Volume 3 - Capítulo 1
No Game No Life
Aquele primeiro momento de autoconsciência. O que isso realmente significa? Se estamos falando das memórias mais antigas, a dela foi registrada antes de completar um ano de idade. Ela não se lembrava, de fato, das primeiras palavras que pronunciou. Mas a mulher materna que as ouviu, o rosto pálido que a olhava de cima—essa foi sua memória mais antiga.
……
Logo, ela foi deixada em uma instituição branca. Uma garota nascida com pele clara demais em um prédio de paredes brancas. Embora houvesse outras crianças ali, ela tentava se misturar ao fundo. Mantendo seus estranhos olhos rubros sempre voltados para baixo. Sempre encarando uma pilha de livros ocidentais—um contraste evidente para uma garotinha japonesa que ainda não tinha dois anos.
…Foi por volta dessa época que ela descobriu os jogos.
Os adultos vestidos de branco traziam jogos que chamavam de "testes de inteligência". Mas eram todos simples demais, entediantes. Sem graça de jogar com qualquer um—esses jogos. Com apenas a palavra “imensurável” deixada para trás, não demorou até que ninguém quisesse mais jogar com ela. Após cerca de um ano na instituição, ela percebeu que era mais tolerável brincar sozinha. Enquanto a garotinha continuava jogando dos dois lados, em xadrez, shogi, go, etc., ela se misturava ainda mais ao fundo. Eventualmente, nem mesmo os adultos vestidos de branco tentavam falar com ela.
…Memórias silenciosas, imaculadamente brancas.
Uma série de memórias rotuladas simplesmente como: entediantes—
Depois de dois anos, a mulher que aparentemente era sua mãe voltou. Na memória da menina, a mulher disse animada que ela teria um novo pai, mas os olhos com que a mulher a encarava eram os mesmos dos adultos vestidos de branco da instituição—um olhar vazio do qual nada podia ser percebido. Nessa época, ela tinha três anos. A menina conheceu um homem chamado de “novo pai” e seu filho—um garoto sete anos mais velho. Um garoto que dava respostas calculadas enquanto os adultos conversavam, sorrisos calculados. Totalmente sozinho, o garoto devolvia exatamente o que recebia. Para esse garoto que distribuía sorrisos vazios e inorgânicos, ela abriu a boca, que estava fechada há muito tempo.
“...Você realmente é…‘vazio’…”
—O garoto que havia dado seu nome como Sora, que significava Céu ou Vazio, arregalou os olhos diante das palavras que a garota murmurou. Ele fitou fixamente os olhos vermelhos dela, com os quais ninguém havia querido fazer contato. Procurando algo, tentando confirmar algo em silêncio, parecia… e então ela se lembrou—uma cor que nunca havia visto antes apareceu no rosto dele. Naquele momento, ela não tinha como compreender o significado daquela cor. O garoto—Sora—falou.
“Vamos, vamos jogar um jogo.”
—Naquele dia, pela primeira vez, a garota achou um jogo divertido.
Eles jogaram vinte vezes. Nas primeiras partidas, a garota o destruiu completamente. Mas, conforme continuavam, aos poucos os movimentos dele se tornaram mais difíceis de prever. Levando-a e enganando-a com movimentos que zombavam do senso comum, começando a fazer jogadas tão imprevisíveis que ela nunca teria imaginado, Sora ultrapassou completamente sua compreensão e conquistou a vitória, terminando com um empate de 10 a 10. O garoto que a derrotou pela primeira vez, sem exibir arrogância ou vanglória. Em vez disso, parecia ser ele quem havia perdido—e como se estivesse radiante de alegria por isso. Não havia mais vazio no rosto dele. Seu rosto exibia uma cor cujo verdadeiro significado ela ainda não compreendia, e o garoto—Sora—seu irmão falou.
“Desculpe por ser um irmãozinho inútil que só consegue vencer com truques baratos, mas espero que nos demos bem—Shiro [Branca].”
A cor no rosto dele—A garota que sentiu como se seu nome tivesse sido pronunciado pela primeira vez percebeu que era o amor de uma família e que ela era desejada, pela primeira vez. Entendeu que era certo ela estar ali, que era reconhecida e aceita.
—Suas memórias inorgânicas e monocromáticas mudaram nitidamente naquela hora, ganhando cor. Ela sentiu algo quente brotando em seu coração, mas ainda não sabia o que era. Tudo o que conseguiu fazer foi abaixar os olhos e acenar sutilmente.
……
…O tempo passou, e os irmãos passaram a viver sozinhos. Os dois que haviam se chamado de pais já não estavam mais presentes.
“Bem, acho que isso significa que vamos ficar juntos a partir de agora também.”
Essa única frase saída da boca de seu irmão era tudo o que a garota queria ouvir. Foi por volta dessa época que começaram a jogar jogos online sob um único nome. Uma conta registrada com uma sequência de dois espaços, a partir do que seus nomes escritos juntos formavam: Kuuhaku [Vazio]. O irmão bolava suas estratégias extravagantes e bizarras que a irmã jamais teria imaginado, enquanto a irmã implementava suas táticas muito além do que ele poderia conceber, com a precisão e o cálculo de uma máquina de alta precisão.
—Foi nesse momento que o “jogador dois-em-um” surgiu claramente. O momento em que esse jogador venceu uma vitória após outra, além da compreensão, começando a ser sussurrado online como uma lenda urbana.
>******
—Então começaram as memórias que ela mal conseguia acreditar. Derrotar alguém que se autoproclamava um deus no xadrez online e, depois—ser jogada em outro mundo. Um lugar onde a violência era proibida pelos Dez Pactos e tudo era decidido por jogos: Disboard.
Como você normalmente se sentiria ao ser jogado de repente em outro mundo? Nervoso, solitário, deslocado…? Mas suas memórias não registravam nenhuma dessas emoções. Desde o início, seu lugar só poderia ser nos braços de seu irmão. Juntos, eles desafiaram o mundo onde tudo era decidido por jogos.
—Ah, que perfeição. O que mais alguém poderia querer—?
“Entendi… tudo o que preciso fazer é me tornar mulher!”
Uma voz ecoou na Câmara da Presença do Castelo Real em Elkia, capital do Reino de Elkia. Pertencia ao jovem de cabelos negros desgrenhados sentado no trono—Sora. Vestindo uma camiseta que dizia “I PPL” e com a tiara da rainha torcida ao redor de seu braço como uma braçadeira, ele indicava que, naquele mundo, Disboard, era o rei de Elkia… e da humanidade. Lançando olhares desconfiados ao pronunciamento súbito do rei estavam três.
“…Sobre o que Sua Alteza Real está tagarelando agora?”
Uma de cabelos ruivos, contrastando com seu olhar gelado e azul. Stephanie Dola, ou Steph. A neta do antigo rei do Reino de Elkia, uma garota cujo ar transparecia a qualidade de sua criação. Mas, nesse caso, a expressão que ela dirigiu a Sora era inesperada.
“—Entendo, meu mestre é realmente sábio; que revelação profunda.”
Outra, elogiando o pronunciamento de Sora com um olhar âmbar ardente. Jibril—uma garota tão linda quanto uma fantasia, com longos cabelos que refratavam a luz e mudavam de cor. As asas em seus quadris e o halo girando acima de sua cabeça mostravam que ela não era humana, mas uma Flügel. Ela, uma das Raças Ixseed de Classe Seis desse mundo, aceitava essa sabedoria de seu mestre—uma Raça de Classe Dezesseis, a humanidade, a mais baixa das Ixseed—juntando as mãos como se contemplasse palavras divinas enquanto extraía sua intenção.
“Você quer dizer que, se você fosse mulher, Mestre, todas as situações adultas poderiam ser descartadas como meros ‘Ai! Hihi!’ entre membros íntimos do mesmo sexo… Estou emocionada com sua perspicácia.”
Sora, assentindo satisfeito, mm-hmm, mm-hmm, fez contato visual com a última presente.
“Venha—minha irmã! Vamos jogar um jogo sob Aschente! E, por favor, derrote-me!”
A garota que Sora chamou de irmã, a menina sentada em seu colo com olhos rubros—Shiro. A menina de onze anos cujos longos cabelos brancos como a neve estavam amarrados com a coroa do rei. A irmã do Rei Sora—isto é, a Rainha Shiro—olhou nos olhos de seu irmão e murmurou.
“…Acho que…você não…consegue.”
“Hã, por quê não? Juramentos feitos sob os Dez Pactos são absolutamente vinculantes, certo? Eu forcei Steph a se apaixonar por mim e fiz de Jibril minha propriedade. Então eu também deveria poder me tornar mulher, certo?”
“Poderia, por favor, não resumir todos os seus atos hediondos como se fossem nada?!”
Embora Steph gritasse lastimosamente—almas gentis o suficiente para prestar atenção nela estavam ausentes.
“—Mesmo assim, Mestre, receio que Sua Majestade tenha razão.”
“Hã, por quê?”
“É porque demandas teoricamente impossíveis não podem ser realizadas.”
Enquanto Shiro assentia às palavras de Jibril, Sora finalmente entendeu.
…Ah. Era óbvio uma vez que você pensava sobre isso.
“Então, tipo, se eu jogasse com Steph com a condição de ‘Correr cem metros em um segundo’, ainda seria fisicamente impossível, e ela só poderia correr o mais rápido que pudesse para tentar cumprir a exigência.”
“Exatamente, meu senhor.”
“—Hã… Por que você está usando a mim como exemplo?”
Imaginando-se forçada a correr como uma louca em uma tentativa suicida de percorrer cem metros em um segundo, Steph interrompeu com aparente apreensão de que Sora realmente tentasse isso.
“Espere aí, isso significa que, mesmo que eu jogasse um jogo que exigisse que eu tivesse uma vida, eu ainda não conseguiria?!”
Sora imaginou como ele pareceria com uma vida.
—Que tal isso? Ele mal conseguiu imaginar algo além de fantasias distantes da realidade.
“Se você poderia ou não realmente ‘ter uma vida’, como você diz, é mais provável que você ao menos pudesse sentir como se tivesse. Afinal, você fala de questões relacionadas à sua personalidade, que, no final, são meras concepções abstratas.”
“Um perdedor recluso e viciado em jogos que acha que tem uma vida—isso é horrível demais para se contemplar!!” Sora gritou desesperado enquanto tentava imaginar isso.
“…Acho melhor verificar os limites das restrições dos pactos…”
Enquanto começava a ponderar mais seriamente do que nunca, Steph lançou-lhe um olhar de esguelha que dizia “Trabalhe”. Enquanto isso, Shiro, que também se perdeu em pensamentos como seu irmão, propôs um experimento.
“…Tente…uma mudança de personalidade…com, algumas condições?”
“Hmm, isso facilitaria para ver. Certo, Steph, vamos fazer isso.”
“—Er, posso perguntar mais uma vez? Por que tem que ser eu?”
“Porque você é a melhor escolha se quisermos verificar até onde podemos chegar.”
O objetivo de Sora, enquanto ele dava essa explicação vaga e casual, ainda era incompreensível para Steph.
“Venha, vamos começar o jogo. A aposta—é que Steph se torne eu.”
—
“……Tudo bem, certo.”
Steph, reprimindo a emoção que estava prestes a revelar, respondeu com um ato resignado.
…Sim, provavelmente ela perderia para Sora, não importa o que fizesse. Afinal, isso tinha sido consistente—na verdade, ela ainda não tinha ideia de como poderia vencê-lo em um jogo. Além disso, era um experimento, então teria que perder intencionalmente. Mas se o resultado, mesmo que qualificado, fosse que ela poderia se tornar Sora—? (Será que esta pode ser… minha única e verdadeira chance de vencê-lo?!) Desesperadamente escondendo o “heh-heh-heh-heh” sombrio que ameaçava escapar de seu coração…
“Não adianta discutir com você… Tudo o que preciso fazer é perder de propósito, certo?”
“Quero dizer, você vai perder de qualquer jeito, tentando ou não. De qualquer forma, isso é um experimento, então vamos deixar as condições claras… O jogo é xadrez. Se eu vencer, Steph se torna Sora por trinta minutos. Por outro lado, se Steph vencer, digamos que eu dou a ela um doce. Não que isso faça diferença. Então—Aschente.”
“Sim, Aschente…hfff.”
Mesmo a tempestade de abusos verbais era tolerável para Steph quando ela considerava o que poderia acontecer depois de perder.
—Fazendo o juramento de Aschente: uma declaração de que se submetia a uma aposta absolutamente vinculante sob os Dez Pactos estabelecidos pelo Deus—
……Quarenta segundos depois.
“…Steph, você realmente consegue ser tão ruim assim? Isso é difícil de fazer até intencionalmente…”
Embora Steph tenha perdido em apenas cinco movimentos, ainda assim respondeu ao insulto de Sora com um sorriso.
“Heh-heh-heh… agora, isso significa que há mais um grande jogador entre a humanidade—”
Steph, com os olhos subitamente perfurantes enquanto ostentava um sorriso irônico torto, provocou alegremente.
“Vamos lá, vamos jogar um jogo, ‘Sora’—é hora de você enfrentar a si mesmo, otário, aquele que afirma que vai derrubar o próprio Deus!”
O tom condescendente da garota era incongruente com a elegância que ela exibia.
“Heh-heh, o que foi? Com medo de pular na cova que você mesmo cavou? A aposta é que você se torne uma pessoa decente permanentemente, otário. Vamos lá—façamos esse ‘Aschente’ acontecer!”
Tal era o modo pretensioso como Steph (no estilo de Sora, com algum grau de erro permitido) se comportava.
—Fazendo poses a cada pontuação. Diante dessa cena:
“Ei, Shiro, eu sou esse tipo de personagem?”
“…Está…bem, fora.”
“Dora provavelmente está fazendo o melhor que pode para cumprir o pacto, baseado na visão que tem de você, Mestre.”
Ah, tentando agir como se ela tivesse—não uma vida, mas como se fosse Sora.
“…É difícil dizer se ela está me superestimando ou tirando sarro de mim…”
Assistindo Steph ajeitar o cabelo com um ar pomposo e se perguntando, *Eu já fiz isso alguma vez?*, Sora, com uma expressão tensa, respondeu sem entusiasmo ao desafio dela.
“…Bem, tanto faz. Isso é mais assustador do que eu pensava, então vou exigir que você volte a ser Steph agora—Aschente.”
……Outros quarenta segundos depois.
“Por quê?! Achei que ia me tornar igual a você em habilidade?!”
…Para Steph, derrotada como sempre, Jibril respondeu, tão naturalmente quanto o fluxo de um rio.
“O quê? Achei que havia explicado que coisas fisicamente impossíveis não podem ser realizadas.”
“É fisicamente impossível para mim vencer o Sora?!”
A expressão de quem foi traída pelo mundo: Certamente, essa devia ser a de Steph naquele momento.
“Veja bem, pequena Dora, mesmo que você tenha a intenção de ser o Mestre, ainda não pode compartilhar seus pensamentos ou memórias.”
“V-você sabia disso antes de aceitar o desafio, não sabia?!”
“Claro que sabia! Olhe para si mesma. O que faz você pensar que parecia igual?”
—Para começar, se ela realmente tivesse se tornado Sora, sozinha, sem Shiro, nunca teria ostentado o título de maior entre os humanos.
“Hngg… Mas ainda não entendi isso. Pode ter sido apenas pelos ‘especificações insuficientes’ da Steph.”
“Poderia parar de dizer que eu tenho especificações insuficientes?!”
“Jibril, vamos tentar com você. Uma Flügel deve ser capaz de me emular, certo?”
As especificações físicas de uma Flügel estavam literalmente em uma dimensão completamente diferente da dos humanos. Poderia ser—? Sora rezou, mas, inesperadamente, Jibril parecia surpresa.
“Você sugere que eu me torne você? Creio que isso ainda possa ser impossível.”
“Hã, por quê?”
“…Bem, se for seu desejo, Mestre, apostarei todos os meus espíritos para tentar.”
Com uma expressão de uma resolução assustadora, Jibril abaixou a cabeça.
……Jibril, tendo perdido intencionalmente conforme combinado, foi completamente obrigada pelos Pactos—a começar a se transformar.
“Whoa?! Você realmente se transforma!”
“…Entendo… Ji-bril…é, composta…de, espíritos…”
Sora e Shiro arregalaram os olhos juntos e ergueram suas vozes. Hã. Então, para uma Flügel, mudar de aparência não era teoricamente impossível! Esse foi um resultado que trouxe um fio de esperança para o Projeto de Mudança de Gênero de Sora, que quase havia mergulhado no desespero—o rosto de Sora se iluminou de alegria, mas então gradualmente endureceu. Jibril, transformando-se para parecer Sora, como um espelho—isso era aceitável. Mas, gradualmente—surgindo oito asas.
“…E-eh?”
Um enorme halo, ainda mais complexo do que o original de Jibril, formou-se acima de sua cabeça. E sua boca, abrindo-se suavemente, formou palavras.
“—Eu sou: o mais poderoso.”
…Não apenas Sora, mas todos, incluindo Shiro e Steph, ficaram estupefatos.
“U-humm…?!”
“O mais fraco e ainda assim o mais poderoso: eu sou aquele que se erguerá contra o Deus e unirá as Ixseed. Eu sou aquele que redefine o antigo conhecimento como ignorância—e, portanto, eu sou aquele que reinará sobre a reforma do mundo… O que quereis de mim, criaturas impotentes?”
—E um longo silêncio caiu sobre eles.
“Uuuuumm—”
Então era isso.
“Então Jibril está me superestimando com força divina destruidora…”
Era exatamente como Jibril havia dito, afinal: não poder compartilhar memórias significava que percepções subjetivas inevitavelmente entrariam em jogo.
—Bem, de qualquer forma, Jibril tinha identificado Sora como o novo senhor que ela deveria servir, em igualdade de condições com seu criador. Fazia sentido que Jibril visse Sora como algum tipo de deus—mas.
“Ei, eu sou mesmo tão nerd assim?”
“…Huh? Meio, que…”
“É um pouco uma caricatura, mas retrata mais ou menos o comportamento de Sora, não é?”
Enquanto Shiro e Steph respondiam à sua pergunta como se fosse ainda mais surpreendente do que a transformação de Jibril, Sora ponderou.
“…Talvez eu deva realmente me reavaliar.”
Com uma expressão de quem literalmente queria se enfiar em um buraco, Sora decidiu cobrir o rosto com as mãos e apagar a interpretação subjetiva de Jibril sobre ele de sua visão.
……
“…Então, basicamente, nem mesmo o poder absolutamente vinculante dos Pactos consegue forçar as pessoas além de seus limites.”
Ao chegar a essa conclusão com um suspiro pesado, Jibril, uma vez mais ela mesma, respondeu:
“Receio que sim, Mestre. Então, para que você se tornasse mulher—”
“—ah…lamentavelmente, é impossível.”
Mas isso era apenas natural.
“Sim… se pudéssemos impor coisas que ultrapassassem os limites e habilidades das pessoas envolvidas no jogo, então, indiretamente, seria possível dar à humanidade poderes como magia.”
Mas Sora, continuando com um “De verdade—”
“Era o que eu esperava—mas acho que não é tão fácil encontrar uma brecha nas regras.”
“—!”
Seu anúncio fez Steph e até Jibril prenderem a respiração. Ele estava procurando (ainda que de forma frívola)—uma brecha nas regras absolutas e imutáveis do mundo estabelecidas pelo Deus Único.
—Esse era Sora—o rei da humanidade. Aquele a quem Jibril decidira servir. Mas parecia que o próprio Sora não estava consciente disso. Enquanto Steph e Jibril permaneciam atônitas, parecia que apenas Shiro estava acostumada com isso como algo “próprio de seu irmão”. Para Shiro, como se ele já tivesse seguido em frente, Sora lentamente apresentou uma proposta diferente.
“Tudo bem, então vamos dizer que você não pode forçar nada, mas Shiro—você pode me transformar em ‘Shiro’?”
Shiro inclinou a cabeça.
“…Pra quê?”
“Bem, sempre tive curiosidade de saber como você vê o mundo.”
“…Você, só vai, ser…a, Shiro, que percebe…assim como, com as outras, duas.”
“Claro, mas ainda assim, então eu teria o poder vinculante dos Pactos ao meu lado. Só pensei que, se pudesse maximizar essa emulação a um nível normalmente inalcançável, talvez visse algo novo.”
Mas as palavras de seu irmão fizeram Shiro refletir.
—Seu irmão definitivamente não era tão tolo quanto achava ser. Na verdade, ele já a derrotara várias vezes com truques astutos que ela nunca teria imaginado. Shiro mal conseguia entender por que seu irmão se chamava de burro. A única coisa que se podia dizer… é que ele era, bem—meio denso em alguns aspectos estranhos. E se o poder dos Pactos permitisse que Sora superasse essa densidade? Considerando que Sora havia vivido o mesmo tempo da mesma forma que Shiro desde o dia em que se conheceram e que os dois compartilhavam praticamente as mesmas memórias. Será que ele ainda falharia em notar? Seus sentimentos.
—Os sentimentos escondidos em seu coração, por seu irmão, como mais do que um irmão.
Pensando nisso, o que Shiro disse foi um movimento para bloquear completamente o pedido de seu irmão. Divergente de sua verdadeira motivação; suave, mas fechando o caminho com força decisiva—uma desculpa.
“…Irmão…o que, você pensaria…se eu, me tornasse…você?”
“—Oh. É, isso seria péssimo. Descobrir como você realmente me vê, no pior dos cenários, poderia me matar.”
—Isso, afinal, impediu seu irmão de perceber. Embora as bochechas de sua irmã tenham ficado levemente vermelhas… o significado escapou à sua atenção.
“Hmm… Tudo bem então, Jibril, quer ser a Steph?”
“Não quero argumentar, Mestre, mas não vejo propósito em aumentar o número de personagens de alívio cômico.”
“Quem você está chamando de personagem de alívio cômico?!”
—A vida de Shiro, que havia começado em monocromia. Shiro agora entendia o que havia brotado em seu coração naquele momento, mas ainda não estava acostumada a expressar isso. Ela sorriu de forma tão sutil que a maioria das pessoas não perceberia. Mas seu irmão não podia deixar de notar. Sora sorriu de volta, de forma igualmente sutil, e o significado em seus olhos era mais claro do que palavras.
—“Isso é divertido.” Este mundo—esta situação em que podiam jogar com um sorriso. Ou o fato de que Shiro estava sorrindo. Não precisando esclarecer qual dos dois, os olhos de seu irmão lhe disseram que era ambos, e Shiro acenou sutilmente—
—e então tudo ficou preto.
******
As pálpebras de Shiro estavam pesadas. Seus olhos, terrivelmente secos como se tivesse chorado enquanto dormia, estavam tão pesados que se recusavam a abrir. Não, talvez fosse por estarem secos... Ela foi lembrada de um pesadelo que não queria pensar, que não queria sequer imaginar. Não verifique se é real ou um pesadelo, não abra os olhos para ver o que está diante deles—Shiro sentiu como se alguém em sua cabeça estivesse recusando isso. Mas, para negar isso. Para afirmar que era impossível. Ela calou os pensamentos que exigiam que parasse e, com certa dor, abriu os olhos com dificuldade. Era o quarto real do Castelo Real de Elkia. Deitada em uma cama tão enorme que seria difícil imaginar quantas pessoas deveriam dormir ali, estava Shiro, sozinha. O quarto tinha incontáveis jogos espalhados e uma montanha de livros—e isso era tudo. Não importava quantas vezes olhasse ao redor, a pessoa que deveria estar ali... não estava. A pessoa que teria lhe dado bom dia e dado a ela uma razão para viver aquele dia.
—Sora não estava ali—na sala vazia. O significado disso… Seus pensamentos tentando negá-lo pareciam sussurrar.
—“Eu te avisei.”
“…Por favor…se, isso for um sonho, acabe!”
Com um som que ela raramente fazia, agudo e rouco o suficiente para doer, ela gritou.
—O quarto vazio lhe dizendo que todas aquelas memórias eram apenas uma ilusão. Ela apenas engoliu o soluço e gritou.