
Volume 3 - Capítulo 826
Brasas do Mar Profundo
A transdobra terminou. O Banido e o Brilho Estelar emergiram do “fundo” cinza-esbranquiçado e uniforme e, com um leve balanço e tremor, adentraram as águas calmas como um espelho.
Após uma peregrinação tão longa pelos confins do mundo, os dois navios finalmente retornaram ao ponto de partida, ao nó onde chegaram pela primeira vez: o local de repouso da Rainha Leviatã.
Comparado a quando partiram, o lugar parecia não ter mudado. O mar continuava calmo, e as ilhas escuras que flutuavam na superfície infinita ainda estavam envoltas em uma névoa fina. Nas profundezas da névoa, a maior das ilhas revelava um contorno vago, com um ar de sonho.
A única diferença era que agora estava muito mais silencioso — até a menor ondulação havia desaparecido da superfície da água. Os sussurros baixos e quase inaudíveis que antes permeavam a névoa também haviam se dissipado. Mesmo o som do vento soprando pelo convés soava abafado e distante.
Todos subiram ao convés, reunindo-se perto da amurada da proa, contemplando as ilhas e o mar que não viam há tanto tempo. Depois de um longo período, Nina foi a primeira a quebrar o silêncio: “Sem perceber… navegamos pelos confins do mundo por tanto tempo…”
“Sim, tanto tempo que quase esqueci que esta jornada tinha um fim”, disse Morris, parado em silêncio ao lado de Nina, as lentes de rubi embutidas em seus olhos ajustando o foco. “…Acho que jamais esquecerei o que vi e ouvi ao longo deste caminho.”
Vanna olhou para o velho cavalheiro. “Isso certamente resultará em outra série de grandes descobertas e artigos acadêmicos que chocarão o mundo.”
Morris ficou em silêncio por dois ou três segundos. “Ninguém mais escreve ou lê artigos agora. O mundo já começou a esfriar. Nenhuma descoberta poderá chocar novamente essas cinzas que se resfriam.”
Vanna balançou a cabeça. “Então, que fique para um futuro mais distante — quando a chama se reacender e as pessoas começarem a pensar novamente, a buscar conhecimento e sabedoria.”
Shirley, debruçada na amurada, olhou para longe por um bom tempo antes de finalmente sussurrar para si mesma: “Ah, afinal, voltamos.”
Duncan estava atrás de todos. Agora, ele sentia os olhares se voltando para ele, um por um. Sua tripulação aguardava suas ordens.
Duncan já estava preparado para este momento. Quando finalmente chegou, ele apenas respirou fundo e deu as ordens com calma: “Vamos atracar ao lado da ilha onde fica o templo. Depois, todos embarcarão no Brilho Estelar para partir. Poderemos manter contato através da chama.”
Lucretia abriu a boca, como se quisesse dizer algo, mas no final não falou.
“Antes disso”, acrescentou Duncan, “vamos ao refeitório para mais um jantar.”
Passos soaram de perto. Era Alice, subindo ao convés. A boneca havia terminado seu turno no leme e viera procurar o capitão e seus companheiros.
“Alice, é hora de mostrar seus talentos”, disse Duncan, virando-se com um sorriso para a boneca que se aproximava. “Vamos ter um jantar.”
Alice ficou surpresa por um momento, mas logo um sorriso alegre floresceu em seu rosto. Ela segurou a cabeça e assentiu feliz: “Ah! Certo!”
“Vou trazer Luni e Nilu”, disse Lucretia imediatamente. “Elas podem ajudar na cozinha — e também trarei o bom vinho guardado no Brilho Estelar.”
“Eu também vou ajudar!” disse Nina rapidamente. Ela sorriu, irradiando um calor e entusiasmo solares. “Com a minha ajuda, a comida ficará pronta num instante!”
Alice olhou para a cena, um pouco perdida, e instintivamente acenou com as mãos: “Ah, não precisa de tanta gente, eu consigo sozinha…”
A boneca parou de repente, pensou seriamente por um momento e suspirou, resignada: “Tudo bem, se vocês querem ajudar, então venham…”
Assim, os preparativos para um jantar especial foram rapidamente concluídos. Enquanto o Banido navegava entre as ilhas, atravessando a névoa e se aproximando lentamente da ilha negra onde se erguia o grande templo, Duncan e seus seguidores se reuniram no refeitório do navio.
A longa mesa, que já havia sido palco de muitos jantares e recebido todos os visitantes do navio, foi novamente colocada no centro do refeitório. Nina acendeu cada uma das lanternas nos pilares adjacentes com uma chama radiante como o sol. Luni e Alice dispuseram a comida farta e o bom vinho sobre a mesa. Nos confins de todas as coisas, a luz e o calor retornaram brevemente — a ponto de quase fazer esquecer a longa noite sobre o Mar Infinito e o frio cortante que permeava o mundo inteiro do lado de fora.
Em seguida, Duncan sentou-se no centro da mesa, com Nina à sua esquerda e Alice à sua direita. Ao lado deles, sentaram-se, em ordem, Morris, Shirley, Cão, o Marinheiro, Luni e Nilu. Até mesmo a pomba Ai e Agatha, em sua forma fantasmagórica que não precisava comer, tinham seus lugares.
Nas duas extremidades da longa mesa, três cadeiras permaneceram vazias. Duncan havia pedido que preparassem esses lugares, mas não disse para quem eram.
Quando todos estavam sentados, a pequena boneca Nilu, com apenas algumas dezenas de centímetros de altura, subiu de sua cadeira para a mesa. Segurando uma garrafa de vinho enorme, ela começou a correr de um lado para o outro, enchendo as taças de todos com a preciosa bebida. A reserva particular da senhora do Brilho Estelar exalava uma fragrância peculiar, e o líquido vermelho-escuro como sangue refletia o brilho do sol nas taças de vidro.
Duncan ergueu sua taça, mas de repente se lembrou de algo. Ele se levantou, olhou para os lados com uma expressão um tanto estranha.
Depois de um momento, um canto de sua boca tremeu levemente, e ele, em silêncio, moveu sua cadeira para o lado oposto da mesa.
Alice, ao ver isso, não hesitou em mover sua cadeira também, sentando-se naturalmente à direita de Duncan como sempre. A pomba Ai a seguiu, voando ruidosamente. Os outros, do outro lado da mesa, observavam o movimento inexplicável do capitão com expressões de pura confusão.
“Aquele lugar dá azar”, Duncan forçou um sorriso, sem saber como explicar aos outros a associação esquisita que lhe veio à mente. Em seguida, acenou para as pessoas do outro lado da mesa. “Vocês não precisam se mover, assim está ótimo — assim dá sorte.” ###TAG###1###TAG###.
Do outro lado, todos ouviram a explicação de Duncan, atônitos. Nenhum deles conseguia acompanhar o raciocínio do capitão. Morris percebeu que aquilo parecia ser uma daquelas “piadas do subespaço” que só o capitão entendia. Nina, depois de piscar algumas vezes, de repente caiu na gargalhada.
Duncan olhou para ela. “Do que você está rindo?”
“Nada, só senti um alívio de repente”, disse Nina, sorrindo para o Tio Duncan do outro lado da mesa. “O senhor dizendo a palavra ‘azar’ com tanta seriedade agora é mais reconfortante do que qualquer coisa que o senhor me disse antes.”
Um músculo no canto do olho de Duncan tremeu. Ele já havia entendido o que Nina queria dizer, mas não disse mais nada, apenas tossiu levemente. “Como eu disse a vocês antes, este é o último jantar a bordo nesta viagem. Depois disso, atracaremos na ilha adormecida da Rainha Leviatã e seguiremos caminhos separados, entenderam?”
“Sim, entendido, Tio Duncan”, disse Nina, olhando para Duncan do outro lado da mesa, seus olhos brilhando. Então, ela ergueu a taça com um pouco de expectativa. “Posso beber um pouco de suco de uva fermentado ou suco de cevada hoje?”
Duncan sentiu como se não ouvisse Nina dizer essa frase há muito tempo.
Um sorriso apareceu em seu rosto, e ele assentiu levemente. “Hoje pode. Shirley, você também — hoje não precisa beber às escondidas.”
Shirley estava girando a taça em sua mão. Ao ouvir as palavras do capitão, ela se assustou e instintivamente ergueu o pescoço. “Eu nunca bebi às escondidas!”
Duncan olhou para Shirley com um sorriso que não era bem um sorriso. “Quando você bebia o vinho escondido do navio, não percebeu que a garrafa, a taça e o próprio líquido eram todos tipos de ‘espelhos’?”
Shirley ficou boquiaberta. “…”
Duncan sorriu e balançou a cabeça, erguendo sua taça. “À esta jornada.”
Então, todos que tinham mãos ergueram suas taças, e os que tinham boca e garganta beberam. Aqueles que não podiam beber derramaram o vinho no chão do Banido, em um brinde ao navio.
Até mesmo Ai, com grande seriedade, mergulhou o bico na taça, parecendo mais solene do que nunca.
Alice então se levantou e começou a servir sopa e pão para todos ao redor da mesa. Ela abriu a sopeira no centro da mesa, revelando uma sopa de peixe espessa — a primeira refeição que todos a bordo comiam ao embarcar. Ao lado da sopeira, em um grande prato, havia panquecas doces assadas até dourarem, uma iguaria de Pland, a comida favorita do capitão.
Alice serviu a comida, e Nilu correu novamente sobre a mesa, pegando as tigelas de sopa e os pratos com panquecas e entregando a cada um. A pequena boneca, com a altura de um braço de adulto, corria agilmente pela mesa. Sua mente recém-nascida parecia ainda não entender o que “esta jornada” significava, mas ela parecia exultante.
“…Nunca pensei que uma coisinha tão pequena já pudesse fazer coisas”, disse Shirley, observando a pequena boneca correr pela mesa com um tom de incredulidade. “Lembro que quando a vi pela primeira vez, ela nem se movia. Estava deitada em uma caixa de madeira, disseram que era irmã de Luni de muito tempo atrás, que ficou em uma loja de bonecas por cem anos…”
“O despertar de Nilu foi um sucesso, e o processo de infundir-lhe razão e humanidade foi incrivelmente tranquilo”, disse Lucretia casualmente. “Talvez por causa do ambiente especial da fronteira e da influência de Luni… essa pequena sempre teve uma tendência a se ‘ativar’.”
Nilu correu até Lucretia, colocou alegremente a tigela de sopa na mesa, abriu os braços e emitiu um som fino e doce: “Tendência!”
Duncan observava a cena com um sorriso gentil. Depois de um tempo, ele disse de repente: “Vocês já pensaram no novo mundo?”
Nina ficou surpresa por um momento, parecendo não entender de imediato. “As… coisas do novo mundo?”
“No novo mundo, o que vocês querem? Ou melhor…” Duncan pensou um pouco, olhando seriamente para cada pessoa do outro lado da longa mesa. “O novo mundo que vocês imaginam, como ele é?”
- Única ligação que consegui pensar foi no quadro da ‘Santa Ceia’, já que a forma como estão posicionados na mesa é a mesma, todos do mesmo lado de uma longa mesa, em seu ‘último jantar’, com Duncan sentado no centro rodeado de seus seguidores. O “azar” provavelmente se refere ao fato de que a Última Ceia precede diretamente o sacrifício e a morte de Jesus.[###TAG###↩]###TAG###