The Water Magician

Volume 1 - Capítulo 11

The Water Magician

A imensa cadeia de montanhas se ergia alta e imponente à frente de Ryo e Abel. Ryo lembrou-se dos Himalaias, a cordilheira que divide o subcontinente indiano da Eurásia, na primeira vez que a viu. O Monte Everest, chamado Qomolangma em tibetano, repousa nos Himalaias como o pico mais alto da Terra, o cume dos deuses.

Nessas montanhas à sua frente, os dois tentariam uma escalada sem oxigênio — algo extremamente difícil na Terra, ainda mais sem equipamento adequado. Lá, houve um sumo sacerdote do Nepal que resistiu no Everest por trinta e duas horas, onze delas sem cilindro de oxigênio.

Então... os treinados em Phi provavelmente conseguiriam chegar ao topo sem muita dificuldade... provavelmente.

Algo incomodava Abel.

Era a força física de Ryo. Como aventureiro rank B, Abel possuía força e resistência física certamente entre as maiores entre os humanos.

Já Ryo, um mago, acompanhava seu ritmo com facilidade. Embora não seja regra, magos geralmente não são conhecidos pela força física. Magos aventureiros eram mais fortes que a maioria das pessoas comuns, mas ainda muito fracos perto dos espadachins.

Lyn, a maga do ar do grupo de Abel, tinha força física praticamente nula. Sua resistência era particularmente baixa, até comparada à sacerdotisa do grupo.

E ainda assim...

E ainda assim Ryo conseguia acompanhar Abel sem suar. O mesmo acontecia em combate. De certa forma, isso era incomum para um mago.

“Ei, Ryo.”

“O que foi, Abel?”

Ainda na base da montanha, não se preocuparam em poupar o oxigênio evitando conversa.

“Você é bem forte para um mago, sabia? Fisicamente falando.”

Ryo riu sem medo. “Então você percebeu, Abel. Muito bem. Trabalhei bastante para aumentar minha resistência, principalmente quando vivia sozinho. Devo aguentar numa batalha de até cinco horas.”

“Não, sua magia vai acabar,” Abel respondeu — embora quisesse dizer “Nenhum mago aguenta tanto tempo.”

“Confio no meu físico, então não precisa se preocupar comigo, Abel. Nem precisa diminuir o ritmo por minha causa.”

“Oh, você tem muita confiança, hein?”

“Tenho sim. Nenhum aventureiro rank B aqui perto é páreo pra mim,” respondeu Ryo, lançando um desafio sem motivo aparente.

“Se é luta que você quer, estou pronto pra isso!” Abel aceitou na hora.

“Heh heh. Você acha que eu teria medo de alguém ameaçando com jerky na mão?”

“Na mesma!”

Os dois seguiram caminhando enquanto trocavam essa conversa boba.

Quando o sol chegou ao ponto mais alto, sentiram uma pressão estranha no ar.

“O que é isso?” perguntou Ryo.

Abel olhou ao redor, mas logo percebeu que a pressão vinha de algo descendo do céu.

“Um grifo...” disse Abel, muito surpreso para se mover ou dizer mais.

Ryo também ficou paralisado diante da aura impressionante do grifo.

Grifos. Conquistadores dos céus. Ceifadores do firmamento. Senhores do espaço aéreo... Com vários apelidos, eles governam o ar. Se os behemoths dominam a terra, dizia-se que os grifos governam o céu. Monstros temíveis com metade superior de águia e metade inferior de leão, medindo cerca de dez metros de altura — embora números não significassem nada diante de sua presença avassaladora.

E agora um desses monstros acabara de pousar diante deles, olhando fixamente para os dois.

Ryo levou vinte segundos para recobrar os sentidos. Então teve uma ideia. Jogou cuidadosamente o jerky da mão direita para o grifo.

Snap. Ele agarrou a carne no ar e devorou.

Foi então que Abel saiu do estado de choque. Ryo lançou o jerky da mão esquerda também. Dessa vez, o grifo pegou com a boca aberta e engoliu de uma vez. Depois voltou o olhar deliberadamente para o jerky nas mãos de Abel.

“Abel, a carne,” Ryo sussurrou alto o suficiente para Abel ouvir.

Abel lançou a carne que segurava nas duas mãos para o grifo. O monstro pareceu satisfeito após terminar a porção, bateu as asas com força e levantou voo, desaparecendo no céu.

Os dois ficaram imóveis por um tempo. Só cinco minutos depois que o grifo se foi conseguiram falar.

“Abel, que bom que ainda estamos vivos.”

“Não tenho nada a argumentar.”

Sentaram-se à sombra das raízes de uma árvore enorme e soltaram o ar com alívio.

“Você teve uma ideia genial com a carne, Ryo,” Abel elogiou, admirando a decisão de jogar o primeiro punhado de jerky para o grifo.

“Quando pensei em como mostrar que não éramos inimigos, lembrei da carne seca nas mãos. Tinha quase certeza que grifos não odeiam carne.”

“É, ótima ideia.”

Ryo corou com o elogio sincero de Abel.

“Mesmo assim... aquela presença era incrível.”

“Sim, foi intenso demais. O BeheBehe também impressiona, mas estava longe; ver algo parecido bem na minha frente...”

“Ainda bem que não nos marcou como inimigos.”

Ryo assentiu com firmeza. “Concordo. Acho que não teríamos chance se tivéssemos que lutar.”

“É, humano nenhum tem chance contra isso...”

“Se precisar, prefiro encarar seis wyverns do que um grifo.”

“Prefiro não encarar nenhum dos dois, obrigado.”

De qualquer forma, por ser hora do almoço, pegaram suas bolsas e começaram a comer carne seca. Naturalmente, deram uma boa olhada ao redor antes, para evitar surpresas de outro grifo aparecendo do nada...

Aliviados por terem sobrevivido ao encontro, Ryo começou a murmurar distraído.

“De qualquer forma, já vimos uma variedade enorme de monstros na jornada até agora. Teve o BeheBehe e agora um grifo.”

“Assim como o behemoth, a última vez que alguém viu um grifo foi há séculos. Acho que tem algo estranho nessa região.”

“Bem, é falta de esforço humano, não é? Não é nada de estranho.”

“Que esforço?!”

As tensões finalmente se dissiparam a ponto de brincarem um com o outro.

“Acho que essa cadeia de montanhas impede monstros como behemoths e grifos de entrar no território humano, né?”

“Suponho que sim, especialmente porque eles não estão passando fome do nosso lado da montanha. Não têm motivo pra atravessar.”

“Aposto que até um grifo teria dificuldade para cruzar para o outro lado.”

Ryo suspirou dramaticamente. “E ainda assim, tem um certo espadachim tentando justamente isso...”

“Me desculpe! Não é como se eu tivesse escolha, tá? Não tenho a menor vontade de voltar de barco depois de ter sido levado tão longe pelo mar.”

Além disso, tinha o problema do kraken.

“BeheBehe na terra, kraken no mar, grifo no ar... Todos os territórios cobertos. Tipo um exército, marinha e força aérea monstruosas, hein?”

“Que bom pra eles, mas eu tô de boa, valeu!”

Naquela mesma tarde, os dois se meteram em outra enrascada. Escondidos atrás de uma pedra gigante, espiaram por cima o que havia à frente: dois wyverns bicando o que parecia ser um javali.

“Os wyverns vieram aqui por sua causa, Abel.”

“Nem foi eu!”

Eles discutiram sussurrando.

“Como não podemos passar por eles, quer esperar até terminarem de comer?”

“Tenho a sensação que eles vão perceber a gente antes. E não há garantia que um terceiro não apareça.”

“Ryo... não me diga que está sugerindo que lutemos?”

Abel olhou pra ele com uma expressão de “que diabos você tá pensando?”. Natural, já que caçar wyverns normalmente exige pelo menos vinte aventureiros rank C ou superiores, além de vários magos de fogo poderosos. Quanto mais, melhor.

Então... para um espadachim e um mago da água enfrentarem não um, mas dois wyverns? Isso era suicídio.

“É muito provável que tenham mais wyverns adiante. Muitos mais. Então não acho que dá pra evitar o combate. Se for assim, melhor ir ganhando experiência agora, enquanto só temos dois.”

“Ryo, você não entende. São dois. Você fala ‘só’ como se fosse passeio no parque...”

Apesar da objeção, Abel entendeu o que Ryo queria dizer. Seis wyverns atacaram o behemoth. Comparado a seis, dois eram... Quando percebeu onde estava pensando, sacudiu a cabeça com força.

“Um já é perigoso o suficiente sozinho.” Ele disse isso em voz alta para se convencer a não entrar no plano de Ryo. “Mas...”

Abel tinha uma boa razão para hesitar. Sabia que lutar contra wyverns seria inevitável, pois estava decidido a atravessar a cordilheira para voltar à sua cidade. Eles viram a luta contra o behemoth e agora dois estavam bem na frente. Ambos indicavam que aquela montanha era habitat de muitos wyverns.

“Acho que não temos escolha, né?”

Abel se preparou.

“Então, como vamos derrubar esses dois?”

“Eles ainda são perigosos quando espetados no chão?” perguntou Ryo.

“Não tanto. Ainda podem usar golpes de ar com as asas, mas não conseguem criar lâminas sónicas. As garras ainda são ameaça e a magia do ar protege o corpo deles contra espadas, mas não há defesa mágica nos olhos. É lá que miramos quando estão no chão. Dá pra dizer que ficam bem mais fáceis assim, comparado ao ar, onde nossas lâminas não alcançam.”

Ryo pensou um pouco após a explicação de Abel e assentiu firmemente.

“Nesse caso, tenho o feitiço de água perfeito.”

Abel desembainhou a espada e se posicionou, pronto para atacar a qualquer momento.

“Lá vou eu, Abel.”

Ele assentiu, olhos fixos nos dois wyverns, que ainda não os haviam percebido enquanto devoravam o javali.

“Lança de gelo que perfura tudo. Desça dos céus e atravesse meus inimigos. Lança de Gelo 4.”

Quatro Lanças de Gelo surgiram silenciosamente no alto. Claro que Ryo não precisava recitar o encantamento todo. Só fazia porque soava legal.

As lanças caíram assim que foram conjuradas. Cada uma perfurou uma das quatro asas dos wyverns, espetando os monstros no chão.

“Giiiiiii!!!”

Os gritos dos wyverns ecoaram.

Abel saltou de trás da pedra ao mesmo tempo em que Ryo entoava o feitiço. Ele viu as lanças grossas de gelo atravessarem as asas das criaturas, sem derreterem.

Com as asas imobilizadas, os monstros não podiam usar os golpes de ar nem atacar com as garras. Abel só precisava pular para atingir os olhos — o alvo vulnerável.

“Vou acabar com isso num golpe só. Habilidade de Combate: Empalamento Total.”

Ele cravou a espada no olho esquerdo do wyvern mais próximo, a lâmina mágica brilhando em vermelho. A espada atravessou o globo ocular e foi direto ao cérebro. O wyvern caiu morto, sem um gemido sequer. Abel ignorou e cravou a espada no olho direito do segundo wyvern.

“Gugiii!”

Deu um último grito antes de morrer. No fim, foi uma vitória completa.

“Lança de Gelo mais seu Empalamento, Abel. Sim, acho que essa combinação funciona muito bem.”

“É, fiquei surpreso com a rapidez.”

“Hm, você está insatisfeito com o resultado? Então quer dizer que na verdade deseja uma luta emocionante, daquelas que fazem o sangue ferver, onde sua alma se choca com a do adversário.” Ryo fingiu anotar numa caderneta imaginária. “Vou lembrar disso pra próxima.”

Entrando em pânico, Abel agarrou Ryo pelos ombros. “Ei, para com isso. Não preciso de luta assim. O que acabamos de fazer foi perfeito. Sublime.” Ele assentiu com vigor. “Vamos fazer igual da próxima vez.”

“Bem, se é isso que você quer mesmo, Abel, vamos continuar assim.”

“Ufa. Ah, lembrei. Todos os monstros que matamos até agora não eram importantes, então ignorei as pedras mágicas deles. Mas acho que deveríamos pegar as dos wyverns. Você ia se surpreender com o preço que conseguimos.”

Com isso, Abel cravou uma faca no peito de um dos wyverns, perto do coração.

“Entendi. Eu vou extrair a pedra do outro.”

Ryo se virou para o segundo wyvern. Era hora de liberar o fogo da faca de Fake Michael pela primeira vez em muito tempo! Claro que manteve esse pensamento para si.

Falando em Fake Michael, o Compêndio de Monstros, Edição Iniciante, não tinha entrada para wyverns... Não me surpreendo que BeheBehe e grifos não estivessem lá, mas acho que isso significa que wyverns também não são para iniciantes, né?

Esses pensamentos passaram pela mente dele enquanto cortava a pedra mágica do wyvern.

“Uau, essa é grande, hein?”

A linda pedra mágica verde-escura não era tão enorme quanto a de um golem, mas tinha o tamanho de um punho considerável.

Se fosse uma esmeralda, provavelmente valeria milhões de ienes.

Claro que Ryo estava chutando aleatoriamente.

“Sim, essas são bem boas,” disse Abel. “O tamanho e o tom da cor vão valer um preço surpreendente.”

“Mas só se chegarmos à civilização, né?”

“Argh.” O comentário de Ryo atingiu Abel no coração.

“Cada um fica com uma, já que temos nossas bolsas.”

Assim, os dois descobriram um método seguro e rápido de caçar wyverns.

◆◆◆

Embora essas montanhas chegassem à categoria dos 7.000 metros, isso não significava necessariamente que Abel e Ryo precisassem escalar até tão alto para atravessar a cordilheira. O derretimento da neve que escorria pelas montanhas podia desgastar os picos, erodindo-os gradualmente. Isso ocorria mesmo na base das montanhas, mas ainda assim esses cumes alcançavam alturas de pelo menos 4.000 metros, e Ryo achava que teriam que escalar alguns deles.

Quatro mil metros... isso era pouco abaixo do ponto em que se sofre com o mal da altitude... ou ao menos ele achava que lembrava de ter lido algo assim em algum momento.

Enquanto Ryo e Abel avançavam pela cordilheira, monstros os atacavam um após o outro, e não eram monstros quaisquer.

Wyverns. Tantos viviam nessa cordilheira que Abel e Ryo tinham certeza de que um ninho devia estar próximo.

Depois de matar os dois wyverns na base da montanha, Abel perdeu qualquer inibição. Era seguro dizer que ele agora aniquilava todos os wyverns que encontravam.

“Eu sabia, Abel. Você é realmente um maníaco por batalha...”

“Cale a boca! Eles vão atrapalhar de qualquer jeito, então não faz diferença se matamos eles agora ou depois. Além disso, mesmo que derrubemos todos que nos atacam, eles provavelmente estão por toda a cordilheira, então podem perder alguns. Vamos caçá-los enquanto avançamos!”

Ryo espetava os wyverns no chão com suas Lanças de Gelo e Abel os espetava na cabeça pelos olhos com sua espada. Matavam muitos wyverns trabalhando em equipe. Extrair as pedras mágicas dos corpos deles tomava mais tempo do que derrotá-los. A velocidade com que o jerky desaparecia das bolsas só era igualada pela rapidez com que elas se enchiam das pedras mágicas dos wyverns.

Por volta dos 3.000 metros, os ataques dos wyverns cessaram. Em vez disso, o frio congelante começou a assolar os dois. Graças ao poncho e à capa de couro de javali, eles não sofreram muito dano. Chegaram em segurança a uma das cristas mais baixas. Ali, finalmente avistaram a terra ao norte da cordilheira. Exatamente uma semana se passara desde que mataram os primeiros dois wyverns.

“Conseguimos chegar até aqui, hein?”

“Sim. Ainda bem que está ensolarado. A vista está ótima, não?”

Como Abel disse, a paisagem diante deles era espetacular. Um céu azul, límpido e magnífico se estendia sem fim acima, encontrando as planícies verdes no horizonte.

Algo se moveu de repente na periferia da visão deles. Ryo virou a cabeça para a direita e viu... uma mulher, nua da cintura para cima, voando. Em vez de braços, ela tinha asas, e suas pernas pareciam as de uma águia ou um falcão...

“Abel... uma mulher estranha está vindo na nossa direção.”

“O quê?”

Ryo apontou para a direita.

O olhar de Abel seguiu a direção. “Isso é... uma harpia...”

De fato, o que voava em direção a eles não era uma mulher, mas um monstro completo chamado harpia. E harpias viajavam em bandos...

“Abel, vejo mais do outro lado...”

Quando Ryo apontou para a esquerda, eles viram um grupo de harpias ali também.

“Ryo, você vê elas à frente? Atrás também?” Abel perguntou, vasculhando a paisagem.

“Vejo...”

Num piscar de olhos, estavam cercados. Uma avançou em direção a Abel. Sua espada brilhou ao ser desembainhada e cortou a harpia com um golpe. Ele se moveu rápido para o lado de Ryo depois de derrubá-la.

“Pacote de Parede de Gelo com 5 camadas.”

Ryo imediatamente os cercou com sua barreira de gelo. Abel correu para o lado de Ryo pois esperava que ele fizesse isso. O trabalho em equipe deles melhorara muito durante o mês de viagem.

“Elas estão batendo forte na parede...”

Pairando ao redor, as harpias atacavam a parede de gelo com suas garras afiadas de aves de rapina. Parecia para Ryo que essas garras eram a principal forma de ataque delas.

Abel notou outra coisa: os restos da harpia que ele matara.

“Elas estão... comendo ela...?”

“Sim... e não estão poupando.”

Ele preferia não encarar aquela cena, mas aquilo deu a Ryo uma ideia para sair dali.

“Lança de Gelo 8.”

Oito lanças de gelo surgiram fora da parede. Cada uma perfurou uma harpia, prendendo-as ao chão. As outras harpias atacaram as oito companheiras e começaram a devorá-las. Evidentemente, estavam famintas.

“Que cena horrível.”

“Verdade, mas o mistério real é por que o mago que causou isso age como se não tivesse nada a ver.”

“Acho que é só sua imaginação.”

Abel estava irritado com Ryo, que falava como se fosse um mero espectador. Mesmo assim, ele não tirava os olhos da cena de harpias canibalizando umas às outras, olhando só de soslaio. Era a única forma de suportar aquilo. Não tinha como olhar de frente.

“Você acha que esse método vai durar tempo suficiente para escaparmos?”

Assim que Abel murmurou isso, um grito estridente ecoou pela área. As harpias se afastaram rapidamente das companheiras mortas que estavam devorando. Poucos segundos depois, pousaram no chão e formaram um círculo ao redor de Ryo e Abel, ainda protegidos pela parede de gelo. Restavam cerca de quarenta harpias.

Uma harpia rompeu a linha das companheiras e avançou. Ela era totalmente negra, só os olhos vermelhos se destacavam. Mas o que mais chamava atenção eram suas asas douradas, que brilhavam como se fossem feitas de ouro.

“Uma verdadeira chefona,” murmurou Ryo baixo.

Abel permaneceu em silêncio, olhos arregalados.

“Abel?”

“Hã? O-oi, tô aqui. Essa deve ser a rainha das harpias. Nunca vi uma pessoalmente, só ouvi falar.”

Assim que Abel falou, a rainha moveu a asa direita. Ryo e Abel se jogaram no chão imediatamente. Não foi a lógica, mas a intuição que os guiou.

Krak. Um ataque mágico invisível parecido com um golpe de ar rasgou a Parede de Gelo e passou por eles.

“Ela destruiu minha Parede de Gelo de 5 camadas num golpe só?”

Ryo olhou furioso para a rainha, misturando surpresa e frustração.

“Ryo...”

Abel olhou preocupado para ele. Era natural, cercados por quarenta harpias e a rainha. E a rainha acabara de destruir a barreira de gelo. Como poderiam contra-atacar?

“Mas o momento em que o inimigo ataca é a chance de contra-atacar. Pacote de Parede de Gelo com 5 camadas.”

A rainha parecia desconfiada quando Ryo recriou a barreira, já que ela destruíra uma idêntica segundos antes.

“Xeque-mate, rainha.”

Assim que Ryo murmurou, 256 Lanças de Gelo caíram sobre a área ao redor deles.

“Giiiiiiaaaaaa!!!”

Os últimos gritos das harpias ecoaram enquanto elas se contorciam em agonia. Ao evitar o pseudo-golpe de ar da rainha, Ryo gerou as lanças no alto e as deixou cair. A nova Parede de Gelo não era para protegê-los do ataque da rainha, mas para bloquear as lanças que caíam.

Todas as harpias caíram no chão, exceto a rainha negra. Suas asas douradas estavam danificadas, dificultando o voo novamente.

O ódio retorcia seu rosto.

“Vou acabar com ela,” disse Abel, olhos fixos na rainha. Ele encararia aquele ódio.

Ryo assentiu e desativou a Parede de Gelo.

Com a espada em punho, Abel avançou lentamente até a rainha... muito lentamente. Para qualquer pessoa normal parecia que caminhava casualmente, mas ele não baixava a guarda.

Porque...

Quando Abel alcançou o ponto médio entre a rainha e Ryo, notou o menor movimento dela — algo que não teria percebido se relaxasse nem que fosse por um instante.

“Habilidade com espada: Sombra Perfeita,” murmurou baixinho.

Seu corpo pareceu desaparecer da vista enquanto desviava rapidamente do pseudo-golpe de ar. Depois, fechou a distância de uma vez, a lâmina cortando o ar num golpe veloz.

A cabeça da rainha voou.

“Bravo,” disse Ryo, assentindo com ênfase.

Não tiveram mais problemas e começaram a descer a montanha. Embora a luta tenha sido curta, até uma breve batalha cansava o corpo. Quando a vida está em risco, isso já é suficiente para te esgotar.

“Vamos descansar perto daquela árvore?” sugeriu Ryo.

Até duas pessoas com energia inesgotável precisam de pausas.

“Certo, acho que terminaremos a descida amanhã. A questão é... pra onde ir quando chegarmos ao pé...”

“Essa é mesmo a questão. Precisamos confirmar nossa localização na vila ou cidade mais próxima antes de saber como chegar a Lune.”

“Sim. Tomara que estejamos no Reino de Knightley, mas pode ser que não.”

“Não! Me diga que não vamos acabar no Império Debuhi!” Ryo exclamou, com ódio estampado no rosto.

“Não, duvido. O Império fica ao norte do Reino.”

Ryo suspirou aliviado com a resposta de Abel e bebeu água. “Que bom ouvir isso.”

“Nunca entendi por que você odeia tanto o Império...”

“Abel, quero deixar claro para não haver mal-entendido: não é o Império que odeio, mas o nome dele!”

“O-Oi, é, você mencionou isso...” Abel olhou para ele com pena e desapontamento.

“Enfim, vamos seguir para o norte assim que chegarmos ao pé da montanha. Mesmo que não encontremos vila ou cidade, devemos achar uma estrada principal que nos leve a algum lugar, pelo menos.”

Com o plano definido para o dia seguinte, revezaram-se para descansar e vigiar durante a noite.

Começaram a descer a montanha cedo pela manhã. No meio do caminho, vasculharam o horizonte, mas não viram nenhum povoado. Então, como planejado, continuaram para o norte até encontrarem uma estrada ou via principal. Não encontraram nenhum monstro durante a descida.

“Abel, você parece entediado.”

“Acho que sim, não vi um monstro até agora. É bem diferente do outro lado da montanha, né?”

“Aquilo era normal. Isso aqui, não.”

“Tenho quase certeza de que você está errado, Ryo...” Abel balançou a cabeça levemente. “Lá atrás, demos um passo e pumba—wyverns atacam. Depois, o BeheBehe vivendo a vida longe dali. Deixamos a guarda baixa e um grifo despenca do céu. Momentos emocionantes, né?”

“Caramba, o outro lado da montanha é um lugar assustador onde nenhum humano ousaria morar... Ainda não acredito que sobrevivi pra contar.”

“Abel, não esqueça que estamos em uma expedição até você chegar em casa. Então não pode relaxar ainda.”

“O-oi... Hã... uma expedição, hein... Então estamos numa expedição...”

Um olhar distante surgiu nos olhos de Abel. Pensando bem, começar infiltrado numa quadrilha de contrabando foi o ponto de partida de tudo isso. Parecia que muito tempo havia passado desde então, mas... na verdade, só fazia cerca de um mês.

“Abel, isso aí é uma estrada?”

Abel se assustou com a voz de Ryo. Olhou na direção que ele apontava e, de fato, havia uma estrada. Naquela época, as principais estradas das Províncias Centrais não eram pavimentadas. No máximo, eram compactadas com terra para carruagens puxadas por cavalos. Mesmo assim, uma estrada era prova clara de que estavam de volta à civilização.

“Sim, é mesmo.”

Abel não conseguiu segurar o tremor na voz. A sensação finalmente o atingiu — ele estava de volta à terra dos humanos.