevivemos a essa jornada.
Essa cordilheira, que as pessoas das Províncias Centrais chamavam de Montanhas Maléficas, se erguia ao sul deles. Diziam que ninguém jamais as atravessara, então os civis evitavam. Até aventureiros só iam quando contratados, e quase ninguém aceitaria esses trabalhos.
Embora parecesse que antigamente a cordilheira tinha outro nome, ninguém mais lembrava. Agora, só chamavam de Montanhas Maléficas.
“Ah, Abel. Você é um aventureiro rank B, certo?”
“Sim, por quê?”
“Queria saber se vale a pena se registrar na guilda dos aventureiros,” Ryo finalmente perguntou, tirando da cabeça a dúvida que o incomodava. Se estivesse vivendo uma vida tranquila sozinho, não precisaria saber disso. Mas como logo entrariam numa cidade, achava bom aprender algo — especialmente porque a guilda era uma instituição típica em isekais. Se registraria ou não era outro assunto.
“Se registrar, você não paga pedágios no país. É um passe livre para entrar em qualquer cidade ou vila, porque seu cartão da guilda serve como identidade. Além disso, se quiser vender pedras mágicas e partes de monstros, as filiais da guilda pagam muito melhor que comerciantes independentes.”
“Ah, é isso que quero ouvir.”
“Eles também guardam seu dinheiro excedente.”
“Como assim?”
“O dinheiro que você não gasta normalmente. Quando alguém vira aventureiro, a grana some rapidinho. Quanto mais sobe de rank, melhor é o pagamento, então não é tão fácil gastar tudo rápido. A guilda guarda o dinheiro extra pra você. Quer dizer, é perigoso sair pra uma missão carregando tudo que tem, né?”
Ah, um banco. Eles funcionam como bancos. Surpreendente descobrir isso...
“Dá pra sacar em qualquer filial?”
“Dá, desde que seja dentro do país.”
“Nossa, isso é incrível.”
Ryo ficou surpreso. Pensou que quem criou esse sistema devia ser um gênio. Não tinha dúvida que a guilda investia o dinheiro que guardava para os aventureiros em várias áreas. Não existe organização que cuide de capital e deixe o dinheiro parado. Bancos, seguradoras e similares usam esse dinheiro para investir.
Considerando que um dos bancos mais antigos da Europa, o Banco de São Jorge, foi fundado em 1148, não era estranho haver uma entidade parecida aqui em Phi...
“Abel, você disse que aventureiros podem sacar dinheiro em qualquer filial da guilda no país. Isso significa que a guilda é ligada ao governo? Ou é uma organização independente que atua em vários países e não está sob controle estatal?”
Ryo tinha a impressão, por vários isekais, que as guildas eram organizações independentes, com filiais pelo mundo todo.
“Minha experiência é só nas Províncias Centrais, mas a guilda é tecnicamente independente. Essa é a posição oficial. Na prática, guilda e países coexistem pacificamente. Independente de qual país emite seu cartão, ele permite livre circulação dentro das Províncias Centrais. Ah, e mais uma coisa: em tempos de guerra, os países contratam aventureiros como mercenários via guilda.”
“Guerra... Bom, deve ser mais barato que usar cavaleiros,” comentou Ryo, dando de ombros.
“Sua forma de falar é péssima, Ryo... Além disso, essa contratação é oficial, então o aventureiro pode aceitar ou recusar. Mas não sei o que aconteceria com o dinheiro guardado se meu país fosse ocupado... Se o inimigo fugisse com tudo... Bom, só nos resta lutar, né?”
“Grr, dinheiro refém assim... Como a guilda e governos deixam isso?! Como você permite, Abel?!”
“Ei, por que está me envolvendo nisso?!”
Ryo arrastou Abel para seu desabafo por algum motivo. Sofrer isso dele era inevitável desde que virou irmão de armas do espadachim...
Continuaram andando o resto do dia. Perto do crepúsculo, avistaram uma vila ao longe.
“Abel, vejo algo.”
“Já era hora, né? Tenho quase certeza que é a cidade de Kailadi.”
Ryo olhou surpreso para Abel. “Como sabe disso?”
A surpresa fazia sentido. Não havia sinais ou placas indicando vilas próximas na estrada que seguiram. Nem encontraram outros viajantes. A área onde desceram da montanha também ficava longe de povoados, então Ryo não entendia como Abel sabia o nome da cidade.
“Bem, sou aventureiro, já visitei muitos lugares, sabe? Conheço especialmente as cidades do Reino,” disse Abel quase timidamente.
“Então é uma cidade do Reino de Knightley...”
“Sim.”
“Ufa. Ainda bem que não é o Império Debuhi.”
“Quantas vezes vou ter que dizer que o Império fica bem mais ao norte?! Enfim... Kailadi é a cidade mais ao sudeste do Reino. Não é grande. Se andarmos para noroeste por cerca de um dia, chegaremos a Lune.”
Um olhar distante entrou nos olhos de Abel enquanto ele olhava para algo que só ele via além de Kailadi.
“Lune... seu destino final, né, Abel?”
“Acertou. Ryo, se você for se registrar como aventureiro, sugiro fazer isso em Lune e não em Kailadi.”
“Sério? Por quê?”
“Lune é a maior cidade fronteiriça, com muita gente e recursos. Uma razão que atrai tanto comércio e pessoas é que lá tem a única masmorra das Províncias Centrais. Se você escolher Lune como base, vai ver que a cidade trata bem os aventureiros. Oficialmente, todas as cidades devem tratar os aventureiros igualmente, mas sempre dão tratamento especial aos locais.”
Ryo assentiu ao ouvir Abel. “Faz sentido. Mas espera — não tenho nenhum documento para mostrar quando entrarmos em Kailadi...”
“Sem problema. Eu vou ser seu patrocinador. Sou um aventureiro rank B, afinal. O pedágio é uma moeda de prata, mas eu pago por você.”
“Ah, Abel, você é tão maravilhoso! Deve saber que sempre pensei assim, né? É verdade, confie em mim.”
Abel olhou desconfiado para Ryo por um momento. “Certo. Enfim, Ryo, vamos passar só uma noite em Kailadi, mas você tem que experimentar um prato local que é meu favorito.”
Chegaram ao portão leste de Kailadi quando o sol já se punha. Seguindo o conselho de Abel, Ryo vestiu o robe por cima da bolsa que carregava nos ombros para esconder. A capa de Abel cobria sua bolsa também. As duas bolsas continham muitas pedras mágicas de wyvern. Se alguém percebesse, a situação poderia complicar.
Na verdade, um alvoroço no portão deixou os arrogantes sentinelas em alerta. Então o oficial comandante saiu apressado... Pelo menos era isso que Ryo esperava. Nada disso aconteceu, e ele ficou um pouco desapontado. Mas só um pouco, tá?
Graças à precaução, entraram na cidade sem problemas. Como Abel era rank B, ele garantiu por Ryo e pagou a taxa de entrada de uma moeda de prata. Foi simples assim para eles entrarem em Kailadi.
Ficaram na pousada que Abel sempre usava quando vinha a Kailadi a negócios.
“Aqui tem um restaurante no térreo, onde podemos comer meu prato favorito.”
Depois de arrumarem o quarto, foram direto ao restaurante e sentaram numa mesa.
Uma jovem simples, mas simpática, veio anotar o pedido.
“Bem-vindos! O que querem pedir?”
“Curry para nós dois. Obrigado.”
A pronúncia de Abel para “curry” soou muito legal.
“Já volto.” A garçonete voltou para a cozinha.
“Se ainda estiverem com fome, podem pedir mais. O jantar é por minha conta.”
“Abel! Abel, que pessoa maravilhosa você é.”
Quem oferece comida é gente boa. Pelo menos são muito melhores que quem não oferece, não acha?
Cerca de dois minutos depois, um aroma nostálgico, saboroso e convidativo chegou até Ryo vindo da cozinha. Estimulou seu apetite dramaticamente.
Aquele cheiro... não pode ser...
Enquanto pensava isso, a mesma jovem apareceu com dois pratos grandes nas mãos.
“Aqui está! Seu curry.”
Nos pratos, um molho amarelo espesso, cheio de temperos, cobria o arroz branco...
“Não... Não pode ser. Isso é mesmo curry com arroz...?”
De fato, era curry com arroz, um prato amado universalmente pelos japoneses.
Curry, outro clichê de reincarnação... Mas só aparece depois que o protagonista sofre várias provações durante muito tempo e consegue recriá-lo... Exceto que ele já existia aqui em Phi...
“Ryo, lembrei do curry quando você me serviu arroz na Floresta de Rondo. Vamos comer, né?”
“O-Ok...”
Lábios tremendo tão discretamente que ninguém notaria, Ryo levou uma colherada do curry à boca. Só uma colherada, mas o suficiente para saber que era curry com arroz, sem dúvidas. Tão parecido com o que comia na vida antiga que poderia estar numa mesa japonesa.
Foi a primeira vez em vinte anos (segundo sua conta) que Ryo provava curry com arroz. Saboreou devagar e com cuidado, sem parar a colher enquanto avançava no prato.
“Ryo, se gostar, pode pedir mais.”
As palavras de Abel foram música para os ouvidos de Ryo. “Com licença, moça!” chamou ele.
“Mais um prato, por favor!”
“B-Bom, fico feliz que gostou.”
Abel parecia um pouco desconfortável com a empolgação de Ryo. Não muito depois, ele também pediu uma segunda porção e os dois desfrutaram de um jantar incrivelmente satisfatório.
Ryo apontou o dedo na cara de Abel com tanta agressividade que sua mão direita cortou o ar. “Vai lá, me diga tudo que você sabe sobre doces!”
“Ah, deixa eu pensar um pouco primeiro...”
“Booooo...”
Abel se sentiu meio exasperado e aliviado ao mesmo tempo. Ryo, por sua vez, abaixou a cabeça desapontado.
Os dois continuaram caminhando, conversando sobre coisas triviais. Normalmente, a distância de Kailadi até Lune levaria um dia inteiro a pé, mas eles eram ótimos caminhantes. Pouco depois do meio-dia, chegaram a uma pequena colina de onde podiam ver Lune e sua região.
“Isto é...” começou Ryo.
A vista superava qualquer coisa que ele pudesse imaginar. Um campo dourado de trigo se estendia do pé da colina até onde a vista alcançava, quase época de colheita.
Uma enorme cidade se erguia no meio daqueles campos. Com suas enormes muralhas, não poderia jamais ser confundida com uma vila. Centenas de milhares de pessoas deviam viver ali dentro, sem contar os moradores, agricultores e afins que viviam nas casas fora dos portões.
“Então o povo vive fora da cidade também, Abel?”
“Sim. Toda a terra agrícola fica fora do perímetro da cidade. Antigamente, os agricultores viviam dentro das muralhas, mas era longe demais dos campos, então agora moram em casas fora da cidade. Essa é uma das razões pelas quais Lune não fecha os portões nem à noite.”
Essa última informação surpreendeu Ryo. Na Idade Média da Terra, bem como em várias histórias isekai, era comum fechar os portões à noite.
“E a segurança, então?”
“Lune tem muito mais patrulhas que outras cidades. Considerando sua história e tamanho, acho que eles conseguem manter a paz razoavelmente bem.”
Por um tempo, ficaram observando Lune, absorvendo a paisagem. Depois começaram a descer a colina em direção ao portão sul. Lá só havia os guardas da cidade, já que a tarde era um horário incomum para entrar ou sair.
“Espera, Abel, é você?” chamou um dos guardas, surpreso.
“Sou eu mesmo, Nimur. Quanto tempo, hein?”
“Menos do que você sumir... foi pouco.”
“Pois é, mas como vê, voltei vivo,” respondeu Abel, sorrindo.
“E quem é esse aí com você?” Nimur perguntou, olhando para Ryo.
“Meu salvador.”
“Sério? Obrigado por salvar o Abel. Valeu mesmo, cara.”
Depois, pegou a mão de Ryo e apertou com vigor.
“Mas mesmo assim, vai ter que pagar o pedágio...”
“Deixo comigo,” disse Abel. Tirou o cartão da guilda e entregou uma moeda de prata para o pedágio de Ryo.
“Ótimo, obrigado.”
Após conferir o valor, Nimur sorriu amplamente, quase explodindo, e falou: “Bem-vindo de volta, cara.”
Ryo acompanhava silenciosamente a troca. Sentiu uma pontada de inveja de Abel, que tinha um lugar para chamar de lar, um lugar onde era recebido calorosamente.
O conceito era estranho para Ryo, que passara tanto tempo sozinho na Floresta de Rondo. Embora sua vida em Phi não o incomodasse, não pôde evitar sentir um pouco de solidão ao observar Abel e Nimur.
Estou feliz por você, Abel.
Aquela cena marcou o fim da jornada deles. Abel havia contratado Ryo para escoltá-lo até Lune, e ali estavam. A missão terminou assim que passaram pelo portão. Trabalho cumprido.
“Ryo, vamos direto para a guilda. Você ainda quer se registrar, né?”
“Sim, quero experimentar a vida de aventureiro, então é melhor me registrar agora.”
“Você pode até pedir um rank-up, já que estou com você.”
Ryo inclinou a cabeça curioso. “Rank-up, o que é isso?”
“Ah, não te contei? Normalmente você se registra como rank F, mas se tiver recomendação de um aventureiro rank B ou maior, pode começar no E ou D. Comigo, você deve conseguir o D.”
“Quais as vantagens de ser rank D?”
“Pode aceitar missões de rank mais alto. Quanto maior o rank da missão, maior a recompensa, então recomendo pedir o rank-up. Embora eu não ache que você precise de dinheiro, Ryo,” disse Abel, olhando de forma sugestiva para a bolsa dele.
“Ah, você está falando das pedras mágicas de wyvern? Elas são realmente tão valiosas?”
Ryo claramente não entendia seu valor. Bastavam duas Lanças de Gelo para derrubar um wyvern, o que significava que ele praticamente não se esforçou para coletar as pedras mágicas. Então não fazia sentido para ele o quão valiosas elas eram.
Mas Abel concordou enfaticamente.
“Você sabe que é preciso vinte pessoas para matar um, né? E você conseguiu essa quantidade dessas criaturas perigosas... Então sim, são valiosas. Essas pedras nem aparecem no mercado, então são praticamente sem preço.”
“Entendi... Mas não vai desvalorizar o preço no mercado vender tudo de uma vez?”
A escassez é um fator importante.
“A guilda sabe lidar com isso, não se preocupe.”
Chegaram ao destino assim que Abel terminou de falar. Como Lune tinha a única masmorra das Províncias Centrais, a guilda de aventureiros atraía gente de outros países, tornando-se a maior na fronteira.
O prédio de pedra de três andares era majestoso. Ryo e Abel entraram pela enorme entrada. Considerando a hora do dia, a tarde, o interior estava quase vazio. De manhã e à noite, o saguão, cheio de aventureiros disputando missões, fazendo relatórios e negociando, parecia um campo de batalha.
De repente, uma voz ecoou pelo local, quebrando o silêncio.
“Abel, é mesmo você?!” a mulher na recepção exclamou ao vê-lo. Menos alta que Ryo, tinha cabelo castanho claro preso num rabo de cavalo e parecia ter uns vinte anos. Usava roupas simples que valorizavam sua silhueta esguia.
“Oi, Nina.”
Ao ouvir Nina, alguns aventureiros espiaram da taverna ao lado.
“Uau, o próprio Abel.”
“Bem-vindo de volta, Abeeel!”
“Então você não morreu, hein?”
Mais de dez aventureiros cercaram Abel para celebrar seu retorno seguro. Todos na guilda sabiam do seu desaparecimento e estavam muito preocupados. Mesmo numa cidade grande como Lune, aventureiros rank B eram poucos, e Abel liderava o popular grupo Espada Carmesim.
Abel, prodígio da espada, já sendo considerado rank A.
Rihya, sacerdotisa da Deusa da Luz, com fama de usar Defesa Absoluta.
Warren, o Inabalável, o maior usuário de escudo do Reino.
E Rin, jovem, mas com habilidades comparáveis às dos magos reais.
Muitos aventureiros os admiravam. Com o retorno do líder, era natural que se aglomerassem com entusiasmo.
Como a cena no portão da cidade, aquilo também ofuscava Ryo, que observava em silêncio.
Uau... Abel é mesmo popular. Ser amigo dele pode me ajudar...
Ryo era calculista às vezes.
Abel deixou-se cercar por um tempo, até achar a hora certa para sair e se aproximar de Ryo.
“Esse é o Ryo,” disse. “Ele salvou minha vida. Eu não teria voltado aqui sem ele. Agora ele vai se registrar como aventureiro na cidade. Ele será um de nós. Então, sejam legais com ele, ok?”
Isso surpreendeu Ryo. Ele fez uma careta para Abel, chateado por não ter sido avisado antes da fala improvisada. Depois virou-se para os outros, que esperavam uma resposta.
“Oi, sou Ryo. Prazer em conhecê-los.” Ele fez uma reverência.
“Prazer, Ryo.”
“Obrigado por salvar o Abel.”
Dois aventureiros bateram no ombro de Ryo, expressando boas-vindas e gratidão por ajudar Abel.
“Nina, você pode cuidar da papelada dele?”
Abel acompanhou Ryo até a recepção. Os outros aproveitaram para voltar à taverna e continuar as refeições. Só restaram Nina, Abel e Ryo no balcão.
“Quero recomendá-lo para rank D. É possível?”
A pergunta surpreendeu Nina. Claro que a guilda tinha um sistema de rank-up baseado em recomendações, usado cerca de uma vez por ano. Mas até então, ninguém do Espada Carmesim, incluindo Abel, jamais fora patrocinador.
“Claro, mas precisamos de provas que ele mereça. Tem algo que comprove suas habilidades?”
“Sim, eu sabia. Sei como o sistema funciona. Quero discutir isso e outras coisas com o mestre da guilda. Pode marcar uma reunião agora?”
“Acho que sim. Ele está no escritório o dia todo lidando com papelada, reclamando. Vou avisar. Vocês podem esperar no salão.”
Nina sorriu, levou-os ao salão e foi para o escritório do mestre da guilda.
Alguns momentos depois, ouviram uma voz rouca que ecoava até seus ouvidos.
“O que disse?!”
O grito foi seguido por passos fortes no chão. A porta se abriu com força e um homem gigante, com olhar feroz, entrou.
“Abel... Graças a Deus...”
Então o gigante perdeu as forças e caiu.
“Desculpe por preocupar você, GuilMas. Mas como vê, voltei vivo.”
“Meu Deus... perdi a vontade de viver quando soube que você sumiu, Abel.”
O gigante se levantou e sentou numa cadeira grande, robusta, feita para seu tamanho.
“Ops, fui rude. Quem,” disse ele, olhando para Ryo, “é esse mago?”
“Esse é Ryo, meu salvador.”
“É? Sou Hugh McGlass, mestre da guilda em Lune. Obrigado por salvar o Abel.” Hugh se levantou e fez uma reverência para Ryo.
Abel chamava Hugh de “GuilMas” como abreviação de “Guild Master”.
“Não, eu só o encontrei por acaso, não precisa agradecer.”
Sem pensar, Ryo também se levantou e fez uma reverência.
“Certo, GuilMas. Ryo quer se registrar como aventureiro em Lune, e eu o recomendo para rank-up.”
Ao ouvir isso, Hugh olhou para Nina, que ficou perto da porta, e ela assentiu.
“Era exatamente isso que Abel queria falar com você, mestre da guilda.”
Hugh saiu correndo do escritório antes que Nina pudesse explicar o motivo do pedido de reunião de Abel.
“Ah, é? Bem, sabemos que precisamos de provas para isso...”
Hugh olhou para Nina de novo. Sua expressão foi um sinal silencioso para deixá-lo a sós com Abel e Ryo, que ela entendeu.
“Vou me retirar agora. Me procure na recepção se precisarem.” Nina fez uma reverência e saiu.
Abel falou primeiro.
“Primeiro: Ryo é mais forte que eu.”
As palavras chocaram Hugh e Ryo.
“Calma, calma...”
“Abel, o jerky do almoço te fez mal?”
Abel suspirou.
“Ele é meio palhaço, mas não brinco sobre as habilidades dele. Estes são nossos troféus dos monstros que derrotamos no caminho.”
Abel tirou as pedras mágicas de wyvern da bolsa e as arrumou na mesa. Vinte e cinco delas.
“Deus do céu, que quantidade... Sei que são pedras de ar porque são verdes, mas... não são só grandes, a cor é muito intensa também... Me diga que conseguiu tudo isso de wyverns?”
“Conseguimos. Ryo tem quase a mesma quantidade.”
Ryo colocou sua própria bolsa sobre a mesa em resposta.
“Tá me zoando? Onde diabos mataram tantos wyverns? Essa quantidade bastaria para... destruir o país inteiro. Precisaria de todo mundo pra enfrentar...” Hugh murmurou, como se as palavras fossem arrancadas dele.
“Não se preocupe. Caçamos eles na parte sul das Montanhas Maléficas.”
“Montanhas Maléficas? Que diabos vocês estavam fazendo lá?”
“O navio saiu do curso,” disse Abel dando de ombros, “foi todo o caminho para o sul da cordilheira. Parei numa grande massa de terra. De lá, atravessamos as Montanhas Maléficas e depois topamos com um bando inteiro de wyverns. Resumindo isso.”
Abel deu a Hugh uma versão extremamente resumida dos fatos. Por enquanto, o importante era explicar que não havia perigo dos wyverns atacarem humanos no momento, e que conseguir tantas pedras assim no futuro seria bem difícil.
“Ah, entendi. Então deixa eu ver se entendi direito. Você quer que eu use a rede da guilda para vender aos poucos e evitar que o preço despencar. É isso?”
“É por isso que gosto de você, GuilMas. Você não perde tempo.”
Se Hugh vendesse tudo em Lune, o preço no mercado despencaria imediatamente. Além disso, algumas pessoas tentariam investigar a origem daquela quantidade enorme. Se Hugh usasse a rede da guilda para vender aos poucos em outras cidades, capitais e até países como mercadoria comercial, evitaria suspeitas. Aí está a resposta.
Era Lyn, a maga do ar do grupo de Abel, o Espada Carmesim. Dois outros entraram no escritório de Hugh logo atrás dela: uma mulher vestida com roupas sacerdotais brancas e um homem gigante com um enorme escudo nas costas.
“Abel...” disse a sacerdotisa, sua voz doce ressoando clara pelo cômodo.
“Rihya, Warren. Estou de volta.”
“Vejo isso... Bem-vindo de volta, Abel.”
Lágrimas brilhavam nos olhos de Rihya enquanto Lyn soluçava abertamente. Embora Warren não dissesse nada, sua expressão aliviada dizia tudo. Abel sorriu melancolicamente para os três. Parecia que Ryo não era o único que não sabia como reagir à cena.
“Abel, tenho certeza que vocês têm muito o que conversar, usem esta sala. Ryo, Nina, vamos preencher a papelada no meu escritório.”
Dito isso, Hugh saiu do salão acompanhado por Ryo e Nina.
No escritório do mestre da guilda, Hugh se jogou em um dos sofás.
“Esse clima não me agrada, sabe? Ryo, senta ali. Nina, o Ryo vai se registrar como rank D, pode trazer a papelada completa?”
“Sim, senhor.”
Nina saiu para preparar os documentos, deixando Ryo sozinho com o gigante de olhar severo.
“Tem certeza do rank D?”
“Sim, não se preocupe. Quero dizer, quem não ficaria convencido depois de ver tantas pedras mágicas de wyvern?” Hugh riu de forma calorosa.
“Bem, quem deu os golpes finais foi o Abel.”
“Sem dúvidas ele é um prodígio, mas... conheço muito bem que um espadachim sozinho, por mais talentoso que seja, não derruba um wyvern. Isso significa que você é poderoso também. Forte o bastante para o Abel matar wyverns com sua ajuda. Nesse caso, você está mais que apto para o rank D.”
Com isso, ele bateu nas costas de Ryo com tanta força que este temeu quebrar os ossos.
“Oh? Ryo, você está em forma para um mago, hein?” Hugh perguntou, claramente notando o físico musculoso de Ryo.
“Eu caçava sozinho, sabe. Tive que fortalecer minha resistência ou correria o risco de morrer se faltasse energia no meio de uma luta.”
“Digo, rapaz, diga. Não importa quantos truques ou magias incríveis você tenha. Se o corpo falhar, é o fim. Só queria que mais jovens de hoje entendessem isso.”
Por um tempo, Hugh falou sem parar para Ryo, primeiro reclamando dos jovens e depois contando os planos da guilda para atrair essa molecada. Apesar do resmungo, Hugh tinha só pouco mais de trinta anos.
Algum tempo depois, uma batida interrompeu sua fala.
“Entre.”
“Com licença,” disse Nina entrando com uma bandeja que trazia um grande cristal e outros documentos. “Mestre da guilda, trouxe o instrumento de registro.”
“Ah, obrigado. Deixo as formalidades com você então. Ryo, faça o que a Nina mandar e ficará tudo bem. Eu ainda tenho uma guerra para travar contra esses papéis...”
Dito isso, Hugh foi até sua mesa.
“Deixe-me apresentar formalmente. Sou Nina e trabalho aqui na guilda de Lune. Prazer em conhecê-lo.”
“Agradeço a hospitalidade. Sou Ryo, prazer em conhecê-la também.”
Os dois se cumprimentaram. Apresentar-se adequadamente era muito importante.
“Então, vamos aos fatos. Responda minhas perguntas.”
“Entendido.”
Tenho quase certeza que o comum é preencher formulários e perguntar se precisa de ajuda para escrever, com o protagonista respondendo que está bem. Mas aqui a equipe da guilda já preenchia os dados desde o começo. Era diferente das histórias isekai que Ryo conhecia.
“Seu nome é Ryo e sua ocupação é mago, correto?”
“Sim, isso.”
“Seu atributo?”
“Água.”
“Residência...? Ah, você ainda não tem, né?”
“Sim, acabei de chegar.”
“Pode ficar no alojamento da guilda por até 300 dias a partir do registro. Tempo suficiente para organizar as coisas e se estabelecer. Também é uma chance para aventureiros recém-chegados fazerem amizades.”
Nina colocou diante de Ryo um papel explicando as condições do alojamento.
“Pode ficar lá ou sair quando quiser dentro desse período. Considere como uma opção de moradia.”
“Vou pensar, obrigado.”
Esse papel... Eu teria assumido que impressão tipográfica não existia aqui, mas... o fato de haver vários guias idênticos indica o contrário... Mais um mistério de Phi para a lista.
“Próxima pergunta, Ryo. Já entrou em uma masmorra?”
“Não, nunca.”
“A guilda faz um seminário para novatos em masmorras todo mês. Cobre dicas, alertas, itens para coletar e vender, e tal. Também temos curso similar para aventureiros novatos. Todos são gratuitos. Recomendo o de masmorras, se estiver interessado.”
“Sim, por favor!” Ryo respondeu animado.
“O seminário deste mês começa depois de amanhã e dura cinco dias. Cada dia tem um tema, recomendo participar de todos.” Nina sorriu. Seu sorriso era tão encantador que até Hugh, observando da mesa, assentiu — mas não conte para ninguém.
“Vou preencher sua inscrição. Chegue à sala de aula no terceiro andar da guilda às nove horas da manhã depois de amanhã.”
“Nove horas?”
Ryo se perguntou se era o mesmo horário que na Terra.
“Sim. Pode conferir o horário no relógio da torre na praça. O sino toca às nove, doze, quinze e dezoito horas.”
O horário realmente era o mesmo que na Terra.
“Entrevista concluída. Agora só falta registrar você, Ryo.”
“Como assim?”
“Por favor, coloque a mão nesta esfera de cristal.”
Seguindo instruções, Ryo pousou a mão direita na esfera que Nina trouxera.
“Registrar.”
Ao comando dela, a esfera começou a brilhar. Ryo sentiu uma leve energia mágica deixar seu corpo. A luz na esfera se condensou, entrou no cartão na mão de Nina, então disparou e desapareceu.
“Pode tirar a mão agora, Ryo. Muito obrigado.”
Ele obedeceu. Nenhuma mudança aparente nele. Nina avaliou o cartão, que havia absorvido a luz da esfera, e, satisfeita, entregou-o a Ryo.
“Aqui está seu cartão da guilda, Ryo. Serve como documento de identidade, avise a guilda se perder ou danificar. Reemitir custa 10.000 florins ou uma moeda de ouro, então cuide bem.”
Ryo pegou o cartão e conferiu as informações: nome, rank D de aventureiro e afiliação à cidade de Lune, no Reino de Knightley. Só isso constava.
“Tem alguma pergunta?”
“Sim, uma. Abel me falou que a guilda guarda o dinheiro dos aventureiros e eles podem sacar em qualquer filial do país?”
“Exato. Se avisar no balcão, o procedimento é feito em sala separada. Você vai confirmar identidade com essa mesma esfera.”
“Então essa esfera está conectada ao país todo...?”
Incrível. Espantoso. Inacreditável. Verdadeiramente fantástico. O sistema online que só recentemente amadureceu na Terra moderna já existia em Phi!
“Sim, pode pensar assim.”
Nina assentiu. Naquele instante, alguém bateu à porta. Ela olhou para Hugh esperando uma ordem.
“Pode entrar,” disse Hugh sem tirar os olhos dos documentos. Os membros do Espada Carmesim, o grupo de Abel, entraram.
“GuilMas, obrigado por deixar usarmos o salão. Estamos indo agora,” avisou Abel.
“Claro.”
“Mestre da guilda, Nina,” disse Lyn, a maga do ar do grupo. “Vamos fazer uma festa hoje às dezoito horas no Maré Dourada para comemorar o retorno do Abel. Espero vocês lá!”
“Sua presença é obrigatória, Ryo.” Abel sorriu alegremente. “Você é o convidado de honra.”
“Hã...?”
Ryo congelou.
“O Maré Dourada é a pousada onde a gente costuma ficar. Vou reservar um quarto pra você também, Ryo, então pode beber à vontade.”
“Na verdade, agora estou preocupado...”
“De qualquer forma, você não pode dizer não, Ryo. Mas antes disso, tem um lugar que quero te levar.”
Abel lançou um olhar interrogativo para Nina.
“Pronto, sua inscrição como aventureiro está concluída. Se não tiver mais perguntas, o processo acabou.”
“Eu respondo as perguntas por você, Ryo, então vamos sair daqui.”
Com isso, Abel forçou Ryo a levantar.
“Vamos voltar para a pousada primeiro para preparar tudo,” disse Rihya, a sacerdotisa. Ela, Lyn e Warren saíram do escritório.
“Certo, GuilMas, estou roubando o Ryo de vocês.”
Ryo fez uma reverência educada. “Mestre da guilda, Nina, muito obrigado por toda ajuda.”
“Imagina. Quero ver o que você vai aprontar agora que é aventureiro de Lune.”
Hugh acenou em despedida. Nina também fez uma reverência. Abel então levou Ryo para fora.
“Vou voltar para a recepção.”
“Beleza. Obrigado, Nina.”
Ela voltou para seu posto no balcão.
Hugh McGlass ficou sozinho no escritório.
“Gaaah! Tô tão feliz que podia chorar!”
Embora falasse baixo para ninguém ouvir do lado de fora, suas palavras transbordavam emoção.
“A tristeza que tomou conta quando soubemos que o Abel desapareceu... Nunca quero passar por isso de novo. Tô tão feliz que ele voltou vivo... Ainda não acredito que ele naufragou além das Montanhas Maléficas... Isso é o verdadeiro ‘sem saída’, hein... Pra mim e pra ele.”
Ele se jogou sobre a mesa.
“O garoto bobo não precisava ter aceitado aquele trabalho investigando a quadrilha de contrabando. Devia ter ficado na terra firme, seguro. Ele é imbatível quando resolve as coisas com a espada... Acho que ele também se sairia bem numa masmorra. A água é que não ajuda. De jeito nenhum. Bem... Sou eternamente grato ao Ryo por trazê-lo de volta. Nos fez um enorme favor... Eu estaria morto se Abel não tivesse voltado. Ah, já sei, vou avisar que ele está seguro...”
Com isso, Hugh ativou o aparelho de comunicação alquímico instalado no armário.
“Abel, onde você está me levando?”
Abel virou para o norte na rua principal ao sair do prédio da guilda.
“Bem, é sobre sua recompensa por me escoltar...”
“Hm? Achei que as pedras mágicas já cobririam isso.”
“Não, é outra coisa. Vou ser honesto. Quando te pedi para vir comigo, decidi que ia comprar roupas e um cajado para você quando chegássemos a Lune.”
Abel observou discretamente a reação de Ryo antes de continuar. “Ah, só pra deixar claro, sei que você deve ser apegado ao tapa-vento de couro e às sandálias. Não estou insultando seu gosto...”
“Nem precisa pisar em ovos comigo,” respondeu Ryo, sorrindo de lado. Depois de tanto tempo sozinho em Phi, e tendo passado dezenove anos na Terra como pessoa normal, sabia bem o que Abel queria dizer. “Sandálias à parte, sei que não posso andar pela cidade praticamente nu. Também não sou apegado a essas coisas. Na Floresta não tinha linha para costurar roupas... Se for comprar roupas, topo, Abel.”
“Que alívio!” disse Abel, aliviado. Tinha medo que Ryo interpretasse mal a oferta e se chateasse. “Então pode escolher umas roupas casuais e umas mais chiques.”
“Entendo as roupas, Abel, mas por que também um cajado?”
“Porque você não tem um, mesmo sendo mago, né, Ryo?”
“É, mas eu posso usar magia sem ele.”
“Bem,” respondeu Abel, lembrando da magia de Ryo, “ouvi dizer que um cajado aumenta o poder da magia...”
Espera, um cajado pode deixá-lo ainda mais forte...? Abel pensou. Mas ele já é forte o bastante...
“Ah, sério? Acho que nem vou usar. Além disso, tenho minha espada para combate corpo a corpo.”
“Espada?” Abel perguntou, surpreso. “Você sabe usar espada, Ryo? Não estamos falando das suas facas, né?”
“Hã? Não mencionei? Lembra quando falei o que faria se fosse um mago do ar? Como me dividir em três para disparar lâminas sónicas e depois atacar em investida? Bem, se não souber usar espada, não posso fazer a investida, certo?”
“C-Certo. Como você chamou? Investida quebrada? Achei que tava brincando.”
“Você é tão cruel...”
Chegaram à loja de roupas ainda conversando. Não era luxuosa, mas tinha peças de bom gosto e excelente alfaiataria, o que a tornava popular.
“Não é uma loja de alta classe, mas a costura é ótima e os estilos são bons, por isso é bastante frequentada. Eu também compro minhas roupas aqui.”
“Suas roupas são resistentes, hein, Abel? Nenhum desgaste depois da jornada da Floresta de Rondo até Lune.”
“R-Resistente, né... Bem, são feitas para o dia a dia, então acho que são mesmo.”
Passaram duas horas na loja. Ryo saiu vestido com uma roupa pronta e com três conjuntos personalizados para entrega futura.
Depois, seguiram para o Maré Dourada.
“Ei, Ryo. Tem certeza que não quer um cajado?”
“Com certeza. Nem saberia usar. Além disso, já disse, se usar arma será espada.”
“Ok, se tem certeza...”
Abel parou no meio da rua.
“Abel, o que está fazendo? Vou te deixar pra trás, sabia.”
“Nem pensar. Você nem sabe onde fica o Maré Dourada. Espere, não é isso que quero falar. Ryo, você não tem uma espada de verdade, né?” perguntou ele, olhando a cintura e as costas de Ryo.
“Tenho sim. Essa aqui.” Ryo puxou Murasame, a espada que recebeu do Dullahan — ou ao menos a lâmina que conseguia gerar a partir da faca.
“Chama isso de espada? Hã? Não é aquela faca que você sempre carrega na cintura?” Abel perguntou, confuso. “Agora fiquei ainda mais confuso. Do que você está falando?”
Por mais que Abel olhasse, a ‘espada’ de Ryo era uma faca. O cabo era muito longo e o design estranho, mas ainda assim uma faca. Só Ryo chamaria aquilo de espada.
“Deixa pra lá, Abel, porque tenho uma pergunta. Você disse à Nina que responderia minhas perguntas por mim, certo?”
“Ah, sim... Disse, não disse? Pode perguntar.”
“Bem, percebi que não sei muito sobre coisas básicas.”
“Como assim?”
“Por exemplo, quanto dura um dia, outras unidades de medida, essas coisas.”
O rosto de Abel endureceu.
“Abel, sei que me considerava alguém com bom senso. Desculpe desapontar.”
“Nunca pensei isso, então tudo bem. Mas nem imaginava que você fosse tão sem noção assim...”
“Que grosseria! ‘Saber que não sabe.’ Uma frase famosa que diz que reconhecer a própria ignorância é algo bom. E eu não sei nada!”
“Ah, seja lá...” disse Abel. “Mas acho que você é só ignorante...”
Apesar disso, Abel — como sempre um cara legal — começou a explicar para Ryo.
Basicamente, muitas coisas em Phi são iguais à Terra. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, trinta dias por mês, mais ou menos um ou dois... Ryo ficou chocado ao saber que fevereiro tinha vinte e oito dias aqui, com anos bissextos.
Comprimento era medido em metros e quilômetros, padrão usado pela maioria dos países na Terra. O que surpreendeu Ryo foi o peso: usavam galões.
De qualquer forma, considerando o que aprendeu — sem falar no curry — Ryo só podia imaginar que tudo isso era resultado de alguém que reencarnou ou foi transportado para Phi no passado. Seu pressentimento secreto estava virando certeza.
“Não precisa decorar tudo de uma vez, vá com calma,” disse Abel.
“Não preciso. Anotei tudo direitinho na cabeça.”
“Você é um gênio agora...?”
Não era estranho ter aprendido tão fácil, já que a maioria era igual à Terra.
“Nina também falou que posso ficar no alojamento da guilda nos primeiros trezentos dias após o registro.”
“Ah, é bem prático. Aproveitamos essa oferta quando começamos também,” disse Abel, olhando para o céu, nostálgico.
“Sério? Não sabia. Então vou ficar lá a partir de amanhã. Vai facilitar, já que o seminário para iniciantes em masmorras começa depois de amanhã.”
“Ah, sim. Criaram ele nos últimos três anos. Graças às informações práticas do curso, menos novos aventureiros morreram. Além do talento mágico, Ryo, acho que será bom pra você, já que não tem muito conhecimento técnico ou geral.”
“Abel,” suspirou Ryo, “só porque você não tem bom senso não significa que eu também não tenho. Não jogue suas falhas em mim.” Ele deu de ombros e suspirou, demonstrando um “Puxa vida.”
“Calma. Acabei de te ensinar o básico, então a verdade é que tenho mais bom senso que você. Nem você pode negar.”
“Só quem não está bêbado diz ‘não estou bêbado’. É isso que você está fazendo, Abel. Mesma coisa. Você precisa de ajuda, amigo.”
“Agora tô ficando irritado ouvindo suas besteiras...”
Abel balançou a cabeça, incrédulo.
“Alguém disse uma vez, ‘Definir é limitar.’”
“E daí?”
“Deixar o bom senso te prender limita o poder da imaginação.”
“Oookay...”
“Resumindo, não ter bom senso nem sempre é ruim. Isso devia te fazer se sentir melhor, né, Abel?”
“Dane-se, para com isso! Você é que devia se falar isso, Ryo! Cem por cento!” Abel balançou a cabeça. “Caramba, nunca pensei que seria tão cansativo conviver com alguém sem bom senso.” Ele olhou sério para Ryo. “Por que está me encarando? Vou te avisar: eu tenho muito bom senso!”
“O que você disse? Ah, sim. Só quem não está bêbado diz ‘não estou bêbado.’”
“Grrr... Vejo que você aprendeu a rebater também, Abel...”
Ryo não falava em tom de elogio, mas sim de desgosto. Depois mudou totalmente de assunto.
“Ah, tenho mais umas perguntas. Tem biblioteca nessa cidade?”
A mudança brusca surpreendeu Abel, mas ele deu atenção total à pergunta, porque era uma pessoa legal.
“Tem duas grandes bibliotecas. A do sul é para o público geral. Tem muitos livros fáceis e sobre vários assuntos. Então é boa para aprender o básico. Fica a um quarteirão da guilda. A do norte tem só livros técnicos, não é para o público em geral. Mas se quiser algo especializado, é uma boa.”
“Tem que pagar ou ter alguma qualificação para usar a biblioteca do sul?”
“Qualquer um pode usar. Você paga dois mil florins, ou duas grandes moedas de prata, como depósito na entrada. Quando sair, recebe metade do depósito, desde que não tenha problemas. Se danificar livros, perdem o depósito e podem cobrar mais, dependendo do livro e do dano.”
Chegaram ao Maré Dourada ainda conversando.
Na manhã seguinte, Ryo acordou ao som do relógio da torre marcando nove horas. Estava em um dos quartos de hóspedes que o grupo de Abel, o Espada Carmesim, havia reservado no Maré Dourada. Lembrava vagamente Abel ajudando-o a entrar, já que estava apoiado no ombro dele, completamente bêbado.
“Estou de ressaca... Minha cabeça dói...”
Ressaca... Nunca tivera uma na Terra — fazia sentido, já que era menor de idade e nunca tinha bebido. Mas sabia o que era.
Na festa de boas-vindas a Abel, muita gente entrou e saiu do local durante a noite, todos para comemorar o retorno seguro de Abel. Isso só ressaltava sua popularidade.
Embora fosse o centro das atenções, Abel decretou Ryo como convidado de honra por ter salvo sua vida, e muita gente o recebeu calorosamente. Ryo quase não conseguia acompanhar tanta atenção. O resto do grupo de Abel — Rihya, Lyn e Warren — não conseguiram se aproximar na confusão e acabaram saindo sem falar com ele.
Ele bebeu água que criou com magia e se preparou para o dia.
Quando terminou, saiu do quarto carregando seus pertences. Como dissera a Abel, mudaria para a moradia da guilda naquele dia.
Ao descer para o térreo, deveria encontrar uma pilha de bêbados, mas os aventureiros caídos da noite anterior haviam sido retirados do salão para liberar espaço para os hóspedes e os que tomavam café.
Não foram expulsos, porém; apenas sentados num canto, dormindo com a cabeça apoiada na mesa.
“Lembrei daquele poema famoso: ‘Ervas do verão, tudo que resta dos sonhos dos grandes guerreiros’...” murmurou Ryo, antes de se dirigir à dona da pousada no balcão.
“O café da manhã estará pronto em breve, fique à vontade para se sentar.”
“Ah, muito obrigado. Posso pedir a conta também? Vou me mudar para a moradia da guilda...”
“Não se preocupe, Abel já pagou.” Ela sorriu alegremente e seguiu para a cozinha.
Abel... Que pessoa boa.
Quem trata bem os outros é gente boa. Pelo menos, melhor do que quem não trata.
O café era simples: pão branco, ensopado e queijo. Mas delicioso e com direito a repetir à vontade. Com a fome saciada, Ryo partiu para a guilda.
Ao chegar, encontrou um ambiente caótico, como se uma tempestade tivesse passado. Havia também um alívio no ar, como depois de cruzar uma passagem montanhosa. Era o cenário habitual depois da correria matinal para pegar contratos. Os sortudos que conseguiam saíam. Como Lune tem uma masmorra, muitos iam direto para lá em vez de passar pela guilda primeiro.
Para Ryo, o caos era a melhor palavra para descrever o que via, já que era sua primeira vez presenciando a movimentação pós-correria da manhã. As mulheres do balcão estavam naturalmente exaustas, mas mantinham o profissionalismo, endireitando os ombros e sorrindo quando Ryo se aproximou.
Foi até Nina.
“Bom dia, Ryo. Em que posso ajudar hoje?”
Ele não ligava muito para quem falava, mas preferiu Nina por já conhecê-la.
“Bom dia. Quero aceitar a oferta de ontem, a da moradia da guilda.”
“Entendido. Temos trinta moradores atualmente. Alguns estão na masmorra, mas ninguém vai todo dia, então verá gente por aí. Cada quarto acomoda seis pessoas. Pode usar a sala comum à vontade. Vou fazer um tour, pois não tenho outros atendimentos.”
Nina saiu do balcão e seguiu para fora da guilda, rumo ao alojamento. Ryo a acompanhou.
“Espero que tenha gostado da festa ontem. Vi o Rah te obrigando a beber quando te pegou, hein?” disse ela, rindo ao lembrar da noite anterior.
“Rah idolatra o Abel como um irmão mais velho, por isso estava muito feliz em vê-lo de volta.”
Rah era espadachim e líder do grupo Switchback, de rank C. Ele praticamente venerava Abel e se excedeu ao agradecer Ryo, o salvador do herói. Teve muitos que deram bebidas e comida a Ryo, mas Rah ficou firme ao lado dele, agradecendo várias vezes.
“Fico feliz que ele esteja feliz. Mas pra ser sincero... bebi demais,” respondeu Ryo, sorrindo de lado.
“A loja da guilda tem várias poções para curar ressaca, recomendo uma.”
“Nossa, nem sabia que poção podia fazer isso...”
O conhecimento de Ryo sobre esse mundo aumentava a cada dia.
A moradia ficava atrás do prédio principal. Era uma construção magnífica de pedra, com dois andares.
“Quais as regras? Por exemplo, tem toque de recolher?”
“Não, pode entrar e sair quando quiser. Tem vários quartos, banheiros e chuveiros comuns, e a sala comum tem cozinha. Não tem zelador, então os moradores se viram.”
“Isso é, hum... meio radical, né?”
“Antes tinha zelador, mas é longa história... Só a limpeza é terceirizada. Um ex-aventureiro administra uma empresa de limpeza com contratos na cidade.”
Entendi. Esse é o tipo de trabalho que aventureiros fazem depois que se aposentam. Faz sentido. Enquanto estão ativos, fazem contatos e usam essa rede de relações para trabalho depois.
“Ryo, você vai dividir o quarto 10 com mais dois, Nils e Eto. Eles estão em grupo e agora na masmorra. Aqui estamos.”
Nina indicou a porta com duas plaquinhas ao lado: “Nils” e “Eto.”
“Aqui os moradores penduram suas plaquinhas. Vou colocar a sua, que já está pronta.” Ela fixou a plaquinha de Ryo na parede com movimentos ágeis, mostrando ser uma profissional eficiente. Então bateu na porta.
“Pode entrar,” respondeu uma voz.
“Eles estão aqui.”
Ela entrou.
“Com licença, Nina da guilda. Nils, Eto, estão na moradia hoje, né?”
Havia dois homens: um forte, cabelos castanhos claros, cerca de vinte anos, fazendo flexões; e outro magro, claramente visível sob as vestes sacerdotais brancas.
“S-Senhorita Nina! O-O-Oi!” gaguejou o jovem musculoso.
“Hora perfeita. Este é seu novo colega, Ryo. Vai morar aqui a partir de hoje. Espero que cuidem bem dele.”
“Meu nome é Ryo. Prazer.” Ryo fez uma reverência.
“Sou Nils, ele é Eto. Prazer, Ryo.”
Nils levantou e estendeu a mão para cumprimentar Ryo. Eto permaneceu sentado, mas acenou com a mão em sinal de saudação.
Nina continuou: “Vou voltar para a recepção agora. Ryo, não se atrase para o seminário de amanhã... Ah, não vai ser problema, já que mora aqui, né?”
Sorriu e saiu, voltando para o prédio principal.
“Ah, a senhorita Nina é linda mesmo,” murmurou Nils após ela sair.
“Para com isso, Nils. Sabe quantos estão atrás dessas recepcionistas lindas e você não tem chance,” riu Eto.
“S-Sabia disso?! Mas todo homem sonha em se firmar com uma boa mulher depois que fizer nome!”
No mundo atual, onde há igualdade de gênero, ele teria sido massacrado por isso. Mas em Phi não havia problema algum.
“Algumas já estão prometidas a nobres. Não dão bola para aventureiros comuns como nós.”
Na verdade, a igualdade de gêneros até parecia razoável, já que as recepcionistas tinham status social bem superior ao dos aventureiros.
“Deixa pra lá. Ryo, né? Não precisa de formalidades, já somos colegas de quarto.”
“Tudo bem para mim.”
“Ótimo! Eu estava meio preocupado sobre quem mais iria para esse quarto de seis pessoas, já que só tem nós dois agora. Sabia que novos aventureiros apareceriam, fico feliz que seja você, Ryo. Parece responsável.”
“Sério. Ia detestar se viesse alguém como Dan no quarto 1.”
Eto e Nils concordaram com várias cabeçadas.
“Certo... Pode dar problema com conflito de personalidades, né...”
Independentemente da idade ou do mundo, isso nunca muda. Valia na Terra e em Phi.
“Pois é. Ah, sou espadachim e Eto é sacerdote. E você, Ryo? Aposto que mago?”
“Isso.”
“A aparência denuncia,” disse Nils sorrindo. “A senhorita Nina falou de um seminário. Você vai no de masmorra, Ryo?”
“Sim, o de cinco dias para iniciantes.”
“Ooooh, ótimo. Sou muito grato a ele, é o único motivo de ainda estarmos vivos.” O sorriso de Nils se alargou ainda mais.
Depois disso, eles contaram para Ryo sobre a cidade e outras coisas.
Trinta minutos depois, ouviram uma batida novamente.
“Pode entrar,” chamou Nils. Nina entrou mais uma vez.
“Desculpem interromper. Um novo aventureiro que acabou de se registrar quer morar aqui também.”
Um garoto, com cerca de dezesseis anos, apareceu atrás dela.
“Sou Amon, prazer.”
“Eu sou Nils, ele é Eto e este é Ryo.”
“Amon, o Ryo também vai no seminário amanhã. Que tal irem juntos?”
Nina voltou ao seu trabalho no prédio principal.
“Humm, a senhorita Nina é mesmo linda...”
Eto olhou para Ryo com um olhar que dizia: “Viu? Te avisei.”
Ryo assentiu silenciosamente. Nils ficou emburrado com a troca não verbal.
“Ei, não tô prejudicando ninguém, ok? Deixa de me encher. Enfim... Amon, você é bem jovem, né? Ainda nem é adulto?”
A maioridade nas Províncias Centrais é aos dezoito anos.
“É, fiz dezesseis agora. Minha família morreu, então decidi virar aventureiro para sobreviver. Por isso vim para Lune.”
“Parece que estamos na mesma situação,” concordou Eto.
Sacerdote também está na pior? Agora fiquei curioso...
Mesmo assim, Ryo não foi rude para perguntar. Sabia que era cedo, então ficou quieto.
“Ryo se mudou não muito antes de você. Legal que estarão na mesma turma.”
“Sim, vamos aprender bastante nesses cinco dias, Amon.”
“Parece ótimo!”
— Certo, então vamos para a masmorra. Boa sorte no seminário, vocês dois.
E assim, Nils e Eto partiram para explorar a masmorra.
Todos tomaram café da manhã juntos na lanchonete anexa à sede da guilda. A comida era tão boa quanto a do Maré Dourada. Além de barata, podiam repetir à vontade. Seja no Maré Dourada ou no refeitório da guilda, Ryo agradecia imensamente a possibilidade de segundos pratos ilimitados — como os cafés da manhã em hotéis de negócios na Terra. Afinal, o café da manhã era muito importante.
Depois de encherem o estômago, Ryo e Amon seguiram para o auditório no terceiro andar do prédio principal da guilda. O espaço lembrava auditórios universitários, com escadas levando a níveis superiores de assentos. Embora faltassem cinco minutos para as nove, já havia dez pessoas na sala. Os dois se sentaram na segunda fila, próximo à frente.
Eu realmente esperava mais gente aqui.
Pouco antes do badalar das nove, vinte pessoas chegaram, totalizando cerca de trinta participantes. Assim começou o seminário de cinco dias para iniciantes na masmorra.
— Não acredito! Você está mentindo! Isso é impossível!
Enquanto Ryo e seu colega de quarto, Amon, assistiam ao curso para novatos, o grupo Espada Carmesim se reuniu no salão de refeições da guilda. O encontro começara para discutir a agenda futura, mas logo o papo se voltou para o retorno de Abel e, depois, para a magia da água de Ryo.
— Eu odeio discordar, mas é bem possível.
— Eu sei que existe um feitiço de Muralha de Gelo dentro do guarda-chuva da magia da água — disse Lyn, a maga do ar, tentando refutar a explicação de Abel sobre a magia de Ryo. — Mas é tão fina que um golpe de ar a atravessaria facilmente. E você diz que ele fez uma Muralha de Gelo no ar e depois a deixou cair? Impossível, Abel.
Ela enfatizou com a ponta do garfo. — Ok, senhor? A magia só pode ser conjurada perto do usuário. Seja água, ar ou fogo, é verdade para todas. Ninguém pode criar magia ou fenômenos mágicos a distância.
— E-eu... sim, senhora... — Abel, sobrecarregado pela intensidade dela, não sabia o que responder.
— Agora, Lyn, você está se exaltando demais. Se Abel disse que viu, eu acredito nele — tentou apaziguar Rihya com um sorriso.
— Mas você sabe que eu tenho razão, Rihya. É senso comum. Você sempre foi cega com Abel...
— Hum. Bem, mesmo os magos da luz só curam quando estão bem próximos. Seria ótimo se pudessem curar à distância, mas você está certa, Lyn, é impossível.
Rihya inclinou a cabeça, pensativa.
— Sério...? Só estou contando o que aconteceu. Foi assim que conseguimos essa pedra amarela do golem — explicou Abel, mostrando uma pedra mágica amarela, do tamanho da palma da mão.
— É realmente grande. O que pretende fazer com ela? — perguntou Rihya.
— Ryo disse que posso fazer o que quiser, já que derrotei o golem.
Era o golem que Abel havia imobilizado com um chute, então ele realmente o derrotara.
— Abel, sei que se sente mal por ficar com tudo sozinho em vez de dividir com Ryo, mas a família real certamente vai querer uma pedra desse tamanho. Você não pode vendê-la e dividir o lucro com ele?
— Sim, esse é o problema — ele abaixou a cabeça.
— Não entendo. Por que não pode? — Lyn, confusa, interrompeu.
— Posso vender, mas preciso informar para quem vou dividir. Se disser que é com Ryo, vira problema. Só porque ele se registrou na guilda de Lune não significa que jurou lealdade ao Reino de Knightley. O rei e outros vão tentar atraí-lo como aliado político quando souberem do talento dele.
— Entendi. Pode acontecer, mesmo que só acreditem metade do que você diz, Abel — Lyn assentiu pensativa. — Mas será que isso é tão ruim assim?
— Só metade, hein? Agora fico me perguntando o quanto confia em mim... Bom, acho que Ryo pode recusar, se não quiser. Mas aí ele pode sair de Lune e ir para outro país...
— Ah, entendi. Nesse caso, Lune perderia um ativo vital. E o Reino de Knightley também. Seria péssimo se ele fosse para o Império, né?
— Nah, o Império é proibido pra ele — afirmou Abel com confiança.
— Como assim?
— É! O Império é o único que pode enfrentar o Reino.
Rihya e Lyn olharam para ele surpresas.
— Porque o nome oficial dele é Império Debuhi.
As duas mulheres assentiram e Abel explicou mais.
— Ryo acha isso muito sem graça. Por isso, ele odeia o Império. E não vai parar lá.
— ... O quê?
Nem Rihya nem Lyn entenderam. Ele não iria para o Império porque o nome era sem graça?
Também não entendo, mas sei que é ponto final pra ele, então...
O instinto de Abel dizia que ele estava certo.
— Certo, então vamos para outros assuntos. Abel, enquanto você estava fora, optamos por não entrar na masmorra. Aceitamos alguns contratos regulares, só os que não podíamos recusar.
— Entendi. Valeu mesmo, pessoal — Abel se curvou em agradecimento.
— Estou tão feliz que voltou inteiro pra gente. Dividimos as recompensas em quatro, pode conferir depois.
— Eu nem estava aqui, poderia ter deixado vocês três dividirem.
— Nem pensar. Não é assim que funciona.
— Ela está certa — disse Lyn.
Warren, que ainda não tinha falado, assentiu silenciosamente.
— Ah, lembrei, também fiz dinheiro. Não consegui pegar todas as pedras mágicas e partes dos monstros que derrotei no caminho, mas consegui pedras de wyvern. Pedi para o GuilMas vender, assim que receber o dinheiro, vou dividir com vocês.
— O quê?
— Wy... werns?
“...”
Os três lutaram para entender. Era natural. Para caçar um wyvern, eram necessários pelo menos vinte aventureiros de rank C para terem alguma chance. Então que ele tivesse matado não só um, mas muitos, era inacreditável...
— Vocês ajudaram um grupo contra wyverns? — Rihya perguntou.
— Não. Já disse, né? Tinha um ninho ao sul das Montanhas Maléficas. Tivemos que derrubá-los enquanto avançávamos para Lune. Seria desperdício deixar as pedras para trás, então só pegamos essas.
— Ou seja, só vocês dois enfrentaram? — Rihya e Lyn ficaram pálidas só de imaginar.
— É. Ele cravou lanças de gelo nas asas, e quando caíram, eu mirava os olhos com Impalamento Total.
— Ele espetou as asas...? Mas wyverns cobrem o corpo inteiro com uma membrana de ar que repele magia... — Lyn questionou, desconfiada, quase falando para si mesma no final.
— Hã? — Abel coçou a cabeça. — Verdade. Esqueci disso. Mas ele fez mesmo.
— Como...? Nem o mestre Hilarion consegue magia tão forte — Lyn balançou a cabeça com simpatia.
— Ela tem razão. Só conheço um que pode... O Mago Inferno do Império. Mas são só rumores.
— Concordo com as duas.
Rihya e Lyn só conheciam rumores sobre o Mago Inferno do Império.
Diz-se que ele queimou mil soldados do Reino de uma só vez.
Em outra história, explodiu um wyvern com um golpe.
Outra, aniquilou um exército rebelde barricadado em uma cidade.
Honestamente, elas não tinham certeza se existia mesmo.
Mas o primeiro era comprovado, então o poder dele era inegável.
— Mago Inferno, hein... Definitivamente não quero encontrá-lo no campo de batalha.
Depois de se unir a Ryo, Abel sabia de uma coisa: não queria inimigos entre magos. Nunca pensara muito nisso antes. Por um lado, havia Lyn em seu grupo. Ela era maga de alto nível no Reino, e mesmo que fossem inimigos, Abel acreditava que venceria facilmente. Hilarion, o mais poderoso do Reino, era um teste — mas Abel sempre achou que seria o último em pé.
Mas Ryo era perigoso. Primeiro, podia usar magia sem precisar cantar encantamentos, embora às vezes falasse para parecer legal. Eu não sei por que fazia isso nessas ocasiões, mas sei que inventava na hora. Provavelmente só achava legal.
Sim, faz sentido.
Além disso, a velocidade dele para lançar magias era fora do comum. Se Abel tivesse que enfrentar o Muro de Gelo de Ryo, nem sabia se conseguiria penetrar com Impalamento Total. E ele atacava com lanças de gelo mesmo protegido pela muralha. Isso é trapaça!
Eu não consigo pensar numa estratégia para vencê-lo.
Sem contar que Ryo disse que sabe lutar corpo a corpo.
Caramba, isso não é justo. Só a magia já me deixava inseguro, mas ainda tem a luta? É demais... Não é natural. Ryo não é normal. Ele é uma aberração.
E tem o Mago Inferno do Império, a suposta aberração deles. Não é boa ideia ser inimigo de magos.