Volume 2 - Capítulo 149
O Príncipe Problemático
A estação central de Kassen fervilhava de gente: vítimas do trem descarrilado, familiares e voluntários exaustos. As plataformas eram um caos organizado de feridos e bagagens, uma confusão generalizada.
Bjorn desceu do trem vindo de Schuber, o rosto impassível. O barulho e a rajada de ar frio enchiam seus ouvidos. Ignorando tudo, ele se abriu caminho pela multidão. Seu criado o seguia de perto, desesperado para não se perder no meio da gente.
Apesar do grave acidente envolvendo sua esposa, Bjorn não demonstrava preocupação. Ele simplesmente se esquivava das pessoas, procurando o chefe da estação. Ao encontrá-lo, ouviu atentamente seu relatório.
O acidente ocorreu quando um muro de contenção cedeu, causando um deslizamento de terra que atingiu o trem. Alguns vagões ficaram soterrados, havendo grande probabilidade de vítimas. Infelizmente, a operação de resgate estava sendo prejudicada pela neve e pela forte neblina.
“Podemos ainda usar a linha de saída?”, perguntou Bjorn, após ouvir o relatório.
“Sim, há um trem previsto para partir em breve, mas…”
Antes que o chefe da estação pudesse completar a frase, Bjorn se virou e correu para alcançar o trem que estava partindo. Ele se esgueirava pela multidão até o trem, tentando evitar derrubar as pessoas, mas era inevitável, e em sua esteira vinham gritos de protesto.
“Príncipe, Príncipe!”, chamava seu criado. “Por favor, espere! Vou avisar Kassen de sua presença, obter ajuda.”
“Não!”, gritou Bjorn por sobre o ombro, encontrando o trem rumo ao sul. “Não temos tempo para isso.”
O trem estava sendo carregado com suprimentos para o esforço de resgate. Sem hesitar, Bjorn se aproximou da locomotiva.
“Senhor, posso sentar com o senhor?”, perguntou educadamente, na entrada da cabine do maquinista. O homem quase pulou do banco.
“Ei, rapaz, se precisa de passagem, vá para a praça, você sabe o que está acontecendo…?”
“Claro que sei! Preciso que me leve até o local do acidente. Vocês estão indo para lá, não estão? Minha esposa… minha esposa estava naquele trem.” Seus olhos, antes calmos, agora suplicavam ao homem que o deixasse entrar.
O maquinista coçou a nuca, constrangido. Os vagões estavam completamente carregados e prontos para partir; um dos controladores acenava para chamar a atenção do maquinista.
“Tudo bem, mas vai ser uma viagem desconfortável. Entre.”
Sem pensar duas vezes, Bjorn embarcou rapidamente no vagão que continha o kit de primeiros socorros. Seus criados, atônitos, o seguiram rapidamente. Assim que a porta se fechou, o vagão partiu em direção ao local do acidente, sem perder tempo.
“Sua Alteza, o Grão-Duque?”
A voz do prefeito de Kassen ecoou pelos barracos, onde estava situado o centro de comando para o esforço de resgate. A notícia de que o Príncipe de Lechen estava no local do acidente, e mais ainda, exigindo a lista de sobreviventes, causou espanto.
O prefeito saiu da barraca e viu uma equipe de voluntários bloqueando o caminho de um jovem alto, de cabelos platinados, que tentava abrir passagem a empurrões.
“Saiam da frente, todos! Não vêem que é o Grão-Duque?”
Com a ordem firme, os voluntários se afastaram, envergonhados. O Príncipe hesitou e se aproximou do prefeito, que o bombardeou com desculpas. Guiou o Príncipe para dentro da barraca.
“Minhas mais sinceras desculpas, Sua Alteza. Temos trabalhado sem parar para resgatar todos que pudemos.”
“A lista, onde está?”
Bjorn ignorou as formalidades, deixando claro que não tinha paciência para amenidades. O prefeito pegou uma prancheta de seu assistente e a ofereceu a Bjorn, que a arrebatou como se estivesse recuperando um objeto precioso de um ladrão.
O olhar de Bjorn percorreu a lista, seus olhos se movendo rapidamente entre as palavras “resgatador”, “ferido” e “morto”.
“Ainda não progredimos muito, Sua Alteza. O tempo está dificultando as coisas mais do que o necessário.”
Um silêncio caiu sobre o centro de comando enquanto Bjorn examinava os nomes na lista. O único som que ousou quebrar o silêncio foi o barulho do papel enquanto Bjorn folheava as páginas. Ele conferiu a lista várias vezes, mas não encontrou menção a Erna.
Devolvendo a lista ao prefeito sem sequer um obrigado, Bjorn deixou o centro de comando e se dirigiu ao local do acidente. A parte traseira do trem estava completamente soterrada, indicando que havia pessoas presas vivas.
A visão dos vagões retorcidos e tombados fez o coração de Bjorn se apertar. Os destroços retorcidos serviam como um lembrete da devastação que a lama e a chuva poderiam causar.
“Sua Alteza, por favor, entre”, disse o prefeito, tentando conduzir Bjorn de volta ao centro de comando, mas o Príncipe permaneceu imóvel, fixo no pesadelo diante de si.
Os lamentos dos voluntários se misturavam aos gritos desesperados das vítimas. O barulho rasgava o ar noturno e era carregado por um vento gélido. Ocasionalmente, uma maca coberta com um lençol branco era vista, levando uma vítima para se juntar aos demais mortos. A atmosfera sombria pesava sobre Bjorn, enquanto ele testemunhava as consequências devastadoras.
Ao anoitecer, a neve voltou a cair. A luz dos socorristas tornou-se um ponto fraco contra a noite terrível.
“Meu Príncipe?”
O criado de Bjorn chamou sua atenção, oferecendo-lhe um guarda-chuva e olhando-o com preocupação. Foi nesse momento que Bjorn percebeu as pessoas que se aglomeravam ao seu redor, como se estivessem buscando algum tipo de penitência dele.
Bjorn se virou e voltou para os barracos. A cada passo deliberado, seus pensamentos eram cada vez mais consumidos por Erna. A imagem dela ocupava sua mente.
Ele a via vividamente, no dia em que partiu para Schuber, firme até que ele não pudesse mais vê-la de sua carruagem. Seus cabelos castanhos macios e a barra de sua saia sendo levada pelo vento pareciam uma despedida final.
Ele se lembrava de seu tempo juntos em Buford. O conforto da noite e o calor de sua companhia enquanto observavam os bonecos de neve derreterem. Isso estava gravado em seu coração, e ele se sentia sereno sempre que pensava em Erna.
Ele desejou ter encontrado uma forma de expressar suas emoções, mas hesitou e agora tinha que engolir aquelas palavras desafiadoras ao retornar ao centro de comando. A neve intensificou a cada momento. Sem dúvida, seria uma noite difícil.
Erna. Cada vez que ele pronunciava o nome, sua respiração aumentava. Em algum lugar, ela estava sangrando e congelando, em algum canto escuro daquele trem. O coração de Bjorn clamava por ela, a chamava, e ela poderia estar esperando por ele, que nunca chegaria a tempo.
Erna, sua esposa, estava esperando por ele, e desta vez, ele estava determinado a estar lá para ela. Sua respiração falhou como se estivesse sendo sufocado, e a raiva escaldante o tirou da inércia. Ele se levantou abruptamente, fazendo aqueles ao seu redor arfar de surpresa.
Ignorando os protestos, Bjorn deixou o centro de comando, incapaz de ficar parado. Ele se lançou na neve e correu em direção ao trem, onde os socorristas trabalhavam arduamente para libertar as vítimas. Embora pudesse ouvir as vozes daqueles atrás dele, implorando que ele voltasse, Bjorn seguiu em frente.
Ele sabia que a paciência era essencial naquela situação, entendia que era muito improvável que ele pudesse encontrar Erna sozinha, naquela bagunça, mas não conseguia ficar parado enquanto outros trabalhavam tão diligentemente. Erna estava ali, em algum lugar.
Esse raciocínio eliminou todos os outros pensamentos. Ele tinha que tentar, mesmo que fosse inútil. Se ele simplesmente sentasse e esperasse, como poderia viver consigo mesmo?
“Sua Alteza, o senhor não deveria…” Os criados de Bjorn tentaram pará-lo apressadamente, mas um olhar feroz de Bjorn fez o criado recuar.
Bjorn fez uma pausa, examinando o trem, tentando descobrir onde Erna poderia estar, mas não havia pistas óbvias, então ele se dirigiu ao primeiro vagão. Subiu no vagão tombado, agarrando-se firmemente a uma barra de ferro fornecida pela equipe de resgate.
“Príncipe.”
Mesmo enquanto o criado o chamava, ele usou a barra de ferro para quebrar a janela do vagão e saltou para dentro da escuridão.