Volume 2 - Capítulo 150
O Príncipe Problemático
No meio do caos, num mundo inclinado, Bjorn se esgueirava entre os vagões retorcidos, desviando-se de cacos de vidro e pedaços de metal retorcidos e afiados. Tirou o casaco e limpou o suor e a sujeira da testa.
“Erna!”, chamava a cada passo. “Erna!”
O nome ecoava pelo trem como um lamento fantasmagórico. Destemido pelo chão escorregadio e coberto de neve, Bjorn prosseguia com determinação. A cada porta de cabine que abria, cacos de vidro se desprendiam, revelando cenas horríveis, mas os corpos mutilados dos que não sobreviveram à tragédia não o intimidavam.
“Está muito perigoso, Alteza, nós cuidamos disso”, disseram os voluntários enquanto ele os ultrapassava, resgatando quem ainda pudesse ser salvo.
Ao chegar à última porta do compartimento desobstruído, Bjorn esperou que os socorristas removessem rapidamente os destroços e abrissem a porta amassada. Observava-os com os olhos vazios e, por um instante, sentiu a dor nas mãos; ao olhar para baixo, viu que estavam todas cortadas.
“Tem gente”, disse um dos voluntários que estava arrombando a porta.
Bjorn ouviu seus gritos assustados. Esquecendo-se das mãos ensanguentadas, abriu caminho entre a multidão e os destroços, entrando no compartimento recém-desobstruído.
“Espere, não é seguro”, diziam os voluntários enquanto o seguiam, mas ele os ignorou.
Em um dos compartimentos de passageiros da classe econômica, viu uma forma semi-enterrada sob os móveis. Parecia ser uma mulher esguia, com cabelos castanhos e compridos. Enquanto os voluntários se ocupavam com os sobreviventes recém-encontrados, Bjorn saltou para dentro do cômodo e começou a jogar os móveis para o lado, descobrindo o corpo gravemente contorcido.
Cautelosamente, Bjorn virou o corpo, o coração incapaz de se preparar para o que veria, fosse Erna ou não. Houve pouco alívio ao não reconhecer o rosto da jovem, que parecia estar dormindo. Ela gemeu.
Bjorn confortou a garota até que alguns voluntários vieram ajudar; então, foi procurar Erna, deixando o cômodo sem olhar para trás.
Ele passou por cada compartimento. Às vezes, encontrava um corpo morto; outras vezes, alguém preso entre os destroços, e trabalhava com os voluntários para libertá-los, mas não havia sinal de Erna em lugar nenhum.
Bjorn sentia-se devastado a cada cabine que entrava. Quanto mais avançava pelo trem, mais se aproximava das áreas completamente soterradas pelo deslizamento de terra, e menores se tornavam suas chances de encontrar Erna viva.
Sua garganta coçava enquanto chamava o nome de Erna, mas a dor física nunca atingiu sua mente, totalmente voltada para uma única preocupação. Sua segurança era secundária a encontrar Erna; sua própria saúde nem era um fator.
No fundo do desespero, lembranças de Erna inundaram sua mente, começando do momento em que a garota do interior chegou a Schuber na primavera.
Na mesa de apostas, as apostas estavam sendo feitas. Ele a via apenas como um jogo, uma fonte de prazer fugaz, sem valor além do dinheiro desperdiçado. Somente por causa de Erna ele teve a coragem de participar daquela aposta absurda.
Era amor? Ele não sabia. No momento, era uma justificativa fraca para buscar consolo em um momento tão desesperador. Ele havia deixado isso de lado como algo sem importância; tudo que importava era encontrar Erna.
Corriam rumores de que Bjorn maltratava tudo o que ganhava com dinheiro, e parecia que Erna não era diferente, mas, ganha em uma aposta ou não, ele a desejava. Não havia malícia em suas ações quando a tirou de Pavel Lore naquela noite fatídica.
Ele não pretendia cegar Erna para o que acontecia ao redor, mantê-la dócil. Seja Walter Hardy, a escória do mercado matrimonial, Pavel Lore ou mesmo todos os fofoqueiros, Bjorn achava que estava a protegendo.
Olhando para trás, percebeu que o fez conscientemente, querendo mantê-la dócil e complacente para facilitar sua própria vida. A proposta foi assim também: silenciosa, discreta e inofensiva. Apresentada como uma proposição para salvar uma jovem de se casar com um bruto, mas, na realidade, ele era o bruto, o abusador, o cogumelo venenoso e egoísta.
Se sua mão não tivesse sido a vencedora, ele teria se importado com Erna?
Ele conhecia a resposta antes mesmo de terminar de pensar nela. Na verdade, nunca a deixaria ir.
“ERNA!”, gritou com uma voz rouca e dolorida.
Bjorn abriu uma porta com um chute, revelando a cena desoladora da cabine de terceira classe. Sem as divisórias, era uma visão horrível.
Ofegando, sentindo o forte cheiro metálico de sangue, Bjorn entrou no vagão. Examinou cada corpo, cada rosto sem vida, olhou para todos os olhos desesperados. A cada rosto que via, tornava-se mais difícil lembrar como Erna realmente era.
“ERNA!”
Enquanto Bjorn chamava seu nome, exigindo uma resposta, a neve entrava pelas janelas quebradas e pousava em seus cabelos. Erguendo seus olhos tristes, olhou para o céu. A imagem se embaçou diante dele, enquanto as lágrimas brotavam. Ele as enxugou, pressionando as palmas das mãos nos olhos.
Ele queria implorar que ela não o deixasse. Ainda não havia lhe dito que a amava. Que destino cruel, negar-lhe aquela simples declaração.
Com mãos trêmulas, limpou o rosto úmido, seu olhar fixo na porta do compartimento final. Seus olhos estavam frios e fundos ao perceber que Erna estava ali; onde mais ela poderia estar? O pensamento acendeu uma pequena chama de esperança em seu peito.
“Alteza, o senhor não pode entrar aí”, disse um voluntário, tentando bloquear a porta com arame farpado.
“SAIA DA FRENTE!”, rosnou Bjorn.
“Está completamente soterrado ali, ninguém poderia ter sobrevivido.”
“SAI DA MINHA FRENTE!”, repetiu Bjorn.
“Não há sobreviventes, Alteza.”
Bjorn já estava farto de pedir e empurrou o voluntário para o lado, arrombando a porta como se estivesse possuído. Só havia um compartimento restante, então não fazia sentido dizer que não havia sobreviventes nele; Erna ainda não havia sido encontrada.
“Alteza, é muito perigoso”, disse o voluntário atrás dele, sem mais tentar impedi-lo.
Bjorn puxou a porta, chutou, socou, usando toda a sua força para tentar abri-la, mas só conseguia cortar ainda mais as mãos.
“Bjorn”, ouviu uma voz familiar, “se acalme, Bjorn.”
“Leonid?”, disse Bjorn, olhando por sobre o ombro.
“O que você está fazendo?”, suspirou Leonid.
Ele já havia sido informado sobre o comportamento imprudente de Bjorn pelo prefeito e os outros sobreviventes ao descer pelo trem. Presenciar a loucura de seu irmão em primeira mão era ainda mais angustiante.
“ME DEIXA EM PAZ, LEO!”, gritou Bjorn.
Limpou as mãos na camisa ensanguentada e voltou-se para a porta. Parecia exausto, mas um fogo feroz ainda brilhava em seus olhos. Era como se estivesse possuído por demônios.
“A Grã-Duquesa não está aí, Bjorn.” Leonid se apressou em direção a Bjorn, colocando-se entre ele e a porta. “Eu encontrei a Grã-Duquesa, vamos embora.”
Bjorn olhou para Leonid, inseguro se havia ouvido direito. Leonid colocou seu casaco sobre os ombros de Bjorn e o guiou para fora do trem.