The Water Magician

Volume 1 - Capítulo 9

The Water Magician

No dia seguinte, os dois seguiram rumo ao norte sem nenhum incidente — pelo menos até a hora do almoço.

— “U... uma parede, hein?” disse Abel.

— “Isso é, de fato... uma parede.”

Uma fileira de penhascos se estendia de leste a oeste, sem nenhuma brecha aparente, elevando-se a cerca de trinta metros acima deles. “Parede” era a única palavra que descrevia o obstáculo que bloqueava o caminho à frente.

— “É, não tem como escalar isso.”

— “O topo tem uma inclinação invertida, então definitivamente não vou conseguir escalar.”

Inclinação invertida ocorre quando uma saliência se projeta em um ângulo de noventa graus para fora da face vertical da rocha. Escalar isso com as mãos nuas exige habilidades avançadas de escalada.

— “Ah! Se eu fosse um mago do ar, conseguiria subir isso fácil!” exclamou Ryo.

— “Duvido. Acho que nem magia do ar funcionaria nessa situação.”

Abel tentou imaginar Rin, maga do ar de seu grupo, escalando a parede diante deles. Sim, definitivamente impossível.

— “Parece que teremos que ir para o leste ou oeste para encontrar uma saída.”

— “Verdade, mas... tô com um pressentimento ruim, seja qual for a direção que escolhermos...” disse Ryo, embora sem motivo claro para tal sensação.

Abel tirou uma moeda de cobre do seu porta-moedas. — “Então que tal deixar o cara jogar a moeda?”

— “Cara, vamos para o leste. Coroa, para o oeste.”

Ele lançou a moeda para o alto com o polegar, pegou no ar e abriu a mão.

— “Cara. Então vamos para o leste.”

— “Entendido. Vamos nessa.”

Embora Ryo tenha concordado com um aceno, seus olhos continuaram fixos na moeda na mão esquerda de Abel.

— “Essa moeda chamou sua atenção, hein? Tem algo errado com ela?”

— “Não. É só que estou vendo dinheiro pela primeira vez...”

De fato, era a primeira vez de Ryo vendo dinheiro em Phi. Ele vivia sozinho desde sua reencarnação, então não teve oportunidade nem necessidade de lidar com moeda.

— “Ah, entendi...”

Abel sentiu pena, pensando que a pobreza era o motivo de Ryo nunca ter visto dinheiro. Seu equívoco vinha da roupa — uma tanga e sandálias — que Ryo usava quando se conheceram.

— “Abel, posso dar uma olhada melhor?”

Ele entregou a moeda de cobre a Ryo, a menos valiosa da moeda real. A unidade básica da moeda das Províncias Centrais era o florim. Claro, cada país emitia seu dinheiro, mas o florim era a unidade comum. Antes havia vários padrões monetários, mas agora um florim equivalia a uma moeda de cobre, usada em todo tipo de comércio e transação. Abel explicou tudo isso a Ryo.

É como o ducado, a unidade comum usada na Europa da Idade Média ao século XIX.

Ryo aceitou a explicação de Abel com essa comparação. O lado da moeda mostrava o perfil de um homem, e o verso uma flor.

— “Essa é uma moeda de cobre do país onde moro, o Reino de Knightley.”

— “Knightley! Que nome maneiro!”

Ryo lembrou de uma atriz com esse nome na Terra, que era incrivelmente bela. Ficou ainda mais empolgado.

— “C-Certo. O perfil na moeda é do atual rei do Reino, Sua Majestade Stafford IV. Do outro lado, a flor da família real, o lírio.”

— “Stafford Knightley... nome perfeito para um protagonista! Muito maneiro!”

— “Bem, ele tem vários nomes do meio, então não sei se é tão maneiro assim...”

Os ouvidos de Ryo não registraram as palavras murmuradas de Abel. A Síndrome do Protagonista afeta homens de qualquer idade. Embora... talvez fosse um pouco desrespeitoso com Sua Majestade incluir o nome dele nessa ideia.

Ryo não conseguia conter a empolgação com o quão incrível era o nome do Reino de Knightley.

Esse era o país onde Abel vivia. O país para onde eles estavam indo.

Quanto a Abel, claro, estava feliz por criar uma boa impressão do seu país. Inevitavelmente, porém, sua impressão de Ryo sofreu um pequeno abalo devido ao comportamento do jovem. Abel passou a achá-lo meio patético.

Ryo admirava a moeda com deleite enquanto caminhavam ao longo da parede de pedra para o leste. Abel andava ao lado.

— “Ah, Abel. Você disse que o florim é a moeda padrão das Províncias Centrais. O Reino de Knightley é um dos países dessa coalizão?”

— “Sim, um dos três grandes poderes, na verdade,” respondeu Abel, acenando com ênfase.

— “Três grandes poderes... quais são os outros dois?”

— “O Império Debuhi e a Federação Handalieu.”

— “Debuhi...” murmurou Ryo, franzindo o cenho.

— “Hm? Você teve uma experiência ruim com o Império ou algo assim?”

O cenho de Ryo se franziu ainda mais. — “Não, só acho o nome muito nada a ver...”

— “C-Certo... Então nomes são importantes pra você, né, Ryo...”

Abel olhou para Ryo, claramente desapontado com o novo comportamento do rapaz.

Ryo, alheio, disparou um discurso apaixonado.

— “O nome de um país é importante para seus cidadãos, e eu vou até o fim com isso! Eu jamais diria pra alguém que sou do Império Porco Gordo... Espera, acabei de ter um pensamento horrível... E se... o nome do imperador for Algo Algo Debuhi e ele for um homem gorducho...”

Abel balançou a cabeça. — “Não, o sobrenome da família imperial é Bornemisza. Casa Bornemisza. O atual imperador é Sua Majestade Imperial Rupert VI, da Casa Bornemisza. Ele tem mais de cinquenta anos, mas não tem uma gota de gordura sobrando. O corpo dele é como aço.”

— “Então por que ele não muda o nome do país?!” gritou Ryo.

Ele não gritava por causa do seu próprio senso estético. Não, gritava pelos cidadãos que tinham que suportar um nome tão devastador para seu país. Não aguentava o nome Debuhi... Talvez um anagrama funcionasse... Não, Hidebu não era melhor... Não tem outras opções, né...

◆◆◆

— “Finalmente. Já estava na hora.”

— “Uau, parece que além daqui tem um campo aberto, não uma floresta,” disse Ryo.

Além de alguns aglomerados de pedras de cerca de um metro de altura espalhados, um amplo campo se estendia até onde a vista alcançava, exatamente como Ryo havia dito. A mudança de cenário era bastante impactante, depois de terem viajado pela densa floresta até esbarrarem na parede rochosa.

— “Consigo ver bem longe, mas... não adianta especular demais. A única escolha é continuar para o norte, né?”

— “Então norte é para onde vamos, Abel.”

Uns três minutos depois de começarem a caminhar pelo campo, Ryo ouviu um ‘klink’. Ainda fazendo o papel de vanguarda, Abel sacou a espada e desferiu um golpe em algo que voava na direção deles.

— “Uma... pedra?” murmurou.

Quemquer que tivesse arremessado a primeira pedra logo lançou uma saraivada de pedrinhas do tamanho do polegar em Abel. Ele as desviava ou bloqueava com a espada, esforçando-se para enxergar melhor o inimigo. Os projéteis vinham de uma rocha a cerca de dois metros à frente.

— “Parede de gelo,” disse Ryo, criando uma barreira para proteger Abel.

Com a preocupação das pedras afastada, Abel apertou os olhos para encarar o inimigo.

— “Ryo, isso é ruim. Acho que estamos num ninho de golems de pedra.”

— “Nem sabia que golems tinham ninhos,” disse Ryo, correndo para ficar ao lado de Abel.

— “Locais onde golems aparecem em grupo são chamados de ninhos. Mas é a primeira vez que vejo um de verdade.”

Às vezes, só saber das coisas não ajuda.

— “Essa coisa parecida com uma pedra é um golem de pedra?”

— “Sim, é.”

— “Eu achava que golems tinham braços e pernas, igual a gente...”

O conhecimento de Ryo vinha da Terra. Embora não haja provas históricas da existência real de golems lá, eles surgem do folclore judaico como bonecos de barro que se movem. Considerando os mitos e tradições que falam de dar alma ao solo ou transformar terra em humanoides, talvez golems tenham existido mesmo na Terra em algum momento...

— “Sim, golems assim existem quando são criados pela alquimia. Ouvi falar de um país no oeste que tem um exército de golems. Golems naturais podem ter formas variadas, e esse aí é uma pedra.”

Assim que Abel terminou de falar, girou o corpo e defendeu uma pedra com a espada.

Klink.

Outra pedra veio voando por trás deles.

— “Parede de gelo.”

Ryo criou uma parede de gelo atrás deles também.

— “Percebi que passamos por pedras como essa no caminho até aqui. Será que elas despertaram?”

— “Eles nos atraíram para um ataque de pinça, né? Espertos pra caramba.”

— “Você acha que consegue derrotar um golem com sua espada?”

O Compêndio de Monstros, Edição Iniciante, não tinha entrada para golems, então Ryo não sabia nada sobre eles.

— “Nunca enfrentei um, então não faço ideia.”

— “Claro.”

— “Mas acho que vai ser uma boa experiência. Vou chegar perto e atacar um. Você fica aqui.”

Abel saiu correndo da proteção da parede de gelo e avançou contra o golem que vinha da direita. Apesar de parecer só uma pedra, o golem se aproximava lentamente.

Um jato d’água normal não cortaria uma pedra, mas um jato abrasivo poderia... Ainda não consigo usar o meu, então vou deixar pra testar depois.

Enquanto Ryo pensava nisso, Abel atacou.

— “Habilidade de Combate: Impalamento Total,” disse, investindo.

Krsh.

A espada mágica de Abel cortou o golem de pedra. Aumentado pela habilidade, a lâmina perfurou seu corpo de lado a lado. Qualquer criatura normal teria morrido, mas o corte começou a se regenerar.

— “Droga!”

Abel chutou o golem, que começou a se curar, e recuou para a segurança da parede de gelo. O golem parecia incapaz de atacar enquanto estava no chão.

— “Não deu certo,” disse Abel. “Ele se regenera.”

— “Vi sim. Tem sete golems ativos na nossa frente e cinco atrás.”

— “Doze no total... Difícil conseguir fugir.”

— “Concordo, escapar é impossível. Hm, posso testar um ataque?” perguntou Ryo, olhando para o céu.

— “Vai em frente. Já estou sem ideias.”

— “Então lá vou eu. Parede de gelo de 10 camadas.”

Ao conjurar o feitiço, Ryo criou uma parede de gelo paralela ao chão, quarenta metros acima dos golems. Ao deixá-la cair, um estrondo ensurdecedor levantou terra e grama ao redor.

Ryo e Abel ficaram protegidos pela parede defensiva, mas o local onde a parede caiu virou um caos. Naturalmente, dois golems que estavam embaixo desapareceram.

— “Isso sim é uma arma de destruição em massa! Assustador, hein?”

Ryo não fez nada demais, só criou a parede no ar e a deixou cair. Escolheu a versão de 10 camadas para garantir peso e dano.

Talvez ele gostasse mesmo era de ver coisas caindo de alturas. Seja como for, estava satisfeito.

Abel, atônito, ficou paralisado por cinco segundos antes de voltar a agir.

— “Q-Que diabos foi isso, Ryo?”

— “Olha, criei uma parede de gelo no ar e deixei cair. Simples assim, mas eficiente, né?” disse Ryo, tentando sorrir para tranquilizar Abel, embora preferisse parecer mais seguro e frio.

— “Depois de derrubar dois, vou acabar com o resto do mesmo jeito.”

Ele começou a conjurar a Parede de Gelo de 10 camadas várias vezes seguidas, esmagando os golems conforme as paredes caíam. Só o golem que Abel derrubou parou de se mover.

— “Beleza, Abel, onze derrotados.”

— “Onze? Não eram doze?”

— “Sim. O que você atacou primeiro não se mexe desde que você o derrubou.”

Ryo apontou para o golem caído.

— “É, você tá certo.”

Ryo cancelou a Parede de Gelo para que se aproximassem do golem caído. Abel cutucou a pedra com a espada, mas nada aconteceu.

— “Por que será que não se mexe?”

— “Tenho quase certeza que seu chute foi forte o bastante para desligá-lo. Abel, você devia largar a espada e virar lutador de luta agarrada!”

— “O que é isso? E não acho que meu chute seja tão forte assim.”

Abel nem queria causar dano, só derrubar o golem. O chute dele foi mais um “chute de luta livre” do que um golpe poderoso. Se fosse em um humano, teria doído, mas no golem não.

— “Talvez tenha algo...” disse Ryo, agachando-se para examinar a base do golem, a parte que tocava o chão. Teorizou que ali havia uma fonte de energia para o golem.

Ele lembrou da recarga sem fio de smartphones, que elimina a necessidade de tomadas. Ver o golem parar após ser virado o fez pensar que a energia vinha do chão.

Ele estava certo.

— “Abel, olha isso,” disse Ryo, apontando.

Um pedaço amarelo de pedra mágica aparecia na base do golem.

— “Será que conseguimos arrancar isso?”

— “Podemos. Esses monstros são duros, mas acho que o Impalamento Total resolve.”

— “Fica tranquilo, eu cuido disso. Demora um pouco, mas tenho a magia perfeita: Jato Abrasivo.”

Agora que não estavam pressionados, Ryo usou o jato para tirar a pedra devagar. Cinco minutos depois, conseguiu extrair uma pedra grande, do tamanho da palma da mão.

— “Nossa. Essa é grande mesmo.”

Abel ficou surpreso também, pois tinha pego muitas pedras mágicas de monstros ao longo da vida.

O valor da pedra depende do tamanho, cor e tonalidade. Quanto maior, mais valiosa. Monstros mais fortes têm pedras maiores. A cor indica o elemento; por exemplo, pedra vermelha para fogo. A tonalidade escura indica maior idade e experiência, aumentando o valor.

— “Definitivamente a maior que já vi. O amarelo indica elemento terra. A tonalidade escura mostra que o golem devia estar aqui há muito tempo, derrotando monstros invasores,” disse Abel, admirando a pedra.

— “Ah, o prêmio da batalha. Você fica com ela, Abel.”

— “Eu?”

— “Isso. Eu não tenho bolso nenhum.”

— “Certo, faz sentido.”

Ryo olhou pelos locais onde esmagou golems procurando pedras aproveitáveis, mas só encontrou pedrinhas quebradas.

— “Bem, esse método foi fracasso,” disse desanimado.

— “Não acho isso. Se você não tivesse acabado com eles, estaríamos ferrados... Você não tinha outra escolha pra sobreviver. Além disso, não sabia que dava pra coletar pedras mágicas.”

— “Verdade. Como aquele cara rico sempre dizia? Ah, sim: ‘Sobreviva primeiro, faça dinheiro depois’,” disse Ryo, lembrando do homem que recebia bilhões em compensações e destruiu o Banco da Inglaterra. Depois concordou com a cabeça.

— “Tem mais alguns lá na frente. Ainda estão imóveis. O que acha de fazermos?”

Só os golems próximos atacaram. Ainda havia pedras maiores a oeste.

— “Pois é... Sinceramente, tenho medo de mexer num vespeiro, então prefiro não atacar primeiro se puder evitar. E você não pode carregar pedras mágicas infinitamente no bolso, Abel.”

— “De lado os bolsos, concordo em não encarar mais do que podemos. Então, bora seguir para o norte.”

Começaram a caminhar nessa direção.

— “Não acha loucura termos passado tanto tempo seguindo essa parede sem perceber que era um ninho de golems?”

— “Faz sentido pela localização, mas não sei como eles foram parar aqui.”

— “Talvez tenha algum tipo de magia especial vazando do chão... Ou talvez seja uma armadilha?” disse Ryo, falando como um grande detetive.

— “Alguém, hein... Duvido. Parece lugar que alguém viva.”

Os olhos de Ryo brilharam de empolgação. — “Mas a gente não tá limitado a só pessoas, né?”

— “O que? Elfos ou anões?”

Ryo olhou para Abel com uma expressão como quem fez um ponto e depois deu de ombros, resignado.

— “Ei, não me olhe como se eu fosse uma decepção.”

— “Não quis dizer isso. Tô falando de algo não humano. Tipo akuma.”

— “A-ku-ma... o que é isso?”

— “Hã? Hãã?”

No fim do Compêndio de Monstros, Edição Iniciante, Fake Michael havia incluído um apêndice chamado “Compilação Especial” com duas entradas: dragões e akuma. Como estava manuscrito, Ryo assumiu que essas criaturas fossem de conhecimento comum em Phi. Abel parecia sempre informado sobre as Províncias Centrais, então Ryo achava que ele saberia sobre akuma.

Mas Abel admitiu que não sabia o que era akuma...

— “Abel,” perguntou Ryo, “você conhece dragões?”

— “Claro que sim. Nunca vi um, mas sei que são lendários.”

Ryo resolveu não contar que dragões realmente existiam, sentindo que era a coisa certa a fazer.

— “E você já ouviu falar de demônios ou diabos?”

— “Diabos, sim. São os antagonistas de deuses e anjos.”

Então akuma são conhecidos como diabos ali.

Mas Ryo sentia que algo não batia. Se fosse assim, por que Fake Michael usou “akuma” e não “diabo”? Além disso, a descrição dizia explicitamente: “Não são anjos caídos. A origem é desconhecida.”

Hm, algo está estranho, mas não adianta ficar pirando nisso.

— “Então, Ryo, acha que um diabo armou essa armadilha de golems?”

— “É possível, né? Não dá pra ter certeza.”

Claro, ele não tinha nenhuma prova. — “Ah, Abel, você falou de elfos e anões, né?”

— “Sim, eu briguei. Porque um mago da água idiota estava tirando sarro de mim,” respondeu Abel, lançando um olhar furioso para Ryo.

— “Abel, você não vai se tornar um espadachim excepcional se ficar preso a essas coisas pequenas.”

— “Você é a última pessoa que eu quero ouvir isso!”

Depois de sobreviverem a provas duras repetidamente, os dois praticamente se tornaram irmãos de armas. Isso era algo positivo para os dois companheiros de viagem.

— “Enfim, me conta mais sobre elfos, anões e tal.”

Claramente, a raiva de Abel não impediu Ryo de se entregar à sua curiosidade.

— “Grr... Você vê anões com certa frequência em assentamentos. Depois de tudo, a maioria deles são ótimos ferreiros. Um a cada três ferreiros especialistas é anão. Também tem vários anões aventureiros. Eles geralmente são a vanguarda por conta da força física.”

— “Entendi. Exatamente como eu imaginava.”

— “Que imaginação você tem... A população de elfos é muito pequena. Quase nunca se vê um em cidades ou vilas. Em Lune, a cidade que eu e meu grupo usamos como base, tinha um aventureiro elfo, mas acho que não tem mais nenhum lá. A maioria deles constrói seus assentamentos nas florestas e praticamente nunca sai. No Reino de Knightley, eles habitam as florestas na parte oeste do país.”

— “Entendi. Também como eu imaginei.”

— “Sério, o que há com a sua imaginação?!” Abel perguntou, meio bravo, meio admirado.

Depois que deixaram o ninho de golems de pedra para trás, os dois caminharam bastante. Ao contrário da floresta densa que haviam atravessado antes, as planícies naturalmente lhes permitiram aumentar o passo. Estavam especialmente motivados para se afastar daquele ninho perigoso o mais rápido possível.

Quando o sol começou a se pôr, chegaram a um rio.

— “Vamos acampar por aqui hoje à noite,” disse Ryo.

— “Entendido. Que tal grelharmos peixe temperado com sal para o jantar?”

— “Ah, boa ideia. Eu vou pescar então.”

Normalmente, Ryo era responsável pela caça, porque sua magia era mais adequada para abater presas como coelhos menores. Mas naquela noite, Abel se ofereceu para a tarefa.

— “Você tem certeza absoluta?” perguntou Ryo.

— “Ah, cara, para de me olhar como se duvidasse que eu consigo. Eu era o responsável por pescar quando estava com meus amigos, tá?”

— “Tudo bem. Então fica contigo, Abel. Eu vou juntar gravetos secos.”

Cada um foi cuidar da sua função: Ryo para recolher lenha e Abel para pescar no rio.

— “Não acredito... Sou fera pescando. Vou mostrar pra ele.”

Com essas palavras murmuradas, Abel tirou os sapatos, arregaçou a calça e sacou a espada do quadril. Então entrou no rio até os joelhos.

Na água, esperou quieto. De repente, cravou a espada na superfície do rio. Quando ergueu a lâmina, um peixe estava espetado na ponta.

— “Massa.”

E assim Abel continuou a capturar o jantar deles.

Fazia tempo desde a última vez que haviam comido peixe grelhado. Embora usassem só sal como tempero, estava delicioso. Ambos amavam carne, mas...

— “Às vezes, peixe é o que cai melhor. Cara, isso tá ótimo.”

— “Verdade, e tudo graças a você e sua habilidade incrível, Abel. Subestimei você,” disse Ryo, inclinando a cabeça em sinal de desculpa.

Abel parecia um pouco tímido.

— “Sério, acho que peixe de rio é o melhor. Totalmente diferente do que tem no mar.”

— “O que? Você odeia o mar? Mesmo depois que salvou minha vida lá.”

— “Na real, sim. Já quase morri uma vez há muito tempo...”

— “Sério? Que diabos foi isso? Nem consigo imaginar algo capaz disso, considerando sua habilidade com magia da água.”

— “Um kraken.”

Com essas palavras, Ryo jurou para si mesmo que um dia o derrotaria.

— “Hã? Você também foi atacado por um kraken, Ryo? Mas não me lembro de você ter barco ou algo assim... Ah, será que o kraken destruiu ele?”

— “Não, eu lutei contra ele no mar, um contra um, e perdi.”

— “Não entendi nada do que você disse.”

— “Bem, não foi que eu quis lutar, tá? Você sabe como homens têm batalhas que não podem evitar? Foi isso pra mim.” Então Ryo assentiu animado, como se tivesse acabado de ter uma ideia boa, e continuou. “Perdi porque tentei enfrentar sozinho, mas tenho certeza que agora posso ganhar com sua ajuda, Abel! Vamos lutar contra um kraken se chegarmos ao oceano, beleza?! Será uma revanche nas profundezas! ”

— “Ah, sobre isso... Boa sorte, Ryo. Eu vou torcer da praia! Pode deixar comigo. Apesar da aparência, eu sou bom em torcer!”

— “Então... você vai fugir... Que cruel, Abel...”

— “Com certeza!”

Foi assim que passaram mais uma noite no subcontinente de Rondo.

Ryo ficou de guarda na primeira metade da noite. Abel ficou com o segundo turno.

Quando Ryo acordou cedo na manhã seguinte, Abel não estava junto à fogueira.

Em vez disso, estava balançando a espada a uma curta distância. Seus movimentos polidos lembravam uma dança de espada belamente executada. Movia-se com deliberada fluidez, sem hesitar, cada golpe mostrando o treinamento que tinha no corpo.

O conhecimento de Ryo em artes com a espada vinha do kenjutsu japonês, e os movimentos de Abel eram completamente diferentes. Ainda assim, mesmo sendo um completo iniciante nas artes marciais de Phi, ele ficou fascinado ao assistir Abel.

Percebeu que Abel não economizava nos fundamentos. Cada fase do aprendizado dele levou a aquele ponto. Talvez talento natural junto ao esforço fizeram de Abel um espécime fora de série.

Ryo duvidava que Abel achasse suas habilidades fruto do próprio esforço.

“Vem naturalmente pra mim,” ele diria, ou “Esgrima é parte normal da minha vida.” Ryo apostava que era assim que Abel se convencera do próprio talento, depois de anos treinando... Mas pra quem assistia de fora, parecia muito esforço mesmo.

Mas esforço nem sempre traz os resultados desejados, o que era uma tragédia para muitos.

Ryo, porém, acreditava firmemente que esforço nunca trai. Admitiria que nem sempre traz os resultados na hora, mas eventualmente o esforço se manifesta.

Existem pessoas que não entendem essa verdade mesmo após explicações repetidas. Talvez porque nunca tenham vivido aquilo. Humanos acreditam no que querem acreditar... Talvez sejam mesmo assim.

Vendo alguém como Abel de perto, Ryo sentiu que poderia mudar um pouco também. Continuou hipnotizado, observando a dança da espada.

Empolgado, Ryo inconscientemente analisava cada movimento e gravava na memória.

— “Ei, Ryo. Vejo que acordou.”

Depois de completar a sequência, Abel o chamou. Já tinha notado que Ryo o observava desde o começo, mas ele não interrompeu e quis treinar um pouco mais. Estar sendo assistido não o incomodava, pois estava acostumado a ter audiência desde jovem.

— “Você é incrível, sabia, Abel? Sempre achei sua esgrima linda, mas agora que vejo tão refinada, acho que 'bela' é a palavra certa.”

Elogios sinceros saíram do coração de Ryo.

— “Ah, já chega. Faço isso há muito tempo, tá? Já é quase automático. Vou lavar o suor no rio rapidinho e já vou aí.”

Ah, entendi por que ele treina de manhã. Pode se molhar no rio depois e não precisa me pedir pra usar o feitiço de banho. Que gente boa!

O café da manhã foi o peixe que Abel pegou no rio enquanto se limpava. Café da manhã — a refeição mais importante do dia... uma verdade que atravessa eras e países.

— “Parece que esse rio vem do norte. Que tal a gente subir o curso dele?”

— “Boa ideia.”

Talvez...

Com isso, Ryo resolveu contar o que sabia para Abel.

— “Abel, a região onde estamos é cercada por três lados — leste, sul e oeste — pelo oceano.”

— “Ah, agora entendi por que disse para a gente seguir para o norte.”

— “Exatamente. Mas eu acredito que tem montanhas ao norte. Tem uma cadeia indo de leste a oeste que se conecta com outra. Elas formam basicamente uma tampa sobre o subcontinente de Rondo. Evidentemente, tem gente morando do outro lado das montanhas, depois que você atravessa.”

Essa informação fez Abel fazer uma expressão de dúvida.

— “Ryo, não é que eu duvide de você, mas... quem te contou isso?”

— “Melhor não perguntar. Só vou dizer que veio de um ser que ultrapassa os limites da inteligência humana.”

Ryo manteve contato visual firme enquanto falava. Nesses momentos, os olhos falam mais que a boca. Ele não podia desviar o olhar.

Vendo a determinação irradiando de Ryo, Abel concordou com a cabeça. — “Ok, confio só porque é você. Além do mais, não tenho outra fonte confiável agora.”

Ryo fez uma reverência agradecida. — “Valeu, Abel.”

— “Eu que agradeço. Aposto que você contou isso agora porque quanto mais para o norte subirmos o rio, maiores as chances de encontrarmos a nascente naquelas montanhas, né?”

— “É isso mesmo. Mas lembra que atravessar as montanhas é só uma possibilidade. Por enquanto, seguimos o plano, mas quero que mantenha isso em mente, só pra garantir.”

— “Entendido.”

Então partiram, andando para o norte ao longo do rio.

Depois de um tempo, encontraram um bisão chifrudo bebendo do rio, um monstro bovino que Ryo já tinha visto matar um jacaré com o chifre perto de sua casa. Abel não teve misericórdia e matou o animal, que virou o almoço deles naquele dia.

Ele também lembrou dos piranhas daquele rio na época. Mas os peixes selvagens não pareciam viver nesse rio — se estivessem, Abel teria sido devorado ontem enquanto pescava. Ryo só agora percebeu o pedido assustador que fizera a seu companheiro.

— “Ei, Ryo.”

— “Hm? Ah, Abel, o que foi?”

— “Você está escondendo alguma coisa de mim, não está?”

Caramba, será que ele tem algum tipo de telepatia?!

Na mente de Ryo, ele viu seu próprio rosto se contorcer em uma expressão dramática de espanto. Precisava se safar daquela situação complicada. Nesses momentos, os olhos falam mais do que a boca jamais poderia. Ele não podia desviar o olhar.

— “E-Eu não faço ideia do que está falando.”

— “Tá me encarando direto, mas posso ver o suor escorrendo na sua testa e o tremor na sua voz. Não é difícil te decifrar, meu amigo.”

O olhar de Abel estava cheio de reprovação enquanto o fitava.

Ryo tentou desesperadamente mais alguns minutos para disfarçar, mas acabou desistindo e contou a Abel sobre o bisão chifrudo e as piranhas.

— “Caramba, nem sabia que existiam peixes tão assustadores assim...”

— “Tem que entender que não escondi isso de propósito, Abel. Não foi pra te sacrificar ou coisa parecida.”

— “Eu sei que não foi... Não vi nenhum ontem nem hoje, então talvez não tenha nenhum nesse rio... Ryo, tem mais alguma coisa que eu deveria saber? Tem certeza que não está escondendo nenhuma informação importante que possa custar minha vida? Absoluta certeza?”

— “Tenho. Te contei tudo que sei.”

Claro que ele estava mentindo. Ryo não falou uma palavra sequer sobre o dragão ou o Dullahan, mas achava melhor que Abel não soubesse dessas coisas — muito diferente do caso das piranhas, que ele simplesmente esqueceu.

Ryo sabia que estava sendo egoísta com essa decisão.

Nem preciso dizer que Abel pescou no rio muito mais cauteloso naquela noite do que no dia anterior.