
Volume 3 - Capítulo 440
Brasas do Mar Profundo
A noite era profunda, e a neve fina que caía sem parar continuou até a madrugada sem cessar. Embora a neve não fosse forte, ela cobriu suavemente e silenciosamente toda a cidade. A camada não muito espessa de neve era como uma bandagem pálida, envolvendo as inúmeras cicatrizes da cidade após o desastre, escondendo tudo o que não teve tempo de cicatrizar.
Edifícios destruídos, manchas de sangue que não foram limpas, Caminhantes a Vapor sucateados, barricadas esperando para serem desmontadas e a “lama” seca acumulada em quase todos os cantos da cidade, cuja limpeza levaria um tempo desconhecido.
A invasão da Imagem Espelhada havia recuado, mas os “subprodutos” desse Fenômeno permaneceram na cidade na forma de matéria física.
A igreja, conforme o procedimento, assumiu o controle das operações da cidade após o anoitecer.
Guardiões carregando lanternas observavam atentamente as ruas sob o manto da noite, alertas a cada canto escuro que não podia ser totalmente iluminado pelas lâmpadas a gás e a qualquer som estranho que chegasse aos seus ouvidos.
O ar estava impregnado com o cheiro de incenso queimando, e os sussurros de oração dos sacerdotes de vigília traziam uma força tranquilizadora.
“Esta noite parece muito calma…”, disse um guardião de preto, encarando um canto escuro da rua. Depois de um longo tempo, ele sussurrou para seu companheiro ao lado: “Eu pensei que ainda haveria uma batalha feroz esta noite.”
“Todos pensavam assim”, respondeu em voz baixa outra guardiã de preto, com cabelos longos sobre os ombros. Na lanterna pendurada em sua cintura, havia várias tiras de tecido com escrituras de oração fixadas com laca###TAG###1###TAG###, indicando que ela era a líder do esquadrão. “Afinal, acabamos de passar por um desastre transcendental tão grave, e muitos sacerdotes se sacrificaram… Logicamente, a proteção da cidade-estado deveria atingir seu ponto mais baixo esta noite.”
“Nenhuma outra equipe de vigília parece ter relatado nada. Nem um único apito nesta noite.”
“…De qualquer forma, mantenham os nervos à flor da pele. Não podemos relaxar nem por um momento até o sol nascer.”
“Sim, capitã.”
A guardiã de preto, chamada de capitã, assentiu levemente e olhou para outra equipe que estava ocupada não muito longe.
Um requintado incensário de latão estava suspenso por correntes finas, emitindo uma fumaça etérea. Um monge do silêncio abençoava a rua com incenso, sussurrando as orações do deus da morte. Alguns sacerdotes de baixo escalão que o acompanhavam coletavam cuidadosamente amostras da lama negra nas paredes próximas, postes de luz e no chão com espátulas e frascos de vidro.
Aquela “lama” seca já havia perdido completamente sua atividade e não mais assumiria formas terríveis e disformes. Quando a espátula cortava sua superfície, a textura que apresentava era como uma espécie de… “tinta” meio seca e de estrutura fina.
“Diga… quanta dessa ‘lama’ você acha que há na cidade agora?”
Ela não pôde deixar de se virar e sussurrar para o subordinado ao seu lado.
“Quem sabe? Dizem que o que está na superfície é pouco. Os esgotos e o metrô são as áreas mais afetadas, e há várias estações de tratamento de esgoto que estão quase cheias desse lodo. A Prefeitura está um caos agora, quem sabe quanto tempo levará para limpar tudo isso.”
“Limpar a lama… Pelo menos, este já é o problema mais fácil que temos que enfrentar”, a capitã suspirou suavemente, erguendo a cabeça para olhar o final da rua. “Os problemas que Geada enfrenta agora não se limitam a essa lama estranha.”
O guardião de preto ao lado dela também ergueu a cabeça inconscientemente, olhando na direção que sua capitã observava.
Era a área portuária na borda da cidade-estado, iluminada e com um som indistinto.
“É verdade, não é só a lama…”, o guardião de preto resmungou, seu tom misturado com estranheza e um traço de nervosismo. “Ainda há uma Frota do Névoa do Mar inteira cercando esta cidade.”
Área do Porto Leste, luzes brilhantes, vozes agitadas.
Como o único porto que resistiu à invasão de monstros e continuou operando durante toda a batalha de defesa, o Porto Leste permaneceu movimentado mesmo após o fim dos combates.
Todas as docas e máquinas de engenharia estavam em uso, e todos os trabalhadores com força restante tiveram que fazer horas extras. Os vários cais que sofreram danos leves durante a batalha diurna também foram reparados temporariamente na maior velocidade possível para que os navios em melhores condições pudessem atracar para reparos.
Para muitas pessoas na cidade, a batalha havia terminado, e esta noite era um momento para recuperar o espírito e curar as feridas. Mas para a marinha de Geada e as unidades de logística do porto, a batalha ainda continuava. Havia um grande número de navios gravemente danificados precisando de reparos urgentes, um grande número de feridos precisando de tratamento e, além disso, eles tinham uma situação ainda mais espinhosa e complexa para enfrentar:
A Frota do Névoa do Mar, seus aliados temporários de hoje, seu profundo pesadelo dos últimos cinquenta anos.
Aquele navio, o maior e mais forte, que nos últimos cinquenta anos foi usado por inúmeros habitantes de Geada para assustar crianças, estava agora atracado ao lado do maior cais do Porto Leste.
A proa imponente erguia-se alta na escuridão da noite. As torres de canhão do convés e a estrutura da ponte revelavam silhuetas fantasmagóricas no vento e na neve. As luzes da costa batiam no cinturão de blindagem, refletindo um brilho pálido que lembrava ossos. E no flanco do gigante de aço, no bordo voltado para Geada, uma larga faixa de tecido balançava ao vento, com palavras escritas de forma grosseira, obviamente um grafite improvisado:
“Navio de Visita e Inspeção Temporária em Geada da Companhia de Investimentos de Risco Névoa do Mar.”
Mesmo os soldados de Geada mais experientes nunca tinham visto uma cena como essa. Qualquer um que passasse pelo cais naquele momento ficaria olhando para aquelas letras grandes e grosseiras por um bom tempo, lutando contra o impulso de se dar uns tapas para acordar.
“Capitão”, o imediato Aiden atravessou o convés e chegou atrás de Tyrian, que estava na beira do convés olhando para baixo. “A faixa já foi pendurada. Como o senhor disse, para parecer o mais amigável possível.”
Tyrian emitiu um “hum”, mas em seguida apontou para os soldados e trabalhadores no cais abaixo, que paravam de vez em quando perto do Névoa do Mar, observando inquietos: “Mas parece que eles ainda estão bem nervosos?”
“Não sei por quê. Talvez o povo de Geada desta época seja mais assustadiço”, Aiden coçou a cabeça careca. “Quer que eu vá falar com os homens? Mando eles espantarem todos que estão por perto?”
“…Não precisa”, Tyrian pensou um pouco e balançou a cabeça. “A ordem do pai foi para não entrar mais em conflito com a cidade-estado. Em um momento tão tenso, é melhor não provocar mais esse povo assustado de Geada.”
Aiden deu de ombros: “Tudo bem, já que é uma ordem do velho capitão.”
“Como todos estão?”, Tyrian perguntou de repente, após um momento de silêncio. “Quero dizer, os marinheiros da segunda geração.”
“…Ah, depois de meio século, estamos de volta a este lugar familiar”, Aiden suspirou suavemente, falando com emoção. “Dizer que há calma a bordo seria mentira. Basicamente, em todas cabines, estão discutindo esta atracação, discutindo sobre lidar com a marinha de Geada novamente. Até os marinheiros da primeira geração foram influenciados e estão discutindo com eles.”
“Alguns estão ansiosos, outros relutantes, mas a maioria está confusa, porque ninguém nunca imaginou como seria este dia. Mas… todos apoiarão sua decisão. Eles estão esperando suas ordens.”
Tyrian não falou por um momento, mas a cena que ele viu na ponte antes pareceu ressurgir em sua mente.
A segunda ordem da rainha em meio século: “Defendam Geada”.
Isso era real? Era o poder deixado pela rainha, ou uma simples alucinação?
Parecia que isso não importava mais.
A rainha havia ordenado que a Frota do Névoa do Mar se afastasse da ilha principal de Geada, e agora, ele havia liderado a frota de volta. Talvez… a ordem da rainha naquela época fosse realmente para este dia.
“De qualquer forma, viemos até aqui”, Tyrian suspirou levemente, o ar exalado de sua boca e nariz se condensando em névoa branca na noite fria. “O comandante daqui quer receber os ‘aliados’. Tudo bem, eu realmente deveria ir cumprimentá-los.”
“Quer que eu o acompanhe?”
“Sim, e traga mais alguns caras que saibam se comportar. Avise-os com antecedência: desta vez, não estamos aqui para brigar.”
“Certo”, Aiden assentiu, e então não pôde deixar de perguntar mais uma coisa. “Uh, há mais algum requisito para a comitiva?”
Tyrian pensou um pouco: “…Aqueles com rostos relativamente intactos, com os membros conectados ao tronco, que não perdem ‘peças’ ao andar. Siga os seus padrões, desde que as roupas consigam cobrir a maioria dos buracos.”
“Entendido, Capitão.”
No escritório de defesa do porto, o comandante-chefe da defesa, Liszt, estava arrumando seu uniforme e medalhas pela última vez.
Ele não era um novato em grandes cenas, mas mesmo como um militar profissional treinado, ele não podia deixar de sentir um pouco de apreensão pela “cena” que estava prestes a enfrentar.
Não porque a cena era muito grande, mas porque era sem precedentes.
Ele iria se encontrar com o líder da Frota do Névoa do Mar. Após cinquenta anos de confronto e hostilidade, a frota que “desertou” da cidade-estado naquela época estava de volta.
Muitas partes da cidade-estado ainda estavam um caos, e o desaparecimento do Governador deixava a Prefeitura em polvorosa. Mas mesmo em uma situação tão caótica, ele ainda organizou esta recepção especial.
Porque ele sabia que a Geada de hoje não podia mais arcar com nenhum dano adicional. Não importava o que os oficiais e conselheiros da Prefeitura pensassem, ele tinha que manter aquela terrível frota fantasma sob controle. Se, e apenas se, fosse para se reconciliar com aquele “grande pirata”, este provavelmente seria o único momento.
Abotoando o último botão, Liszt suspirou suavemente.
Ele então baixou a cabeça, pegou o novo emblema de peito que representava o posto de general da mesa e observou calmamente cada linha nele.
“…Promoção no campo de batalha, hein… Tudo bem, alguém tem que assumir.”
Ele ergueu a cabeça e, de frente para o espelho, fixou cuidadosamente o emblema em sua roupa.
- laca é tipo um verniz[###TAG###↩]###TAG###