
Volume 1 - Capítulo 1
The Water Magician
“Ryo, preciso que você fique calmo e escute.”
A ligação era sobre a morte de seus pais.
Ele mal tinha começado o segundo ano da faculdade, mas abandonou os estudos e voltou para casa para assumir os negócios da família. Como não entendia nada da área, Shige, que já era diretor da empresa, tornou-se presidente, e Ryo ficou com o cargo de vice-presidente.
Ele conhecia todos os funcionários também. Quando era criança, eles costumavam brincar com ele.
Apesar do título pomposo, seu salário era o mais baixo da empresa — mas ele não se importava. Aprendia o trabalho aos poucos, sem incomodar ninguém ao seu redor.
Onze meses se passaram, e agora era março.
“Ryo, quer que eu te ajude com isso?”
Era tarde da noite, mas Ryo ainda trabalhava no computador. Shige ofereceu ajuda, sem conseguir apenas observar em silêncio.
“Estou bem. Obrigado, mesmo assim. É algo da divisão jovem, então...”
A divisão jovem da câmara de comércio, composta apenas por jovens empresários, representava um grande desafio para Ryo em diversos sentidos. A própria câmara de comércio existia de alguma forma em todo o país. Muitas pequenas e médias empresas eram filiadas às organizações locais. Claro, a filiação não era obrigatória e, no caso da empresa de Ryo, nem mesmo necessária, já que não oferecia grandes vantagens.
Mas o antigo chefe da empresa, seu pai, havia se filiado por pedido de conhecidos, então a empresa continuou como membro mesmo após Shige assumir a liderança. O que dificultava para Ryo não era o trabalho em si dentro da empresa, mas o tempo gasto com relacionamentos profissionais fora dela.
“Shige, esse trabalho me faz perceber como nossa empresa é eficiente.”
Na divisão jovem da câmara, Ryo precisava criar uma infinidade de documentos, materiais para apresentações, panfletos de eventos e muito mais. Isso o fazia valorizar a relativa ausência de papelada em sua própria empresa.
“Tudo graças ao antigo presidente. Ele detestava perder tempo com relatórios físicos e coisas do tipo. Para ele, escrever relatórios não gerava receita nem aumentava vendas. Acreditava que quanto mais tempo as pessoas gastam redigindo documentos, menos produtivas são. Ele não achava normal que funcionários passassem a maior parte do expediente apenas preenchendo papéis, então fazia questão de recuperar o máximo de tempo possível dessas tarefas para algo mais útil. Como visitar clientes, aprimorar suas próprias habilidades, ou desenvolver novas ideias... Era assim que ele queria que o tempo fosse usado. Por isso, sempre priorizamos conversas diretas quando precisamos relatar ou discutir algo. Se um gerente quiser saber o que está acontecendo no setor, deve ir até lá e perguntar diretamente a quem está responsável. Esse é o modelo fundamental da nossa empresa, sabe.”
Naturalmente, uma cultura empresarial assim não funcionaria em uma grande corporação ou em empresas baseadas em trabalho remoto, onde era possível que os funcionários jamais trocassem uma palavra sequer entre si. A empresa de Ryo atuava na área de manufatura, então o teletrabalho não era viável. Além disso, contava com apenas noventa e sete funcionários, incluindo a gestão.
“Porque são as pessoas da linha de frente que sabem de verdade o que acontece ali, e por isso têm tanta autonomia, certo?”
“Sim, embora fique complicado quando algo dá errado, já que os superiores também compartilham a responsabilidade... E isso inclui nós da administração.”
Shige deu uma risada meio amarga antes de continuar.
“Por isso a gestão precisa estar pronta para qualquer coisa. Não temos um setor de RH separado, porque a própria administração cuida disso. Designar uma tarefa para alguém significa assumir a responsabilidade pelos possíveis erros também.”
Ele disse isso sorrindo.
“Agora, Ryo, está na hora de eu te passar as palavras do meu antecessor, já que você está se esforçando tanto.”
“Não trabalhe tanto a ponto de se esgotar.”
Os dois disseram ao mesmo tempo. E então sorriram um para o outro.
O lema não era para assustar os funcionários nem para incentivar preguiça, tampouco mimá-los. Era apenas uma verdade do ponto de vista da gestão. Falhas, erros, correções... todas essas coisas aconteciam, por mais cuidadoso que alguém fosse. Mas muitos desses problemas tinham dois fatores em comum: cansaço e pressa.
Por exemplo: revisões. Refazer algo significava desperdiçar tempo, energia e informações investidas até então. E voltar ao ponto certo exigia ainda mais tempo e energia. Evitar esse tipo de perda era algo que ajudava imensamente uma empresa. Claro, tudo variava caso a caso, já que também era importante aprender com os próprios erros.
Como dono da empresa, o pai de Ryo sempre deixava claro para seus funcionários que eles não deviam se sobrecarregar. Agora que Ryo começava a entender o negócio por conta própria, passava a admirar ainda mais seu pai como líder. O respeito crescia ainda mais ao perceber como ele conseguia manter a empresa funcionando bem sem desgastar os funcionários.
“Haaa...”
Após suspirar, Ryo falou com Shige.
“Obrigado pelo lembrete. Papai ficaria bravo se me visse me matando de trabalhar.”
“Sim, ele ficaria mesmo, Ryo.” Shige disse, sorrindo com orgulho para ele.
Trabalhar duro era importante, mas se esforçar além do limite por estar cansado não era o mesmo que trabalhar duro.
“Vou pra casa dormir.”
Dizendo isso, Ryo foi embora naquela noite.
Talvez o cansaço o deixasse um pouco cambaleante. Mesmo assim, ele se certificou de que o sinal para pedestres estava verde antes de atravessar. Tinha feito tudo certo até ali.
Mas... ele não tinha certeza se olhou pros dois lados antes de atravessar. Porque, se tivesse, talvez tivesse notado o caminhão vindo em sua direção, com o motorista dormindo ao volante.
Quando foi atingido, Ryo voou pelo ar e caiu com força no asfalto. Um lampejo de dor, e depois, nada. Sua consciência foi se apagando, pouco a pouco.
Que droga...
O primeiro sentimento de Ryo não foi medo da morte ou alívio — foi arrependimento... só um pouco. Nem sabia bem o motivo. E junto com esse arrependimento, veio uma pontada de tristeza. Afinal, amanhã seria seu vigésimo aniversário.
◆◆◆
Quando Ryo abriu os olhos, encontrou-se em um mundo completamente branco.
“Isso é o pós-vida?”
“Você é Dominus Ryo Mihara, correto?”
Uma figura masculina começou a se formar naquele mundo branco. Quando se materializou por completo, Ryo viu que parecia ter por volta dos vinte e poucos anos. Sua presença era serena, e ele podia ser descrito como um europeu bonito, com longos cabelos dourados. Em sua mão esquerda, segurava algo parecido com um tablet.
“Sim, sou eu.”
O homem sorriu com a resposta de Ryo.
“Ah, que alívio. Você é o primeiro visitante que recebo em bastante tempo.”
Então, uma sombra de tristeza passou por seu rosto antes de continuar.
“Dominus Ryo Mihara, você morreu em um acidente.”
Eu imaginei... As lembranças começaram a retornar à mente de Ryo — memórias de sua morte.
“Sim, me lembro agora.”
O homem sorriu levemente antes de prosseguir.
“Este é um dos setores do sistema conhecido como samsara, em seu mundo. A sua Terra, especificamente, está na Linha Mundial 7770777. Em casos raros, indivíduos da sua Terra são reencarnados ou transferidos para outras linhas mesmo após a morte. E desta vez, você foi escolhido, Dominus Ryo Mihara.”
“Eu... como assim?”
“Sua confusão é perfeitamente compreensível. Vou simplificar: você aceitaria reencarnar em um mundo diferente da Terra, mantendo todas as suas memórias da vida anterior? Essa é a proposta que lhe fazemos.”
O sorriso do homem parecia esperar que Ryo compreendesse agora.
“Ah... tipo aquelas reencarnações de isekai, igual nos livros?”
“Ah, sim. Exatamente. Parece ser um tema bem popular atualmente na sua Terra... Realmente facilita a explicação.”
Ryo se sentia grato pela oportunidade de ter uma nova vida. Ainda assim, havia uma dúvida em sua mente. O que aquela pessoa (ou ser?) realmente queria que ele fizesse após reencarnar?
“Tenho algumas perguntas.”
“Claro. Pode perguntar.”
O homem continuava sorrindo, aguardando.
“Você é Deus?”
“Não, não sou. Pela sua referência, estou mais próximo do que chamam de anjo.”
Ah, ok. Um anjo. Um anjo, hein... Tipo Miguel, o arcanjo. Então vou chamá-lo de Falso Miguel até descobrir seu nome de verdade. Se é que ele tem um.
Enquanto Ryo refletia, achou ter visto uma das sobrancelhas do Falso Miguel se mover. Mas foi tão sutil que talvez tenha sido só imaginação...
Espera. Será que ele consegue ler minha mente? Bom, não importa.
O sorriso educado e animado do Falso Miguel permanecia intacto.
“Qual o propósito da minha reencarnação?”
“Me desculpe, mas não posso responder isso.”
Num instante, sua expressão mudou de sorriso para um ar de desculpas.
“Não somos nós que decidimos quem reencarna. Lembra quando me perguntou se eu era Deus? Pois bem, são aqueles a quem esse título se aplica que tomam essas decisões. E eles não nos informam os motivos.”
“Então, o que exatamente eu devo fazer nesse novo mundo?”
Falso Miguel voltou a sorrir.
“Por favor, viva sua nova vida como achar melhor. Não recebi nenhuma instrução específica a seu respeito.”
Viver como quiser. Ryo gostou do som disso. Hm, nesse caso, levar uma vida tranquila seria ótimo.
“Entendi. Então aceito a proposta de reencarnação.”
A resposta fez o sorriso de Falso Miguel florescer como uma flor desabrochando. Era tão radiante que Ryo imaginou facilmente muitas mulheres se apaixonando por ele só com aquele sorriso.
“Maravilha. Fico muito feliz em ouvir isso. Agora, deixe-me contar sobre o seu novo mundo.”
Assim dizendo, Falso Miguel começou a explicar. Segundo ele, o novo mundo de Ryo era um lugar de espadas e magia. Coisas como pólvora ainda não eram comuns. O planeta tinha o mesmo tamanho e composição molecular da Terra. Os fenômenos físicos também eram essencialmente os mesmos.
“Mas existe magia nesse mundo, certo?”
“Sim, existe. E já existiu na Terra também. Mas deixou de ser praticada devido a diversos eventos e circunstâncias.”
Aquilo chocou Ryo.
Magia já existiu na Terra? Sério? Talvez ele esteja falando de artefatos fora de lugar... mas ouvi dizer que tudo aquilo tem explicações racionais, nada de alienígenas ou civilizações antigas... Por outro lado, existem lendas e folclores sobre magia em todos os cantos do mundo...
“Ah, peço desculpas. Parece que causei uma confusão mental com essa informação inesperada. Mas permita-me dizer: sua reencarnação já está decidida, então acho melhor para sua saúde mental não ficar pensando no passado da Terra.”
“Ah, certo. Você tem razão.”
Era melhor não pensar em coisas sobre as quais não podia fazer nada. Compartimentalizar. Afinal, compartimentalizar era uma boa maneira de manter o equilíbrio mental.
“Excelente. Deixe-me te contar mais sobre o seu novo mundo mágico, Ryo. Para fins de praticidade, o chamamos de ‘Phi’. Uma em cada cinco pessoas de Phi consegue usar magia. E você tem afinidade com magia de água.”
“Água...”
Era padrão os personagens em histórias de reencarnação ou teletransporte usarem magia. Mas se for para seguir os estereótipos... magia de fogo com alto poder ofensivo seria legal... Ou magia de terra, que parece prática. Fazer um pântano para prender inimigos, ou construir uma fortaleza do nada e virar o jogo... Quero tentar tudo isso... Espera. Por que parar por aí? Se é pra reencarnar, devia ter afinidade com todos os elementos! Seria bom, pelo menos.
“Hum, teria como trocar por fogo ou terra...?”
Pela enésima vez, Falso Miguel fez uma expressão de desculpas.
“Me desculpe, mas isso não é possível. Sua afinidade mágica faz parte da Criação, ou seja, está sob o domínio dos deuses que mencionei antes. Está fora do nosso alcance. Além disso, em Phi, o atributo mágico de uma pessoa é definido ao nascer e não pode ser aprendido depois.”
“Então estou preso à magia de água pro resto da vida?”
Ryo parecia tão derrotado, tão sem esperança, que Falso Miguel se apressou em complementar:
“É verdade, mas tenha em mente que ter afinidade com água é uma grande vantagem para os humanos. Por exemplo, não importa onde viva, você vai precisar de água. E nunca terá que se preocupar com isso. Sem contar que oitenta por cento da população humana de Phi nem consegue usar magia. Então você é bastante abençoado nesse sentido, Dominus Ryo Mihara.”
Bem, ele não está errado. Humanos precisam de água e sódio para sobreviver. Num mundo de espadas e magia, duvido que as cidades tenham um bom sistema de água e esgoto. Então poder gerar minha própria água pode ser algo enorme.
Ryo Mihara era, por natureza, uma pessoa otimista.
“Existe chance da magia de água ter propriedades de cura...?”
“Em Phi, a cura está sob domínio da magia de luz.”
“Ah, entendi...”
Falso Miguel continuou a explicação. O sistema mágico de Phi era composto por seis elementos — fogo, água, ar, terra, luz e trevas — embora também existissem magias que não se encaixavam em nenhum desses.
“Talvez seja possível aprender alguma magia não elemental. Mas... é só uma possibilidade. Não diria que é zero, embora seja extremamente baixa. Sinceramente, eu não criaria expectativas quanto a isso. Em vez disso, recomendo que foque em desenvolver sua afinidade com a água.”
Falso Miguel olhou para o tablet em mãos e deu mais detalhes:
“Vejo que suas habilidades físicas são ligeiramente acima da média. Como Phi não funciona com sistema de níveis ou habilidades, o esforço contínuo será seu maior aliado.”
Bom, não é nenhuma surpresa saber que continuo sendo meio comum. Mas se sou só um pouco acima da média, vou ter que me esforçar muito pra não morrer logo de cara...
“Como posso melhorar minhas habilidades físicas e mágicas?”
“Humanos são humanos em qualquer lugar, seja na Terra ou em Phi. Em resumo, os métodos para evoluir são os mesmos. Na Terra, quanto mais uma pessoa usa o corpo, mais o treina, certo? Levantar peso gera músculos, correr melhora o sistema cardiovascular. Outro exemplo — há um grupo na África com visão muito superior ao padrão porque desde pequenos observam coisas a longas distâncias. Por outro lado, quem perde a visão passa a depender da audição, tornando-a extremamente aguçada. Em Phi é igual. Dedique-se com sinceridade, e você evoluirá.”
Depois disso, ele explicou mais algumas coisas antes de chegar à parte final — perguntar o que Ryo desejava em sua nova vida.
“Uma vida tranquila! Num lugar onde eu possa ficar sozinho, sem ter que lidar com gente!”
Falso Miguel assentiu firmemente e deslizou os dedos pela tela do tablet.
“Então, vamos reencarná-lo na Floresta de Rondo. Vou preparar uma casa e dois meses de suprimentos. Nesse tempo, por favor, aprenda a usar magia de água o suficiente para caçar. Estabeleci uma barreira para que monstros não se aproximem da sua casa. Em medidas terrestres, ela cobre um raio de cem metros. Há também um mar localizado a quinhentos metros ao sudoeste da casa. Quando dominar a magia de água, poderá extrair sal da água do mar. Boa sorte, Ryo.”
“Entendi, obrigado. Ah, só mais uma coisa. Como exatamente uso magia?”
Ryo deixou a pergunta mais importante para o fim. Afinal, ia reencarnar em um mundo mágico, não podia deixar de perguntar!
“O segredo da magia está na capacidade do usuário de formar uma imagem mental. Uma imagem clara. A partir disso, é questão de prática. Ninguém é bom logo de cara. Mas quanto mais se esforçar, mais vai melhorar. Magia funciona da mesma forma.”
“Vou me esforçar ao máximo. Muito obrigado por tudo.”
E com essas palavras, o corpo de Ryo foi envolto em luz e desapareceu.
Então, restou apenas Falso Miguel naquele espaço.
“Uma vida tranquila, hein... Parece maravilhoso. Quem sabe, um dia, eu também consiga uma forma física e viva uma vida tranquila em algum mundo.”
Ele passou os olhos pelos dados no tablet mais uma vez... e percebeu o que havia esquecido.
“Ah... Esqueci de contar a ele o quão poderosa é sua magia, mesmo para os padrões de Phi. Bem, acho que ele vai descobrir com o tempo.”
Mas havia outra coisa também.
“Uma característica oculta? Mas por quê? Não via uma dessas desde... ela, a primeira que conheci quando fui designado para a reencarnação... Já faz dez mil anos, não? Fico curioso sobre qual será a característica especial dele.”
Característica Oculta: Juventude Eterna.