O Príncipe Problemático

Volume 3 - Capítulo 1

O Príncipe Problemático

O sol da primavera inundava o quarto pela janela, atravessando as rendas das cortinas e banhando a cama. Bjorn estreitou os olhos, observando a sombra das cortinas que balançavam suavemente. Conseguia reconhecer o desenho da renda como uma flor, mas que tipo de flor, era um mistério.

Erna saberia, ela mesma quem havia bordado todas as flores das cortinas para a primavera, e era a parte mais charmosa do quarto. Na noite anterior, ela tinha falado com paixão e orgulho sobre elas na cama.

Uma empregada entrou após uma batida suave para ver se o casal estava pronto para o café da manhã. Vendo a luz do sol na cama, ela foi e fechou as cortinas. Bjorn acenou com a cabeça em agradecimento.

“Café no jardim”, sussurrou ele, para não acordar Erna. “Daqui a uma hora, mais ou menos.”

A empregada saiu e o quarto ficou sereno novamente. O vento soprava vindo do rio Abit e os olhos de Bjorn seguiram o movimento das cortinas, observando as sombras dançantes da renda, as fitas cor creme no troféu de chifre, dois pares de pantufas lado a lado, e… Erna.

Bjorn olhou para o relógio: dez minutos até os chafarizes serem ligados. Olhou para sua esposa. Erna queria ver os primeiros jatos d’água e ele havia prometido acordá-la, mas ela dormia profundamente. Parecia que ela estava sentindo os efeitos da bebedeira da noite anterior.

Bjorn decidiu não acordá-la e se aconchegou mais perto dela. Mesmo quando ele afastou o cabelo do rosto dela, ela não se mexeu. Ela parecia pacífica e serena.

“Erna”, chamou-a pelo nome.

Lembranças da primavera do ano passado vieram à sua mente; ela havia dormido demais e perdido os chafarizes também. Naquela manhã, por alguma razão, Bjorn havia acordado excepcionalmente cedo.

Os sentimentos que ele havia experimentado naquele dia eram os mesmos que sentia agora, a única diferença era que ele conhecia o sentimento agora.

Bjorn absorveu a beleza intrincada e esculpida de Erna. Tudo em seus traços finamente trabalhados, desde sua pele de porcelana, as sombras delicadas de seus cílios, seu nariz arrebitado, bochechas rosadas e lábios perfeitamente formados, era uma visão de tirar o fôlego, e ela era toda dele.

‘Ela é minha.’ A suave luz do sol filtrava pelas cortinas de renda, lançando um brilho suave em seu rosto. ‘Minha esposa, Erna.’

Seus dedos traçaram um caminho ao longo de sua bochecha macia, parando na nuca esguia. Ele podia sentir seu pulso firme, e isso dissipou as lembranças persistentes do pesadelo de inverno.

Bjorn olhou lentamente por cima do ombro para o relógio mais uma vez. Cinco minutos. Era hora de despertar a corça adormecida.

“Erna”, disse Bjorn um pouco mais alto do que antes. Ele se pressionou contra seu corpo macio. Ela se aninhou nele enquanto ele fazia isso.

Ele odiava perturbá-la, especialmente porque seu calor era tão convidativo e confortável. A cena trouxe de volta memórias, reminiscentes da manhã do ano anterior quando os primeiros jatos da fonte brilhavam, e o calor suave do sol da primavera o abraçava. Sem que ele soubesse, memórias que ele havia esquecido repentinamente ressurgiram, deixando um olhar persistente em seus olhos.

“Acorda, Erna.” Bjorn cutucou o nariz de Erna brincalhonamente. “Se você não acordar, vai perder os chafarizes.”

Os dedos de Bjorn vagaram suavemente pelas bochechas de Erna. Enquanto ela se mexia e se virava, Erna abriu lentamente os olhos. Bjorn a observou com um sorriso enquanto seus olhos azuis, emoldurados por uma linha de cílios escuros, o olhavam.

“Os chafarizes?”, murmurou Erna sonolenta.

Bjorn riu enquanto Erna se sentava ereta. O raio de sol fazia sua pele nua brilhar. As marcas carmesim da noite anterior adornavam seu corpo. Era como botões de flores desabrochando em um ramo regado. Ela era como um ser divino, sua única e verdadeira deusa, uma deusa todo-poderosa da beleza e do amor, e ele a adorava, mesmo que ela fosse uma corça maluca.

Bjorn ajudou Erna a sair da cama às pressas e, apesar dos efeitos persistentes do álcool, ela vestiu um roupão e correu para a varanda. Seus pequenos chinelos ficaram para trás. Eles eram menores que a mão de Bjorn.

Com um suspiro, Bjorn saiu da cama com menos graça e pegou os chinelos, seguindo a deusa descalça.

“Bjorn, vamos!”, Erna chamou do quarto. Ninguém diria que ela quase havia dormido demais.

Era uma daquelas manhãs em que ele sentia que podia realizar qualquer coisa. Com passadas largas, ele saiu para a varanda. Os olhos de Erna se arregalaram quando ela viu o que ele estava agitando nas mãos. Ela não havia percebido que estava descalça.

Decidindo não provocá-la mais, Bjorn gentilmente colocou os chinelos em seus pés. Seus dedos inquietos deslizaram no tecido macio dos chinelos e ela soltou uma risada suave.

Erna rapidamente arrumou o cabelo e ajustou as alças do roupão. Bjorn ficou ao lado dela e, juntos, eles olharam para os jardins do Palácio Schuber. Em pouco tempo, a fonte voltou à vida. Erna explodiu em risos infantis quando a água espirrava para o céu, lançando um arco-íris tênue na luz do sol da manhã.

“Precisamos fazer isso todos os anos”, disse Erna, sem tirar os olhos da fonte. “Acho que deveria ser uma de nossas tradições.”

‘Tradição…’

Bjorn sussurrou a palavra como se estivesse girando um doce cozido na boca. Ele deve ter se lembrado desse pequeno detalhe através da névoa de embriaguez da noite anterior, quando Erna também falou sobre tradições, com uma seriedade em seu rosto que não combinava com as coisas obscenas que ela estava fazendo com as mãos.

“Como desejar, Erna”, disse Bjorn. “Seria perfeito se a véspera também fizesse parte da tradição.”

“O quê? Do que você está falando?”

Erna foi pega de surpresa. O gosto persistente do vinho Buford agridoce e a carícia da brisa suave da noite, o beijo ousado que havia iniciado tudo, o som da risada de Bjorn e o calor refrescante de suas peles se tocando. Todas as suas lembranças da noite anterior eram quase perfeitas demais e deixaram Erna corada de vergonha.

“Bem, minha esposa parece se lembrar apenas da metade do que aconteceu na noite passada”, disse Bjorn, soltando uma risada agradável. “Acho que o resto pertence a todas as outras lembranças esquecidas.”

Contrariamente ao seu sorriso travesso, Bjorn estendeu a mão como só um príncipe elegante poderia, como se estivesse pedindo a Erna para dançar. Erna de repente se lembrou dos ensinamentos de sua avó, de que o diabo atrai com o rosto mais bonito.

“Talvez”, disse Erna, fingindo que não tinha acabado de conquistá-lo e tomou sua mão.

Os dois ficaram na varanda, de mãos dadas com firmeza, e olharam para a água cintilante sob o sol da manhã, até que o canal se encheu e esvaiu para o rio Abit.

Era a segunda primavera deles juntos.

Era o início de uma tradição bastante satisfatória.

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“Você está bem com isso?”, a voz de Bjorn chamou de dentro do farfalhar de papel delicado.

Erna estava beliscando um pequeno pedaço de fruta em conserva, virou-se para ele com olhos arregalados e curiosos. Inclinando levemente a cabeça, as flores artificiais que adornavam seu chapéu balançavam suavemente enquanto ela se movia.

“A viagem”, disse Bjorn, apontando para um livro na ponta da mesa. Era um guia de viagens que Erna carregava como se fosse parte dela.

“Diga-me se houver algo com que você não concorde.” Bjorn dobrou o jornal que estava lendo e se recostou na cadeira. “Se você não falar, não saberei como você se sente.”

Sua viagem planejada originalmente havia se transformado em uma turnê diplomática, que deveria ter sido o trabalho do Príncipe Herdeiro, mas Leonid de repente declarou sua incapacidade de conduzir a missão, então agora coube ao Casal Ducal.

Bjorn ficou chocado com a reviravolta repentina de eventos por parte de quem sempre foi responsável. Bjorn não podia recusar a oportunidade de ir no lugar de Leonid. A razão exata para a incapacidade de Leonid nunca foi esclarecida, mas Bjorn supôs que tal decisão só poderia ter vindo de algo muito sério.

“Bem”, disse Erna, olhando para Bjorn com olhos profundos. “Já que temos que partir em dois dias, temos mesmo muita escolha?”

“Posso arranjar várias coisas, até o último minuto.”

“Sério?”

“Podemos mandar o Christian no lugar do Leonid e fazer nossa própria viagem.”

Erna olhou para Bjorn, que ostentava um sorriso sem vergonha. “Você está falando sério? Você confiaria a delegação ao Príncipe Christian, que ainda é apenas um menino?”

“Ele tem dezessete anos, bastante velho.”

“É mesmo? Nossa, ótima alternativa.” Erna sorriu como uma menina inocente e acenou com a cabeça. O vento carregava o aroma de flor de macieira.

“Mas não, estou realmente ansiosa por essa turnê.” Erna olhou para o guia de viagens, que havia sido aberto de tempos em tempos quando Erna tinha um lampejo de inspiração.

Eles estavam destinados a visitar um dos aliados de Lechen, Lorca, localizado no extremo sul. O objetivo principal da viagem era participar da cerimônia do 50º ano do rei no trono e fortalecer ainda mais os laços amigáveis entre as duas nações.

Embora fosse decepcionante que sua lua de mel tivesse que ser adiada mais uma vez, Erna aceitou a realidade. Depois da turnê, eles teriam um tempo para si mesmos; além disso, Erna nutria uma verdadeira afeição por Lorca.

Lorca era conhecida por suas impressionantes áreas costeiras e deserto sempre florido. Guias de viagens retratavam ruas e arquitetura lorcanas, e Erna estava ansiosa para ver por si mesma. Ela imaginava passear pelas ruas e pelo campo com Bjorn. Ela estava determinada a aceitar essa reviravolta do destino e encontrar prazer nela.

“Estou bem, de verdade, já pensei muito nisso. Estou preparada e confiante de que faremos um bom trabalho.” Erna olhou para Bjorn com uma expressão séria, a cabeça ainda doía da ressaca, mas ela manteve sua dignidade.

“Uau, você é uma grande Grã-Duquesa”, disse Bjorn.

“E uma boa esposa, não se esqueça disso”, disse Erna. Bjorn riu.

Erna se recompôs, ajustando o chapéu e alisando o vestido. Ela abriu seu guia de viagens como se nada tivesse acontecido. Serenidade envolveu a mesa do café da manhã enquanto o casal tomava sua refeição.

Bjorn descansou a cabeça na mão, tendo afrouxado a gravata e olhou para o céu. A luz do sol filtrando-se pelos galhos floridos de uma macieira iluminava seu rosto.

O céu estava cheio de nuvens sinuosas de algodão esparso. Uma brisa suave fazia os galhos e as flores balançarem, e o murmúrio sussurrante da fonte chegava aos seus ouvidos. Naturalmente, sua atenção voltou-se para Erna. Seus olhos se encontraram, pegando-a de surpresa, e ela sorriu para ele.

As flores estavam florescendo.

A primavera havia chegado.

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