
Capítulo 1
Nv. 99 Princesa da Chama Negra
Você aí, já ouviu falar da Princesa da Chama Negra?
Dizem que ela é um monstro humanóide que surge das profundezas da escuridão através do portão. Dizem que ela é ágil como um gato e tem a pele tão branca quanto a de um vampiro. Também ouvi dizer que ela possui um charme estranho, que faz com que seja impossível esquecê-la depois de vê-la. Ouvi dizer que um caçador ficou tão obcecado por sua beleza que ficou parado, imóvel, enquanto ela arrancava seus olhos com a ponta de sua sombrinha.
Se a vir, fuja… se conseguir escapar de suas chamas negras.
Era o final do verão, logo após o fim da longa e cruel temporada de monções. Eunha não conseguia parar de caminhar pela estrada e olhava novamente para o pedaço de papel em sua mão.
<Faculdade Quinlish>
Número de inscrição: 9782136
Nome: Eunha Cha
Nota: Aprovada no Departamento de Tosa de Cães
Ela conferiu sua carta e a guardou de volta na bolsa pela vigésima sexta vez. Apesar de já ter repetido esse processo tantas vezes, era claramente uma carta de aceitação. Ela finalmente poderia estudar tosa de animais como sempre sonhara, em uma famosa escola dos Estados Unidos.
Do outro lado da rua, ainda tingido pela cor da chuva, havia um ponto de ônibus vazio.
“Estou quase lá.”, Eunha ergueu a cabeça e olhou para o céu. Mesmo após a chuva ter cessado, pesadas nuvens ainda pairavam, mas Eunha sentia-se leve. Olhou mais uma vez para a carta e apressou o passo. Era uma caminhada de cerca de vinte minutos da escola até sua casa. A estrada que percorria todos os dias parecia hoje mais longa do que nunca.
Logo adiante, viu uma cabine telefônica. Queria contar para a mãe o mais rápido possível. Sua mãe certamente ficaria muito feliz.
Trim!
O coração de Eunha batia descompassado enquanto a linha chamava. Finalmente, o toque cessou e uma voz familiar e gentil soou do outro lado.
— Alô?
— Mãe, sou eu, a Eunha — começou, tentando soar o mais calma possível. Não esqueceu nem de engolir em seco. — Eu não tenho muitas moedas, então vou ser rápida. Mãe, você sabe…
Mas Eunha não conseguiu terminar a frase. O telefone caiu no chão com um baque surdo.
Boom.
O céu rugiu alto, e dezenas de relâmpagos vermelhos choveram sobre Seul. O asfalto se rompeu; o ar tremeu. Enquanto os prédios desabavam como peças de dominó, as pessoas corriam desesperadas, como formigas fugindo de um formigueiro destruído.
— Alô? Eun…ha…
A chuva, que recomeçara, batia impiedosamente na cabine telefônica, deixando rastros negros como lágrimas.
“Meu Deus, o que está acontecendo?”, Parecia real demais para ser um sonho, mas terrível demais para ser a realidade.
Carros afundavam nas rachaduras do asfalto, enquanto postes de luz entrelaçados a fios elétricos balançavam furiosamente. Alguém, esmagado por uma placa de loja caída do nada, foi reduzido a uma massa informe, como uma batata cozida.
Enquanto Eunha olhava, atônita, para a devastação, houve um estrondo! Algo pesado parecia ter aterrissado no topo da cabine.
— Aahh…!
Ela ainda podia ouvir o grito da mãe através do telefone. Trazida de volta à realidade, Eunha estendeu a mão para o fone novamente.
— Mãe? Mãe!
Não houve resposta, não importava quantas vezes chamasse. Um pressentimento terrível tomou conta dela, e Eunha sabia que seus pressentimentos nunca estavam errados. Apertando a carta de aceitação na mão, começou a correr para casa.
Ela não se lembrava de como chegou lá. Só lembrava de correr na direção oposta à dos que fugiam desesperadamente. Quando virou a esquina e parou diante dos portões familiares, a carta caiu de sua mão.
O piano branco, tão conhecido, estava esmagado sob o concreto caído. Debaixo das teclas despontava um braço esquerdo esmagado.
“Não pode ser ela.”, Eunha se aproximou, lentamente. No pulso, havia uma pulseira de desejos que ela mesma havia feito e dado de presente anos atrás.
Eunha agarrou o piano como se estivesse enfeitiçada. Não importava o quanto puxasse, o instrumento não se movia nem um centímetro, como se estivesse cravado no chão. Finalmente, ela soltou o piano e puxou o braço da mãe com toda a força que tinha.
Thud.
A mão, antes imóvel, se soltou como uma raiz de batata sendo arrancada: fria, pálida, sem vida.
— Mãe… — Eunha desabou no chão como uma marionete com os fios cortados.
A mão que antes acariciava sua cabeça, o braço que servia de travesseiro nas noites insones, haviam perdido seu dono e agora choravam lágrimas vermelhas. O vento, misturado aos gritos distantes, ergueu a carta de aceitação caída no chão e a carregou para longe.
Setembro de 1997.
O mundo havia mudado. Os relâmpagos vermelhos que caíram do céu deixaram cicatrizes imensas por todo o país. Rachaduras de várias cores exalavam uma energia suspeita e sombria, embora não apresentassem nenhuma reação especial. Relâmpagos vermelhos haviam caído por todo o mundo, e as fendas deixadas por eles passaram a ser chamadas de ‘portões’.
Um dia, houve um incidente: pesquisadores que investigavam as rachaduras na região da capital sofreram uma morte em massa. Apenas um, entre dezenas, voltou vivo.
— Havia uma cigarra… maior que um carro, maior que um ônibus! Ela arrancou meu braço!
O mundo o tratou como um lunático, mas não demorou muito para perceberem que ele dizia a verdade.
Outubro de 1997.
Monstros aterrorizantes saíram dos portões e se revelaram ao mundo. Era realmente um desastre. Monstros famintos há muito tempo devoravam todos os pedestres em seu caminho. O governo enviou milhares, dezenas de milhares de soldados aos portões espalhados pelo país, mas nenhuma das armas criadas pelos humanos modernos funcionava contra eles.
Mas isso não importava.
Era o funeral de sua mãe. Dadas as circunstâncias, Eunha só pôde realizar o funeral muito tempo depois da morte dela.
— O quê? Nós não. Temos três filhos, três.
— Então o quê? Eu que tenho que cuidar dela? Primos de terceiro grau são praticamente estranhos.
Eunha permaneceu imóvel diante do retrato de sua mãe. Não havia para onde ir, nem em qualquer outro lugar do mundo, na verdade. Já fazia uma hora que os parentes, que mal a conheciam, começaram a despejar suas reclamações na sua frente.
— Sei lá, sério. Onde está o pai dela? Que ela vá para o pai.
— Aff, se vira! Eu não quero saber!
— Shh! Ela vai ouvir!
“…Eu estou ouvindo tudo.”
Eunha já não tinha mais lágrimas para chorar. Tocou a pulseira em sua mão. O prédio inteiro onde morava havia desabado e se transformado em pó; a pulseira de desejos era tudo o que lhe restava de sua mãe.
— Eunha, você vai ser adulta em breve, então já é grande o suficiente para se virar sozinha.
— Sim.
— Não me sinto confortável em deixá-la sozinha. Mas, como sabe, temos três crianças… Você entende, certo?
— Entendo.
— O governo vai fornecer uma moradia temporária e um fundo de apoio, então deve ficar tudo bem. Mas entre em contato se as coisas ficarem difíceis.
— Está bem.
No fim, Eunha foi deixada sozinha. A moradia fornecida pelo governo mal podia ser chamada de casa. Era uma barraca feita de tábuas, mas quem precisa não pode escolher.
Ela sobrevivia com o fundo de apoio e a comida gratuita.
— Soube do Dongsik Ma? Parece que ele despertou.
— O quê? Sério?
— Ele sumiu desde ontem. Deve ter sido levado para o Centro de Treinamento.
— Ai, que não seja comigo… Se for convocado, nem se sabe quando vai morrer. Eu odiaria que fosse comigo.
— Eu também. Lutar contra esses monstros? Estas barracas podres são muito mais seguras.
O refeitório gratuito estava ainda mais caótico do que o normal naquele dia. Já fazia algum tempo que pessoas extraordinárias com poderes sobrenaturais haviam começado a surgir por toda a nação, não, pelo mundo inteiro. Eunha achava que isso não tinha nada a ver com ela, até aquele dia.
【Iniciando identificação.】
【Nome: Eunha Cha】
【- – – Carregando – – -】
【Sua habilidade única foi ativada.】
【Conectando a um novo canal.】
“…O que é isso?”
Meio adormecida, quando estendeu os dedos, uma corrente elétrica pareceu fluir pela ponta deles. Não, não era eletricidade.
— Fogo…?
Chamas brotaram de seus dedos como brasas florescendo. As chamas iluminaram a velha cabana escura. Elas não se apagaram até o amanhecer, mesmo quando Eunha queria.
Alguns dias depois, de alguma forma, o governo descobriu e mandou alguém buscá-la. O homem se apresentou como um agente da Agência Nacional de Segurança e mandou Eunha arrumar suas coisas. Ela não tinha o direito de recusar.
Eunha aceitou docilmente a ordem e subiu em um enorme ônibus. Havia cerca de quarenta pessoas a bordo. Eles também haviam ‘despertado’ como pessoas com poderes sobrenaturais, assim como ela. Soube disso algumas horas depois, quando chegaram ao Centro de Treinamento.
— Diante de um desastre nacional sem precedentes, vocês receberam a oportunidade de se dedicarem ao Estado. — A voz que ecoava penetrava nos ouvidos de todos. — Lembrem-se de que centenas, milhares de vidas dependem de cada um de vocês.
O Centro de Treinamento estava silencioso, como se tivessem jogado um balde de água fria sobre todos. Algumas pessoas pareciam chorar. Monstros aterrorizantes e ferozes estavam à solta nos portões, nas rachaduras espalhadas pelo país. Eunha soubera disso pelas notícias.
“Eu… eu vou ter que enfrentá-los?”
Eunha olhou para suas mãos trêmulas. Embora dissessem que ela havia despertado, não fazia ideia de como enfrentar aqueles monstros usando suas habilidades. Mas sabia de uma coisa: eles eram os responsáveis pela morte de sua mãe. Roubaram sua casa, seus sonhos e sua vida.
Os monstros cruéis não esperavam pelos despertos despreparados. Mesmo agora, estavam atacando, matando a família de alguém. Os caçadores estavam sem tempo e seu treinamento foi reduzido a apenas três meses. Porém, para Eunha, três meses era muito tempo. Ela já não tinha motivo nem energia para ir à faculdade. Aqueles que perderam tudo eram mais corajosos do que aqueles que tinham tudo.
A habilidade única de Eunha, ‘Chama Ardente’, era otimizada para combate. Suas chamas eram extremamente ferozes e agressivas, e não sabiam parar.
Abril de 1998.
Os caçadores que haviam concluído o mínimo de três meses de treinamento foram lançados nos portões. Eles não tinham armas nem armaduras. Tudo o que possuíam eram as placas de identificação penduradas no pescoço e o pesado fardo de serem a última esperança da humanidade.
Era o ano em que Eunha completava vinte anos.