Nv. 99 Princesa da Chama Negra

Capítulo 42

Nv. 99 Princesa da Chama Negra

— Por acaso, você conhece o Maestro?

Olhos negros encaravam a tela do laptop. Eunha colocou as mãos no teclado como se estivesse cativada.

— Você quer vê-lo?

Tap, tap.

Quando digitou até ‘Maes’, a função de sugestão exibiu uma fila de termos relacionados.

Maestro visita à Coreia

Personagem Maestro

Foto do Maestro tirada por fãs

Maestro o traidor

Patrimônio do Maestro

As duas mãos sobre o teclado pararam. Depois de alguns tiques do relógio, Eunha abaixou as mãos lentamente.

“…Vamos parar.”

“É, eu disse que não ia me importar.”

Ela não podia esperar que algo positivo surgisse de um encontro com ele. Acima de tudo…

“Não posso presumir que Ijun Baek deseje um reencontro comigo.”

O simples fato de seu ex-colega estar vivo e ser aceito pelos outros já era suficiente. Sabendo tão bem o quão vulnerável ele era, cutucar uma ferida seria cruel.

“O que é que eu quero confirmar?”

“Quero me sentir aliviada por minha escolha naquele dia não ter sido errada?”

“Não, talvez eu só tenha me abalado com o reencontro com um passado que só existia vagamente em minha memória.”

Após apertar a tecla de apagar para deletar o ‘Maes’ que havia digitado, Eunha se jogou de costas na cama. De qualquer forma, era egoísmo.

Ela encarou o teto, que hoje parecia mais alto, e fechou os olhos lentamente. Ela já não tinha mais passado. No dia em que viu o braço amputado da mãe, muito tempo atrás, o passado também havia sido arrancado dela. Era tolice sentir vazio por esse fato agora.

“Mas e se…”

Eunha abriu os olhos devagar, como se fosse puxada por algo. A visão escura, dissolvida na escuridão sem luz, vagava pelo teto.

“Se eu o encontrasse. O que deveria dizer? Que bom que está vivo? Você se lembra de mim, por acaso? O William… morreu?”

“…Não sei.”

Eunha fechou os olhos novamente. A noite só se aprofundava. Era uma noite escura, que parecia ter vindo unicamente para ela.


A área comum no último andar da Associação de Jurisdição dos Caçadores.

Todas as persianas estavam fechadas. À meia-noite, não era para bloquear o sol.

Clink.

O tilintar da xícara de chá sacudiu discretamente o ar anormalmente silencioso.

— Antes de tudo, devo expressar minha gratidão.

Ijun baixou a xícara e falou ao erguer a cabeça. O atual presidente da Associação de Jurisdição dos Caçadores da Coreia, Daeyun Go, estava sentado à sua frente.

— Graças a você, consegui entrar no país discretamente.

Embora a mídia e os jornais estivessem tagarelando sobre a visita de Maestro à Coreia, ele pôde embarcar confortavelmente em seu carro no aeroporto graças à Associação.

— Foi apenas um gesto óbvio de consideração.

Daeyun sorriu satisfeito e ergueu os olhos para o homem à sua frente.

Ijun Baek. Embora tivesse ido para os Estados Unidos, era um caçador da primeira geração que sobrevivera ao início turbulento, além de ser o primeiro caçador de Rank S de origem coreana. Esse fato não mudava, mesmo sem nacionalidade coreana.

— Pensar que o dia chegaria em que eu conheceria a lenda viva pessoalmente. É uma honra para mim também.

— Está me bajulando.

— De forma alguma. Ah. Preparei o que você mencionou. Era a sopa de carne da Vovó Yunrye Kim, não era?

Quando Daeyun apertou um botão na mesa, a porta logo se abriu. Uma mulher que parecia funcionária da Associação colocou uma sacola grande sobre a mesa.

— Aqui está.

E então, ela lançou um olhar a Ijun.

“Esse é o Maestro…”

O cabelo loiro que reluzia sob a luz incandescente. Os traços faciais, limpos demais para um mestiço, captaram sua atenção de imediato.

Quando seus olhos encontraram os dele, os olhos cinzentos se curvaram gentilmente. Ela prendeu a respiração por um instante, e ouviu o presidente Daeyun pigarrear.

— Hmm. Pode se retirar.

— Ah, com licença.

A funcionária recuperou-se rapidamente e saiu apressada, fechando a porta atrás de si.

— Está um pouco tarde, mas experimente. Pedi que esquentassem, então não estará fria.

— Obrigado.

Daeyun abriu ele mesmo a sacola e distribuiu os potes sobre a mesa.

— Mas é surpreendente que queira comer algo como sopa de carne. Parece que sentiu falta dos sabores coreanos.

Daeyun sorriu benevolente e entregou os talheres a Ijun.

Já passava da meia-noite. Era um horário bem tardio para uma refeição, mas Ijun pegou a colher sem reclamar.

— Ah, esse é o sabor… — murmurou Ijun em voz baixa, após a primeira colherada.

— Perdão? Disse algo?

— Nada. Está muito boa.

— Dizem que é um restaurante famoso, embora eu não o conhecesse. Você gostava de sopa de carne?

— Não. Não muito.

— Ah… Entendo.

Os olhos cinzentos que observavam a sopa de carne no pote pareciam ligeiramente opacos.

Não sabia por que queria comê-la, se nem gostava tanto assim. Ainda assim, vendo-o raspar o fundo do pote, até duvidava que ele realmente não gostasse.

Daeyun abriu a boca com pesar diante do pote vazio.

— …Tenho me preocupado com algumas coisas. Não é fácil equilibrar o poder.

Ijun pousou a colher e assentiu.

— Pode-se dizer que é uma questão para todas as Associações de Caçadores do mundo, já que os caçadores estão ficando cada vez mais fortes. Por um lado, é confiável. Por outro, assustador.

— Exatamente.

Daeyun limpou as mãos com uma toalhinha umedecida e suspirou fundo.

— Entendo que a Associação dos Caçadores dos EUA emprega caçadores de alto escalão como agentes da Associação, mas aqui é difícil fazer o mesmo.

Daeyun ergueu o chá verde. Deu um gole para acalmar os nervos em brasa e voltou a falar, com pesar:

— É difícil enviar agentes de busca para os Portões de Ruptura.

— Que caçador de Rank A ou superior aceitaria ficar na Associação com salário mensal?

A única coisa em que a Associação era melhor do que as guildas era no seguro. Em outras palavras, não havia motivo para que alguém se juntasse à Associação, a menos que priorizasse o bem público em vez do pessoal. Por isso, chamavam caçadores com senso de justiça de tolos ou esquisitos, não de heróis. Era uma situação bastante desanimadora.

— Seria um grande benefício para nós se caçadores como você estivessem na Associação.

Daeyun o observou. Havia expectativa em seus olhos. Ijun apenas sorriu em silêncio.

Considerando que era o presidente da Associação Coreana de Caçadores, Daeyun provavelmente não deveria estar falando de forma tão informal.

“Talvez ele nem pretenda ser discreto.”

As portas da Associação de Caçadores da Coreia estavam sempre abertas. Era uma forma de fazer um apelo.

— Haha. Eu estava brincando.

De jeito nenhum. Mesmo pensando assim, Ijun apenas sorriu como se não tivesse percebido. Daeyun pigarreou e mudou de assunto.

— Ouvi falar do desempenho da guilda Chaser. Limparam um portão de Rank S na Flórida, não foi? E em quatro dias ainda por cima.

— Mesmo que chamem de limpeza de portão Rank S, não foi só a Chaser que fez isso. Teria sido impossível sem a União das Guildas da América do Norte.

Ijun manteve o sorriso enquanto levava a xícara de chá aos lábios. No momento em que o amargor suave se espalhou pela boca, uma imagem em sua visão periférica atraiu sua atenção. Seus olhos cinzentos se fixaram na foto largada sobre uma mesa de visitas.

— …Aquela.

— Ah. É uma caçadora novata que começou recentemente.

Daeyun lançou um olhar à foto.

A silhueta de uma mulher de cabelos negros, olhos negros e vestido preto. Era a caçadora Yura Lee, a Princesa da Chama Negra, em quem ele vinha prestando atenção.

— Ela era meio suspeita, então eu estava investigando. Esqueci de guardar isso — disse Daeyun despreocupadamente ao virar a foto de cabeça para baixo. Mas os olhos de Ijun continuavam fixos nas costas da imagem.

— Suspeita?

— Foi avaliada como Rank F, mas era bastante habilidosa. E como você sabe, o medidor usado no mundo todo não pode estar errado. Muitas coisas me preocupam.

O sorriso nos olhos de Ijun desapareceu por um instante.

— …Entendo.

Mas foi só por um instante. Ijun fechou a boca e baixou o olhar.

— Você a conhece?

— Não — respondeu de imediato. Sem qualquer hesitação. — É só que… o estilo dela é único.

Algo passou brevemente pelos olhos que se fecharam num movimento contido. Mas Daeyun não percebeu e apenas assentiu. Claro. Além de ser um caçador da primeira geração, ele havia passado décadas nos Estados Unidos. Como conheceria a Princesa da Chama Negra?

Ijun não mencionou mais a Princesa da Chama Negra, e Daeyun também não.

O assunto mudou facilmente da Princesa da Chama Negra para os Portões Desconhecidos.

— Entendo. Os Portões Desconhecidos ainda são…

Ijun acariciou o queixo com expressão séria.

Todos os portões são estruturados de forma que não possam ser identificados pela tecnologia moderna, mas os Portões Desconhecidos iam além.

Embora portões se abrissem no mundo inteiro, os Portões Desconhecidos apareciam com frequência especial no Leste Asiático, principalmente na Coreia.

Era impossível prever sua dificuldade. Era lá que se podia obter recompensas valiosas, impossíveis em portões comuns, mas a causa de seu surgimento e como superá-los permanecia desconhecida, e não se podia negar que tinham mais contras do que prós.

— Tenho a impressão de que talvez os Portões Desconhecidos sejam o maior desafio da Associação de Caçadores da Coreia.

O rosto sombrio de Daeyun surgiu sobre o chá. As pesquisas sobre Portões Desconhecidos vinham se arrastando há duas décadas, com a Coreia como centro, junto aos países vizinhos, mas era impossível encontrar a solução para um problema cuja origem não podia ser identificada.

— Fico falando de assuntos pesados.

— Não tem problema.

— O Caçador Baek parece tão confiável que acabo desabafando sem perceber. De verdade, não consigo tirar da cabeça o quanto gostaria que houvesse alguém como você na Associação. Haha.

— Vou considerar isso de forma positiva.

— Sim, de forma positiva…

“Hein?”, Daeyun congelou como uma estátua ao levar a xícara à boca.

Quando ergueu a cabeça num movimento brusco, com os olhos arregalados, encontrou o olhar de Ijun, que pegava o paletó pendurado no sofá.

— O q-que foi que você…?

— Eu disse que vou considerar isso de forma positiva.

— Está falando sério?

— Sim.

“Meu Deus.” Daeyun quase deixou a xícara cair da mão.

Ao contrário de Daeyun, que permanecia petrificado de surpresa, Ijun conferiu calmamente o relógio no pulso. Já se aproximava da 1:00h. Ele se aproximou da janela, ergueu as persianas fechadas e olhou para fora.

— Devo ir. Ainda não me adaptei totalmente ao fuso, e estou um tanto cansado.

— Uhm… Certo. Vá sim.

— Tratarei dos detalhes por meio do meu assessor. Está bem assim?

— C-Claro. Quando quiser.

Daeyun assentiu repetidamente, ainda piscando em choque.

— Obrigado pela sopa de carne.

Click.

As portas se fecharam.

Mesmo assim, Daeyun continuava imóvel como uma estátua.

“Ijun Baek… Aquele Maestro na Associação? Na Associação de Caçadores da Coreia, e não na americana? Claro, ele não confirmou, mas…”

“Por quê?”

Nem mesmo ele, o presidente da Associação, conseguia deixar de duvidar.

Mas apesar da dúvida, não tinha intenção de deixar passar essa oportunidade. Daeyun se levantou de um salto do sofá, caminhou até a mesa e estendeu a mão para o telefone.