O Príncipe Problemático

Volume 2 - Capítulo 102

O Príncipe Problemático

“Por que você fez isso?”, perguntou Erna, que ficara calada quase o tempo todo durante a viagem de carruagem para casa, só falando quando o palácio surgiu à vista.

“Por que você atacou o Pavel daquele jeito?”

Seu cabelo, todo emaranhado, estava cheio de grama e sua pele estava pálida. Era um contraste gritante com a mulher linda que saíra do quarto naquela manhã. O que normalmente a incomodaria em sua aparência parecia insignificante agora.

Erna virou lentamente a cabeça e olhou para Bjorn, que estava sentado ao seu lado. Ele tinha os olhos fechados, completamente impassível, parecendo dormir.

“Bjorn?”

“Fique quieta, Erna”, Bjorn suspirou. “Não diga mais nada.”

Ele abriu os olhos e olhou para Erna; seus olhos frios e cinzentos continham uma faísca de raiva que fez um arrepio percorrer a espinha de Erna. Ela ficou sem palavras, conseguindo apenas mexer os lábios, incapaz de articular qualquer som. Bjorn fechou os olhos novamente.

Um troféu ganho em uma aposta.

As palavras cruéis ecoaram na cabeça de Erna, trespassando-lhe o coração. Ela sentiu a dor no peito como uma força física. Ela sabia, no fundo, que o que compartilhava com Bjorn não era amor, mas acreditava que havia, pelo menos, alguma sinceridade em seu relacionamento. Mesmo que fosse apenas por compaixão por uma mulher pobre que havia se metido em uma situação terrível.

Para ele, ela nem mesmo podia ser objeto de pena. Ao perceber isso, uma profunda tristeza se instalou em seu coração, ofuscando a raiva crescente.

Ela acreditara em Bjorn.

Apesar do que qualquer um pudesse dizer, ele era a única pessoa que a havia protegido nesse mundo cruel em que ela se encontrava. Por isso, ela o amava.

Ironicamente, Erna percebeu que já havia se apaixonado por Bjorn e isso aconteceu no momento em que seu coração se partiu.

A noite em que seus olhos se encontraram, sob o guarda-chuva que os protegia da chuva fria. Quando os belos fogos de artifício iluminaram o céu noturno com cores maravilhosas. A festa na Rua do Porto. Não, talvez na sala de exposições pouco iluminada do museu de arte, quando o Príncipe beijara expectativa o dorso de sua mão. Ela já sentira seu coração bater forte apenas com o sorriso dele.

Erna sentiu uma crescente tristeza e autopiedade ao refletir sobre o passado. Um troféu de uma aposta ganha. Ela não passara de um troféu para ele. Ela dera a ele seu coração, caindo na armadilha dele para conquistá-la. O pensamento de sua própria tolice a feriu.

Seu coração afundou ainda mais. Ele fora sua salvação, mas ela era simplesmente seu peão. Ela tentou ao máximo conter as lágrimas, mas as lágrimas já turvavam sua visão. Ela ansiava por gritar e discutir, incapaz de suportar a dor que só aprofundava sua tristeza.

Não importava quão ruim fosse sua reputação, ele era o próximo na linha de sucessão ao trono. Ele era um homem que poderia ter se casado com quem quisesse, se assim o desejasse. Então, quando ela pensou em como ela era apenas um troféu para ele, o casamento deles parecia ainda mais absurdo e ela não conseguia mais colocar a culpa apenas em Bjorn.

O peso da responsabilidade que ele assumira: proteger a Mansão Baden, pagar as dívidas da família Hardy, corrigir os erros de seu pai, que diziam ser ainda um problema. Tudo isso pesava sobre Erna. Como ela ousaria resentir-se do homem que fizera tudo isso por ela? Ele fizera tudo isso e não pedira nada em troca.

Se a única razão pela qual Bjorn se casara com ela era para ter um troféu e evitar qualquer problema, então ela não deveria suportar? Era o mínimo que ela poderia fazer, mas a vergonha e a tristeza. Mesmo que ela somasse tudo, ainda não seria suficiente para compensar tudo o que ele fizera.

Erna sentiu o medo a agarrar quando a compreensão a atingiu de que Bjorn poderia, de fato, vê-la como nada mais do que uma esposa deficitária.

Ele sempre era meticuloso em seus cálculos e, como tal, um homem mais implacável que a maioria. Ele não toleraria uma esposa troféu que ele considerasse inútil ou um fardo.

Um ano, no máximo, diziam as pessoas.

À medida que as lembranças das provocações dolorosas que ela não queria lembrar vieram à tona, a carruagem parou na ponte do Grão-Duque. Foi então que as lágrimas de Erna começaram a fluir descontroladamente. Ela se lembrou da expectativa que sentira ao ficar naquela ponte, esperando por ele.

Eu te dei minha flor favorita.

Enquanto as lágrimas toldavam sua visão, ela achou que podia ver o símbolo de promessa que dera a ele naquele dia. Ela não conseguia deixar de sentir gratidão por Bjorn ter aceitado com tanta facilidade. Ao imaginar o príncipe usando-o orgulhosamente em sua gola, sentiu como se uma flor tivesse desabrochado em seu coração.

Que engraçado isso deve ter sido para ele. Os soluços de tristeza de Erna abafaram o som da carruagem rangendo sobre os paralelepípedos.

“Não chore, Erna”, disse Bjorn sem abrir os olhos; o som de sua irritação era palpável. “Por que você está chorando, afinal? Sou eu quem estou sendo um idiota aqui.”

Suas palavras soaram tão patéticas ao saírem de sua boca que ele riu delas.

Ele sabia.

Bjorn percebeu que ela não havia feito nada de errado. Fora ele quem se tornara irracional por causa de um assunto tão trivial e causara tudo desabar, e o pior era que ele não conseguia se controlar, fato que era verdadeiro tanto então quanto agora.

Aterrorizada, Erna engoliu as lágrimas. A carruagem parou assim que as costas do banco começaram a irritar os nervos sensíveis de suas costas.

“O médico chegará em breve”, disse a Sra. Fitz enquanto um criado abria a porta da carruagem.

Bjorn respondeu com um simples aceno de cabeça.

“Sua Alteza, Sua Majestade está esperando por você.”

“Agora?”

“Sim, Sua Alteza.”

Mesmo na presença intimidadora de Bjorn, a Sra. Fitz era inflexível.

“Tenho ordens para garantir que você vá direto para o Palácio de Verão ao retornar.”

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A atmosfera no escritório ficou mais pesada quando o último lobo entrou na sala. Com mãos calejadas, o Chefe de Polícia levou a xícara de chá aos lábios, fazendo o possível para esconder o medo; dizem que os lobos podem sentir o medo e, cercado por eles, em sua toca, ele não pôde deixar de se sentir como um cordeiro.

“Você se importaria de explicar isso ao Bjorn, agora que ele está aqui?”, disse o Príncipe Herdeiro Leonid.

Uma sensação de desespero tomou conta do Chefe quando o Príncipe Herdeiro falou secamente. Com um suspiro pesado, ele pousou a xícara de chá. Ele se tornou repentinamente consciente do suor se formando em suas palmas e testa, mesmo sendo uma noite fria.

“Bem”, disse o Príncipe Herdeiro, impacientemente.

A tensão era densa e seus lábios secos tremeram enquanto o Chefe procurava as palavras certas. Embora enfrentar o Rei e o Príncipe Herdeiro não fosse tarefa fácil, não era nada comparado a ficar cara a cara com o Grão-Duque impassível e de rosto frio.

A notícia certamente arruinaria qualquer bom humor que pudesse restar no homem, e a expressão séria que ele carregava sugeria que ele já poderia ter ouvido a notícia, ou algo igualmente ruim. A aparência desgrenhada do Grão-Duque, as manchas claras de sangue seco em sua gola e as marcas roxas em seus nós dos dedos; ele parecia que já tinha saído de uma briga.

“Conte-me”, disse Bjorn, descontraidamente.

O Grão-Duque olhou para o Chefe de Polícia com um olhar calmo e o instou a continuar de maneira educada. Não foi difícil para o Chefe detectar o cansaço por trás da irritação.

“Me desculpe, Sua Alteza”, o Chefe de Polícia finalmente falou. “Se eu soubesse disso antes, teria feito de tudo para impedir, mas ele parou nos jornais antes de ir à delegacia, não me dando meios de pará-lo. De qualquer forma, acredito ser imperativo que todos vocês sejam informados da situação.”

“Vá direto ao ponto”, disse Bjorn, mais por tédio do que qualquer outra coisa.

“Claro, Sua Alteza”, o Chefe de Polícia limpou a garganta. “Esta tarde, um homem chamado Hans Webber, que dirige uma empresa comercial, fez uma visita à delegacia de Schuber. Ele apresentou uma declaração alegando que foi enganado por um membro da família real e ameaçou denunciar o responsável.” O Chefe de Polícia falou de maneira séria e profissional; sua dedicação ao trabalho superou o medo de ser devorado pelos lobos.

“Antes de sua chegada à delegacia, como mencionei anteriormente, ele já havia ido aos jornais com sua história. Será publicada no jornal desta noite”, ele olhou para seu relógio de bolso. “Em questão de minutos. É algo que agora está além de nossa capacidade de impedir.”

Seu relatório apresentado, o Chefe de Polícia tirou um lenço e enxugou as gotas de suor que se formavam em sua testa. Ele tinha uma vaga ideia do que viria a seguir, e o Grão-Duque o olhou com seus olhos cinzentos e frios.

“Minhas desculpas”, ofereceu o Chefe de Polícia, curvando-se profundamente. Ele estava principalmente tentando escapar do olhar do Grão-Duque. “A queixa apresentada por Hans Webber está acusando Sua Alteza, a Grã-Duquesa, e lamento dizer que uma investigação completa precisará ser conduzida.”

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Sem palavras, Leonid simplesmente rosnou de frustração. Ele não tinha ideia do que dizer para consolar Bjorn. Se não fosse ruim o suficiente para Erna ter que lidar com todos os boatos e más atitudes, agora ela iria se envolver nesse escândalo. Poderia ter sido diferente se fosse outra pessoa.

“Você está rindo?”, Leonid perguntou a Bjorn.

Bjorn se virou para ele com um sorriso enorme no rosto, enquanto caminhavam pelo corredor. Leonid ficou mais do que um pouco surpreso. Desde que ouviu a notícia, Bjorn permanecera estoico. Talvez ele não tivesse entendido direito.

Quando a gravidade da situação afundou nos outros, Bjorn deixou a breve reunião, saindo do escritório sem um som sequer de reconhecimento ou tristeza.

“Bjorn, você pode, por favor, levar isso a sério? Mesmo que a Grã-Duquesa seja inocente, isso afeta a reputação da Família Real. Sem dúvida, seu pai tem algo a ver com isso”, disse Leonid.

Apesar do apelo sincero de Leonid, o humor de Bjorn permaneceu inalterado. Ele olhou pela janela enquanto passavam, depois de volta para Leonid, ainda com aquele sorriso bobo no rosto. Ele pode ter sido estoico na frente de seu pai, mas na frente de Leonid, Bjorn mostrou seu verdadeiro eu.

“Nada é tão intrincadamente tecido que não possa ser desfeito. Se uma investigação for necessária, então seremos investigados, nada será encontrado, disso tenho certeza. Os verdadeiros culpados serão descobertos e penalizados. É tão simples assim.” Bjorn disse.

“Sério? E se chegar a isso, você realmente vai encarcerar Walter Hardy?”

“Bem, talvez não eu, afinal, as autoridades de Lechen são mais do que capazes disso”, disse Bjorn. “Eu sugiro que você se afaste, no entanto.”

“Bjorn?”

“Leo, tive um dia muito longo e sugiro que, se você não quiser ser pego no fogo cruzado e sentir o impacto dos meus punhos, sugiro que saia daqui.”

Embora Bjorn ainda estivesse sorrindo, Leonid teve a definitiva sensação de que Bjorn não estava brincando. Apesar do desejo de resistir e ficar com seu irmão, Leonid recuou. Bjorn lançou um olhar fugaz para Leonid e saiu do Palácio de Verão como se estivesse fazendo um passeio tranquilo.

Quando Bjorn se acomodou na carruagem que o esperava, soltou um suspiro fundo e fechou os olhos. Perdido na contemplação de como acabar com uma vida humana, ele foi abruptamente acordado quando a carruagem parou em frente à morada do Grão-Duque.

Bjorn avistou a Sra. Fitz de pé, pronta com a elegância de um serviçal esperando por ele. Ele desceu da carruagem, cansado de sua breve soneca.

“Onde está a Erna?” foi tudo o que ele disse, em um sussurro cansado.

“Sua Alteza está no quarto, com o Doutor Erickson.”

Bjorn franziu a testa com o convidado inesperado. O exame já deveria ter sido concluído, em circunstâncias normais.

“Parabéns, Sua Alteza”, acrescentou a Sra. Fitz. “Você será pai.”

A mente de Bjorn ficou confusa, como tinta caindo na água. Ele apenas encarou a Sra. Fitz enquanto sua expressão se tornava de contenção de excitação e alegria.

Realmente foi um dia exaustivamente longo.

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