Capítulo 826
Sobrevivendo no Jogo como um Bárbaro
Maze Reiner. Surpreendentemente, o sujeito tinha o impressionante terceiro nível como explorador reconhecido pela guilda, um profissional de alto nível. Bom, sua habilidade de combate estava bem aquém do que o rank sugeria. Mas, justamente por isso, eu o considerava ainda mais valioso. Afinal, isso só provava o quão excepcionais deviam ser suas outras habilidades.
“Ele tem trinta e três anos, se bem me lembro…”
Um explorador de terceiro nível aos 33 anos. Tinha até um apelido estiloso, e era vice-líder de um clã de porte médio, não era um clã de grande escala, mas estava logo abaixo.
“Embora tenha sido ele mesmo quem se gabou disso, o que foi meio engraçado.”
De qualquer forma, não havia dúvidas de que era um tipo de elite. Afinal, só podiam entrar neste labirinto aqueles com o nível adequado. E o cara ainda estava vivo no primeiro dia do colapso, o que significava que fazia bem seu trabalho.
“Beleza, investigação de habilidades encerrada.”
Sentado confortavelmente com as pernas cruzadas, mantive o olhar no nível dele enquanto descansava. Então me levantei devagar.
— Certo. Vamos nessa.
— Hã…? Ir…? Para onde?
Ah, não expliquei?
— Tenho que encontrar meus companheiros.
Respondi brevemente, mas ele ainda parecia não entender direito.
— Pretendo vasculhar o labirinto inteiro, sem deixar canto algum.
— …
— Por que tá em silêncio?
— A-ahaha… C-Certo. S-Sortudos esses companheiros. T-Tem um visconde tão determinado como líder…
Hmph.
O que ele tá dizendo? Dava pra ver na cara dele que estava cogitando procurar outro grupo.
— Enfim, sobe logo.
— O quê…? S-Subir…?
No começo ele parecia ágil, mas agora tá todo travado. Bom, disse que faria tudo sem reclamar, então nem preciso perguntar se ele quer ou não.
— O-Ooh?!
Segurei ele pela nuca e joguei sobre meu ombro à força. Nome disso? Modo Tanque Bárbaro.
— Segura firme. Se cair, é morte na certa.
Hora de partir.
Planícies cobertas de neve.
Kuung.
Desfiladeiros e foz de rios.
Kuung.
Florestas místicas e campos em chamas.
Kuung.
Cavernas onde a lava escorre. Não importa muito qual terreno é mencionado. Afinal, nem sequer permanecemos neles por alguns segundos.
— Behel–LAAAH!
Eu corria pelo interior do labirinto.
KUUNG…!!
A cada pisada no chão, um estrondo ressoa, pesado e firme.
— GRRRRRRHHK!!
Empurro para longe com o escudo os inúmeros monstros espalhados pelo caminho. É claro que eles não ficam apenas observando. Criaturas cujo único propósito é matar exploradores invadindo o labirinto nos atacam sem hesitação no instante em que nos veem.
【Arqueiro Demoníaco conjurou Bênção da Lua.】
Flechas chovem sobre nós.
【Espectro da Lua Congelante conjurou[Lança Glacial.】
Lanças de gelo nos perfuram. Maldições, petrificação, drenagem de MP…
— AaaaaaAAAAHH!
Reiner, jogado no meu ombro, gritava sem parar, servindo de prova viva do quanto isso é insano.
— Aguenta firme!
— S-Se você tivesse virado só um pouquinho, minha c-cabeça…!
— Já entendi, então aguenta firme!
Mas eu tenho certeza.
— Esse é o melhor jeito!
— V-Você tem mesmo que encontrar seus companheiros?!
Foi por pouco, essa pergunta quase cruzou a linha. Mas só dei uma risadinha.
“Até porque, não estou fazendo isso apenas por causa da missão de reencontrar os companheiros. Pensa comigo…”
É porque eu sou um tanque.
Só um único monstro de quarto nível já toma um bom tempo pra ser derrotado. Então, à medida que as ondas se acumulam, a quantidade de monstros também aumenta. Ficar parado é suicídio. Sou como um tubarão: se parar de nadar, morre. Tenho que correr sem parar, esse é o único caminho para sobreviver.
E o alívio é que…
Pelo menos não estou trilhando esse caminho sozinho.
Por sorte, conquistei um companheiro de viagem bastante confiável.
【Maze Reiner conjurou Carregar Fardos.】
【Todos os efeitos negativos aplicados ao personagem foram transferidos para Maze Reiner.】
Não é uma purificação típica de sacerdote ou um encantamento de mago. Mas os debuffs acumulados no meu corpo desapareceram completamente. Além disso…
【Maze Reiner conjurou Devorador de Impurezas.】
【A duração de todos os efeitos negativos é reduzida proporcionalmente ao atributo Espírito.】
【Toda vez que um efeito negativo é removido, o personagem recupera uma grande quantidade de Energia Vital e Poder Espiritual.】
Os debuffs que ele absorve se convertem em MP e HP.
【Maze Reiner conjurou Transfusão.】
E o HP convertido retorna a mim, um ciclo perfeito. Maze Reiner era um alquimista extremamente bem desenvolvido. E do tipo mais raro: suporte puro.
“Ainda que a Essência não seja de alta classe, a sinergia é ótima.”
Outros exploradores deviam aprender com isso. Não é só a Essência de alto nível que importa.
“E ele ainda disse que no combate direto vale como um aventureiro de quinto nível…”
Quando dá suporte em batalha, usa um arco e tem até habilidades relacionadas. Fico curioso pra ver como ele luta, mas…
CRACK!
Fim dos devaneios.
Fiiiiiiu…!
Ergui o Triturador de Demônios e balancei com toda a força. Não para ferir pontos vitais, mas para abrir caminho com impacto.
KWAHHHHH!
Assim que uma fresta se abriu, avancei com o escudo à frente e o corpo encolhido atrás dele. E foi quando a paisagem piscou novamente, revelando um novo espaço à frente…
— Finalmente, um ser humano.
Encontrei o segundo perdido, logo após o Reiner.
O segundo perdido também era um homem. Parecia estar na casa dos quarenta e poucos.
“Será que foi o último a sobreviver…?”
No meio de inúmeros cadáveres ao redor, aquele sujeito estava ajoelhado dentro de uma barreira semitransparente, de olhos bem fechados, como se tivesse desistido de tudo. Mas talvez nem mesmo fechar os olhos pudesse apagar o medo.
Kuung! Kuung! Kuung!
— Kyaaaaagh…!
A cada investida dos monstros contra a barreira e a cada uivo aterrorizante, o homem tremia todo.
“Foi o último sobrevivente.”
Diferente do Reiner, que havia se separado do grupo no meio do colapso, esse cara ficou com seus companheiros até o fim. Os corpos espalhados ao redor deixavam isso bem claro, ele era o último de seu grupo.
“E pela aparência, a barreira não vai durar mais que um minuto.”
Se eu não tivesse chegado, provavelmente teria seguido o mesmo destino dos outros.
— Um mago, hein…
Belo achado. Se o levar no ombro, pode ser bem útil.
…Ou ao menos seria um bom motivo pra me alegrar, se não fosse o estado lastimável em que o mago se encontrava.
“…Será que a cabeça dele ainda tá no lugar?”
Me preocupava, mas o fato de ainda estar aguentando sozinho dentro da barreira me fazia crer que o pior havia passado. Se está resistindo até agora, é porque ainda não largou a vontade de viver. Então…
— Behel–LAAAH!
Soltei um grito com toda força, e o homem dentro da barreira abriu os olhos assustado. Quando me viu, primeiro ficou confuso… Depois, o olhar dele se encheu de esperança.
Mas havia dezenas de monstros ao redor da barreira, então não podíamos conversar por muito tempo.
— Desativa a barreira no meu sinal!
Assim que dei a ordem, disparei contra os monstros, empurrando-os com o escudo até chegar à frente da barreira.
Fuuuuush.
E no exato momento em que cheguei, ela se desfez. Confesso que fiquei preocupado com aquele olhar perdido dele, mas…
— Ainda bem que entendeu rápido.
— V-Você… veio me salvar?
Mas é claro. Por que mais eu teria vindo até aqui?
— Chega de papo, sobe logo.
— A-Ah!
Como se estivesse colhendo um nabo, agarrei a nuca do homem e o joguei sobre o ombro oposto ao do Reiner. E então…
— A gente conversa no caminho.
Antes que o cerco se fechasse ainda mais, empurrei os monstros e escapamos daquele mapa por um triz. Felizmente, o próximo cenário era mais tranquilo. Por ser de um andar inferior e sem sobreviventes, não havia concentração de monstros.
Por isso…
Crunch!
Estilhacei as cabeças das criaturas inferiores que vinham em nossa direção e aproveitei para fazer uma pausa.
— E-Espera… Visconde Yandel?!
— Isso. Então vai logo, me fala.
— F-Falar…? O quê, exatamente?
Hmm.
Esse aqui parece mais difícil que o Reiner. Dava pra sentir um leve cheiro de ‘peso morto’.
“Bom, o cara acabou de escapar da morte e perdeu o grupo inteiro, né.”
Resolvi ser paciente e expliquei de forma mais clara.
— Não quero saber seu nome nem idade. Me diga seu nível, escola mágica, especialidade e, se tiver algum trunfo escondido, é bom contar também.
— A-ah!
Depois que expliquei os ‘requisitos’ para embarcar no modo tanque bárbaro, ele finalmente entendeu a situação e fez um briefing direto e eficiente.
Resumindo:
“Um mago de terceiro nível da escola Spheris, famosa pela magia de espaço.”
Especialidade: barreiras e teletransporte.
— Espera… se é da Spheris, então…
— Já usei a magia de portal dimensional quando fui convocado pelo exército. Agora não posso mais.
— Entendi.
Não era algo que me incomodava. De qualquer forma, em meio ao colapso, não daria pra usar magia de portal mesmo que tivesse.
— Enfim, se tiver alguma carta na manga, fala logo. Nada de esconder.
— Consigo arremessar monstros até de segundo nível! Desde que não tenham resistência mágica específica!
Através da magia de espaço, ele podia teleportar monstros perigosos para longe. Normalmente, o alcance seria de uns 30 metros… Mas no colapso, existia a possibilidade de fazê-los sumir completamente da frente.
“Isso… é bem útil.”
— Tenho 43 anos, e o nome é Elbein Cutter! Espero contar com você a partir de agora!
Disse que não precisava do nome nem da idade, né… Dei uma risadinha e fiz só mais uma pergunta final.
— Então… tá tudo bem?
— Tudo… bem?
Ele não entendeu. Então, com cuidado, reformulei:
— Os corpos ao redor… pareciam ser seus companheiros…
Usei um jeito sutil, nada bárbaro, de abordar o assunto. Mas no fim, foi uma gentileza inútil.
— Só sinto arrependimento agora…
— Arrependimento? Não, não precisa carregar essa culpa…
— O que me arrependo é de ter vindo com aqueles lixos pro labirinto! Nunca mais cometo uma burrice dessas na vida!
— …Hã?
— Implorei pra virem comigo nessa expedição, e no fim… morrem por causa de uns malditos monstros de nada! E eu que ainda cuidei dos monstros mais perigosos por eles! Aqueles vermes inúteis quase me mataram!
Fiquei completamente atônito. Ele chamou de lixo as pessoas que morreram tentando protegê-lo?
— Uuh…
Pelo lado positivo, pelo menos dava pra garantir que o mago não estava em colapso mental e conseguiria trabalhar normalmente…
— Já o senhor, Visconde Yandel, é tão nobre e confiável… Hahaha, prometo que não causarei nenhum incômodo.
…Mas que sensação estranha. Será que não era melhor abandonar esse cara por aqui?
Sabe aquela sensação estranha que bate do nada… e normalmente tá certa? Pois é. Elbein Cutter era a personificação do típico mago de elite, mergulhado até o pescoço em ideais elitistas.
— Como Visconde Yandel, alguém de sangue nobre, deve ter reconhecido meu sobrenome… Meu tio é ninguém menos que o Barão Cutter.
— Ah… entendi.
Na real, não entendi nada. Onde fica essa tal Casa Cutter mesmo? Talvez eu tenha escutado esse nome quando estudei sobre as famílias nobres, mas…
“Então era por isso que fez tanta questão de dizer o nome dele, mesmo quando eu disse que não precisava.”
Queria se exibir com isso.
— Ah, e minha irmã mais velha se casou com um dos familiares do líder da Escola Spheris.
— …
— Ah, e também! Minha segunda irmã está em negociações para se casar com a família do Conde Barvnon…
Que raios esse cara tá fazendo? Mesmo estando em um lugar relativamente seguro, era hora de ficar se gabando assim? Absurdo. Mas eu só respondi no automático.
— …É, você realmente parece… especial.
Se eu fosse professor, teria colocado ele direto na turma ‘especial’.
— Hoho, sabia que o Visconde Yandel saberia reconhecer minha natureza única… Fico emocionado!
— …
— Pelo que vejo, vossa senhoria também parece estar em situação semelhante à minha… A partir de agora, eu, Elbein Cutter, juro lealdade e me dedicarei com minha vida a servi-lo!
Tava começando a me irritar um pouco, mas preferi ver pelo lado bom. Querendo ou não, com essa mentalidade elitista, ele provavelmente seguiria qualquer ordem minha com devoção, já que sou de escalão superior. Agora, se fosse o contrário, a história seria outra…
— Maze Reiner, explorador de terceiro nível, também estou à disposição.
— …É nobre? Não conheço esse sobrenome, Reiner.
— Não, senhor. Meu pai tem uma oficina de artigos de couro em Kommelby.
— Uma família de artesãos, é. E como exatamente estamos em “situações semelhantes”?
— …Haha…
— E além disso, você é um aventureiro de terceiro nível. Não sabe que magos normalmente têm um nível a mais na comparação?
De fato, um mago de terceiro nível costuma ser bem mais raro e valioso que um explorador de mesmo grau…
— De agora em diante, gostaria que se referisse a mim sempre com o título de ‘sir’.
…É. Tá difícil não largar esse cara no meio do caminho.