
Capítulo 758
Sobrevivendo no Jogo como um Bárbaro
Rafdonia era uma cidade cruel, ainda mais para aqueles que eram espíritos malignos.
Acordar no corpo de outra pessoa, sem qualquer conhecimento do que estava acontecendo, forçava os espíritos malignos a lutar desesperadamente pela sobrevivência, podendo ainda assim encontrar a morte devido a um simples e infeliz golpe de azar.
No entanto, para Eltora, as coisas eram diferentes.
Ele não era particularmente brilhante, nem possuía algum talento extraordinário. Não, ele tinha algo ainda mais especial do que qualquer outra pessoa: seu sobrenome era Tercerion.
Honestamente, nada mais precisava ser dito. O sobrenome Tercerion significava que ele era filho do segundo homem mais poderoso da nação, e isso era suficiente para transformar a história de Eltora, de uma luta pela sobrevivência, em apenas viver em outro mundo.
Não era como se ele não tivesse suas próprias dificuldades, mas, diferente dos outros espíritos malignos que precisavam viver como baratas no fundo da cadeia social, ele desfrutava de uma vida confortável.
Até que…
“Aquele maldito marquês desgraçado.”
O marquês enlouqueceu de repente, aliou-se a Noark e levantou armas contra o palácio. A partir desse momento, o ponto de partida de Eltora foi reduzido ao mesmo que o dos outros espíritos malignos.
Como os demais, ele começou a se preocupar com sua sobrevivência. Por isso, mesmo quando foi ordenado a liderar as forças do marquês e colaborar com os noarkianos após ser envolvido na guerra, ele seguiu obedientemente.
Quem poderia culpá-lo? Embora na Terra a culpa por associação fosse algo amplamente descartado, este era um mundo diferente, com um cenário mais medieval. Nem precisava mencionar o que aconteceria ao filho do traidor que orquestrou a guerra. Em resumo, ele não tinha escolha a não ser se aliar ao marquês.
No entanto, pensando bem, esse foi o maior erro de sua vida.
“Eu nunca imaginei que houvesse um segredo como aquele…”
Após se juntar aos noarkianos, ele começou a investigar secretamente o que estava acontecendo, motivado pela inquietação em seu coração. O resultado de sua investigação foi a descoberta de um segredo chocante escondido na mansão do marquês. Um enorme segredo que respondia a todas as perguntas e suspeitas que ele tinha até aquele momento. E esse segredo era…
Smash!
O fluxo de pensamento de Eltora foi interrompido quando Ainar lhe deu um tapa nas costas.
— Ugh! Qual é o significado disso?! — ele protestou, indignado.
— Hã? Só senti vontade.
— Ugh…
Ele quase explodiu de raiva, questionando como as coisas chegaram a esse ponto, ao ver a expressão calma daquela bárbara. No entanto, escolheu se controlar.
As pessoas diante dele… eles eram sua única chance de salvação.
“Se eu conseguir provar ao Barão Yandel que traí o marquês e contribuí grandemente para sua derrota… então posso sobreviver.”
Não era apenas uma esperança distante, ele tinha certeza de que era possível. Afinal, aquele homem era o herói mais famoso da cidade. Uma palavra de confiança do barão e o filho do traidor poderia se transformar no aliado do grande herói, que traiu o próprio pai pela justiça.
— Ugh…!
E assim, Eltora mordeu a língua apesar da dor nas costas. Mesmo que perguntasse o motivo, ela apenas diria que quis bater nele.
— Pare com isso… Se continuar sorrindo assim, serei obrigado a pensar que você tem uns parafusos a menos.
Essa maldita mulher bárbara! Por que diabos Yandel mantinha uma mulher violenta e tola como aliada?
“Ah, certo. Ele também é um bárbaro.”
Tão rápido quanto o pensamento surgiu, ele se foi, ao aceitar os fatos e simplesmente parar de resistir, ignorando, em grande parte, o olhar fulminante que lançou para ela.
— Ainar, pare.
Felizmente, a ‘candidata a legítima esposa’ de Yandel parecia ter bom senso e o salvou de mais humilhações.
— Se agir assim novamente, não terei escolha a não ser fazer o mesmo com você — ela advertiu.
— T-Tudo bem! Não vou bater nele!
— Desculpe — disse a mulher, voltando-se para Eltora. — Ela às vezes é um pouco infantil.
— Haha… Está tudo bem. Temos coisas mais importantes em que pensar. Não vou me importar com pequenos detalhes assim. Nesse sentido… O que faremos agora?
— Primeiro, precisaremos informar Yandel. Se ele simplesmente invadir este lugar, isso causará problemas.
— Não precisa se preocupar com isso. O primeiro-ministro planejava divulgar a localização da Lança Divina apenas após todas as armadilhas estarem prontas neste local. Yandel nunca pensaria em vir para cá antes disso.
— Nunca, você diz… Mas é melhor nos prepararmos, por precaução.
— Haha… Como esperado da esposa, você é bastante sábia. Agora entendo por que ele confia em você, madame.
O olhar perdido de Amelia ao ser chamada de madame fez Eltora sorrir internamente. Uma de suas perguntas estava agora respondida.
“Ela é vulnerável a elogios como esse!”
Ele precisava continuar com esses elogios, sem os tornar óbvios, para que ela pudesse interceder por ele junto a Yandel no futuro…
— Behel–LAAAH!
Nesse momento, um grito repentino de batalha ecoou, não de dentro do cofre, mas do lado de fora. Era alto o suficiente para ser ouvido claramente, mesmo através da porta pesada.
— Bjoooorn! Esse grito foi de Bjorn…! — A guerreira bárbara identificou quem havia soltado o grito e começou a gritar em resposta, visivelmente emocionada. Era como se ela tivesse se tornado o sinal de resgate.
— Uh…
Eltora trocou olhares com Amelia, que perguntou sarcasticamente: — Você não disse que ele nunca viria aqui?
Ele não tinha resposta para a breve pergunta dela.
Como isso era possível? Após o colapso do marquês, nem os primeiros passos do plano para formar uma armadilha usando a Lança Divina como isca haviam sido iniciados.
— Behel–LAAAH!
Como diabos ele sabia que devia vir para cá?
Os soldados do palácio, que haviam permanecido estacionados na capital imperial mesmo enquanto Ravigion e Kommelby estavam sendo destruídas, finalmente começaram a se mover. Não foi por algum motivo grandioso, como não suportar a injustiça que acontecia no restante da cidade, nem porque havia chegado um momento estratégico para atacar.
Foi porque eu pedi que eles se movessem.
Bem, para ser mais preciso, eles foram movidos pela grande autoridade de alguém com o título de Cavaleiro do Rei, mas fui eu quem disse a ele o que fazer.
— Se for só para atrair a atenção deles.
A quantidade de poder que Astarota possuía era impressionante. Mesmo sem marcar uma audiência, bastou que ele fosse até o comandante e trocasse algumas palavras para alterar as ordens do exército de Karnon. O mesmo exército que, teimosamente, não se mexeu nem quando o Distrito 4 foi tomado pelos noarkianos, alegando coisas como ‘Nossa missão é proteger a capital imperial!’.
Embora a nova missão não fosse algo tão sério quanto uma contra-invasão em larga escala, mas mais uma ‘simulação’ de contra-invasão, isso me deixou curioso. Se o Cavaleiro do Rei tinha tanto poder, quão absoluta seria a autoridade do próprio rei?
— Hmm…
Quanto mais eu pensava nisso, mais deprimido ficava, então decidi apenas focar no presente.
Enquanto os soldados do palácio distraíam os inimigos, infiltrei-me silenciosamente no Distrito 4 e cheguei em frente ao portão principal do Banco Alminus. Ou melhor, fiquei parado ali pensando no que fazer.
“Porta principal, porta dos fundos, pular a cerca.”
Qual rota eu deveria tomar para resgatar Ainar em segurança?
Não demorei a decidir.
“Porta principal.”
Havia dois motivos para isso. Primeiro, eu seria descoberto independentemente da rota escolhida, devido ao meu corpo grande. Segundo, a porta principal era a mais próxima do cofre subterrâneo.
— Behel–LAAAH!
Usei minha autoridade de bárbaro contra os dois guardas que bocejavam no portão principal.
【Você lançou Swing.】
【O dano que você causa com armas contundentes aumenta significativamente em proporção à sua Força Muscular.】
A autoridade bárbara era especializada em esmagar, destruir e fender coisas.
— É o Barão Yandel!
— Parem-no!
— Por que você está correndo após mandar a gente pará-lo?!
— Fujam!
Com minha autoridade descendo sobre o Banco Alminus, os noarkianos de guarda nem pensaram em me enfrentar e fugiram como galinhas sem cabeça.
Isso não era estranho de se ver. Se esperava que os inimigos de nível baixo agissem assim. Agora, os verdadeiros inimigos deveriam aparecer para me deter, já que causei uma comoção tão grande.
“O quê…? Por que ninguém mais está vindo?”
Após atravessar a porta principal e entrar no edifício, corri para o subsolo. Contudo, ‘rápido’ era um exagero, considerando quanto tempo passei correndo. Ainda assim, nenhum inimigo real apareceu diante de mim.
Será que as armadilhas realmente não haviam sido montadas ainda?
Eu vim para cá o mais rápido possível, visando exatamente isso, mas ainda assim…
“Por que está tão fácil?”
Eu não conseguia acreditar. Isso só me fazia pensar no passado, e minha experiência me dizia que eu estava em grave perigo. O momento em que a corda tensa cede era quando tudo começava a desmoronar.
“Espere…”
Pensei no pior.
“Será que a armadilha já foi concluída…?”
Meu inimigo havia previsto tudo. Fizeram parecer que estavam despreparados para que eu viesse sozinho e até posicionaram soldados fracos para que eu baixasse a guarda. Eu estava até preparado para o pior cenário, onde Ainar já estaria morta, e eu só estaria indo buscar um cadáver, mas isso não aconteceu.
— Behel…!
— Behel–LAAAH!
Após seguir para o subsolo, destruindo tudo pelo caminho, ouvi o grito de batalha de Ainar. Aquilo era a prova de sua sobrevivência e meu guia.
— Behel–LAAAH!
— Behel–LAAAH!
Quando gritei, Ainar gritou de volta. Parecia que ela estava tentando me indicar sua localização.
— Behel–LAAAH!
— Behel–LAAAH!
De certo modo, eu me movia como um morcego usando ecolocalização. Bom, não exatamente. De qualquer forma, à medida que nos aproximávamos, nossos gritos continuavam em sincronia.
— Bjooooorn!
Graças a isso, consegui seguir o caminho mais eficiente nesse cofre subterrâneo desconhecido para encontrar Ainar. Por algum motivo, ela não estava presa no cofre, mas estava viva e bem do lado de fora.
“Amelia e Auyen…?”
E havia mais rostos que fiquei feliz em ver, e até um que causava a reação oposta.
— Eltora Tercerion?
— Haha, faz tempo, Barão Yandel…
O que esse cara estava fazendo aqui?
Não demorou muito para eu entender a situação.
— Então, como você morreria de qualquer jeito se ficasse com o marquês, decidiu se agarrar a mim? Como um morcego.
— B-Bem, mais ou menos…
— Não aceitarei se tentar me dar algum motivo grandioso.
— Você tem razão.
Sim, ele deveria ter feito isso desde o começo.
De qualquer forma, era ótimo que o filho do marquês estivesse sob meu controle. Contudo, em vez de pensar em como usá-lo…
— Emily, é bom ver que está segura.
— Você também.
Troquei uma breve saudação com Amelia, que finalmente consegui ver novamente, e então olhei para Auyen. Era uma sensação realmente estranha.
— Muito bem. Você fez algo que nem eu, nem o palácio conseguimos fazer.
— P-Por favor, não diga isso! Eu só tive sorte! Afinal, foi você quem me deu aquela essência!
— Não estou falando da essência ou da sua sorte. Estou falando do fato de você ter tomado essa decisão… Mesmo que colocassem cem pessoas comuns na sua posição, nenhuma delas teria conseguido fazer a mesma escolha que você naquele momento.
Eu estava sendo sincero, mas parecia que Amelia achava minhas palavras pesadas demais para Auyen, pois ela se intrometeu na conversa.
— Pare. Auyen Rockrobe é um membro genuíno do Clã Anabada. Não é natural que ele seja diferente de pessoas comuns?
— Oh… — Achei que ela fosse me dizer para parar de constrangê-lo, mas ela também queria elogiá-lo.
— Oh…
Não consegui dizer se era por constrangimento ou alegria, mas Auyen abaixou a cabeça e ficou se mexendo de forma inquieta por um bom tempo.
Certo, hora de deixar os elogios por aqui.
— Bjooorn! É bom ver que está bem! Me elogie também! Se não fosse por mim, Rotmiller não teria conseguido levar vocês até lá! Ah, a propósito! O que aconteceu com Rotmiller? Você não o trouxe desta vez?
— Ah…
Ela não sabia.