Brasas do Mar Profundo

Volume 1 - Capítulo 67

Brasas do Mar Profundo

Duncan sabia desde o começo que o Cabeça de Bode era uma criatura perigosa — e isso não apenas por ser um objeto anômalo de origem desconhecida, mas também porque já serviu ao verdadeiro Capitão Duncan, seguindo até hoje as regras e os pensamentos de outrora.

Na perspectiva do Cabeça de Bode, as cidades-estado em terra firme eram insignificantes, os mortais que as habitavam, tolos e ignorantes; as frágeis frotas das cidades-estado eram apenas comida, e saqueá-los e caçá-los era… simplesmente a ‘rotina’ normal do Banido.

Duncan não sabia quanto tempo levaria para ajustar os hábitos de pensamento do Cabeça de Bode, mas sabia que o processo precisaria ser sutil — usar razões plausíveis para alterar gradualmente seu próprio estilo de comando e o modo de operação do Banido era a abordagem mais segura.

Ele deu uma última olhada no Cabeça de Bode, repousando silenciosamente na mesa de navegação, confirmando que ele havia assumido o controle do sistema de velas e do leme do Banido, antes de abrir a porta e entrar em seus aposentos.

Hoje à tarde, Nina retornaria à loja de antiguidades. Antes disso, Duncan precisava realizar mais testes com a pomba Ai.

A porta que levava ao quarto do capitão se fechou. Na penumbra, o Cabeça de Bode ficou silencioso, fixando o olhar na direção da porta. Ficou assim por um longo tempo, até confirmar que a consciência do capitão já havia partido para a viagem espiritual. Só então começou a murmurar como se falasse consigo mesmo: “Realmente não foi afetado pelo subespaço…”

Na penumbra, a cabeça entalhada de madeira rangeu enquanto girava, como se examinasse o quarto. Talvez sua visão atravessasse o ambiente, percorrendo toda a extensão do navio.

“Banido, Banido… o que exatamente você trouxe de terrível para bordo naquela época?”


Duncan voltou para aquele espaço escuro familiar. Ele sentia sua vontade se estender entre inúmeras estrelas e linhas de luz tênues, ligando dois pontos: o Banido e a loja de antiguidades na cidade-estado de Pland.

Conforme o tempo passava, essa ‘conexão de duas vias’ ficava mais clara. Ele agora nem precisava se concentrar muito para perceber os acontecimentos na loja — e podia controlar remotamente o corpo de lá para realizar atividades simples.

Isso era evidentemente algo positivo. Um lojista de antiguidades que passava a maior parte do tempo ‘desmaiado’ despertaria certamente suspeitas. Mesmo que o corpo apenas se movesse por alguns minutos na porta, isso já afastaria muitos olhares desnecessários.

Duncan não transferiu sua consciência principal para a cidade-estado de Pland de imediato. Em vez disso, permaneceu no espaço escuro, percebendo as mudanças ao seu redor e então olhando para o lado.

Na vasta escuridão, Ai, em sua forma de pomba espectral, voava silenciosamente em círculos. Seu corpo fantasmagórico espalhava faíscas verde-escuras, que cintilavam conforme ela sobrevoava algumas sombras vagamente visíveis.

Essas sombras incluíam o amuleto solar que ele havia trazido para o Banido, uma adaga antiga e rústica, um pedaço de queijo, um projétil redondo e uma tira dura de peixe seco.

Esses itens eram ‘objetos de teste’ preparados para avaliar a habilidade de Ai de transportar objetos e as alterações ocorridas durante o processo.

Duncan observou Ai voando em círculos ao redor desses itens e assentiu levemente. “Então é assim que você transporta as coisas.”

Ai bateu as asas e emitiu um grito rouco e agudo: “Segurem-se! Segurem-se!”

Duncan sorriu e concentrou sua atenção, pronto para projetar sua consciência principal.

Mas, no momento em que se concentrou, percebeu algo peculiar na extremidade da luz que conectava a cidade-estado de Pland. Ali, uma luminosidade estranha começou a brilhar!

Duncan parou imediatamente e olhou surpreso para aquele brilho em meio às inúmeras estrelas apagadas ao redor. A luz parecia estar ali desde sempre, mas só se tornou perceptível no instante em que ele a notou, como se reagisse ao seu olhar, irradiando uma presença clara.

O que seria aquilo?

Com a mente intrigada, ele tentou se aproximar da luz, e bastou um único pensamento para que ele cruzasse a vasta escuridão. A luz se expandiu rapidamente diante dele, transformando-se em um fluxo cintilante que ondulava à sua frente.

Somente então Duncan percebeu que havia uma linha tênue conectando-o àquela luz, semelhante à ligação entre seu corpo no Banido e o corpo substituto na loja de antiguidades.

Era… mais um corpo substituto?

Essa ideia surgiu em sua mente, mas ele logo a descartou. O fluxo de luz era muito maior do que os pontos que representavam os corpos substitutos. Aquela luz… era mais semelhante a um objeto imenso com o qual ele havia estabelecido uma conexão.

Hesitando, ele decidiu arriscar. Estendeu a mão com cautela e tocou a luz.

No instante seguinte, uma sensação imensa e estranha invadiu sua mente. Ele não conseguia discernir o ambiente ao seu redor, mas podia sentir o vento do mar acariciando seu corpo, as ondas balançando suavemente ao redor, e pessoas andando a sua volta — até mesmo sobre seu próprio corpo. Ele ouvia vozes vindo de todas as direções, mas todas estavam abafadas, como se um grosso véu as separasse.

Duncan percebeu que estava experimentando o ponto de vista de algo colossal. Contudo, sua consciência não era adequada para habitar diretamente aquele corpo, ou talvez uma força estivesse protegendo o objeto e bloqueando sua intrusão. Como resultado, todas as suas percepções estavam atrasadas e obscurecidas.

Aquele objeto colossal parecia estar ancorado em águas próximas à costa. Muitas pessoas estavam reunidas ali, em um ambiente tenso e solene, ocupadas lidando com algum tipo de perigo. As conversas eram curtas e diretas, transmitindo uma seriedade que impregnava o ar.

Duncan concentrou-se, esforçando-se para compreender as palavras abafadas que ressoavam ao longe. Depois de algum tempo, ele finalmente conseguiu distinguir uma palavra que era repetida várias vezes: Carvalho Branco.

Ele recuou a mão que tocava o fluxo de luz, observando-o com perplexidade. A luz oscilava na escuridão, revelando vagamente o contorno de um navio.

Carvalho Branco… o nome soava familiar, mas ele não conseguia se lembrar de onde o havia ouvido antes.

Refletindo profundamente, Duncan finalmente resgatou algumas memórias vagas. Ele se lembrou de sua primeira experiência como timoneiro no estado espiritual, quando colidiu com outro navio. Quando o Banido atravessou a embarcação, ele notou o nome gravado em um dos lados: Carvalho Branco.

Ele também se recordou de uma notícia que leu em Pland. O jornal mencionava que o navio Carvalho Branco, desaparecido por vários dias, estava prestes a atracar.

Duncan ficou olhando para a luz oscilante, ainda mais surpreso. Aquele era o Carvalho Branco, o navio encarregado de transportar a Anomalia 099.

O capitão e sua tripulação, que tentaram gritar para ele durante a colisão, aparentemente conseguiram chegar a Pland com segurança — o que era, de certa forma, um alívio.

Claramente, ele havia estabelecido uma conexão com aquele navio.

Seria possível que a ligação tivesse sido formada durante o ‘acidente de colisão no plano espiritual’? Talvez as chamas do Banido tivessem se espalhado até o Carvalho Branco naquele momento.

Duncan ponderou sobre as propriedades de suas chamas espirituais enquanto analisava a utilidade de sua conexão com o navio a vapor. Após tanto tempo vagando pelos mares infinitos, qualquer vínculo com o mundo civilizado era algo que ele valorizava muito.

Parecia que, apesar de o Carvalho Branco já ter atracado, ele ainda estava sob vigilância ou bloqueio. As pessoas tensas ao redor do navio provavelmente eram especialistas da cidade-estado, responsáveis por lidar com fenômenos sobrenaturais.

Para as cidades-estado, um navio que havia ficado à deriva no mar por dias era, sem dúvida, uma potencial ameaça. Além disso, o contato próximo do navio com o Banido provavelmente era um grande motivo de preocupação.

Duncan sabia muito bem da reputação aterrorizante que ele e o Banido possuíam.

Após pensar um pouco, Duncan recuou com cautela, evitando tocar novamente na luz.

Como o maior ‘boss final’ do Mar Infinito, ele não estava interessado em interagir diretamente com os defensores das cidades-estado. E, sem saber quais habilidades os ‘especialistas sobrenaturais’ possuíam, ele preferiu não revelar que o Carvalho Branco estava agora conectado ao ‘Capitão Duncan’.

Ele queria evitar que essa conexão fosse descoberta e destruída. Afinal, agora que ela estava firmemente estabelecida, como uma âncora submersa no oceano, ele poderia esperar pacientemente. O bloqueio sobre o Carvalho Branco seria eventualmente removido.

Quando isso acontecesse, talvez ele pudesse conversar tranquilamente com o velho capitão do navio.

E descobrir, afinal, o que ele estava tentando gritar naquela tempestade.